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A violência comunitária e o abuso de álcool entre adolescentes: comparação entre sexos

Resumos

OBJETIVO: Verificar a existência de associação entre vitimização e uso de álcool entre meninos e meninas de Porto Alegre (RS). MÉTODOS: Foi realizado um estudo transversal. Participaram estudantes de escolas públicas com idade entre 10 e 19 anos, da 5ª série do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio, compondo amostra por conglomerados em dois estágios, definidas pelas características socioeconômicas do bairro da escola e pela turma. A coleta de dados foi realizada por questionário padronizado de forma anônima e voluntária. RESULTADOS: O álcool foi utilizado por 54% dos meninos adolescentes (14-19) e 17% dos adolescentes (10-13), por 58% das meninas adolescentes mais velhas e 19% das adolescentes mais novas. Cinqüenta e sete por cento dos estudantes sofreram vitimização severa, e 53% sofreram vitimização moderada. Quando as amostras separadas por sexos foram avaliadas, observou-se que meninos e meninas que faziam uso de álcool relataram 2,6 e 1,8, respectivamente, mais vitimização grave, ao passo que o uso de álcool entre meninos e meninas se associou a 3,1 e 2,5 mais prevalência de vitimização moderada, respectivamente. Para os episódios de embriaguez, observou-se que adolescentes se embriagaram mais que pré-adolescentes e que as exposições à violência mostraram associação aumentada para embriaguez. Um percentual de 32% de meninos (razão de prevalência, RP = 4,4; IC95% 2,6-7,3) e 22% de meninas (RP = 2,2; IC95% 1,2-4,1) vítimas de violência severa relatou embriaguez pelo menos uma vez. CONCLUSÕES: Adolescentes de ambos os sexos que consomem mais bebidas alcoólicas têm maior risco de sofrerem violência comunitária.

Violência comunitária; álcool; adolescentes


OBJECTIVE: To verify whether there is an association between victimization and alcohol use among boys and girls in Porto Alegre, RS, Brazil. METHODS: This was a cross-sectional study of students from public schools, aged 10 to 19 years, from the fifth grade of primary education to the third grade of secondary education, selected by two-stage cluster sampling, defined by the socioeconomic characteristics of the neighborhood in which each school is located and by school class. Data collection was by means of a questionnaire which was completed anonymously and voluntarily. RESULTS: Fifty-four percent of the older adolescent boys (aged 14-19) drank alcohol, compared to 17% of the younger adolescent boys (10-13), as did 58% of the older adolescent girls and 19% of the younger adolescent girls. Fifty-seven percent of the students had suffered severe victimization, and 53% had suffered moderate victimization. When the samples were separated by sex, it was observed that boys and girls who drank alcohol reported 2.6 and 1.8 times more severe victimization respectively, while alcohol was associated with 3.1 and 2.5 times greater prevalence of moderate victimization, among boys and girls respectively. When episodes of drunkenness were analyzed, it was observed that adolescents got drunk more than pre-adolescents and that exposure to violence exhibited an increased association with drunkenness. Thirty-two percent of the boys (prevalence ratio, PR = 4.4; 95%CI 2.6-7.3) and 22% of the girls (PR = 2.2; 95%CI 1.2-4.1) who had been the victims of severe violence reported being drunk at least once. CONCLUSIONS: Adolescents of both sexes who consume more alcohol are at greater risk of suffering community violence.

Community violence; alcohol; adolescents


ARTIGO ORIGINAL

A violência comunitária e o abuso de álcool entre adolescentes: comparação entre sexos

Taís C. MoreiraI; Elisa L. BelmonteII; Fernanda Rodrigues VieiraIII; Ana Regina NotoIV; Maristela FerigoloV; Helena M. T. BarrosVI

I

IIFarmacêutica. Mestre, UFCSPA, Porto Alegre, RS

IIIAcadêmica de Psicologia, Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas, RS

IVDoutora, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP

VDoutora, UFCSPA, Porto Alegre, RS

VIPós-Doutorado em Neuropsicofarmacologia. UFCSPA, Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Taís C. Moreira Rua Sarmento Leite, 245/325 Farmacologia/VIVAVOZ, Centro CEP 90050-170 - Porto Alegre, RS Tel.: (51) 3303.8764 Fax: (51) 3303.8764 Email: tais.moreira@bol.com.br, taiscm@fffcmpa.edu.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a existência de associação entre vitimização e uso de álcool entre meninos e meninas de Porto Alegre (RS).

