Acessibilidade / Reportar erro

Estudo comparativo entre doses de morfina intratecal para analgesia após cesariana

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Analgesia após cesarianas é importante, pois puérperas com dor têm dificuldade na movimentação, o que prejudica o aleitamento. Morfina intratecal proporciona analgesia adequada e duradoura após cesarianas. O objetivo deste estudo foi comparar a qualidade da analgesia proporcionada por duas doses de morfina intratecal e seus efeitos colaterais em pacientes submetidas à cesariana. MÉTODO: Participaram do estudo 123 gestantes, com idade gestacional superior a 38 semanas e plano de cesariana eletiva. As gestantes foram alocadas de maneira aleatória em dois grupos que receberam 50 ou 100 µg de morfina intratecal (Grupo 50/Grupo 100). Todas as pacientes foram anestesiadas com 12 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica via intratecal. As pacientes foram avaliadas entre a 9ª e a 11ª horas e entre a 22ª e a 24ª horas após o bloqueio, em relação à qualidade da analgesia, ao consumo de analgésico, aos efeitos colaterais e à principal causa de desconforto nas primeiras 24 horas após a cirurgia. RESULTADOS: Os grupos foram semelhantes em relação aos dados antropométricos e antecedente obstétrico. Não houve diferença estatística na intensidade dolorosa entre os grupos. Nos dois grupos a dor foi maior nas primeiras 12 horas após a anestesia (p < 0,001). O consumo de cloridrato de tramadol e o intervalo até a primeira dose foram semelhantes nos dois grupos. Prurido foi o efeito colateral mais frequente, com incidência estatisticamente maior no Grupo 100 (p = 0,026). CONCLUSÕES: Morfina intratecal em 50 µg tem a mesma qualidade de analgesia que 100 µg, com menor incidência de efeitos colaterais.

Analgesia; Cesariana; Morfina; Intratecal; Efeitos colaterais; Escala visual analógica


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La analgesia posterior a las cesáreas es importante porque puérperas con dolor tienen dificultad para moverse, lo que perjudica el amamantamiento. La morfina intratecal proporciona una analgesia adecuada y duradera después de las cesáreas. El objetivo de este estudio fue comparar la calidad de la analgesia proporcionada por dos dosis de morfina intratecal y sus efectos colaterales en las pacientes sometidas a la cesárea. MÉTODO: Participaron en el estudio 123 gestantes, con una edad gestacional superior a las 38 semanas y un plan para la cesárea electiva. Las gestantes se ubicaron aleatoriamente en dos grupos que recibieron 50 ó 100 µg de morfina intratecal (Grupo 50/Grupo 100). Todas las pacientes fueron anestesiadas con 12 mg de bupivacaína al 0,5% hiperbárica vía intratecal. Las pacientes se evaluaron entre la 9ª y la 11ª horas y entre la 22ª y la 24ª horas después del bloqueo, con relación a la calidad de la analgesia, al consumo de analgésico, a los efectos colaterales y a la principal causa de incomodidad en las primeras 24 horas después de la cirugía. RESULTADOS: Los grupos fueron parecidos con relación a los datos antropométricos y al antecedente obstétrico. No hubo diferencia estadística en cuanto a la intensidad dolorosa entre los grupos. En los dos grupos el dolor fue más elevado en las primeras 12 horas posteriores a la anestesia (p < 0,001). El consumo de clorhidrato de tramadol y el intervalo hasta la primera dosis, fueron parecidos en los dos grupos. El prurito fue el efecto colateral más frecuente, con una incidencia estadísticamente mayor en el Grupo 100 (p = 0,026). CONCLUSIONES: 50 mg de morfina intratecal proporcionan la misma calidad de analgesia que 100 µg, con una menor incidencia de efectos secundarios.

