Acessibilidade / Reportar erro

Raquianestesia contínua com altas doses de anestésicos locais

Raquianestesia continua con altas dosis de anestésicos locales

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A maior vantagem da raquianestesia contínua é o melhor controle de nível, intensidade e duração da analgesia espinal. Com o advento dos cateteres intermediários (cateter por foral da agulha) e sua baixa incidência de cefaleia e sintomas neurológicos, a técnica vem ganhando credibilidade. O objetivo de caso é relatar a possível segurança do uso do novo cateter com grande dose de bupivacaína hiperbárica a 0,5% com glicose a 1,6% associada à lidocaína 2% hiperbárica com glicose a 1,6%. RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 78 anos, 85 kg, 168 cm, estado físico ASA III, hipertenso, coronariopata e insuficiência renal crônica. Candidato à cirurgia de volumosas hérnias inguinal bilateral e umbilical, sendo submetido por uma semana a pneumoperitôneo para criar espaço. Após venóclise com cateter 18G, monitoração com cardioscópio, pressão arterial não invasiva e oximetria de pulso, foi sedado com 1 mg de midazolam e fentanil 100 µg por via venosa e colocado em decúbito lateral esquerdo. Submetido à raquianestesia contínua por via mediana em L3-L4, com conjunto de agulha cortante 27G e cateter 22G. A dose total de anestésico utilizada no procedimento foi 25 mg de bupivacaína 0,5% (hiperbárica com glicose a 1,6%) e 160 mg de lidocaína 2% (hiperbárica com glicose a 1,6%) e morfina (100 µg). Paciente acompanhado até o 30º dia sem queixa neurológica. CONCLUSÕES: Recentemente, a má distribuição do anestésico local através de microcateter foi atribuída como causa de síndrome de cauda equina. Este relato de caso mostrou que, com a administração de altas doses de anestésicos hiperbáricos através do novo cateter, não houve má distribuição nem risco de síndrome de cauda equina

ANESTÉSICO, Local; CIRURGIA, Abdominal; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La mayor ventaja de la raquianestesia continua es el mejor control del nivel de intensidad y duración de la analgesia espinal. Con el advenimiento de los catéteres intermediarios (catéter por fuera de la aguja) y por su baja incidencia de cefalea y síntomas neurológicos, la técnica ha venido ganando credibilidad. El objetivo de este caso es relatar la posible seguridad del uso del nuevo catéter con una gran dosis de bupivacaína hiperbárica al 0,5% con glucosa al 1,6% asociada a la lidocaína al 2% hiperbárica y con glucosa al 1,6%. RELATO DEL CASO: Paciente masculino, de 78 años, 85 kg, 168 cm, estado físico ASA III, hipertenso, con coronariopatía e insuficiencia renal crónica. Candidato a cirugía de voluminosas hernias inguinales bilateral y umbilical, siendo sometido durante una semana a neumoperitoneo para crear espacio. Posteriormente a la venoclisis con catéter 18G, monitorización con cardioscopio, presión arterial no invasiva y oximetria de pulso, fue sedado con 1 mg de midazolam y fentanil 100 µg por vía venosa y colocado en decúbito lateral izquierdo. Sometido a la raquianestesia continua por vía mediana en L3-L4, y conjunto de aguja cortante 27G con catéter 22G. La dosis total de anestésico utilizada en el procedimiento fue 25 mg de bupivacaína al 0,5% (hiperbárica con glucosa al 1,6%) y 160 mg de lidocaína al 2% (hiperbárica con glucosa al 1,6%) y morfina (100 µg). Paciente con seguimiento hasta el 30º día sin quejidos neurológicos. CONCLUSIONES: Recientemente, la mala distribución del anestésico local a través de microcatéter, se atribuyó a una causa del síndrome de cola de caballo. Este relato de caso mostró que, con la administración de altas dosis de anestésicos hiperbáricos a través del nuevo catéter, no hubo una mala distribución ni el riesgo de síndrome de cola de caballo


