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A enfermeira-chefe como figura-tipo em meados do século XX

La enfermera-jefe como figura-tipo en mediados del siglo XX

The head nurse as figure - type in the middle of the XX century

Resumos

Estudo histórico-social sobre a atuação da enfermeira-chefe nos hospitais, em meados do século XX. Objetivos: descrever o teor da matéria publicada na Revista Anais de Enfermagem sobre a enfermeira-chefe; analisar a atuação das instrutoras da Escola Anna Nery (EAN) nos campos de estágio e comparar os registros das atas de reuniões sobre essa atuação com os conteúdos selecionados na citada Revista. Acervos: Centro de Documentação, Biblioteca de Pós-Graduação e Nuphebras, todos da EEAN. Evidenciou-se um consenso entre autoras dos artigos e as enfermeiras diplomadas da EAN que, como chefes de serviço e instrutoras das alunas, eram regidas por uma forte ação coordenadora e centralizadora da diretora da EAN, contribuindo decisivamente na elevação do padrão do serviço de enfermagem dos hospitais onde atuavam.

história da enfermagem; enfermeiras chefe; administração hospitalar


Estudio histórico-social sobre la actuación de la enfermera-jefe en los hospitales, en mediados do siglo XX. Objetivos: describir el tenor de la materia publicada en la Revista Anais de Enfermagem ("Revista Anales de Enfermería") sobre la enfermera- jefe; analizar la actuación de las instructoras de la Escuela Anna Nery (EAN) en los campos de práctica laboral y comparar los registros de las actas de reuniones sobre esa actuación con los contenidos seleccionados en la citada Revista. Acervos: Centro de Documentación, Biblioteca de Pos grado y Nuphebras, todos de la EEAN. Se evidenció un consenso entre las autoras de los artículos y las enfermeras diplomadas de la EAN que, como jefes de servicio y instructoras de las alunas, eran regidas por una fuerte acción coordinadora y centralizadora de la directora de la EAN, contribuyendo decisivamente para la elevación del padrón del servicio de enfermería de los hospitales donde trabajaban.

historia de la enfermería; enfermeras jefe; administración hospitalaria


Social _ historical study about the actuation of the head nurse in the hospitals, in the middle of the XX century. Objectives: describe the meaning of the matter published in the Revista Anais de Enfermagem ("Annals of Nursing Journal") about the head nurse; analyze the instructors actuation of the Anna Nery School (EAN) in the stage fields and compare the minutes registrations of the meetings about this actuation with the content selected in the cited Journal. Patrimony: Center of Documentation, Library of Post-Graduation and Nuphebras, all of the EEAN. It evidenced a consensus between authoresses of the papers and the nurses graduated from the EAN who, as service heads and the students' instructors, were ruled by a strong coordinator and centralizing action of the EAN head, contributing decisively for the raise of the nursing service pattern in the hospitals where they worked.

nursing history; head nurses; hospital administration


HISTÓRIA DA ENFERMAGEM

A enfermeira-chefe como figura-tipo em meados do século XX

The head nurse as figure - type in the middle of the XX century

La enfermera-jefe como figura-tipo en mediados del siglo XX

Lílian Silva de FrançaI; Ieda de Alencar BarreiraII

IAcadêmica do 7º período de graduação em Enfermagem e Obstetrícia da Escola de Enfermagem Anna Nery - EEAN/UFRJ. Bolsista de IC/CNPq _ Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras)

IIEnfermeira. Ex-professora titular da EEAN/UFRJ. Membro do Nuphebras. Pesquisadora 1 A CNPq