Analgesia; Cesárea; Morfina; Intratecal; Efectos secundarios; Escala analógico-visual


BACKGROUND AND OBJECTIVES:Analgesia after caesarean section is important because postpartum women with pain have difficulty in mobility, which undermines breastfeeding. Intrathecal morphine provides adequate and prolonged analgesia after cesarean. The aim of this study was to compare the quality of analgesia provided by two doses of intrathecal morphine and its side effects in patients undergoing cesarean section. METHOD: The study included 123 pregnant women with gestational age over 38 weeks and scheduled for cesarean section. The women were randomly allocated into two groups to receive either 50 or 100 µg of intrathecal morphine (Group 50/Group 100). All patients were intrathecally anesthetized with 12 mg of 0.5% hyperbaric bupivacaine. Patients were assessed between the 9th and 11th hour and the 22nd and 24th hour after blockade for quality of analgesia, analgesic consumption, side effects, and main cause of discomfort in the first 24 hours after surgery. RESULTS: There was similarity between groups regarding anthropometric data and obstetric history. There was no statistical difference in pain intensity between groups. In both groups, pain was more intense in the first 12 hours after anesthesia (p < 0.001). Tramadol hydrochloride consumption and time to first dose were similar in both groups. Pruritus was the most common side effect, with statistically higher incidence in Group 100 (p = 0.026). CONCLUSIONS: Intrathecal morphine 50 µg provides the same quality of analgesia as 100 µg, with a lower incidence of side effects.

Analgesia; Caesarean section; Morphine; Intrathecal; Side effects; Visual analogue scale


ARTIGO CIENTÍFICO

Estudo comparativo entre doses de morfina intratecal para analgesia após cesariana* * Trabalho realizado no Hospital Santa Cruz, Curitiba, PR, Brasil, em parceria com o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Francisco Amaral Egydio de CarvalhoI; Sérgio B. TenórioII

IHospital Santa Cruz, Curitiba, PR, Brasil

IIHospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: Francisco Amaral Egydio de Carvalho E-mail: chicoegydio@yahoo.com.br; chicoegydio@me.com (F.A.E. Carvalho)

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Analgesia após cesarianas é importante, pois puérperas com dor têm dificuldade na movimentação, o que prejudica o aleitamento. Morfina intratecal proporciona analgesia adequada e duradoura após cesarianas. O objetivo deste estudo foi comparar a qualidade da analgesia proporcionada por duas doses de morfina intratecal e seus efeitos colaterais em pacientes submetidas à cesariana.

MÉTODO: Participaram do estudo 123 gestantes, com idade gestacional superior a 38 semanas e plano de cesariana eletiva. As gestantes foram alocadas de maneira aleatória em dois grupos que receberam 50 ou 100 µg de morfina intratecal (Grupo 50/Grupo 100). Todas as pacientes foram anestesiadas com 12 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica via intratecal. As pacientes foram avaliadas entre a 9ª e a 11ª horas e entre a 22ª e a 24ª horas após o bloqueio, em relação à qualidade da analgesia, ao consumo de analgésico, aos efeitos colaterais e à principal causa de desconforto nas primeiras 24 horas após a cirurgia.

RESULTADOS: Os grupos foram semelhantes em relação aos dados antropométricos e antecedente obstétrico. Não houve diferença estatística na intensidade dolorosa entre os grupos. Nos dois grupos a dor foi maior nas primeiras 12 horas após a anestesia (p < 0,001). O consumo de cloridrato de tramadol e o intervalo até a primeira dose foram semelhantes nos dois grupos. Prurido foi o efeito colateral mais frequente, com incidência estatisticamente maior no Grupo 100 (p = 0,026).

CONCLUSÕES: Morfina intratecal em 50 µg tem a mesma qualidade de analgesia que 100 µg, com menor incidência de efeitos colaterais.

Palavras-chave: Analgesia; Cesariana; Morfina; Intratecal; Efeitos colaterais; Escala visual analógica

Introdução

A analgesia pós-operatória possibilita uma reabilitação mais rápida, melhora o grau de satisfação dos pacientes e reduz o tempo de internação.1,2 Em obstetrícia, a analgesia pós-operatória é importante, pois puérperas com dor têm dificuldade na deambulação e podem adotar posições antiálgicas que dificultam o início da amamentação.3 Além disso, as alterações endócrinas e o estresse resultantes da dor podem interferir na lactação.4

A morfina intratecal é a droga mais usada para analgesia após cesarianas e promove analgesia pós-operatória adequada e duradoura mesmo em doses baixas.5,6 No entanto, pode provocar efeitos colaterais, como náusea, vômito, prurido, sedação e depressão respiratória.