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Better control of the level, intensity, and duration of spinal analgesia represents the greatest advantages of continuous spinal anesthesia. With the advent of intermediate catheters (over-the-needle catheter) and its low incidence of headaches and neurological symptoms, the technique has been gaining credibility. The objective of this paper is to report the possible safety of the new catheter with a large dose of hyperbaric 0.5% bupivacaine with 1.6% glucose associated with hyperbaric 2% lidocaine with 1.6% glucose. CASE REPORT: Male patient, 78 years old, 85 kg, 168 cm, physical status ASA III, with hypertension, coronary artery disease, and chronic renal failure. The patient was candidate for surgery for huge bilateral inguinal and umbilical hernias, being submitted to preoperative pneumoperitoneum for one week to stretch abdominal cavity. After venoclysis with an 18G catheter, he was monitored with cardioscope, non-invasive blood pressure, and pulse oximetry; he was sedated with 1 mg of midazolam and 100 µg of fentanyl intravenously, and placed in left lateral decubitus. He underwent continuous spinal anesthesia by a median puncture in L3-L4 with a set with a 27G cut-bevel needle and 22G catheter. The total dose of anesthetic used was 25 mg of 0.5% bupivacaine (hyperbaric, with 1.6% glucose), 160 mg of 2% lidocaine (hyperbaric, with 1.6% glucose), and morphine (100 µg). The patient was followed-up until the 30th postoperative day without neurological complaints. CONCLUSIONS: Recently, the poor distribution of the local anesthetic through the microcatheter was attributed as the cause of cauda equina syndrome. This case report showed that, with the administration of high doses of hyperbaric anesthetics through the new catheter, poor distribution or risk of cauda equina syndrome were not observed

ANESTHETIC, Local; ANESTHETIC TECHNIQUE, Regional; SURGERY, Abdominal


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Raquianestesia contínua com altas doses de anestésicos locais

Raquianestesia continua con altas dosis de anestésicos locales

Luiz Eduardo Imbelloni, TSAI; Savino Gasparini NetoII; Eliana Marisa GanemIII

IMédico-anestesiologista

IITCBC, FACS, Cirurgião Geral

IIIPhD, Professora Assistente do Departamento de Anestesiologia, Escola de Medicina de Botucatu, Universidade de São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Luiz Eduardo Imbelloni M.D Av. Epitácio Pessoa, 2356/203- Lagoa 22411-072 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: dr.imbelloni@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A maior vantagem da raquianestesia contínua é o melhor controle de nível, intensidade e duração da analgesia espinal. Com o advento dos cateteres intermediários (cateter por foral da agulha) e sua baixa incidência de cefaleia e sintomas neurológicos, a técnica vem ganhando credibilidade. O objetivo de caso é relatar a possível segurança do uso do novo cateter com grande dose de bupivacaína hiperbárica a 0,5% com glicose a 1,6% associada à lidocaína 2% hiperbárica com glicose a 1,6%.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 78 anos, 85 kg, 168 cm, estado físico ASA III, hipertenso, coronariopata e insuficiência renal crônica. Candidato à cirurgia de volumosas hérnias inguinal bilateral e umbilical, sendo submetido por uma semana a pneumoperitôneo para criar espaço. Após venóclise com cateter 18G, monitoração com cardioscópio, pressão arterial não invasiva e oximetria de pulso, foi sedado com 1 mg de midazolam e fentanil 100 µg por via venosa e colocado em decúbito lateral esquerdo. Submetido à raquianestesia contínua por via mediana em L3-L4, com conjunto de agulha cortante 27G e cateter 22G. A dose total de anestésico utilizada no procedimento foi 25 mg de bupivacaína 0,5% (hiperbárica com glicose a 1,6%) e 160 mg de lidocaína 2% (hiperbárica com glicose a 1,6%) e morfina (100 µg). Paciente acompanhado até o 30º dia sem queixa neurológica.

