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IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS NAS CIRURGIAS DE MÃO

Vejamos alguns comentários sobre o significado das mãos.

Considerados funcionalmente, os braços e mãos acham-se relacionados com significados psicológicos.

O significado geral da mão humana reside na sua função manipulativa . Os homens são induzidos a várias formas de manipulação, por seus motivos conscientes e inconscientes, por seus desejos, alvos aos quais aspira. Impulsos, aspiração, desejos, decisões, realizam-se por meio das mãos. Praticamente, quase não há ocupação que dispense a mão ou a função da mão. Até falar, raramente, ocorre sem o uso das mãos. Os gestos apoiam, suprem a linguagem falada, quando não constituem, eles próprios, uma linguagem em si. Mãos são instrumento de comunicação.

É com as mãos e os braços que nos alimentamos, vestimos, realizamos nossas habilidades, exploramos nosso corpo e tocamos as pessoas que se acham ao nosso lado. Cada movimento do corpo expressa algo psíquico, os da mão inclusive.

Com as mãos e os braços acariciamos, amamos, ferimos e matamos, desorganizamos e adaptamos. Até mesmo na intensiva atividade intelectual, muitas ações se manifestam pelas mãos, que levamos à testa, em atitude reflexiva. Também, é assim quando temos uma dor de cabeça ou levamos a mão à narina quando sentimos um cheiro forte. Consulta-se um livro, fuma-se um cigarro, jogam-se cartas, toma-se um cafezinho. Não precisamos falar mais, indo par aí. Com as mãos estão relacionadas fantasias culposas, de castigo, sejam ligadas ao uso anterior das mãos, a desejos também fantasiosamente realizados ou a problemas e dificuldades que simbolicamente se relacionariam às mãos.

Com as mãos está relacionado o desenvolvimento da criança: Inicialmente o corpo se movimenta indiferenciada e abruptamente, com um todo. Gradualmente, vão diminuindo o superfluo, os movimentos incoordenados da cabeça, costas, pernas e a atividade ganha um estágio mais superior: - o uso da mão. Apreender objetos desejados, pegar bolinha, traze-la à boca, representam dos primeiros padrões de ação da criancinha, no seu desenvolvimento motor. Inicialmente, a zona oral tem papel mais significativo na vida da criança. Mais adiante é o tato: a criança vai querer tocar todas as coisas ao seu redor. Tudo o que vê quer tocar. Mas isto persiste, em muitos adultos, ou não haveria necessidade de avisos “Não tocar”.

A mão, como aparato sensitivo, recebe estímulos sensoriais que dão origem a diferentes sensações como a dor, pressão, temperatura, por ela percebemos a qualidade especial dos objetos que tocamos; a mão constitue o centro dos impulsos do movimento e é órgão executivo desses impulsos.

O reconhecimento, por meio do sentido do tato é, em primeiro lugar, dirigido à qualidades definidas do material: dureza, maciez, frieza, isto é, dirigido à sua estrutura aparente. Fechando os olhos podemos conhecer o material. É reconhecida para os dedos uma sensibilidade discriminatória enorme, a ponto de não se admirar que o cego possa ler facilmente pelo Braille, onde existe uma variação de um a dois milímetros em cada ponto, com pequeno intervalo entre eles.

Inclusive, o uso da mão e da relação olho-mão, em teste de percepção e psicomotricidade, tem sido de grande valia para o estudo e possíveis indicações de disfunções cerebrais mínimas, suficientes para o encaminhamento para os exames neurológicos esclarecedores.

Tomando em consideração estas implicações de largo alcance, quanto ao papel que desempenham os braços e mãos, não é de se estranhar que tantas pessoas tenham tanta dificuldade quando perdem a mão ou o braço.

Vemos, comumente, tais pessoas usando o braço atras escondendo a ausência da mão, um lenço ou casaco sobre o corpo, buscam uma prótese estética e cobrem-na com uma constante luva.

Os amputados perdem muito de sua espontaneidade, particularmente os bilaterais. São restringidos em suas ações e sua capacidade de expressão é mais deficiente.

Baseados mais em nossa experiência clínica, pelo exame psicológico e assistência psico-terapica, do que em pesquisas, no sentido estrito da palavra, podemos passar em revista as condições psicológicas de pessoas que sofreram cirurgia de mão.

É sabido que importantes causas de desajustamento pessoal residem na situação somato-psicológica do indivíduo, isto é, nas condições humanas determinadas por ambos os fatores, - físico e psicológico - em que está ímplicita a contribuição social, referente ao ambiente de que procede ou em que viveu.

Tem-se nos evidenciado também que a personalidade do assim deficiente ou os traços característicos da mesma não tem por causa direta a amputação, por exemplo. Cada pessoa amputada tem, sim, um modo característico de reagir à perda do membro à restauração da função parcial. Essa maneira característica de reagir é individual e particular a cada pessoa, embora algumas tendencias se mostram mais claramente entre elas.

Nos casos por nós estudados, as dificuldades ou problemas de carater afetivo-emocional estão mais ligados às experiências de vida e aj ustamentos anteriores do que exclusivamente, à perda ou ausência de um membro. Inclusive, guardam relação com a época em que ocorreu a amputação, se na infancia, adolescência, idade adulta ou senil.

Por outro lado, muitos dos traços encontrados entre eles também o foram entre clientes com outro tipo de deficiência e ou são entre os não portadores de deficiência física (vejam-se os estudos de Wright, B).

