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O CONCEITO DE "MODELO" COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO* * Traduzido por A. C. Carvalho, de "Nursing Fórum", XI (1):48-70, 1972, artigo intitulado "The Concept of Modeling as a Teaching Strategy". Publicado com a autorização da autora, na Revista da Escola de Enfermagem da USP.

Não é extraordinário que o "modelo" ou exemplo como método de ensino tenha sido identificado já na época de Plutarco e que atualmente ainda continue a procurar seu caminho nos currículos dos cursos de formação de professores, tanto no ensino da enfermagem como em outras áreas? A maioria dos programas destinados ao preparo de professoras de enfermagem enfatizam a estratégia da exposição didática e, possivelmente, da discussão em pequenos grupos; poucos programas, porém, incluem a estratégia do modelo ou exemplo, ou seja, da imitação, nos seus currículos. Talvez isto se deva ao fato de que a maioria dos professores dos cursos de graduação em enfermagem utilizam-se das mesmas estratégias mediante as quais receberam instrução, ou a que tiveram que se adaptar quando estudantes. Consistiam, em geral, em apresentação ex-planatória da matéria, interrogatório indutivo e dedutivo e, na área clínica, do que poderia ser chamado de orientação tutorial.

Bandura assinala que ".. .virtualmente todo fenômeno de aprendizagem, resultante de experiências diretas, pode ocorrer na base da substituição, ou suplementação, através da observação do comportamento de outras pessoas e de suas conseqüências1". Se isto é verdade, porque não desenvolver e utilizar a estratégia do "modelo" nos currículos de enfermagem e nos programas de didática especial? Sabemos que estudantes e enfermeiras recém-graduadas tomam as docentes, as enfermeiras do campo e as enfermeiras-chefes, como modelos e consideram esses modelos como sendo eficientes, ainda que diferentes uns dos outros2. Um processo ensino-aprendizagem de tal magnitude não pode ser desprezado.

A EVOLUÇÃO DO EMPREGO DO "MODELO"

A mais antiga explicação sobre o emprego do "modelo", ou comportamento igual ou semelhante, data dos escritos de Morgan e Tarde3, em 18S6. Naquele tempo a modelação* * Traduzido por A. C. Carvalho, de "Nursing Fórum", XI (1):48-70, 1972, artigo intitulado "The Concept of Modeling as a Teaching Strategy". Publicado com a autorização da autora, na Revista da Escola de Enfermagem da USP. (imitação) era considerada como uma propensão inata, comparando-se ao comportamento dos patos em relação à tendência de andarem em cortejos. Essa interpretação, baseada na teoria dos instintos, atrazou de muitos anos as investigações empíricas sobre a imitação. Foi desde o trabalho clássico de Miller e Dollard, denominado Aprendizagem Social e Imitação4, que esse assunto começou a ser sistemática e metodicamente explorado.

Quando a doutrina dos instintos caiu em descrédito, alguns psicólogos tentaram utilizar princípios associativos para justificar o comportamento imitativo. Consideraram a proximidade de tempo entre o estímulo emitido pelo modelo e a resposta (comportamento) semelhante do imitador, como condição suficiente para a ocorrên-da imitação. Piaget visualisa o processo da imitação em forma circular ou como uma seqüência de imitações alternadas5. O modelo emite comportamento que serve de estímulo para respostas (comportamentos semelhantes por parte do imitador, um processo que se repete indefinidamente.

Teóricos associativistas descrevem uma das condições em que a imitação poderá determinar um comportamento que já faz parte do repertório do imitador. Não explicam, entretanto, a aquisição de respostas novas.

Skinner e outros psicólogos da teeoria do reforço mudaram seu enfoque para a aquisição de como sendo de "ensaio e erro"6.

Na teoria do condicionamento operante de Skinner a imitação é vista como uma forma de estímulo combinado, no qual possivelmente se dê a duplicação através de reforços diferenciais7. Esse processo pode ser longo e vagoroso porque o comportamento inicial pode ser emitido antes do reforço diferencial poder dar início à formação do comportamento desejado. No exemplo que se segue, o o comportamento desejado pela criança é pendurar seu casaco quando entrar em casa. O pai (modelo) desempenha o comportamento desejado pendurando o casaco. Na próxima oportunidade, quando a criança tira o casaco e o deixa cair no chão, o pai repete o processo de pendurá-lo. Quando a criança o apanha para apresentá-lo ao pai, seu comportamento recebe reforço social. No dia seguinte, o pai repete o processo - e agora já a criança leva o casaco até o cabide e entrega-o a pai. Segue-se o reforço. Numa próxima ocasião a própria criança pendura o casaco e segue-se, novamente, o reforço, e assim por diante (Neste exemplo existe uma condição indispensável: que a criança possua as necessárias habilidades motoras) .