A qualidade da analgesia e a incidência dos efeitos colaterais podem variar de acordo com a dose de morfina intratecal usada.5 A dose ideal, que é aquela capaz de proporcionar a melhor analgesia com a menor incidência dos efeitos colaterais, ainda não foi definida.

O objetivo principal deste estudo foi comparar a analgesia, em repouso e em movimento, proporcionada por duas doses de morfina intratecal em pacientes submetidas à cesariana. Além disso, também foram comparados a necessidade de analgésico complementar, a incidência dos efeitos colaterais, a principal causa de desconforto nas 24 horas do estudo e o grau de satisfação das pacientes em relação à analgesia.

Pacientes e método

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas/UFPR e do Hospital Santa Cruz, 130 gestantes ASA I a III foram convidadas a participar deste estudo. Os critérios de inclusão foram: gestacional e feto único, com mais de 38 semanas de idade gestacional, e plano de cesariana eletiva. Os critérios de exclusão foram: índice de massa corporal superior a 40 kg•m-2, história de mais de três cesáreas anteriores, alergia a alguma das medicações do estudo, doenças psiquiátricas ou cardiopulmonares ou diabetes mellitus descompensadas e uso crônico de analgésicos. As pacientes receberam o termo de consentimento livre e esclarecido que continha as informações sobre este estudo, que foi assinado após leitura e esclarecimento das eventuais dúvidas.

O estudo foi duplamente encoberto e, com auxílio de um programa de randomização online (www.randon.org), as gestantes participantes do estudo foram alocadas de maneira aleatória em dois grupos, denominados Grupo 50 e Grupo 100.

Ao chegarem à sala de cirurgia, uma veia periférica foi canulada com cateter 18G e foram infundidos 250 mL de solução de Ringer com lactato juntamente com cefazolina 1 g para antibioticoprofilaxia. Após serem monitoradas, com pressão arterial não invasiva, oximetria de pulso e cardioscopia, as pacientes foram colocadas na posição sentada para a realização da anestesia. A punção espinhal foi feita com agulha ponta de lápis 27G sob anestesia local da pele, com lidocaína 2% sem vasoconstrictor, nos espaços intervertebrais L3-L4 ou L4-L5. Para anestesia intratecal foram administrados 12 mg de bupivacaína 0,5% hiperbárica. As pacientes pertencentes ao Grupo 50 receberam 50 µg de morfina associados à bupivacaína, enquanto as do Grupo 100 receberam 100 µg associados à bupivacaína. A morfina foi administrada em seringa própria, depois do anestésico local.

Após realizada a anestesia as gestantes foram mantidas em decúbito dorsal com o útero deslocado manualmente para a esquerda, para evitar a compressão da veia cava inferior, e receberam oxigênio via cateter nasal com fluxo de 2-3 L•min-1. Para correção de hipotensão arterial foi usada reposição volêmica com solução de Ringer com lactato associada à fenilefrina ou ao metaraminol, a critério do anestesiologista responsável pelo caso. O objetivo foi manter pressão arterial sistólica maior do que 100 mmHg. Nos casos de bradicardia, com frequência menor do que 45 bpm, foi usada atropina 0,5 mg. Após o nascimento foram administradas 05-15 U/L de oxitocina diluídas em solução de Ringer com lactato para estimular a contração uterina.

Ao término da cirurgia as pacientes foram para a sala de recuperação pós-anestésica imediata (Repai) e receberam por via intravenosa 30 mg de trometamol cetorolaco, 2 g de dipirona sódica e 10 mg de bromoprida. Os casos de tremor muscular foram tratados com 30 mg de cloridrato de petidina. As pacientes receberam alta da Repai após completarem 9 pontos na escala de Aldrete-Kroulik modificada.7 A prescrição de analgésicos e antieméticos para o pós-operatório foi padronizada. As pacientes receberam 100 mg de cetoprofeno de 12 em 12 horas, 1 g de dipirona sódica de seis em seis horas e 10 mg de bromoprida de seis em seis horas. Como analgésico de resgate foram prescritos 50 mg de cloridrato tramadol. Para os casos de náusea e vômito, foram prescritos 4 mg de ondansetrona e para os casos de prurido, 25 mg de cloridrato de difenidramina.