Correspondência Correspondência: E-mail do autor: iedabarreira@openlink.com.br

RESUMO

Estudo histórico-social sobre a atuação da enfermeira-chefe nos hospitais, em meados do século XX. Objetivos: descrever o teor da matéria publicada na Revista Anais de Enfermagem sobre a enfermeira-chefe; analisar a atuação das instrutoras da Escola Anna Nery (EAN) nos campos de estágio e comparar os registros das atas de reuniões sobre essa atuação com os conteúdos selecionados na citada Revista. Acervos: Centro de Documentação, Biblioteca de Pós-Graduação e Nuphebras, todos da EEAN. Evidenciou-se um consenso entre autoras dos artigos e as enfermeiras diplomadas da EAN que, como chefes de serviço e instrutoras das alunas, eram regidas por uma forte ação coordenadora e centralizadora da diretora da EAN, contribuindo decisivamente na elevação do padrão do serviço de enfermagem dos hospitais onde atuavam.

Descritores: história da enfermagem; enfermeiras chefe; administração hospitalar

ABSTRACT

Social _ historical study about the actuation of the head nurse in the hospitals, in the middle of the XX century. Objectives: describe the meaning of the matter published in the Revista Anais de Enfermagem ("Annals of Nursing Journal") about the head nurse; analyze the instructors actuation of the Anna Nery School (EAN) in the stage fields and compare the minutes registrations of the meetings about this actuation with the content selected in the cited Journal. Patrimony: Center of Documentation, Library of Post-Graduation and Nuphebras, all of the EEAN. It evidenced a consensus between authoresses of the papers and the nurses graduated from the EAN who, as service heads and the students' instructors, were ruled by a strong coordinator and centralizing action of the EAN head, contributing decisively for the raise of the nursing service pattern in the hospitals where they worked.

Descriptors: nursing history; head nurses; hospital administration

RESUMEN

Estudio histórico-social sobre la actuación de la enfermera-jefe en los hospitales, en mediados do siglo XX. Objetivos: describir el tenor de la materia publicada en la Revista Anais de Enfermagem ("Revista Anales de Enfermería") sobre la enfermera- jefe; analizar la actuación de las instructoras de la Escuela Anna Nery (EAN) en los campos de práctica laboral y comparar los registros de las actas de reuniones sobre esa actuación con los contenidos seleccionados en la citada Revista. Acervos: Centro de Documentación, Biblioteca de Pos grado y Nuphebras, todos de la EEAN. Se evidenció un consenso entre las autoras de los artículos y las enfermeras diplomadas de la EAN que, como jefes de servicio y instructoras de las alunas, eran regidas por una fuerte acción coordinadora y centralizadora de la directora de la EAN, contribuyendo decisivamente para la elevación del padrón del servicio de enfermería de los hospitales donde trabajaban.

Descriptores: historia de la enfermería; enfermeras jefe; administración hospitalaria

1 Introdução

Este é um estudo de cunho histórico-social, que tem como objeto a enfermeira-chefe como figura-tipo de enfermeira diplomada nos hospitais, em meados do século XX. O recorte temporal do estudo inicia-se em 1946, ano em que a Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED) reinicia a publicação de seu periódico, Revista Anais de Enfermagem, interrompida desde 1941; e finaliza em 1950, junto ao término da gestão de Laís Netto dos Reis como diretora da EAN. Neste período ocorreram mudanças como o advento da primeira lei do ensino da enfermagem (775/49), que determinou o rompimento do "Padrão Anna Nery", cessando a obrigatoriedade de equiparação de novas escolas ao modelo "anáneri", que passou a ser atribuição do Ministério da Educação e Saúde(1).

Com a finalidade de orientar o esclarecer, no contexto histórico em estudo, a atuação das enfermeiras-chefes nos serviços de enfermagem, nos campos de estágio hospitalares da Escola Anna Nery, foram traçados os seguintes objetivos: descrever o teor da matéria publicada na Revista Anais de Enfermagem sobre a enfermeira-chefe; analisar a atuação das instrutoras da Escola Anna Nery (EAN) nos campos de estágio e comparar os registros das atas de reuniões sobre essa atuação com os conteúdos selecionados na citada Revista.