Sob certas condições, alguns comportamentos exibidos por um modelo é reproduzido na ausência do reforço direto - por exemplo, a indesejável utilização, por uma criança, de certas palavras proibidas. Sabemos também que novos padrões de comportamento que não existiam no repertório de comportamentos do imitador podem emergir subitamente. As maiores controvérsias emanadas de praticamente todos os atuais esforços no campo da pesquisa, entre teóricos e pesquisadores da imitação e dos processos sociais de aprendizagem, centralizam-se na questão sobre quais as condições necessárias para que uma pessoa adquira novas respostas por observação ou por imitação.

ATRIBUTOS E VARIÁVEIS DA IMITAÇÃO

Imitação é um tipo de fenômeno de aprendizagem por substituição ou suplementação, que inclui também identificação, cópia, simplificação social e dramatização. A diferenciação social e dramatização entre esses sub-processos é feita à base de variáveis tais como a complexidade e o conteúdo emocional da resposta emitida, as recompensas e suas fontes e a presença ou ausência de um modelo. Por exemplo, a imitação envolve a reprodução de respostas descontínuas, separadas, enquanto que a identificação envolve a adoção de diversos,, complexos e, muitas vezes, deliberados padrões de comportamento ou símbolos que representam o modelo. A concentração psíquica generalizada, no modelo, é o pré-requisito para a identificação, mas não é essencial, ou poderá estar ausente na imitação. Alguns autores estabelecem diferenças entre esses sub-processos com base no tipo de recompensas, que podem ser intrínsicas ou extrínsicas. Outros afirmam que imitação é comportamento semelhante na presença de um modelo e reservam o termo "identificação" para o desempenho do comportamento do modelo em sua ausência9, 10.

Bandura sustenta que, "em essência, o processo de aprendizagem é o mesmo independentemente da generalidade do que é aprendido, dos modelos dos quais os padrões de respostas são adquiridas e das condições estimuladoras sob as quais o comportamento imitativo é, subseqüentemente, executado"11. Revê, em obra recente, apresenta numerosos estudos que demonstram duas idéias de capital importância: 1) as condições antecedentes exigidas são as mesmas tanto para a aquisição de respostas semelhantes isoladas quanto de repertórios imitativos completos; 2) o processo de aquisição de respostas semelhantes na presença de um modelo é diferente daquele desempenhado posteriormente, em sua ausência12.

O conceito de "imitação" utilizado neste artigo refere-se ao comportamento - novo, previamente adquirido, ou ambos que se efetua em resposta a estímulos de imitação. Este pode ser direto (face a face), simbólico (palavras) ou pietórico (filmes, televisão). O processo imitativo inclui tanto a cópia automática de comportamento simples, descontínuos, quanto o desempenho de comportamentos complexos.

Recentes pesquisas sobre as variáveis que determinam a aquisição de comportamento semelhante mostram que cerca de quatro grupos de variáveis sempre resistiram ao escrutínio científico: os atributos do modelo, as características do sujeito, as condições incentivadoras e o modelo versus tema do reforço. Essas variáveis são particularmente relevantes no desenvolvimento do conceito da imitação como estratégia de ensino.

Os atributos do modelo formam um dos grupos de variáveis. De acordo com o condicionamento social prévio do sujeito, é mais provável que os modelos de maior prestígio, competentes, de alto status sociais e poderosos, lhe despertem maior atenção; poderão provocar, portanto, maior número de comportamentos imitativos do que os modelos que não possuam esses atributos13.

Rosenbaum e Tucker salientam que "na aprendizagem imitativa, o educando não só responde às sugestões fornecidas pelo comportamento de um modelo, como possue, em potencial, sugestões valiosas na forma de conseqüências ambientais da resposta do modelo" 14. Por exemplo,, enfermeiras exeperientes, que aprenderam a reagir independentemente às sugestões oferecidas pelo trabalho com um paciente "difícil", podem oferecer insinuações indiretas, relevantes, para a orientação do comportamento de enfermeiras recém-graduadas, para as quais essas sugestões são obscuras, difíceis, ou não discriminadas. O aprendiz, ou enfermeira recém-graduada, pode também observar as conseqüências locais do comportamento e as gratificações que possam ou não resultar para a enfermeira experiente, o modelo.