CONCLUSÕES: Recentemente, a má distribuição do anestésico local através de microcateter foi atribuída como causa de síndrome de cauda equina. Este relato de caso mostrou que, com a administração de altas doses de anestésicos hiperbáricos através do novo cateter, não houve má distribuição nem risco de síndrome de cauda equina

Unitermos: ANESTÉSICO, Local: bupivacaína, lidocaína; CIRURGIA, Abdominal: herniorrafia; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: raquianestesia contínua.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La mayor ventaja de la raquianestesia continua es el mejor control del nivel de intensidad y duración de la analgesia espinal. Con el advenimiento de los catéteres intermediarios (catéter por fuera de la aguja) y por su baja incidencia de cefalea y síntomas neurológicos, la técnica ha venido ganando credibilidad. El objetivo de este caso es relatar la posible seguridad del uso del nuevo catéter con una gran dosis de bupivacaína hiperbárica al 0,5% con glucosa al 1,6% asociada a la lidocaína al 2% hiperbárica y con glucosa al 1,6%.

RELATO DEL CASO: Paciente masculino, de 78 años, 85 kg, 168 cm, estado físico ASA III, hipertenso, con coronariopatía e insuficiencia renal crónica. Candidato a cirugía de voluminosas hernias inguinales bilateral y umbilical, siendo sometido durante una semana a neumoperitoneo para crear espacio. Posteriormente a la venoclisis con catéter 18G, monitorización con cardioscopio, presión arterial no invasiva y oximetria de pulso, fue sedado con 1 mg de midazolam y fentanil 100 µg por vía venosa y colocado en decúbito lateral izquierdo. Sometido a la raquianestesia continua por vía mediana en L3-L4, y conjunto de aguja cortante 27G con catéter 22G. La dosis total de anestésico utilizada en el procedimiento fue 25 mg de bupivacaína al 0,5% (hiperbárica con glucosa al 1,6%) y 160 mg de lidocaína al 2% (hiperbárica con glucosa al 1,6%) y morfina (100 µg). Paciente con seguimiento hasta el 30º día sin quejidos neurológicos.

CONCLUSIONES: Recientemente, la mala distribución del anestésico local a través de microcatéter, se atribuyó a una causa del síndrome de cola de caballo. Este relato de caso mostró que, con la administración de altas dosis de anestésicos hiperbáricos a través del nuevo catéter, no hubo una mala distribución ni el riesgo de síndrome de cola de caballo.

INTRODUÇÃO

A raquianestesia contínua apresenta algumas vantagens sobre a raquianestesia com dose única, sendo possível titular o nível da analgesia e estender sua duração de acordo com as necessidades da cirurgia ou do controle da dor no pósoperatório. Em 1990, foi desenvolvido um microcateter calibre 32G inserido através da agulha 26G 1. Em 1991, levantou-se suspeita de que o microcateter poderia ser a causa da síndrome da cauda equina, após relato de quatro casos 2, levando a FDA 3 a fazer alerta sobre seu uso.

Em 1999, foi descrito um novo sistema para raquianestesia contínua para uso em anestesia e controle dor pós-operatória 4,5 e analgesia obstétrica 6. Consiste de um cateter calibre 22G e 24G montado sobre agulha de ponta cortante calibre 27G e 29G (Spinocath®) com um comprimento de 72 cm. O desenho sobre a agulha elimina o vazamento de líquido cefalorraquidiano (LCR) porque o cateter sela imediatamente o orifício da dura-máter. O calibre intermediário do cateter permite alto fluxo, promovendo fácil homogeneização da solução anestésica com o LCR, fácil barbotagem e eliminando o risco potencial da síndrome da cauda equina.

O objetivo deste relato de caso foi demonstrar a efetividade da raquianestesia contínua em paciente de alto risco com cirurgia de longa duração e utilização de doses elevadas de anestésicos locais.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino de 78 anos, 85 kg, 168 cm e estado físico ASA III. Foi programado para uma cirurgia de hérnia inguinal bilateral e hérnia umbilical. Seu passado médico incluía hipertensão arterial sistêmica, doença coronariana e insuficiência renal crônica em tratamento conservador. Apresentava volumosas hérnias inguinais bilateral e também umbilical (Figuras 1 e 2). Estava em tratamento com aprozide (150/12,5 mg) para controle da pressão arterial. A insuficiência renal estava sendo tratada conservadoramente. Internado por uma semana para realização de pneumoperitôneo por punção diária e injeção de ar, a fim de criar espaço para a colocação da volumosa víscera herniada.