As avaliações pós-operatórias foram feitas entre a 9ª e a11ª horas e entre a 22ª e a 24ª horas após a anestesia, por uma enfermeira que desconhecia a qual grupo a paciente pertencia. Foi usado um questionário, a ser preenchido pela paciente e pelo avaliador. Os dados avaliados foram: intensidade da dor pós-operatória, intensidade da maior dor sentida em cada período (período 1 - entre a anestesia e a primeira avaliação; período 2 - entre a primeira e a segunda avaliação), consumo de analgésico suplementar e intervalo entre anestesia e a primeira dose da medicação, efeitos colaterais, principal causa de desconforto nas 24 horas e satisfação referente à analgesia.

A intensidade de dor pós-operatória foi avaliada com as pacientes em repouso e em movimento. Para uniformizar a avaliação em movimento e facilitar a comparação, foi padronizado que todas as pacientes deveriam tossir três vezes. Foi usada uma escala visual analógica (EVA) não numerada com 10 cm de comprimento. Nessa escala a extremidade da esquerda representa ausência de dor, enquanto a extremidade da direita representa a maior dor imaginável. A paciente avaliou a dor que estava sentindo e localizou-a em um ponto dessa escala. A distância entre a extremidade esquerda e o ponto assinalado pela paciente correspondeu à intensidade da dor. A dor foi considerada leve quando graduada até 3, moderada de 4 a 6 e forte de 7 até 10.8

Foi pesquisada a presença de prurido, náusea, vômito, dificuldade miccional, tontura, sedação e depressão respiratória. As pacientes também foram perguntadas se o que mais causara desconforto nas 24 horas do estudo foi dor ou algum dos efeitos colaterais. Dificuldade miccional foi considerada presente nas pacientes que não haviam apresentado diurese até a primeira avaliação. A satisfação das pacientes em relação à analgesia foi avaliada em ótimo, bom, regular e ruim, que correspondem respectivamente às notas 9-10, 7-8, 4-5-6 e 1-2-3.

O cálculo do tamanho da amostra foi feito com base nos estudos de Mikuni e col.9 e de Paech e col.,10 considerando-se um nível de significância de 5% e poder do teste de 90%.

Os resultados obtidos no estudo foram descritos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios padrões (variáveis quantitativas) ou por frequências e percentuais (variáveis qualitativas). Para a comparação dos dois grupos em relação a variáveis quantitativas foi considerado o teste t de Student para amostras independentes ou o teste não paramétrico de Mann-Whitney, quando apropriado. A comparação entre as duas avaliações em relação a variáveis quantitativas foi feita com o uso do teste não paramétrico de Wilcoxon. Para avaliar a associação entre variáveis qualitativas foi considerado o teste de qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. O coeficiente de correlação de Pearson foi estimado para avaliar a associação entre variáveis quantitativas. Para estimar parâmetros de interesse foram construídos intervalos de confiança de 95%. Em todos os testes, valores de p < 0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional Statistica v.8.0.

Resultados

Das 130 pacientes participantes do estudo, cinco do Grupo 50 e duas do Grupo 100 recusaram-se a responder à segunda avaliação, em virtude do horário da visita, e foram excluídas da análise.

Os grupos foram homogêneos quanto aos dados antropométricos (tabela 1). Em relação ao número de gestações e cesáreas anteriores, os grupos também foram semelhantes.

Os dois grupos apresentaram intensidade dolorosa semelhante, em repouso e ao tossir, nas duas avaliações (tabela 2).

Não houve diferença estatística entre os grupos em relação à maior dor do período 1 e do período 2 (tabela 2). Quando comparados um período com o outro, o período 1 apresentou intensidade dolorosa significativamente maior em ambos os grupos (tabela 3).

Não houve diferença estatística na probabilidade de dor moderada/forte entre o Grupo 50 e o Grupo 100; mas a probabilidade de dor moderada/forte foi estatisticamente maior nas primeiras 12 horas após a cirurgia, em ambos os grupos (tabelas 4 e 5).

No Grupo 50, 15% das pacientes solicitaram cloridrato de tramadol e no Grupo 100, 8% das pacientes solicitaram medicação analgésica (p = 0,263). O intervalo médio entre a anestesia e a primeira dose da medicação foi de 496 minutos no Grupo 50 e de 452 minutos no Grupo 100 (p = 0,740).