Para a variável "competência do modelo" funcionar, o observador deve conhecê-la. Na experiência de Rosenbaum e Tucker, competência foi definida como a demonstração que um indivíduo recebe, em reação ao seu comportamento, de que este foi correto. Esses autores planejaram medir o efeito dessa sugestão de competência no comportamento imitativo. Usando uma série fictícia de corridas de cavalos em ambiente de laboratório, criaram condições nas quais os indivíduos eram colocados com pares (os modelos) competentes, em 80%, 50% ou 20% das provas. Os resultados indicaram, como era previsto que quanto maior a competência do modelo, mais facilitada era a aprendizagem desejada.

O que se poderá dizer da competência, especialmente em resposta a sugestões do meio ambiente, da maioria das docentes de enfermagem, como modelos?A pesquisa da própria autora, com uma amostra de 220 jovens enfermeiras, diplomadas em cursos superiores de enfermagem, mostrou que elas estavam desiludidas com os modelos das instrutoras de enfermagem, jovens também, e que se mostravam inseguras, sem vivência da situação de trabalho e inexperientes 15.

Para ser um modelo não é suficiente conhecer muito bem a teoria e poder servir de exemplo em comportamento no campo intelectual, tais como a investigação e a resolução de problemas. As novas enfermeiras de hoje exigem que seus modelos sejam capazes de reagir às sugestões do sistema assistencial de saúde e que demonstrem eficiência na prática da enfermagem dentro desse mesmo sistema.

As características do sujeito, que formam o segundo grupo de variáveis, podem determinar predisposições para reação imitativa. Urn número considerável de dados de investigação indicam que pessoas "que são dependentes, sem auto-estima, incompetentes e que tenham sido freqüentemente recompensadas por apresentarem comportamento imitativo, podem tornar-se muito sensíveis às sugestões fornecidas pelo comportamento dos outros"16. Diferenças de sexos entre o modelo e o sujeito podem influenciar também no âmbito da observação e da imitação do comportamento do modelo, o que depende grandemente da reação desejada. Num clássico estudo sobre a imitação, por crianças, de comportamentos agressivos de modelos masculinos e femininos, Bandura, Ross e Ross17, 18 encontraram como resultado que os meninos reproduziam substancialmente mais comportamentos agressivos do que as meninas (É provável que esse comportamento imitativo ligado ao sexo constitua uma possível explicação para o fato de ser tão difícil conseguir que estudantes de enfermagem do sexo feminino adotem o comportamento, um tanto quanto agressivo, de se dirigirem aos médicos a fim de, com eles, discutirem os planos de cuidados de enfermagem).

As condições incentivadoras - Outra variável importante para o conceito de "imitação" é constituída pela situação destinada a estimular o comportamento imitativo. Experiência de Bandura, em 196519 mostra o efeito que a antecipação de recompensas pode causar. Nesse estudo, crianças observaram um filme em que um modelo exibia uma seqüência de formas novas da agressão física e verbal a Bobo, um grande boneco representando um palhaço. Como tratamento, numa primeira apresentação, o modelo foi punido após desempenhar o comportamento agressivo; noutra o modelo foi recompensado com bom tratamento e profusão de elogios; numa terceira, nenhuma recompensa foi-lhe dada. No teste após a apresentação do filme houve diferenças significativas de comportamento das crianças em cada uma das três condições de reforço. As crianças do grupo em que o modelo foi recompensado e do grupo em que nada lhes aconteceu desempenharam expontaneamente um número significativamente maior e variado de comportamento.

O desempenho de uma ação, porém, será o mesmo que aprendizagem? Depois do teste, as crianças dos três grupos receberam incentivos para a reprodução do comportamento que haviam presenciado no filme, com o propósito de transformar em execução as reações que haviam tido através da observação. Para se compreender a importância do reforço positivo antecipado no reprodução do comportamento imitativo, deve-se fazer, primeiro, a distinção entre aprendizagem e o simples desempenho de uma ação. Bandura, ao contrário de muitos defensores da teoria "do comportamento", encara a aprendizagem como adoção de comportamentos semelhantes; e o desempenho de uma ação, como imitação ou representação do comportamento.

Outro propósito da experiência de Bandura, em 1965, foi demonstrar essa diferença. Segundo esse autor "... desde que a aprendizagem deve, necessariamente, ser inferida de um comportamento, presumia-se que as respostas reproduzidas sob a influência de incentivos positivos dariam um índice de aprendizagem relativamente preciso"20 . Os resultados indicaram que a introdução de incentivos positivos para as crianças havia anulado as diferenças de comportamento observadas anteriormente revelando, entre as crianças dos três grupos, uma quantidade equivalente de aprendizagem.