As fontes primárias utilizadas foram a coleção da Revista Anais de Enfermagem (1946-1950) e os livros de atas das reuniões da diretora da EAN, Laís Netto dos Reis, com as enfermeiras-chefes que ocorreram entre 1942 e 1946, pesquisados no Centro de Documentação (Cedoc) da na atual Escola de Enfermagem Anna Nery. As fontes secundárias foram buscadas no Banco de Textos do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras) e na Biblioteca Setorial de Pós-Graduação da EEAN, conforme a seguinte classificação temática: Revista Anais de Enfermagem; história da enfermagem; enfermeira-chefe; administração hospitalar; e gestão Laís Netto dos Reis, de acordo com a seguinte classificação temática: O Brasil e a 2ª Guerra, Escola Anna Nery, enfermeiras-chefes da EAN, gestão de Laís Netto dos Reis como diretora na EAN; como diretora da EAN (1938-1950). áfica.

2 A enfermeira-chefe nos artigos da Revista Anais de Enfermagem

O número de publicações sobre enfermeira-chefe na Revista Anais de Enfermagem, órgão oficial da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED), evidenciou o interesse da classe pelo tema.. O Quadro 1 elesNo período de 1946 a 1950, foram publicadas dezoito revistas, sendo que sete (38,8%), possuíam matérias que remetiam sobre as funções e atribuições das enfermeiras-chefes. Foram publicados nove artigos, um documento sobre as resoluções do I Congresso Nacional de Enfermagem realizado em São Paulo, 1947; um editorial, um resumo de trabalho apresentado no X Congresso Internacional de Enfermagem realizado em Estocolmo, 1949; e um resumo de artigo publicado originalmente no The American Journal of Nursing, totalizando treze matérias, que significa 3,96% do total de 328 matérias publicadas entre 1946 e 1950(2).

Nota-se que as autoras dos artigos trabalhavam em escolas de enfermagem, exercendo cargos como diretoras, enfermeiras-chefes e docentes. Também há a presença de autoras americanas, como a assessora do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), órgão executivo inserido no Ministério da Educação e Saúde, por força do acordo Brasil-EUA, e que se manteve entre nós mesmo após a guerra(3).A outra enfermeira americana, Estella P. Mann, publicou um artigo no The American Journal of Nursing que as líderes de enfermagem brasileiras julgaram merecer a publicação de seu resumo na revista da associação de classe.

A análise da bibliografia levantada mostra que o papel da enfermeira-chefe abrangia funções e atribuições relacionadas tanto à assistência e ao ensino como à administração e supervisão. No que se refere ao conteúdo dos artigos, não são observadas discrepâncias entre as opiniões das autoras americanas e brasileiras; seus artigos melhor se complementam, como se nota a seguir.

Ella Hasenjaeger, consultora do IAIA/SESP junto à Escola de Enfermagem da USP, era da opinião que o sucesso de uma escola de enfermagem deveria ser atribuído não só à habilidade de sua diretora, mas que também era necessário que esta reunisse ao seu redor um corpo eficiente de colaboradoras, que eram as enfermeiras-chefes. As enfermeiras-chefes deveriam ocupar uma posição estratégica no ambiente hospitalar, já que estas constituiam a base da pirâmide administrativa, executiva e educacional do serviço de enfermagem. A enfermeira-chefe deveria ter um preparo especial, com ensino adequado e grande experiência no ambiente hospitalar; possuir qualidades morais e intelectuais que a possibilitasse lidar com seres humanos com compreensão e tato e também deveria ter o "dom da direção", a fim de guiar eficientemente seus auxiliares e ministrar ensinamentos, mantendo vivo o interesse pelas questões sociais(4).

O I Congresso Nacional de Enfermagem, realizado em São Paulo, em março de 1947, teve como um dos principais objetivos a elaboração de um programa eficiente de enfermagem visando o preparo técnico, apurado e atualizado dos profissionais. Dentre suas resoluções, destacou-se a criação de cursos especializados para enfermeiras-chefes e supervisoras em escolas de enfermagem e em hospitais. Durante o Congresso foram apresentados seis trabalhos referentes à temática que foram publicados no mesmo ano, no volume XVI, n. 22, da Revista Anais de Enfermagem, como se segue(5).