Após venóclise com cateter 18G, monitoração com cardioscópio, pressão arterial não invasiva e oximetria de pulso, foi sedado com 1 mg de midazolam e fentanil 100 µg por via venosa. Com o paciente em decúbito lateral esquerdo, após assepsia com álcool a 70%, antissepsia com campo fenestrado, foi infiltrado com 5 mL de lidocaína a 1% o ponto demarcado como o espaço L3-L4. O espaço peridural foi abordado com uma agulha de Crawford calibre 18G, utilizando a perda de resistência. Um cateter de calibre 22G montado sobre uma agulha 27G (Spinocath®, B. Braun - Melsungen) foi levado à dura-máter através da agulha de Crawford, perfurando-a, com a introdução de apenas 20 mm. Não ocorreu parestesia e o LCR pode ser identificado refluindo pelo cateter. A agulha do cateter foi retida, utilizando-se o retrator na ponta proximal do sistema. Em seguida, retirou-se a agulha de Crawford. Após, foi instalado o conector Luer que acompanha o produto.

O cateter foi fixado nas costas do paciente. Quatro mililitros de bupivacaína isobárica a 0,5% foram misturados com 1 mL de bupivacaína 0,5% hiperbárica com glicose a 8%, produzindo diluição da glicose para 1,6% e a mesma concentração de bupivacaína (Tabela I). O volume total da solução foi mantido em uma seringa de 5 mL. Para iniciar, 15 mg (3 mL) dessa solução foram injetados pelo cateter. O restante foi deixado para injeções posteriores. Após 10 minutos, o bloqueio sensitivo estava no dermátomo T11 e o bloqueio motor não chegou a 3 na escala de Bromage modificada. Na incisão para correção da hérnia umbilical, o paciente queixou-se de dor. Mais 2 mL (10 mg) da mesma solução foram injetados e colocados em cefalodeclive de 30º, aguardando-se mais 10 minutos antes do reinício. O nível do bloqueio ainda não estava satisfatório. Uma nova solução foi então preparada com lidocaína a 2% com glicose a 1,6%, adicionandose 1 mL da solução hiperbárica de lidocaína com glicose a 8% a 4 mL da solução isobárica de lidocaína a 2%. Um mililitro (20 mg) dessa solução foi então injetado a cada 5 minutos até a terceira dose, com o paciente em cefalodeclive de 30º. Após a terceira dose, o bloqueio sensitivo atingiu nível suficiente para a cirurgia e foi reiniciado o reparo da hérnia umbilical.

Após a correção da hérnia umbilical, iniciou-se reparo da hérnia inguinal esquerda, sem queixa. Após 2 horas e 30 minutos, o paciente queixou-se de dor e mais 2 mL da solução de lidocaína com glicose a 1,6% foram injetados. Até o fim do procedimento, mais três doses dessa solução foram injetadas. A dose total de anestésico utilizada no procedimento foi 25 mg de bupivacaína 0,5% (hiperbárica com glicose a 1,6%) e 160 mg de lidocaína 2% (hiperbárica com glicose a 1,6%), e a cirurgia durou 7 horas. No curso do procedimento, não houve bradicardia nem hipotensão arterial.

No final da cirurgia, 100 µg morfina foram injetados pelo cateter para controle da dor pós-operatória. O cateter foi removido ao final e o paciente foi encaminhado para o Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Oito horas após a colocação do cateter, o paciente queixou-se de dor e pôde movimentar os membros inferiores livremente. No segundo dia de pósoperatório (PO), o paciente teve alta da terapia intensiva e encaminhado a seu quarto. Andou normalmente. Foi avaliado no primeiro, no segundo e no terceiro dias de PO à procura de queixa neurológica. Alta para residência no quarto dia de PO. Acompanhamento por telefone pessoalmente no 10º, 20º e 30º dias, não revelando queixa neurológica.

DISCUSSÃO

A maior vantagem da raquianestesia contínua é o melhor controle de seu nível, intensidade e duração. Com o controle do nível de bloqueio sensitivo podemos obter maior estabilidade cardiocirculatória 7 e a presença do cateter garante administração de doses posteriores. No presente caso, o cateter foi de fundamental importância para a manutenção da técnica, com excelente estabilidade cardiocirculatória.