Enquanto que existe alguma evidência de que a promessa de recompensas pode afetar significativamente a probabilidade de um indivíduo executar ações semelhantes, previamente aprendidas, dificilmente as conseqüências (recompensas) poderão constituir condição prévia necessária à aquisição do comportamento. Se uma pessoa for exposta à observação de determinado comportamento e depois prometerem-lhe recompensas para reproduzi-lo, sua aprendizagem inicial não será, necessariamente, afetada. Entretanto, no caso dessa pessoa observar que o modelo é recompensado freqüentemente, quando executa uma série de respostas (por exemplo, enfermeira eficiente elogiado e recompensada pela excelência do seu trabalho), a observação desse fato, se ocorrer recentemente, poderá determinar aumento de vigilância em relação a comportamentos posteriores do modelo. Bandura21 afirma que "a antecipação do reforço positivo para reproduzir respostas semelhantes pode, portanto, influenciar indiretamente o curso da aprendizagem suplementar, pelo enfoque e intensificação da observação das respostas do modelo. Conclui que pesquisas sobre o assunto "... apoiam a teoria de que a adoção de comportamentos semelhantes é resultado, primariamente, de uma série de estímulos e de processos simbólicos associados, onde a execução dos comportamentos aprendidos através da observação dependerá muito da natureza das conseqüências do reforço (recompensa) sobre o modelo ou sobre o observador" 2.

Modelo versus reforço - é outra variável que tem recebido atenção nas pesquisas sobre a aprendizagem social ou por imitação. Será que o modelo ou o reforço intensificam a aprendizagem imitativa? Pode ser empregado unicamente o reforço diferencial, a fim de determinar novos padrões de comportamento, mas é um processo longo e traumatizante. Por exemplo, em experiência para avaliar a aprendizagem de uma seqüência complexa de comportamentos, Luchins e Luchins encontraram mais de mil erros em universitários que haviam recebido somente uma orientação superficial ("feedback" da forma correta, sem explicações sobre os erros cometidos); esses estudantes nunca chegaram à execução plena do comportamento desejado. Por outro lado, os universitários que receberam reforço, aprenderam rapidamente o comportamento e livraram-se da frustração evidenciada no outro grupo, submetida à aprendizagem por ensaio e erro23.

Creio que esse esquema é seguido, muitas vezes, pela aprendizagem mal orientada "de descoberta". Na intenção de proporcionar ao estudante a oportunidade de sentir a emoção de descobrir por si novas idéias e novos conhecimentos, a estratégia de ensino toma a forma de uma aventura de "esconde-esconde", em que o professor, deliberadamente, sonega informações. A utilidade da aprendizagem "por descoberta" e o desenvolvimento de estratégias de ensino a fim de aumentá-la, devem levar em consideração as variáveis definidas há muitos anos por Cronbach; isto é, devem ser efetuadas experiências com esse tipo de aprendizagem, a fim de determinar sua propriedade em relação a "para determinado assunto, uma experiência indutiva de determinado tipo, em determinada proporção, produz um determinado padrão de respostas, em alunos de determinado nível de desenvolvimento"24.

Supondo que o reforço da imitação pode ser mais efetivo e eficiente do que o reforço diferencial, que efeito produzirá a imitação num estudante que já possui comportamento dominantes pré-estabelecidos, que impedem a emissão das respostas secundarias desejadas Esses comportamentos secundários não podem ser influenciados pelo reforço, pois raramente ocorrem espontaneamente. Como poderão, portanto, ser eficiente e efetivamente aprendidos

Piaget sugeriu que os julgamentos morais seguem uma seqüência fixa de desenvolvimento. De acordo com essa teoria, podem ser distinguidas duas fases distintas de julgamento moral, demarcadas uma da outra, aproximadamente, aos sete ou nove anos de idade. Na fase de responsabilidade objetiva, as crianças de mais ou menos cinco anos julgam da gravidade de um ato censurável pela quantidade de prejuízo material que acarretou, deixando de lado a intenção do ato. Na fase de responsabilidade subjetiva, que se acredita iniciar após os 7 anos, as crianças julgam da gravidade de um ato mais pela sua intenção, não tanto pelas conseqüências materiais25. Os fatores responsáveis pela transição de uma fase a outra ainda não foram bem esclarecidos, si bem que a seqüência das fases seja prefixada.

Em experiência realizada para testar a teoria do desenvolvimento de Piaget, Bandura e McDonald propuseram-se verificar se orientação moral dominante em crianças poderia ser alterada, pela introdução de varáveis aprendidas no convívio social, ou mesmo invertida, pela manipulação do reforço, de acordo com modelos sociais apropriados. Para averiguar a orientação moral dominante de crianças do curso primário, um grupo delas foi submetida a um teste com 12 pares de histórias. Cada par descrevia um ato bem intencionado que resultava em grande prejuízo material e um ato egoísta, motivado pela maldade, mas sem graves conseqüências. Por exemplo, na história A, João, ao obedecer o chamado da mãe para o jantar quebra, acidentalmente, quinze chícaras que estavam numa bandeja atrás da porta da sala de jantar; na história B, Henrique quebra uma chícara ao roubar doces, na ausência da mãe. Foi solicitado às crianças que dissessem qual dos dois meninos havia agido pior e porque. As crianças que apresentaram orientação moral subjetiva ou objetiva bem características foram reunidas em três grupos experimentais.