No Grupo 50, o intervalo entre a anestesia e a primeira micção foi de 650 ± 128 minutos e no Grupo 100 foi de 694 ± 155 minutos (p = 0,094). A probabilidade de dificuldade miccional também foi maior no Grupo 100, mas sem diferença estatística (p = 0,194).

Dentre os efeitos colaterais, somente prurido teve incidência significativamente maior no Grupo 100 em relação ao Grupo 50 (fig. 1). Em ambos os grupos os efeitos colaterais foram mais frequentes no primeiro período (tabela 6). Não houve casos com sedação e/ou depressão respiratória.


Ao serem perguntadas sobre o que mais as incomodou nas 24 horas após a cesariana, 70% das pacientes do Grupo 50 elegeram a dor como o principal causador de desconforto, seguida de dificuldade miccional (15%) e prurido (12%). No Grupo 100, o principal causador de desconforto também foi dor, queixa de 38% das pacientes, seguida de prurido (32%) e dificuldade miccional (16%) (tabela 7).

Em relação à satisfação, 82% das pacientes do Grupo 50 e 83% das do Grupo 100 classificaram a analgesia como boa ou ótima no primeiro período (p = 0,785). No segundo período, 95% das pacientes do Grupo 50 e 87% das do Grupo 100 classificaram a analgesia como boa ou ótima (p = 0,245).

Discussão

A avaliação da dor é complexa por sofrer influência de fatores emocionais, étnicos, culturais e cognitivos. Para uniformizar e tornar essa avaliação mais objetiva, criaram-se escalas para avaliação da dor. As mais empregadas são a EVA e a escala numérico-verbal (ENV). Elas são de fácil aplicação e quando comparadas à escala verbal (EV), são mais precisas e capazes de detectar diferenças mais sutis.8 Por esses motivos optou-se pelo uso da EVA como método de avaliação da dor neste estudo. O intervalo entre a anestesia e a primeira dose de analgésico ou o consumo total desse analgésico são outras formas de medir a eficácia da analgesia.5

O uso de 50 e 100 µg de morfina intratecal não produziu diferença estatística na avaliação da dor entre os dois grupos de pacientes submetidas a cesarianas. Esse resultado demonstrou que não há relação direta entre a dose de morfina intratecal e a qualidade da analgesia, o que coincide com resultados de outros autores. Cardoso comparou 25, 50 e 100 µg de morfina intratecal e mostrou analgesia estatisticamente melhor no grupo que recebeu 100 µg, porém a analgesia foi satisfatória em todos os grupos, sem diferença clínica entre eles.11 Em nenhuma paciente foi necessário opioide sistêmico para suplementar a analgesia. Ganem e col.12 usaram 50 e 100 µg de morfina intratecal e também demonstraram analgesia semelhante entre os grupos. No estudo de Girgin e col.13 foram comparadas 100, 200, 300 e 400 µg de morfina intratecal com um grupo controle que não recebeu morfina. O estudo não demonstrou diferença estatística na qualidade da analgesia e no consumo de analgésico suplementar entre os grupos que receberam o opioide. Palmer e col.6 avaliaram o consumo de morfina intravenosa após o uso de 0, 25, 50, 75, 100, 200, 300, 400 e 500 µg de morfina intratecal para analgesia após cesarianas. Não houve diferença estatística no consumo de morfina intravenosa nos grupos que receberam doses superiores a 25 µg de morfina intratecal.

As primeiras 12 horas após a cesariana corresponderam ao período de maior intensidade dolorosa. Em ambos os grupos a dor ao tossir e a maior dor do período foram estatisticamente maiores na avaliação 1. A incidência de dor moderada/forte (maior do que 3 na EVA) também foi maior nas primeiras 12 horas. No Grupo 50, 77% das pacientes referiram dor moderada/forte no primeiro período e 62% das pacientes no segundo (p = 0,035). Já no Grupo 100, 73% das pacientes experimentaram dor moderada/forte no primeiro período e 54% das pacientes no segundo (p = 0,002).