Três representantes da Escola de Enfermagem de São Paulo/USP apresentaram seus pontos de vista: Maria Rosa de Souza Pinheiro, vice-diretora da Escola, sublinhou a necessidade das enfermeiras-chefes reforçarem cada vez mais sua competência com cursos de administração e supervisão, ampliando seus conhecimentos para melhor qualificarem suas alunas(6). Zilda A. Carvalho, professora da mesma Escola, acentuou a função de ensino da enfermeira-chefe, que "senhora do ambiente" e segura da orientação a ser tomada, podia ajudar a aluna de minuto a minuto, fazendo-a aplicar o que lhe foi ensinado. Também afirmou que somente formando adequadamente o seu pessoal é que a enfermeira-chefe poderia obter um padrão elevado do serviço dentro da enfermaria. Registrava ela a alta responsabilidade da enfermeira-chefe pela segurança do paciente, no que concerne ao cumprimento das ordens prescritas, aos cuidados de enfermagem e à atuação em casos de emergência(7). A recém diplomada, Maria José de A. Leite, abordou o tema sob o ponto de vista da estudante, descrevendo a enfermeira-chefe como a "alma" de uma enfermaria, responsável pelo ensino com segurança, entusiasmo e clareza(8).

Diretoras de duas outras EE, ambas de orientação católica, também apresentaram trabalhos: Waleska Paixão, diretora da Escola de Enfermagem Carlos Chagas, em Belo Horizonte /MG, afirmou que uma das mais importantes funções de uma diretora de escola de enfermagem era a de assumir aresponsabilidade pela formação das instrutoras e chefes de serviço, pois o valor de uma escola de enfermagem estava, antes de tudo, no seu corpo docente e técnico.Waleska Paixão, diretora da Escola de Enfermagem Carlos Chagas, de Belo Horizonte, e futura diretora da EAN, declarou em 1947 que um dos mais importantes deveres das diretoras das escolas de enfermagem era assumir a responsabilidade pela formação de suas próprias instrutoras e chefes de serviço, pois a qualidade das escolas de enfermagem dependia do progresso da profissão e o valor de uma escola de enfermagem estava, antes de tudo, no seu corpo docente e técnico. (PAIXÃO, 1947 p.23). Enfatizou ainda que, para qualificar as enfermeiras-chefes, era necessário proporcionar-lhes ambiente favorável ao exercício de suas funções e oportunidades de desenvolver qualidades próprias de chefe, recebendo estímulos e instrução organizada, como reuniões para discussão de assuntos relacionados aos campos de estágio(9). Por sua vez, a Irmã Matilde Nina, diretora da EE Luiza de Marillac, do Rio de Janeiro/DF, ressaltou a importância da enfermeira-chefe possuir uma formação profissional eficiente, dentro das normas da moral católica, além de procurar o conhecimento de acordo com suas aptidões e assumir a necessidade de corrigir seus pontos fracos(10).

A chefe de serviço de enfermagem hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Berila P. de Carvalho, relatou que enfermeira-chefe ocupava a posição chave na instituição inteira, como coordenadora das medidas administrativas, dos cuidados aos seus doentes, de sua família e do melhor aproveitamento da aluna, mantendo o ideal cristão de "fazer aos outros aquilo que queres que façam a ti"(11).