Um dos grupos foi exposto a modelos femininos adultos que expressavam sempre julgamento oposto à orientação moral dominante das crianças. Foram apresentados 12 pares de histórias (semelhantes às descritas acima): primeiro para o modelo e depois para a criança. O modelo sempre recebia reforço; a criança o recebia toda a vez que adotava o julgamento moral do modelo. Em outro grupo, as condições eram as mesmas;, apenas a criança não recebia qualquer reforço quando adotava o julgamento do modelo. Num terceiro grupo, não havia modelo; a criança era recompensada toda a vez que adotava comportamento contrário à própria orientação moral dominante (um exemplo de condicionamento operante).

Cada uma das crianças foi avaliada com uma série adicional de 12 pares de histórias, a fim de se obter maiores informações sobre seus julgamentos na ausência dos modelos e do reforço social. A medida da aprendizagem consistia na porcentagem de respostas opostas à orientação moral dominante e pré-determinada da criança. Os resultados indicaram que as crianças que tiveram modelos para observar, bem como as que receberam reforço por imitarem o julgamento moral do modelo, modificaram significativamente sua própria orientação moral. O terceiro grupo de crianças apresentou um ligeiro aumento de respostas opostas, em número estatisticamente não significativo.

Ao contrário da previsão, a utilização apenas de modelos foi tão eficiente na mudança de julgamento das crianças, como a combinação de modelos com o reforço social direto. De acordo com o que se esperava, ficou provado que as duas situações que envolviam processo de imitação foram muito mais poderosas que o condicionamento operante26.

Esse estudo demonstrou que a imitação é mais eficiente em produzir mudanças nos padrões de comportamentos dominantes e preexistentes, do que o condicionamento operante; e ainda, que o reforço do modelo não é condição necessária para que a imitação ocorra. Será que nós, enfermeiras, estamos utilizando os conhecimentos existentes sobre o valor do reforço, a fim de apressar o processo de aprendizagem? Estaremos usando as melhores estratégias de ensino para conseguir isso? Em muitas das situações do processo ensino-aprendizagem com adultos, pacientes ou estudantes, encontram-se atitudes ou comportamentos motores, pré-existentes, que talvez precisem ser anulados ou invertidos? Por exemplo, estudantes de enfermagem recém-admitidas muitas vezes possuem expectativas dominantes pré-estabelecidas com relação à enfermagem, considerando-a uma série de tarefas a serem executadas para os doentes. As respostas complementares, desejadas nesta situação, poderão ser o "papel expressivo" da enfermeira, zelosamente defendido pelas docentes das escolas universitárias de enfrmagem. Pode ser considerado também o caso do paciente cardíaco que deve inverter sua atitude pré-existente em relação ao consumo de sal, ou o diabético obesso em relação à alimentação, e assim por diante.

A estratégia de ensino pela imitação

Como vimos, o reforço talvez seja da maior importância no processo de aprendizagem e, provavelmente, mais eficiente quando se observa que o modelo é recompensado, não o aluno. Entretanto, Bandura e Kupers mostraram que padrões de auto-reforço também podem ser ensinados através da imitação. Encontraram, em seu estudo, que: 1) os padrões e a magnitude do auto-reforço do indivíduo aproxima-se muito do reforço proporcionado pelo modelo; 2) em geral, na transmissão de respostas de auto-reforço, os adultos servem de estímulo para imitação do que os companheiros do grupo27. Portanto, um plano de estratégia de ensino através da imitação deve focalizar: o reforço do modelo adulto em relação à competência (supondo, naturalmente, que será utilizado um modelo competente); íazer com que o modelo demonstre um padrão real de auto-reforço baseado em que, numa profissão, deseja-se a aquisição de normas específicas, interiorizadas, as quais os indivíduos sintam satisfação em observar; oferecer ao educando, antes de submetê-lo à experiência da imitação, uma indicação incentivadora (para apressar a adoção do comportamento desejado). Deve-se ter a preocupação de planejar sessões de prática dos comportamentos ou habilidades motoras que o educando possa não ter adquirido ainda e que sejam indispensáveis à realização do comportamento desejado. Nessas circunstâncias, a pesquisa indica que provavelmente os esquemas de reforço diferencial são mais eficazes.