Sem dúvida a pessoa que sofreu amputação reage de modo característico, conforme suas condições pessoais e a amputação serve também em muitas vezes, principalmente, como fator desencadeante de problemas emocionais já anteriormente existentes.

Dentre as reações observaveis podem ser citadas: a reação inicial de choque face o impacto de ocorrência, rejeição inicial ou posterior da prótese, manifestação exagerada e artificial de um equilíbrio e integridade corporal que não adquiriu, negação de qualquer implicação de mal-estar ou anormalidade, exageros nas exigências que a si mesmo se fazem, tendência a equiparar-se totalmente aos não amputados, tendência, ao contrário, a um entreguismo e dependência, refugiando-se na deficiência, para escapar à sua própria depreciação e às responsabilidades da sua realidade, acentuada força que dá a opinião os outros, grande sensibilidade à curiosidade e hostilidade alheias, grande dificuldade para aceitar suas limitações, especialmente em comparação com outros, dificuldade para se aceitar, em sua mudança corporal e ainda uma expectativa desproporcional ao que a prótese pode proporcionar-lhe tanto do ponto de vista estético, como funcional.

É preciso que se veja, primeiramente, o que significa para essa pessoa, o fato dela ter uma deficiência.

Existe uma visao para a deficiência quando ela está “no outro” e outra visão quando ela está na gente, ou num de nossos familiares.

É importante que se considere o que pensava determinada pessoa sobre a deficiência de mão, antes dela se tornar deficiente. Sua visão anterior, sua experiência de vida anterior e a experiência de seus familiares são importantes para as suas reações atuais.

A mão pertence ao todo organico e psico-físico e o ser humano fica afetado numa ofensa à mão, quer seja ela uma deformidade congenita, quer sejam lesões da pele, artrites reumatóides, tumores, queimaduras, lesões de nervos ou osteo-articulares, amputações congenitas por acidente ou cirurgia; a pessoa com amputação sofre todas as consequências dessas ofensas embora muitas consigam utilidade para as partes restantes, ou para o estado atual de sua mão. Quaisquer dessas ofensas, portanto, afetando, uma parte do corpo, a mão, afetam o ser inteiro, como um todo.

As pessoas reagem diferentemente às deficiências e muitas vezes, dependendo do valor atribuido àquela parte do corpo, as consequências psíquicas são mais ou menos sérias.

Para uma determinada pessoa a perda do dedo mínimo, por exemplo, pode significar perda maior do que para uma outra, a audição; um defeito na face constituiria preocupação maior que a perda da mão, dependendo do caso.

Necessitados de assistência, uns encontram em si mesmo força reativa satisfatória, enquanto outros, para tanto, vão precisar de uma assistência especial mais profunda e mais ou menos demorada como paciente psico-terápico.

Principalmente, é preciso que os fatores psico-sociais, ao lado das condições físicas, sejam também avaliados e recebam tratamento adequado.

É de grande vantagem que se conheçam as possíveis reações iniciais de quem passa a ter Uma deficiencia de mão, assim como conhecer também as condições de quem sempre viveu ou de há muito vem vivendo com uma deficiência.

Tais reações dependem, em boa parte, da extensão da afetação fisica, com maior repercussão dos prejuízos se se perde a mão inteira ao invés do dedo mínimo.

Entretanto, já dissemos que a reação da pessoa vai depender também do valor que ela própria atribui àquela parte do corpo.

As experiências anteriores da vida daquela determinada pessoa, a força prévia do seu Ego, o equilíbrio até então conseguido são importantes para ditar as formas de reagir face a essas situações problemáticas de ofensa física, social e psiquica.

Inclusive, o equilíbrio familiar está em jogo, digamos que seguindo este mesmo esquema de organização: doente um membro da família, todo o corpo familiar fica afetado; há um intercambio de influências que vão condicionar o processo de aceitação de sua condição de deficiente físico. As concepções familiares, anteriores à deficiência e referentes a elas já fazem parte da experiência pessoal do indivíduo e já terão contribuido para a sua própria concepção do “ser deficiente” que é.

Sua imagem corporal, portanto, tem muito que ver com as concepções e equilíbrio familiares. Dependendo de sua força anterior, as modificações da imagem corporal se operam com maiores ou menores conflitos, com fortes desajustamentos ou transitoriamente passam pela necessário período de sofrimento maior, para depois encontrarem melhor aceitação de si, por ele mesmo, ganhando melhor ajustamento social.

Sabe-se ser comum em caso de acidente, por exemplo, o paciente, reagir como em estado de choque, face ao impacto. Passam, então, por um período de retração, em que começam a sair do "pasmo e confusão” em que se encontram; depois do chamado período pós-traumático, tem início um tipo de resolução ou compromisso psicológico, que a pessoa terá depois do trauma, para um melhor ou não aproveitamento de um programa de reabilitação.

Esse processo de reabilitação, realizado por uma equipe de profissionais, coordenadamente, deverá levar em consideração os aspectos físicos, mas também, os sociais e psicológicos, que dizem respeito à pessoa.

Tal consideração é devida tanto pelas interrelações existentes e que já mencionamos mas também porque esta dupla condição sócio-psiquica afeta, em muitos casos, o bom prccessamento do tratamento físico e do processamento de reabilitação.

  • (**)

    Trabalho apresentado no XIV Congresso Interamericano de Psicologia S. Paulo 14 a 19 de abril de 1973.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1973
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