Quando a raquianestesia contínua é empregada em ortopedia 5 ou analgesia obstétrica 6 recomenda-se o cateter sobre a agulha. Esse cateter sela imediatamente o orifício da dura-máter, impedindo o vazamento de LCR pelo orifício de punção. Como o conjunto tem um segundo orifício a 5 mm da ponta, não há necessidade de introdução de mais de 20 mm no espaço subaracnoideo. Preparações em cadáveres para estudos endoscópicos demonstraram que todos os cateteres introduzidos mais de 30 mm no espaço subaracnoideo desenvolveram alças 8. Quando o cateter é removido, uma alça pode laçar uma radícula e causar lesão direta sobre o nervo por estrangulamento 8. No presente caso, o cateter foi introduzido não mais que 20 mm, o suficiente para reinjeções, não ocorrendo problema algum em sua retirada.

A síndrome da cauda equina foi correlacionada ao uso da raquianestesia contínua com microcateter e altas doses de anestésico local 2,9, levando à retração na utilização dessa técnica. Um dos mecanismos apontados para a ocorrência dessa síndrome foi a má distribuição do anestésico local, que permaneceu confinado à região sacral 9,10. Análise em laboratório 9 mostrou que a baixa velocidade de injeção do microcateter, atribuída a seu pequeno diâmetro, foi responsável pela má distribuição do anestésico local, com acumulação de concentração tóxica sobre as radículas da cauda equina. No presente caso, observou-se que houve bloqueio motor incompleto e nível insuficiente para a cirurgia proposta, sendo possível completar a dose de bupivacaína necessária para a analgesia do abdômen superior e da lidocaína, para manter a analgesia do abdômen inferior, a fim de completar o procedimento cirúrgico. O cefalodeclive evitou o sequestro da solução no fundo de saco dural, poupando as raízes sacrais.

A maioria dos casos de síndrome da cauda equina pósraquianestesia tem sido relatada em associação com a administração da lidocaína e tetracaína 2,11. A limitada extensão do bloqueio sensitivo no sentido cefálico, sugerindo distribuição restrita da lidocaína no LCR, provavelmente resultou do efeito tóxico do anestésico local após seu uso 2,9-11. Acredita-se que o efeito tóxico do anestésico local ocorra principalmente na cauda equina porque as radículas que formam as raízes sacrais são (a) mais longas (e mais numerosas para S1) que para suas vizinhas lombares, (b) não tem bainhas protetoras, e (c) devido à sua posição no espaço subaracnoideo (especialmente L5, S1, and S2) estão mais expostas ao sequestro sacral de anestésico local hiperbárico 12. No presente caso, a bupivacaína foi a droga escolhida. No entanto, após a dose programada de 25 mg, decidiu-se mudar para lidocaína, de duração mais curta, que beneficiaria a recuperação nas últimas horas de cirurgia. Com o uso do conjunto 22G, não ocorreu má distribuição com nenhuma das drogas, resultando em recuperação rápida do bloqueio motor e da sensibilidade, sem complicação neurológica transitória ou definitiva.

O risco de sintoma neurológico transitório (SNT) não foi eliminado pela redução da dose e concentração da lidocaína de 5% para 2% ou mesmo tão baixa quanto 0,5% 13,14. Além disso, nem a concentração da glicose 15,16 nem a osmolaridade da solução de anestésico local 16 afetaram a incidência do SNT. Estudos em animais e humanos têm excluído a glicose de qualquer contribuição para a lesão nervosa. Exames histológicos da medula espinal de ratos expostos a glicose e neostigmina por via intratecal não revelaram lesão nervosa 17. Contudo, estudos em ratos diabéticos levantam a possibilidade de o metabolismo alterado da glicose contribuir para a lesão nervosa induzida pelo anestésico local 18. Glicose a 7,5% com lidocaína a 5% não causou lesão neurológica no rato 19, nem afetou o potencial de ação composto dos nervos desembainhados do sapo-boi 20. Vários estudos realizados em humanos relacionam a glicose ao aparecimento de SNT pós raquianestesia 21. A maioria dos estudos em animais e humanos atesta a segurança da glicose administrada no espaço subaracnoideo em concentrações até 7,5%. Em modelo experimental de cão, lidocaína hiperbárica 5% não causou lesão no tecido nervoso quando injetada entre 10 e 22 segundos. Em outro estudo com o mesmo modelo experimental, em que a lidocaína 5% hiperbárica foi injetada no espaço subaracnoideo em 60 segundos para diminuir sua difusão no LCR, 25% dos animais apresentaram lesão no tecido nervoso 23.