Neste estudo, a maior dor sentida em cada período apresentou média e mediana maior do que 3 nos dois grupos. Esse resultado se opõe ao de Cardoso e col.,11 que compararam doses semelhantes de morfina intratecal por meio de EVA e demonstraram média de dor para as 24 horas inferior a 1 em todos os grupos. Possivelmente, a diferença na intensidade dolorosa entre os estudos ocorreu porque Cardoso avaliou as pacientes a partir da primeira hora após o bloqueio, em intervalo de uma hora.11 A intensidade dolorosa nas primeiras horas após a anestesia é menor pelo efeito residual do anestésico local, o que certamente reduziu a média dolorosa para as 24 horas. No presente estudo, decidiu-se avaliar as pacientes após a regressão da anestesia, em dois momentos, entre a 9ª e a 11ª horas e entre a 22ª e a 24ª horas após a anestesia.

Em ambos os grupos o consumo de cloridrato de tramadol foi surpreendentemente baixo, considerando a incidência de dor moderada/forte. Somente 15% das pacientes do Grupo 50 solicitaram a medicação analgésica, enquanto no Grupo 100 ela foi solicitada por 8% das pacientes (p = 0,263). Esse fato ilustra a ineficácia das prescrições que usam esquema de administração somente quando necessário. Possivelmente, o consumo de analgésico seria maior, em ambos os grupos, se fosse usado um sistema de analgesia controlada pelo paciente (ACP), assim como a intensidade dolorosa seria menor. Dollin e col.,14 em 2002, demonstraram melhor controle da dor e menor incidência de dor moderada/forte nos pacientes que usaram ACP quando comparados a pacientes que receberam analgésicos somente quando solicitados.

O intervalo entre a anestesia e a primeira dose de analgésico não foi estatisticamente diferente entre os grupos. Sarvela e col.15 compararam 100 e 200 µg de morfina intratecal com 3 mg de morfina epidural para analgesia de cesarianas e também obtiveram intervalo estatisticamente semelhante entre a anestesia e a primeira dose de analgésico. No estudo de Girgin,13 o intervalo para a primeira dose de analgésico foi estatisticamente menor no grupo controle, mas não houve diferença estatística entre os grupos que receberam morfina. Esses resultados diferem dos apresentados por Abboud e col.16 e Uchiyama e col.,17 que demonstraram duração da analgesia diretamente proporcional à dose de morfina usada.

Prurido é o efeito colateral mais comum após o uso de morfina intratecal e tem incidência variável.5,11,15,18 Nas pacientes obstétricas pode ser mais frequente pela interação do estrógeno com os receptores Mu(µ).19 No presente estudo foi o efeito colateral mais frequente, presente em 70% das pacientes do Grupo 50 e em 87% das pacientes do Grupo 100 (p = 0,026). Esse efeito dose-dependente está de acordo com a revisão sistemática feita por Dahl, que demonstrou que a incidência de prurido varia diretamente conforme a dose de morfina usada.5 No estudo de Cardoso e col.,11 a incidência de prurido nos grupos que receberam 25, 50 e 100 µg de morfina intratecal foi de 33%, 33% e 58%, respectivamente (p < 0,05). A provável causa para a diferença na incidência de prurido é que Cardoso considerou somente os casos que necessitavam de tratamento, enquanto este estudo incluiu todas as pacientes que referiram prurido. O estudo de Sarvela apresentou incidência de prurido de 77%.15

Retenção urinária foi o segundo efeito colateral mais frequente. A incidência no Grupo 50 foi de 58%, com intervalo médio até a primeira micção de 650 minutos, e o Grupo 100 apresentou incidência de 70%, com intervalo médio até a primeira micção de 693 minutos. Apesar da diferença numérica entre os grupos, ela não foi significativa e todos os pacientes apresentaram atividade miccional normalizada na segunda avaliação. Para o diagnóstico de retenção urinária, alguns autores usam o volume residual de urina na bexiga após a micção ou consideram a necessidade de sondagem vesical ou a tentativa frustra de micção espontânea.20,21 Essas diferenças conceituais, associadas ao uso de sonda vesical durante cesáreas em alguns serviços, dificultam determinar a incidência de retenção urinária.22 Neste estudo optou-se por considerar como portadoras de retenção urinária todas as pacientes que não haviam apresentado diurese até a primeira avaliação. Essa diferença pode justificar a alta incidência desse efeito colateral no estudo. Kuipers e col.22 estudaram o efeito dos opioides administrados via intratecal sobre o trato urinário e demonstraram redução na contratilidade do músculo detrusor da bexiga, associada à diminuição na sensação de urgência miccional, o que resultou em retenção urinária. A intensidade desse efeito e a duração foram dose-dependente.22