Que tipos e combinações de processos de imitação devem ser utilizados como exemplos de estratégia de ensino pela imitação? No estudo de Bandura, sobre a imitação de comportamento agressivo, foram usados diversas abordagens - um modelo vivo, o mesmo modelo apresentado num filme e desenhos animados representando o comportamento agressivo. Os resultados mostraram que o modelo vivo e o filme produziram o mesmo nível de comportamento imitativo e que, com esses modelos, houve aprendizagem em grau muito mate significativo do que a verificada no grupo controle ou com a utilização dos desenhos animados28.

Creio que, toda a vez que os filmes são utilizados como estímulo para imitação, o modelo deve iser uma pessoa com a qual o educando está familiarizado e com a qual possa associar as características importantes num modelo: prestígio, competência, etc.

Um outro problema: serão igualmente eficazes os modelos per-ceptivos (conscientes e com discernimento) e os simbólicos? Numa comparação desses dois tipos, com relação à aquisição de habilidade em ensinar como formular boas perguntas, Allen et ali chegaram à conclusão de que, como agente de treinamento, um não é melhor que o outro29 - evidentemente, ambos são potencialmente úteis.

Que tipos de exemplos devem ser apresentados quando houver a intenção de usá-los na estratégia de ensino através da imitação? Sé determinada atitude foi a resposta imitativa desejada, por exemplo --a atitude em relação a pacientes alcoólatras, - pode ser desejável contar com modelos que respondam a uma grande variedade de atitudes que o público possa assumir. Outro exemplo se o objetivo de ensino é fazer com que as estudantes aprendam a trabalhar com pacientes deprimidos, estas deverão observar uma variedade de modelos em ação, cada um representando uma abordagem diferente, seja teórica ou pela atitude. O importante é lembrar que c comportamento que pode ser mais eficiente em produzir a imitação, é o do modelo percebido como recompensado por ter correspondido às solicitações do ambiente (isto é, que demonstrou ter competência).

Exemplo de imitação como estratégia de ensino

Todas as pesquisas descritas no presente artigo foram feitas em laboratório, fora do ambiente natural, na maior parte utilizando crianças. Como poderíamos aplicar os resultados ao ensino de estudantes de enfermagem e de pacientes?

Hilgard nos mostra o caminho em sua descrição dos seis passos, da pesquisa científica pura à prática educacional estabelecida. Utiliza, como base de sua série contínua, o grau de relevância para o empreendimento educacional com o "mais puro" (pesquisa em laboratório, com animais) numa extremidade da série, e pesquisa em ambiente natural com população relevante e a matéria ou o assunto, na outra30. Esse último tipo é extremamente necessário para ambas, enfermagem e educação geral, especialmente nós processos sociais de aprendizagem.

Recentemente tentamos por em prática com o auxílio de uma colega, alguns dos resultados das pesquisas citadas anteriormente; esse trabalho estava associado a uma subvenção destinada a desenvolver e melhorar as estratégias de ensino, num currículo orientado no sentido da sistematização burocrática. Levaram-nos a essa tentativa as discussões que mantínhamos sobre as atitudes negativas das estudantes em relação a seu papel como agente de mudanças em potencial, e sua insatisfação em cuidar dos pacientes internados em enfermaria geral médico-cirúrgica. Pelo que sabemos, essa foi a primeira vez que a imitação foi conscientemente utilizada como a principal estratégia de ensino num programa universitário de enfermagem.

Havíamos observado que a apatia generalizada entre as enfermeiras do serviço, a falta, no campo clínico, de bons modelos que demonstrassem gosto e entusiasmo pela enfermagem, e a falta de modelos que desempenhassem tanto o papel expressivo quanto o instrumental da enfermeira, tudo isso atrazava o processo de aprendizagem social da estudante. Estávamos particularmente preocupados com o papel da professora no campo clínico.

O método usual de ensino entre as nossas docentes deve ser o mesmo utilizado na maioria das escolas de enfermagem; A docente é responsável por cerca de dez alunos, cada uma das quais deve planejar e dar cuidados a um ou dois pacientes. A aluna procura a docente para orientação, em caso de necessidade. Gomo uma espécie de bombeiro, a docente corre de uma aluna em crise para outra, respondendo perguntas, orientando, mostrando uma coisa aqui, outra lá, assim por diante. Emprega medidas preventivas entre uma crise e outra, fazendo perguntas e assegurando-se de que a estudante sabe o que está fazendo e de que conhece os princípios fundamentais em que se baseia aquele tipo de atividade. Infelizmente, isto deixa, muito pouco tempo para a docente utilizar no cuidado direto ao paciente. Poderá dar alguma assistência no decorrer do seu trabalho com as estudantes, mas limitada e dirigida mais à demonstração ou supervisão do cuidado.

