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Como evitar o óbito precoce em prematuros?

EDITORIALS

Como evitar o óbito precoce em prematuros?

Namasivayam AmbalavananI; Waldemar CarloII

IAssociate professor, Division of Neonatology, Departments of Pediatrics, Cell Biology and Pathology, University of Alabama, Birmingham, AL, USA

IIProfessor of Pediatrics, University of Alabama, Birmingham, AL, USA. Director, Division of Neonatology and Newborn Nurseries, University of Alabama, Birmingham, AL, USA

Correspondência Correspondência: Namasivayam Ambalavanan Division of Neonatology, Department of Pediatrics 525 New Hillman Bldg, 619 - South 19th St. University of Alabama at Birmingham 35233 Birmingham, AL - USA Tel.: +1 (205) 934.4680 Fax: +1 (205) 934.3100 Email: ambal@uab.edu

O estudo realizado por de Almeida et al.1 é um estudo de coorte prospectivo e multicêntrico das mortes neonatais intra-hospitalares precoces (< 6 dias de idade) de recém-nascidos de muito baixo peso em oito hospitais de atendimento terciário brasileiros. Observou-se que o óbito precoce ocorreu em 16% dos recém-nascidos elegíveis para o estudo e a taxa de mortalidade variou de 5 a 31% entre os centros participantes. Essa diferença na taxa de mortalidade entre os centros persistiu apesar dos ajustes para gravidade da doença. Além da maternidade na qual ocorreu o nascimento, outras variáveis associadas à mortalidade foram baixa idade gestacional, ausência de hipertensão materna, escores de Apgar baixos e presença de síndrome de desconforto respiratório. O estudo apresenta diversos pontos fortes importantes e também limitações em sua análise, de modo que certas percepções úteis podem ser obtidas deste relato, como as que serão discutidas neste comentário.

Entre os pontos fortes deste estudo incluem-se sua natureza multicêntrica ao envolver oito hospitais universitários terciários de três estados, a avaliação de coorte prospectiva, o uso de um desfecho "definido" e não ambíguo como a mortalidade e a avaliação cuidadosa da gravidade clínica usando o Score for Neonatal Acute Physiology, Perinatal Extension, Version II (SNAPPE-II). Uma limitação encontrada é que os resultados destes centros terciários talvez não possam ser generalizados para centros secundários, os quais talvez apresentem desfechos piores para uma gravidade clínica similar, ou a centros terciários similares em outros países em desenvolvimento onde a infra-estrutura local e o conhecimento da equipe de saúde envolvida possam ser diferentes. Além disso, apesar de o tamanho da amostra ser adequado para análise de regressão como a realizada neste estudo, uma avaliação detalhada dos fatores que contribuem para as diferenças de mortalidade precoce encontradas entre os centros exige um número maior de variáveis analisadas e um aumento correspondente no tamanho da amostra.

As variáveis associadas à mortalidade neonatal precoce utilizadas neste estudo, como o centro em que o paciente nasceu, a baixa idade gestacional, a ausência de hipertensão materna, o baixo escore de Apgar e a presença de síndrome de desconforto respiratório, são reconhecidos preditores de mortalidade e, portanto, estes resultados podem ser considerados não surpreendentes. Entretanto, importantes insights sobre as causas da mortalidade podem ser obtidos com a avaliação mais atenta da variável centro de nascimento. Os autores devem ser elogiados por focarem os fatores subjacentes às diferenças na mortalidade entre os centros. Como os autores corretamente apontam, diferenças nas taxas de mortalidade persistem mesmo após as correções para diferenças nas características neonatais. Tais diferenças são reconhecidas2,3, mas ainda faltam explicações na literatura para essas diferenças. Os autores mostram que existem importantes diferenças em "práticas baseadas em evidências potencialmente melhores" como o uso de corticoesteróide pré-natal, surfactante profilático e reanimação ativa entre as unidades, embora seja difícil determinar quais dessas intervenções tiveram um efeito realmente benéfico na população. Deve-se também lembrar que o uso de uma intervenção não indica essencialmente uma "necessidade" desta intervenção e que a associação de uma variável a um desfecho desfavorável pode indicar que a variável é um marcador do desfecho (e não um fator predisponente) ou é uma resposta do neonato (ou do profissional) a um fator diferente associado ao desfecho desfavorável, ou talvez possa indicar o envolvimento da variável na cadeia causal que leva ao óbito. Em geral, variáveis que contribuem para diferenças entre centros (após correção para marcadores de gravidade clínica) podem ser, de maneira geral, classificadas da seguinte maneira:

(a)Variáveis conhecidas e mensuráveis. Estas variáveis são conhecidas por estarem associadas a desfechos e são geralmente mensuráveis (por exemplo, o uso de corticoesteróide pré-natal, de surfactante profilático, o uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas, a gravidade da hemorragia intraventricular, etc.).

(b)Variáveis conhecidas e não mensuráveis. Estas variáveis são conhecidas por estarem associadas a desfechos e geralmente não são mensuráveis, ou para limitar o número de variáveis coletadas para fins de análise ou para limitar o custo e o trabalho envolvidos (por exemplo, o volume corrente, a pressão média nas vias aéreas, as variáveis gasométricas, as concentrações séricas de citocina, a magnitude histológica da corioamnionite, etc.).

(c)Variáveis desconhecidas (por exemplo, marcadores desconhecidos de gravidade clínica, conhecimento do profissional, experiência da equipe de enfermagem, padrões de assistência da equipe de saúde, o ambiente médico-legal, os valores morais e éticos dos cuidadores e pais, etc.).