A incidência de náuseas/vômitos não foi estatisticamente diferente entre os grupos. Esse resultado coincide com o de outros autores. Cardoso e col.11 verificaram apenas uma tendência de maior incidência de náuseas ou vômitos com o aumento da dose de morfina intratecal (p > 0,05). Ganem e col.12 mostraram incidência de náuseas e vômitos estatisticamente semelhante entre pacientes que receberam 50 ou 100 µg de morfina intratecal. Palmer e col.6 e Girgin e col.13 compararam doses crescentes de morfina intratecal e demonstraram que a incidência e a intensidade de náuseas e vômitos não variam com a dose usada.

Não ocorreu qualquer caso de sedação nem depressão respiratória, o que não significa que esses efeitos colaterais não possam ocorrer. Possivelmente, o pequeno número de pacientes envolvidos no estudo justifica esse resultado. Sedação é considerado um sinal de alerta, pois pode preceder uma depressão respiratória, o efeito colateral mais temido da morfina intratecal. A incidência de depressão respiratória é inferior a 1% e pode ocorrer até 24 horas após sua administração. Em pacientes obstétricas, a incidência parece ser menor pelo estímulo respiratório causado pelos altos níveis de progesterona.19 Na revisão feita por Dahl, a incidência de depressão respiratória após cesarianas foi de 0,2%.5

Independentemente da dose de morfina usada, a incidência de dor moderada/forte foi superior a 70% no primeiro período e superior a 50% no segundo período. Apesar da alta incidência de dor moderada/forte, mais de 80% das pacientes no primeiro período e mais de 85% das pacientes no segundo período classificaram a qualidade da analgesia como ótima ou boa, independentemente do grupo. Esse resultado mostra que 100 µg de morfina não promovem analgesia mais satisfatória do que 50 µg e demonstra a dificuldade de relacionar intensidade dolorosa com grau de satisfação.1

Em 70% das pacientes do Grupo 50 o que mais incomodou nas 24 horas foi dor. No Grupo 100, dor também foi o que mais incomodou, porém acometeu 38% das pacientes, enquanto 32% indicaram prurido como o principal fator de desconforto para o mesmo período. Considerando que a qualidade da analgesia foi semelhante entre os grupos, uma possível justificativa para esse resultado é uma diferença na intensidade do efeito colateral. Prurido mais intenso no Grupo 100 justificaria o número de pacientes que o elegeram como o maior causador de desconforto nas 24 horas após cesarianas. Esse resultado está de acordo com Palmer e col.6 e com Girgin e col.,13 que demonstraram intensidade do prurido variando proporcionalmente com a dose de morfina intratecal usada.

Os resultados deste estudo sugerem que 50 µg de morfina intratecal estão mais próximos da dose ideal para analgesia após cesarianas do que 100 µg, pois proporcionam analgesia de mesma qualidade, com menor incidência de efeitos colaterais. Prurido foi estatisticamente mais frequente no Grupo 100 e considerado o principal fator de desconforto nas 24 horas em 32% das pacientes desse grupo. Pela incidência e importância, esse efeito colateral deve ser pesquisado e tratado rotineiramente. As pacientes submetidas a cesariana devem ter acesso a medicação analgésica suplementar sistêmica para melhorar a qualidade da analgesia, porque, independentemente da dose de morfina usada, um grande número de pacientes experimenta dor moderada/forte.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 16 de dezembro de 2012; aceito em 10 de janeiro de 2013