O relacionamento entre a docente e as enfermeiras do serviço varia de acordo com as pessoas envolvidas. Geralmente prevalece uma política de "mantenha-se no seu lugar"- as estudantes constituem responsabilidades da docente para o ensino, a disciplina e a recompensa. Muitas vezes, o único contato importante entre estudantes e enfermeiras da clínica se dá quando uma destas chama a atenção da aluna e da docente para eventuais falhas na enfermaria.

Nossa escola, como muitas dentre as universitárias, dá ênfase ao papel expressivo da enfermeira e tenta socializar as estudantes em relação ao sistema profissional de organização do trabalho - de executar o trabalho que deve ser executado. Esta abordagem é possível com esse tipo de estudantes por que recebem tarefas limitadas na enfermaria e são afastadas, pela docente, da burocracia do sistema. Dentro das limitações do sistema, raramente, portanto, as alunas têm oportunidade de aprender como prestar assistência de enfermagem de qualidade.

Creio que as estudantes devem aprender isto e que uma boa instrutora, capaz de demonstrar como pode ser feito, arranjará um jeito de dar à estudante a oportunidade de aprender por imitação. Com essa finalidade planejamos, minha colega e eu, uma estratégia experimental de ensino. O comportamento imitativo que desejávamos como resposta era a colaboração universitária entre estudantes, pessoal de enfermagem, médicos e docentes. A assistente desse projeto, enfermeira clínica muito capaz, tinha sido membro do corpo decente. As estudantes gostavam dela, respeitavam-na e a consideram uma verdadeira enfermeira de campo. Minhas colegas do corpo docente e eu achávamos que ela possuía muitas das qualidades de um modelo, necessárias para demonstrar a possível eficiência da imitação como estratégia de ensino.

Essa enfermeira solicitou trabalho junto a um grupo regular de nove estudantes de 1.º ano, que estavam tendo experiência em enfermagem médico-cirúrgica numa enfermaria de 40 leitos, em um grande hospital distrital. O ambiente é importante por que a instrutora-modelo era conhecida e respeitada nessa instituição (havia trabalhado como instrutora e como enfermeira de campo); a enfermaria grande e aberta, permitia a necessária visibilidade para que houvesse aprendizagem por imitação.

A instrutora-modelo sentia-se competente e era assim julgada pelas colegas e pelos médicos da enfermaria; gozava, também, de grande prestígio. As estudantes sabiam que havia sido membro do corpo docente; que naquela ocasião, trabalhava com subvenção federal; e que elas estavam envolvidas num estudo especial sobre um novo método de ensino.

A instrutora-modelo entrou em contato, primeiro, com as enfermeiras da clínica e explicou-lhe que ia experimentar um novo método de ensino, pedindo sua colaboração. Depois reuniu-se com as estudantes e disse-lhe a mesma coisa, solicitando auxílio na avaliação do método e advertindo sobre a possível dificuldade em ajustarem-se a ele. Explicou que, ao invés de circular entre as alunas fazendo perguntas, orientando e ajudando-as ia, pessoalmente, prestar assistência a um paciente. Estaria à disposição para conselhos, avaliação e auxílio, mas as próprias estudantes deveriam procurá-la para isso. Orientou o grupo no sentido de solicitar o auxílio das enfermeiras da clínica, quando necessário. Estabeleceu que as estudantes, pela manhã, deveriam submeter-lhe os planos provisórios de cuidados de enfermagem; depois destes revisados, cada uma poderia começar o trabalho do dia por sua própria conta, a única limitação consistindo em mostrar-lhe a medicação endovenosa e narcótica antes de administrá-la.

O objetivo de criar uma situação como essa foi para dar à instrutora a oportunidade de servir de modelo para os estudantes e para as enfermeiras da clínica, no que referia a assistência de enfermagem de boa qualidade, e de demonstrar como isso podia ser feito dentro de um sistema de trabalho burocraticamente organizado. Além disso, as estudantes podiam observar a instrutora quando solicitava orientação do médico, das enfermeiras e das próprias alunas.

Durante a reunião de planejamento insistiu-se em que as enfermeiras discutissem livremente o assunto com a instrutora e com as alunas. Esperava-se que isso desse ao modelo o reforço, considerado muito eficaz pelas pesquisas sobre os processos de aprendizagem social; esperava-se também que as estudantes passassem a reconhecer as oportunidades que o ambiente da enfermaria lhes oferecia.