MÉTODOS: Foi realizado um estudo transversal. Participaram estudantes de escolas públicas com idade entre 10 e 19 anos, da 5ª série do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio, compondo amostra por conglomerados em dois estágios, definidas pelas características socioeconômicas do bairro da escola e pela turma. A coleta de dados foi realizada por questionário padronizado de forma anônima e voluntária.

RESULTADOS: O álcool foi utilizado por 54% dos meninos adolescentes (14-19) e 17% dos adolescentes (10-13), por 58% das meninas adolescentes mais velhas e 19% das adolescentes mais novas. Cinqüenta e sete por cento dos estudantes sofreram vitimização severa, e 53% sofreram vitimização moderada. Quando as amostras separadas por sexos foram avaliadas, observou-se que meninos e meninas que faziam uso de álcool relataram 2,6 e 1,8, respectivamente, mais vitimização grave, ao passo que o uso de álcool entre meninos e meninas se associou a 3,1 e 2,5 mais prevalência de vitimização moderada, respectivamente. Para os episódios de embriaguez, observou-se que adolescentes se embriagaram mais que pré-adolescentes e que as exposições à violência mostraram associação aumentada para embriaguez. Um percentual de 32% de meninos (razão de prevalência, RP = 4,4; IC95% 2,6-7,3) e 22% de meninas (RP = 2,2; IC95% 1,2-4,1) vítimas de violência severa relatou embriaguez pelo menos uma vez.

CONCLUSÕES: Adolescentes de ambos os sexos que consomem mais bebidas alcoólicas têm maior risco de sofrerem violência comunitária.

Palavras-chave: Violência comunitária, álcool, adolescentes.

Introdução

A violência é reconhecida mundialmente como uma questão social e de saúde pública. Considerando o autor da violência, pode ser classificada como dirigida ao próprio autor, interpessoal e coletiva1. A violência interpessoal inclui a domiciliar e a comunitária. A primeira normalmente ocorre entre membros da família ou companheiros sentimentais, e a segunda, entre indivíduos não relacionados, que podem se conhecer ou não. Agressões sexuais por estranhos, violência nas escolas ou trabalho, ruas, prisões e retiros de idosos constituem a violência comunitária1. No Brasil, altos índices de criminalidade relacionam-se à violência entre os jovens. Cerca de 100% dos estudantes da rede estadual de Porto Alegre já foram expostos a algum tipo de violência, 70% vítimas de um ou mais incidentes e 98% já testemunharam atos violentos2.

Muitas pesquisas demonstram relação entre o uso de bebidas alcoólicas e comportamento violento3-6. Há facilitação da violência pelo álcool, havendo associação entre estar alcoolizado e participação em homicídios, suicídios, violência doméstica, crimes sexuais, acidentes de trânsito, tanto como vítima ou perpetrador destas violências6,7. O consumo de bebidas alcoólicas também está associado a afogamentos, delinqüência e diminuição do rendimento escolar7,8. Entretanto, a relação entre o consumo de álcool e violência é complexa, pois não existe associação simples e unidirecional9. Há importante associação entre situações de violência interpessoal, incluindo a violência comunitária, e o consumo de bebidas alcoólicas e/ou outras drogas, tanto por parte dos autores quanto por parte das vítimas envolvidas10. Esta associação é tanto mais intensa quanto maiores quantidades de álcool são ingeridas5,11. A associação entre uso de álcool e violência também se traduz pelos resultados de campanhas para reduzir uso de álcool, favorecendo a diminuição nos índices de violência e/ou homicídios5,9.

Tem sido proposto, em estudos internacionais entre populações de jovens com comportamentos violentos, que a presença do álcool, outras drogas e armas aumenta a probabilidade de a violência gerar lesões graves e morte1,4-6. No Brasil, poucos estudos são encontrados sobre a associação de uso de drogas psicoativas e violências entre jovens12. O álcool é a droga mais usada por jovens13. Entre adolescentes, o uso de álcool é mais prejudicial do que entre adultos, pois prejudica o julgamento e a habilidade de reconhecer os perigos, dificultando a compreensão dos riscos1. Entre jovens, usar álcool favorece o envolvimento do indivíduo em comportamentos delinqüentes, tornando-o vítima ou perpetrador de violência comunitária6.

A maioria dos estudos de violência comunitária aponta para importante diferença entre gêneros, com meninos mais expostos a violências do que as meninas6. Um dos motivos para ocorrer mais violência entre indivíduos do sexo masculino poderia se dever ao fato de que estes usam mais drogas e bebidas alcoólicas13. Por outro lado, a maioria dos estudos desta área relaciona-se ao uso de álcool/drogas e perpetuação de violência comunitária. A associação entre vitimização e uso/ abuso de bebidas alcoólicas por adolescentes não está ainda descrito na população brasileira, como também não são freqüentes os estudos sobre esta associação e os sexos.