  • 1. Werner MU, Søholm L, Rotbøll-Nielsen P, et al. Does an acute pain service improve postoperative outcome? Anesth Analg. 2002;95:1361-72.
  • 2. Kehlet H, Holte K. Effect of postoperative analgesia on surgical outcome. Br J Anaesth. 2001;87:62-72.
  • 3. Carvalhaes MABL, Corrêa CRH. Identificação de dificuldades no início do aleitamento materno mediante aplicação de protocolo. J Pediatr. 2003;79:13-20.
  • 4. Pérez-Escamilla R, Maulén-Radovan I, Dewey KG. The association between cesarean delivery and breast-feeding outcomes among Mexican women. Am J Public Health. 1996;86:832-6.
  • 5. Dahl JB, Jeppesen IS, Jørgensen H, et al. Intraoperative and postoperative analgesic efficacy and adverse effects of intrathecal opioids in patients undergoing cesarean section with spinal anesthesia: a qualitative and quantitative systematic review of randomized controlled trials. Anesthesiology. 1999;91:1919-27.
  • 6. Palmer CM, Emerson S, Volgoropolous D, et al. Dose response relationship of intrathecal morphine for postcesarean analgesia. Anesthesiology. 1999;90:437-44.
  • 7. Aldrete JA. The post-anesthesia recovery score revisited. J Clin Anesthesia. 1995;7:89-91.
  • 8. Breivik H, Borchgrevink PC, Allen SM, et al. Assessment of pain. Br J Anaesth. 2008;101:17-24.
  • 9. Mikuni I, Hirai H, Toyama Y, et al. Efficacy of intrathecal morphine with epidural ropivacaine infusion for postcesarean analgesia. J Clin Anesth. 2010;22:268-73.
  • 10. Paech MJ, Pavy TJ, Orlikowski CE, et al. Postoperative intraspinal opioid analgesia after caesarean section: a randomised comparison of subarachnoid morphine and epidural pethidine. Int J Obstet Anesth. 2000;9:238-45.
  • 11. Cardoso MM, Carvalho JC, Amaro AR, et al. Small doses of intrathecal morphine combined with systemic diclofenac for postoperative pain control after cesarean delivery. Anesth Analg. 1998;86:538-41.
  • 12. Ganem EM, Módolo NSP, Ferrari F, et al. Efeitos da associação entre pequenas doses subaracnóideas de morfina e cetoprofeno venoso e oral em pacientes submetidas à cesariana. Rev Bras Anestesiol. 2003;53:431-9.
  • 13. Girgin NK, Gurbet A, Turker G, et al. Intrathecal morphine in anesthesia for cesarean delivery: dose-response relationship for combinations of low-dose intrathecal morphine and spinal bupivacaine. J Clin Anesth. 2008;20:180-5.
  • 14. Dolin SJ, Cashman JN, Bland JM. Effectiveness of acute postoperative pain management: I. Evidence from published data. Br J Anaesth. 2002;3:409-23.
  • 15. Sarvela J, Halonen P, Soikkeli A, et al. A double-blinded, randomized comparison of intrathecal and epidural morphine for elective cesarean delivery. Anesth Analg. 2002;95:436-40.
  • 16. Abboud TK, Dror A, Mosaad P. Mini-dose intrathecal morphine for the relief of post-cesarean section pain: safety, efficacy, and ventilatory responses to carbon dioxide. Anesth Analg. 1988;67:137-43.
  • 17. Uchiyama A, Nakano S, Ueyama H, et al. Low dose intrathecal morphine and pain relief following caesarean section. Int J Obstet Anesth. 1994;3:87-91.
  • 18. Gehling M, Tryba M. Risks and side-effects of intrathecal morphine combined with spinal anaesthesia: a meta-analysis. Anaesthesia. 2009;64:643-51.
  • 19. Stoelting RK, Hillier SC. Pharmacology & physiology in anesthetic practice. 4th ed. Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins; 2006. p. 90-2.
  • 20. Liang CC, Chang SD, Wong SY, et al. Effects of postoperative analgesia on postpartum urinary retention in women undergoing cesarean delivery. J Obstet Gynacol Res. 2010;36:991-5.
  • 21. Baldini G, Bagry H, Aprikian A, et al. Postoperative urinary retention. Anesthesiology. 2009;110:1139-57.
  • 22. Kuipers PW, Kamphuis ET, van Venrooij GE, et al. Intrathecal opioids and lower urinary tract function: a urodynamic evaluation. Anesthesiology. 2004;100:1497-503.
  • Autor para correspondência:
    Francisco Amaral Egydio de Carvalho
    E-mail:
    chicoegydio@me.com (F.A.E. Carvalho)
  • *
    Trabalho realizado no Hospital Santa Cruz, Curitiba, PR, Brasil, em parceria com o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      16 Dez 2012
    • Aceito
      10 Jan 2013
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org