Na manhã do primeiro dia a instrutora revisou os planos de cuidados e começou a cuidar dos seus próprios pacientes. Tanto as estudante quanto as enfermeiras da clínica não acreditaram no fato e mostraram-se inconfortáveis com sua rápida mudança de papel. Passaram-se duas horas. Por fim, uma estudante aproximou-se da instrutora-modelo e feze-lhe uma pergunta; mais tarde, a instrutora pediu a uma das alunas que ajudasse a manter o seu paciente em posição enquanto lhe lavava as costas; um médico discutiu com ela assunto sobre o qual havia feito uma observação; uma das alunas dirigiu-se à enfermeira da clínica a fim de perguntar-lhe sobre o encaminhamento de um dos seus pacientes a uma enfermeira de saúde pública, em virtude da instrutora modelo (docente) estar ocupada com o seu próprio paciente. O projeto estava lançado.

Os resultados foram interessantes e satisfatórios. As estudantes sairam-se tão bem nas provas e exames como as demais de sua classe; não houve erro na administração de medicamentos, nem acidentes, grandes omissões ou problemas graves durantes o período de 10 semanas; as enfermeiras e os médicos da clínica ficaram entusiasmados. O mais importante foi que as alunas disseram que haviam "gostado" da experiência, "aprendido uma porção de coisas" e que haviam, realmente, "despertado" para a enfermagem. Evidentemente, nenhum desses resultados pode ser atribuído ao "efeito de Hawthorne"; este estudo necessita ser repetido em pesquisa de campo bem planejada. Nossos resultados, porém, indicaram que esse tipo de situação imitativa pode muito bem constituir uma eficiente estratégia de ensino.

São dignas de menção duas outras maneiras pelas quais a estratégia de ensino através da imitação pode ser usada no ensino da enfermagem. Estimulado pelo relatório de Bandura e Walters31, o corpo docente da Columbia Britânica, em Vancouver, tem selecionado modelos funcionais numa variedade de situações de enfermagem (reservas de índios, hospitais rurais, áreas urbanas) enviando-lhes estudantes para um mês de observação de campo, no final do seu primeiro ano na escola. O objetivo é oferecer às alunas um extenso e intenso contato com as realidades do trabalho universal. Esse grupo de docentes está satisfeito com os resultados obtidos.

Há quatro anos, a Escola de Enfermagem da Universidade da Califórnia, em São Francisco, selecionou modelos funcionais para estudantes do 3.º ano, durante a experiência de trabalho em equipe e, para cada uma designou um modelo dentre as enfermeiras da própria clínica. Isto, não só dá um certo grau de prestígio e gratificação à enfermeira que está sendo imitada como permite, aos membros do corpo docente que escolhem as enfermeiras que vão servir de modelo, exercerem alguma influência sobre a qualidade da, assistência de enfermagem.

Futuras aplicações

Reinhemeyer conclui que, ao contrário do que se esperava, as diplomadas por escolas universitárias não vêm exercendo influência no desenvolvimento básico da prática da enfermagem". Berkowitz e Malone sustentam que a tarefa da geração atual de enfermeiras universitárias consiste num esforço de colaboração no sentido de modificar seu próprio comportamento, para que a aprendizagem das estudantes de enfermagem possa também ser modificado. Quando isto se der, as alunas passarão a ter os modelos funcionais de que tanto necessitam33.

Por enquanto, as enfermeiras universitárias ainda não tiveram a oportunidade que merecem. Não podemos esperar que todos os modelos funcionais provenham de enfermeiras que, provavelmente, nunca tiveram modelos funcionais a quem imitar. As estudantes universitárias de hoje devem ser orientadas por docentes que possam demonstrar como prestar boa assistência de enfermagem dentro do atual sistema assistencial de saúde; devem ter a oportunidade de imitar esses modelos, que poderão mostrar-lhes como produzir mudanças dentro desse mesmo sistema. A estratégia de ensino pela imitação pode ser uma maneira de conseguir isto.

  • Nota - A palavra "modeling" pode ser traduzida como modelar, no sentido de modelação, tomar como modelo, regular o seu procedimento pelo de outrem. Modelo: um objeto que se reproduz, imitando-o (Dicionário Barsa Inglês-Português e Dicionário Prático Idustrado Lello)
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    Traduzido por A. C. Carvalho, de "Nursing Fórum", XI (1):48-70, 1972, artigo intitulado "The Concept of Modeling as a Teaching Strategy". Publicado com a autorização da autora, na Revista da Escola de Enfermagem da USP.
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    No sentido de tomar como modelo, imitar. Como em Português a palavra modelação não tem o mesmo sentido que em Inglês, tomamos a liberdade de utilizar o termo Imitação, que para nós significa tomar como modelo.
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    Estágio intermediário, isto é, o segundo em enfermagem médico-cirúrgica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 1974
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