Má distribuição do anestésico local através de microcateteres foi recentemente implicada como causa da possível síndrome de cauda equina 2,9-11. A administração de anestésico local hiperbárico através do Spinocath® mostrou que não ocorre má distribuição, sem alto pico na concentração do anestésico e sem risco de ocorrer síndrome de cauda equina 24. Como, nesse caso, o paciente tinha três volumosas hérnias, decidiu-se reduzir a baricidade da solução mudando a concentração da glicose e mantendo a concentração da bupivacaína (0,5%) e lidocaína (2%).

Embora estudos experimentais em animais tenham fornecido evidências de que algum anestésico local em concentração clínica pode lesar o tecido nervoso, o exato mecanismo de lesão não está claramente definido. Os possíveis fatores etiológicos capazes de desencadear neurotoxicidade (elevadas doses e concentrações de anestésico local) não são os mesmos que desencadeiam SNT. A avaliação da condução do impulso nervoso mostra que é irreversível quando há neurotoxicidade 25 e que é normal nos pacientes com SNT 26. Apesar do conhecimento de que todo anestésico local pode ser neurotóxico no modelo laboratorial, pesquisas de complicações de raquianestesia em larga escala atestam a relativa segurança do anestésico local para a anestesia espinal no homem.

A utilização de dois anestésicos locais se justifica pela longa duração da cirurgia e, após a dose programada de bupivacaína, a lidocaína foi a droga escolhida para evitar possível bloqueio motor residual em pacientes de alto risco. Nas condições do paciente, a raquianestesia mostrou-se satisfatória para uma operação de grande porte e de longa duração, com excelente estabilidade cardiocirculatória e sem efeitos adversos.

Submetido em 9 de fevereiro de 2010

Aprovado para publicação em 24 de maio de 2010

Recebido do Instituto de Anestesia Regional, Hospital São Bernardo, Rio de Janeiro.