O aumento recente das taxas do uso e abuso de álcool por jovens, principalmente entre o sexo feminino13, mostra a necessidade de estudos relacionando a vitimização à violência e o uso sistemático ou abuso de álcool por jovens. Objetivou-se avaliar se há associação semelhante para vitimização, violência comunitária e abuso de álcool ou embriaguez entre estudantes masculinos e femininos da rede pública de ensino, além de verificar fatores associados.

Métodos

Estudo transversal, levantamento epidemiológico com estudantes de 10 a 19 anos de escolas públicas de Porto Alegre (RS) no segundo semestre de 2003, realizado durante o V Levantamento Nacional Sobre Uso de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes14. A amostra foi selecionada sob a forma de conglomerado em dois estágios, considerando a turma da escola como unidade amostral. O tamanho da amostra foi calculado considerando a aplicação da fórmula que relaciona o custo da pesquisa em unidades de primeiro e segundo estágio e o coeficiente de homogeneidade. Assim, foram realizadas combinações, que resultaram no tamanho ideal de amostra entre 1.500 e 2.500 questionários, distribuídos entre 5 e 20 escolas, com no mínimo quatro turmas por escola. Realizou-se um cadastro prévio das escolas públicas da capital, que foram divididas em estratos representativos dos bairros, definidas por características socioeconômicas e representadas pela descrição de salários-mínimos (SM) por família no bairro da escola (< 5 SM; 5 a 20 SM; > 20 SM) e da infra-estrutura de saneamento básico do bairro (abastecimento com água tratada, rede de esgoto cloacal pluvial). As escolas participantes foram selecionadas por sorteio, levando em conta a infra-estrutura do bairro, em primeiro estágio, e por turmas (matutina/vespertina/noturna)14.

A coleta de dados foi realizada por seis pesquisadores14. A aplicação dos questionários foi feita simultânea e coletivamente em sala de aula, na ausência do professor. Os alunos foram instruídos sobre a natureza voluntária do estudo e anonimato. A comissão de Pesquisa e Ética da Universidade Federal de São Paulo avaliou e aprovou o projeto (CEP nº 0718/03). Para detectar e corrigir erros de digitação, foi realizada dupla digitação. Os instrumentos utilizados incluíram os seguintes questionários: 1) sobre uso de drogas formulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), traduzido e adaptado para uso no Brasil por Galduróz et al.14 e utilizado em todos levantamentos nacionais sobre uso de drogas entre estudantes brasileiros; e 2) levantamento das crianças expostas a violência2,15, ambos utilizados em estudos brasileiros atuais2,14,15. O consumo de álcool foi categorizado em uso no mês, quando o indivíduo tinha usado álcool pelo menos uma vez nos 30 dias antecedentes à pesquisa, o que refletia uso sistemático. O relato de embriaguez no mês antecedente foi considerado quando o aluno apontava resposta positiva para a pergunta "De 1 mês para cá, você já tomou uma bebida alcoólica até se embriagar (porre)?". Foram utilizados os itens do questionário referentes à vitimização por violência física2, agrupando-se os itens para vitimização grave ("eu fui sexualmente atacado ou molestado; eu fui atacado ou apunhalado com uma faca ou machucado em incidente de violência; eu recebi um tiro de revólver") e os itens para vitimização moderada ("eu estava em casa quando alguém invadiu; eu fui apanhado, detido ou levado pela polícia; eu fui ameaçado com dano físico grave por alguém; eu apanhei ou fui assaltado"), que demonstraram dimensões significativas para descrever a exposição de adolescentes à violência conforme análise fatorial dos componentes principais16. Foram considerados adolescentes mais novos os respondentes entre 10 e 13 anos de idade, e adolescentes mais velhos, os com idade entre 14 e 19 anos. Esta divisão foi realizada por ser a faixa etária menor mais relacionada ao bullying17, ao mesmo tempo em que existe menor consumo de drogas por estes indivíduos18.