Diferenças na taxa de mortalidade também podem ser avaliadas com relação ao tempo do óbito. Sabe-se que a mortalidade em recém-nascidos extremamente prematuros ocorre em grande parte nos primeiros dias de vida4 e que diferentes fatores contribuem para a mortalidade quando modelos de predição são desenvolvidos para mortalidade subseqüente usando-se apenas variáveis pré-natais, variáveis disponíveis logo após o nascimento, com 24 horas de idade ou uma semana de idade5. Será importante determinar se as diferenças de mortalidade em prematuros entre os centros ocorre em maior parte na sala de parto (talvez devido a indisponibilidade de terapia), no primeiro dia após o nascimento (talvez relacionado a ineficácia na reanimação) ou no decorrer da primeira semana (talvez relacionado a gerenciamento malsucedido da síndrome de desconforto respiratório). A contribuição das variáveis mensuráveis e conhecidas, das não mensuráveis e conhecidas e das desconhecidas aos desfechos podem variar de acordo com a idade pós-natal e outras variáveis de modificação específicas.

No estudo em questão1, os autores concluíram que uma proporção significativa dos fatores de risco associados à mortalidade neonatal precoce pode ser modificada por intervenções e que há uma necessidade de identificação de possíveis melhores práticas e de adotá-las de maneira uniforme. Entretanto, a maior limitação é a de que as possíveis melhores práticas são geralmente limitadas às variáveis conhecidas e mensuráveis e as intervenções limitadas a essas práticas precisarão ser rigorosamente avaliadas com relação a sua eficácia antes de serem uniformemente adotadas. A participação em atos conjuntos multicêntricos para a melhoria de qualidade tem apontado para mudanças nas práticas assistenciais e associações a desfechos mais favoráveis6. Entretanto, Walsh et al.7 testaram se equipes de unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN) treinadas em benchmarking e melhoria de qualidade mudariam práticas e melhorariam a sobrevida sem displasia broncopulmonar (DBP). Esse estudo foi um ensaio randomizado por agrupamento de 4.093 recém-nascidos congênitos com peso ao nascer < 1.250 g em 17 centros da Rede de Pesquisas Neonatais do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano dos EUA (National Institute of Child Health and Human Development, NICHD). Três centros foram identificados como sendo os de melhor desempenho e os 14 restantes foram randomizados para intervenção ou controle. Desfechos (sobrevida livre de DBP) foram comparados entre os anos 1 e 3. Observou-se que os centros de intervenção implementaram práticas potencialmente melhores (por exemplo, metas de redução da saturação de oxigênio, redução da ventilação mecânica). Apesar dessas mudanças, as taxas de sobrevida livre de DBP permaneceram similares nos grupos de intervenção e controle e significativamente mais baixas do que as taxas nos centros de melhor desempenho7. Portanto, a adoção de práticas potencialmente melhores não garante uma melhoria no desfecho.

Em resumo, dispomos de um vasto conhecimento sobre os fatores de risco para o óbito em prematuros. O estudo multicêntrico em questão confirma que os fatores de risco na população estudada são comparáveis aos de outras populações relatados na literatura. Embora diferenças entre centros continuem sendo relatadas, não sabemos por que razão marcadas diferenças entre centros persistem em vários desfechos, mesmo após ajuste para diversas características dos pacientes. Presume-se que essas diferenças sejam o resultado de várias práticas assistenciais, mas é difícil identificar com precisão qual a combinação de práticas é "potencialmente melhor" e precisa ser adotada. Embora existam algumas terapias comprovadas que devem ser implementadas presentemente, a melhor abordagem para reduzir a maioria das diferenças entre centros e melhorar os desfechos de recém-nascidos pré-termo em diversas práticas assistenciais exigirá ainda estudos bem delineados.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Ambalavanan N, Carlo W. How can we prevent early death in preterm infants? J Pediatr (Rio J). 2008;84(4):283-285.

  • 1. de Almeida MF, Guinsburg R, Martinez FE, Procianoy RS, Leone CR, Marba ST, et al. Perinatal factors associated with early deaths of preterm infants born in Brazilian Networkon Neonatal Research centers. J Pediatr (Rio J). 2008;84(4):300-7.
  • 2. Lee SK, McMillan DD, Ohlsson A, Pendray M, Synnes A, Whyte R, et al. Variations in practice and outcomes in the Canadian NICU network: 1996-1997. Pediatrics. 2000;106:1070-9.
  • 3. Vohr BR, Wright LL, Dusick AM, Perritt R, Poole WK, Tyson JE, et al. Center differences and outcomes of extremely low birth weight infants. Pediatrics. 2004;113:781-9.
  • 4. Meadow W, Reimshisel T, Lantos J. Birth weight-specific mortality for extremely low birth weight infants vanishes by four days of life: epidemiology and ethics in the neonatal intensive care unit. Pediatrics. 1996;97:636-43.
  • 5. Ambalavanan N, Carlo WA, Bobashev G, Mathias E, Liu B, Poole K, et al. Prediction of death for extremely low birth weight neonates. Pediatrics. 2005;116:1367-73.
  • 6. Payne NR, LaCorte M, Karna P, Chen S, Finkelstein M, Goldsmith JP, et al.Reduction of bronchopulmonary dysplasia after participation in the Breathsavers Group of the Vermont Oxford Network Neonatal Intensive Care Quality Improvement Collaborative. Pediatrics. 2006;118 Suppl 2:S73-7.
  • 7. Walsh M, Laptook A, Kazzi SN, Engle WA, Yao Q, Rasmussen M, et al. A cluster-randomized trial of benchmarking and multimodal quality improvement to improve rates of survival free of bronchopulmonary dysplasia for infants with birth weights of less than 1250 grams. Pediatrics. 2007;119:876-90.
  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
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