  • 01. Hurley RJ, Lambert DH - Continuous spinal anesthesia with a microcatheter technique. Preliminary experience. Anesth Analg, 1990;70:97-102.
  • 02. Rigler ML, Drasner K, Crejcie TC et al. - Cauda equina síndrome after continuous spinal anesthesia. Anesth Analg, 1991;72:275-281.
  • 03. Benson JS - FDA Safety alert. Cauda equina syndrome associated use of small-bore catheters in continuous spinal anesthesia. DANA J, 1992;60:223.
  • 04. Imbelloni LE, Gouveia MA - Assessment of a new catheter for continuous spinal anesthesia. Rev Bras Anestesiol, 1999;49:315-319.
  • 05. Imbelloni LE, Gouveia MA - Comparison between continuous spinal anesthesia with around-needle catheter and combined spinal-epidural anesthesia for orthopedic surgery. Rev Bras Anestesiol, 2000;50:419-424.
  • 06. Imbelloni LE, Gouveia MA - Continuous spinal anesthesia with Spinocath® for obstetric analgesia. Int J Obstetric Anesth, 2006;15:171-172.
  • 07. Labaille Th, Benhamou D, Westermann J - Hemodynamic effects of continuous spinal anesthesia: a comparative study between low and high doses of bupivacaine. Reg Anesth, 1992;17:193-196.
  • 8. Ilias WK, Klimcha W, Skrbensky G et al. - Continuous microspinal anaesthesia: another perspective on mechanisms inducing cauda eqüina syndrome. Anaesthesia, 1998;53:618-623.
  • 9. Rigler ML, Drasner K - Distribution of chateter injected local anesthetic in a model of the subarachnoid space. Anesthesiology, 1991;75:884-892.
  • 10. Ross BK, Coda B, Heath CH - Local anesthetic distribution in a spinal model: A possible mechanism of neurologic injury after continuous spinal anesthesia. Reg Anesth, 1992;17:69-77.
  • 11. Cheney FW, Domino KB, Caplan RA, Posner KL - Nerve injury associated with anesthesia: a closed claims analysis. Anesthesiology, 1999;90:1062-1069.
  • 12. Hogan Q - Anatomy of spinal anesthesia: some old and new findings. Reg Anesth Pain Med, 1998;23:340-343.
  • 13. Hampl KF, Schneider MC, Pargger H et al. - A similar incidence of transient neurologic symptoms after spinal anesthesia with 2% and 5% lidocaine. Anesth Analg, 1996;83:1051-1054.
  • 14. Pollock JE, Liu SS, Neal JM et al. - Dilution of spinal lidocaine does not alter the incidence of transient neurologic symptoms. Anesthesiology, 1999;90:445-450.
  • 15. Hampl KF, Schneider MC, Thorin D et al. - Hyperosmolarity does not contribute to transient radicular irritation after spinal anesthesia with hyperbaric 5% lidocaine. Reg Anesth, 1995;20:363-368.
  • 16. Pollock JE, Neal JM, Stephenson CA, et al. - Prospective study of the incidence of transient radicular irritation in patients undergoing spinal anesthesia. Anesthesiology, 1996;84:1361-1367.
  • 17. Gurun MS, Leinbach R, Moore L et al. - Studies on the safety of glucose and paraben-containing neostigmine for intrathecal administration. Anesth Analg, 1997;85:317-323.
  • 18. Kalichman MW, Calcutt NA - Local anesthetic-induced conduction block and nerve fiber injury in streptozotocin-diabetic rats. Anesthesiology, 1992;77:941-947.
  • 19. Sakura S, Chan VWS, Ciriales R, Drasner K - The addition of 7.5% glucose does not alter the neurotoxicity of 5% lidocaine administered intrathecally in the rat. Anesthesiology, 1995;82:236-240.
  • 20. Lambert L, Lambert D, Strichartz G - Irreversible conduction block in isolated nerve by high concentrations of local anesthetics. Anesthesiology, 1994;80:1082-1093.
  • 21. Sakura S, Sumi M, Sakaguchi Y et al. - The addition of phenylephrine contributes to the development of transient neurologic symptoms after spinal anesthesia with 0.5% tetracaine. Anesthesiology, 1997;87:771-778.
  • 22. Pires SRO, Ganem EM, Marques M et al. - Effects of increasing spinal hyperbaric lidocaine concentrations on spinal cord and meninges. Experimental in dogs. Rev Bras Anestesiol, 2006;56:253-262.
  • 23. Silva DM, Ganem EM, Marques M - Lidocaína hiperbárica a 5% administrada pela via subaracnóidea com agulha de Quincke em diferentes velocidades de injeção. Efeitos sobre a medula e meninges. Rev Bras Anestesiol, 2004;54:(Suppl):249A.
  • 24. Holst D, Möllmann M, Scheuch E, Meissner K, Wendt M - Intrathecal local anesthetic distribution with the new spinocath catheter. Reg Anesth Pain Med, 1998;23:463-468.
  • 25. Vianna PTG, Resende LA, Ganem EM et al. - Cauda equina syndrome after spinal tetracaine: electromyografic evaluation - 20 years follow-up. Anesthesiology, 2001;95:1290-1291.
  • 26. Pollock JE, Burkhead D, Neal JM et al. - Spinal nerve function in five volunteers experiencing transient neurologic symptoms after lidocaine subarachnoid anesthesia. Anesth Analg, 2000;90:658-665.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Luiz Eduardo Imbelloni M.D
    Av. Epitácio Pessoa, 2356/203- Lagoa
    22411-072 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Aceito
      24 Maio 2010
    • Recebido
      09 Fev 2010
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org