Foram aplicados 2.039 questionários em 20 escolas. Foram incluídos os indivíduos que entregaram ambos os questionários preenchidos e excluídos os que não preencheram itens de sexo ou idade, ou os com mais de quatro questões anuladas ou com afirmativa de uso de drogas fictícias. Foram excluídos 209 questionários com base nos critérios acima. Inicialmente, foram realizadas análises descritivas de faixa etária, escolaridade, sexo, infra-estrutura do bairro, vitimização moderada e grave, uso de álcool e embriaguez no último mês. Análises estatísticas bivariadas foram executadas por meio do teste qui-quadrado, a fim de verificar associações com significância estatística entre variáveis de uso de álcool e embriaguez e as variáveis sociodemográficas, além da vitimização moderada e grave, tanto da amostra total quanto da amostra subdividida por gênero. A medida de associação apresentada nas análises foi a razão de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%). Para confirmar as associações e controlar possíveis fatores de confusão, foi executada análise de regressão logística, na qual foram incluídas variáveis sociodemográficas e vitimização moderada e grave para as variáveis dependentes uso de álcool no mês ou embriaguez, com amostras separadas para cada sexo. Foi utilizado o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS, 12.0). Para o nível de significância, foi considerado p < 0,05.

Resultados

A Tabela 1 descreve as características demográficas da amostra incluída, uso de álcool e embriaguez no mês e as ocorrências de violência grave e moderada. Dos estudantes, 39% fizeram uso de álcool nos últimos 30 dias e 12% tiveram pelo menos um episódio de embriaguez no mês; 43% relataram ter sido submetidos à violência comunitária moderada e 10% à violência grave.

Enquanto 54% dos meninos adolescentes (14 a 19) utilizaram álcool, o consumo atingiu 17% dos meninos mais novos. Destacou-se que os adolescentes mais velhos fizeram cinco vezes mais uso de álcool do que os adolescentes de 10 a 13 anos. Em relação às meninas, 58% das adolescentes mais velhas e 19% das adolescentes mais novas consumiram bebidas alcoólicas, dados semelhantes aos dos meninos. Quando comparada a escolaridade, observou-se que 30% dos estudantes do ensino fundamental e 63% dos estudantes do ensino médio consumiram álcool nos últimos 30 dias, sem diferenças entre os sexos. A infra-estrutura do bairro onde se encontravam as escolas não se mostrou um fator relevante para consumo de álcool. Observou-se que 42% dos meninos e 43% das meninas que usavam álcool estudavam em uma escola localizada em um bairro bom, não se diferenciando estatisticamente dos 36% dos meninos e 37% das meninas que usavam álcool e estudavam em escola no bairro com infra-estrutura considerada ruim (Tabela 2).

Identificaram-se duas vezes mais probabilidade de vitimização grave e quase três vezes mais probabilidade de vitimização moderada entre os estudantes que relataram uso de álcool (Tabela 2). Quando as amostras separadas por sexos foram avaliadas, observou-se que meninos e meninas que faziam uso de álcool relataram 2,6 e 1,8, respectivamente, mais vitimização grave, ao passo que o uso de álcool entre meninos e entre meninas se associou a 3,1 e 2,5 mais prevalência de vitimização moderada. Por outro lado, quando realizados ajustamentos para os efeitos de confusão através de regressão logística (Tabela 2), detectou-se que fatores como a adolescência têm importante associação com o consumo de álcool (p < 0,001) e que a vitimização moderada, mas não a vitimização grave, está associada ao consumo do álcool, tanto para meninos quanto para meninas.

Com relação aos episódios de intoxicação alcoólica (Tabela 3), ressalta-se que os adolescentes mais velhos se embriagaram quatro vezes mais que os adolescentes (10 a 13). Quando analisados os dados de embriaguez, 17% dos adolescentes mais velhos relataram episódios de porre, em comparação com 5% dos adolescentes mais novos. Assim como no uso de álcool, a embriaguez foi duas a três vezes mais prevalente entre estudantes do ensino médio, sendo relatada por 20% dos meninos e 19% das meninas. A infra-estrutura do bairro em que se encontra a escola não apresentou diferenças significativas para os episódios deste uso problemático de álcool. As análises bivariadas relacionadas às exposições à violência mostraram associação três vezes maior entre embriaguez e vitimização moderada/grave. Observou-se porcentagem estatisticamente maior de embriaguez e vitimização entre os meninos (32%) quando comparada com o grupo do sexo feminino (17%) (p < 0,05). Meninas (17%) e meninos (18%) que relataram embriaguez foram vítimas de violência moderada, apresentando RP significativas e semelhantes. Na análise de regressão logística, foi encontrado que a adolescência (14 a 19) se mostra associada à embriaguez e vitimização moderada em ambos os sexos, e que há associação da embriaguez com a vitimização grave apenas para meninos (Tabela 3).

Discussão

Neste estudo, encontrou-se associação significativa entre abuso de álcool e vitimização de violência comunitária entre estudantes de ambos os sexos das últimas séries do ensino fundamental e do ensino médio no Brasil.

O consumo de álcool entre os jovens brasileiros é muito alto, com consumo experimental de álcool entre estudantes de 12 a 18 anos em torno de 70%, sendo discretamente mais elevado para as meninas do que para os meninos14. Embora no Brasil seja proibida a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, observa-se uso e abuso de álcool por grande número de adolescentes, que não parecem encontrar dificuldade em obter bebidas19,20.

Adolescentes de 14 a 19 anos consomem e abusam mais de álcool do que adolescentes de 10 a 13 anos de idade20,21. Esta associação explica porque os estudantes do ensino médio consomem mais bebidas alcoólicas do que os estudantes do ensino fundamental, ou seja, por terem mais idade22,23. Esta observação é semelhante à já descrita para drogas de abuso18.

Dados da população adulta no Brasil mostram que os homens consomem mais álcool que as mulheres. Os dados entre adultos também demonstram haver mais vitimização de violência comunitária entre os homens24. Porém, neste estudo, foi verificado que, entre adolescentes, não há diferenças entre os sexos para o uso de álcool, tanto quando se considera o uso ou embriaguez. O resultado mais importante encontrado no presente estudo relaciona-se aos riscos associados de uso de álcool com vitimização moderada e severa de violência comunitária, para meninos e meninas, em índices semelhantes e conforme já observado em outros países16,25. O álcool parece aumentar a vulnerabilidade à vitimização, independente do tipo de comportamento violento5. Embora nossos achados mostrem pequenas diferenças para os eventos de violência e consumo ou abuso de álcool entre os sexos, os meninos apresentam maiores índices de alguns tipos de violência do que as meninas. Os acontecimentos de vitimização severa foram importantes associações para eventos de embriaguez para os meninos, mas não para meninas. Estes achados concordam com outros estudos6,16, nos quais meninos adolescentes em faixa etária mais elevada foram mais vitimizados do que meninas adolescentes mais velhas. É possível que esta associação se relacione ao fato de as meninas usarem mais drogas lícitas e ilícitas16 depois de eventos traumáticos, além de as conseqüências psicológicas ocorrerem diferentemente para meninas e para meninos. Em meninas, aparecem mais sintomas de estresse pós-traumático após exposição direta ou indireta à violência26. No entanto, a relação de causalidade destes dois eventos deverá ser mais explorada no futuro.

Violência e uso de álcool não possuem relação causal simples e unidirecional, trazendo limitações para o estudo9. Os adolescentes expostos à violência mostram altas taxas de consumo de tabaco, álcool e maconha e, conseqüentemente, ficam mais suscetíveis ao uso de drogas ilícitas16. Também pode ser considerada uma limitação o fato de que a associação depende de como se está observando as interações. Na comunidade britânica, entre 2003 e 2004, foi demonstrado que os perpetradores da violência haviam utilizado álcool em 50% de todos os incidentes violentos, deixando o mesmo número de incidentes violentos sem a associação com bebidas alcoólicas27. Apesar de todas as precauções metodológicas adotadas no estudo, é ainda possível que alguns estudantes não revelassem o real uso de álcool ou outras substâncias psicoativas nem a real gravidade dos problemas relacionados à exposição à violência, porque ambos os assuntos são matéria de preconceito e medo28. Também não foram investigadas as exposições à violência domiciliar, o que poderia ser outro fator de influência para o comportamento do jovem26. As limitações do estudo podem ter influenciado os resultados quanto à prevalência dos desfechos uso de álcool e embriaguez, além das exposições à violência.

Os resultados desta investigação permitem concluir que os estudantes de escolas públicas que assumem o comportamento de abusar de bebidas alcoólicas, especialmente aqueles com uso mais intenso, têm risco aumentado de ser vítimas de violência comunitária.

Agradecimentos

A pesquisa foi parcialmente financiada pelo CEBRID e pela AAPEFATO. HMTB é pesquisadora 1C do CNPq. Bolsas de mestrado (TCM e ELB) e de estágio de iniciação científica (FV) foram fornecidas pela SENAD/AAPEFATO. Agradecimento especial às professoras Silvia Benetti, Cíntia Gama e Maria Lucrecia Zavaschi, pelos inúmeros momentos de apoio para a coleta de dados e montagem dos bancos.

Artigo submetido em 26.11.07, aceito em 27.02.08.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Correspondência:

    Taís C. Moreira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      27 Fev 2008
    • Recebido
      26 Nov 2007
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