No ano seguinte ao Congresso, Celina Viegas, diretora da Escola de Enfermagem de Juiz de Fora /MG, publicou um artigo sobre a orientação de pessoal, caracterizada por ela como uma das mais árduas tarefas da enfermeira-chefe, pois a ela cabia promover a eficiência do trabalho de seus subordinados, ser responsável pela realização do trabalho e pelo bem-estar dos que com ela trabalhavam. A qualidade essencial exigida da enfermeira-chefe era a capacidade de guiar, sabendo ser líder e sabendo a diferença entre conduzir e comandar. Outra questão importante era a de manter a disciplina em sua enfermaria mediante uma eficiente supervisão e pelo bom exemplo, tanto de eficiência no trabalho e no cumprimento de seus deveres, como de nobreza de espírito e coração, para que pudesse transmitir o espírito de bondade e amor pelos que sofriam(12).

O editorial publicado em 1949 na Revista Anais de Enfermagem citou que onde havia enfermeiras diplomadas, estas estavam sempre ocupando posições de chefia, seja no ensino, na supervisão ou na administração e que por isso estas tinham poucas oportunidades de cuidar diretamente dos pacientes, tornando-se coordenadoras dos esforços de toda a equipe(13).

De acordo com a enfermeira supervisora e professora de Psicologia da Escola de Enfermagem de São Paulo, Maria de Lourdes Verderese, as enfermeiras deviam favorecer um maior contato entre os pacientes e as alunas para que estas, baseadas nos conhecimentos adquiridos em sala de aula e laboratórios, pudessem compreender sobre comportamento e relações humanas(14).

O diretor e cirurgião-chefe do hospital de Örebro, na Suécia, G. Bohmansson, apresentou em 1949, um trabalho no X Congresso Internacional de Enfermagem, cujo resumo foi publicado na Revista Anais de Enfermagem em 1950. No referido trabalho, o autor enfatiza a importância das enfermeiras-chefes frente ao processo cirúrgico e frente à instrução das alunas, contribuindo para a otimização das cirurgias(15).

No que se refere ao resumo do artigo da enfermeira americana, Estella P. Mann, esta estabelecia as cinco metas a serem alcançadas pela supervisora que desejasse melhorar sua capacidade como líder: desenvolver a confiança dos seus subordinados na sua direção; desenvolver, nos que trabalham sob suas ordens, a confiança em si mesmos; estimular neles o interesse pelo trabalho; tratar os subordinados como indivíduos; e procurar melhorar sua própria habilidade como supervisora. Deste modo, as responsabilidades da enfermeira-chefe se estendiam aos pacientes, seus amigos e parentes, e aos médicos, que dependiam das observações da enfermeira e de seus relatórios. Assim, a enfermeira-chefe representava em sua unidade, a supervisora, a diretora do serviço de enfermagem e a administradora do hospital(16).

3 Atuação das enfermeiras-chefes nos campos de estágio da EAN

Em julho de 1937, a EAN, "Escola Padrão Oficial"para as escolas de enfermagem, desde 1931, fora desvinculada do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) para se inserir na Universidade do Brasil(1). Com o fim do contrato da última diretora americana, foi escolhida para sucedê-la, Laís Netto dos Reis, que pertencera à primeira turma de diplomadas da Escola. Apesar das grandes dificuldades administrativas e orçamentárias enfrentadas em sua gestão, Laís Netto dos Reis alcançou enorme prestígio social. Como diretora da "Escola Padrão Oficial", foi designada presidente do Conselho de Enfermagem do Ministério da Educação e Saúde, em 1942, com as atribuições de solucionar questões relativas à equiparação de escolas de enfermagem à escola padrão e de estudar sobre os problemas de enfermagem no país(17).

O principal campo de estágio da EAN, desde sua fundação, era o Hospital São Francisco de Assis. No entanto, como este não oferecia todas as experiências necessárias à formação de enfermeiras, outros campos de estágio também passaram a ser utilizados, como se observa nos livros de atas das reuniões da diretora da EAN com as enfermeiras-chefes e nos depoimentos de ex-alunas como a seguir(18):

Hospital de Isolamento São Sebastião, Hospital Paula Cândido, Maternidade Pro-Matre, Maternidade-Escola de Laranjeiras, Hospital Arthur Bernardes, Hospital Central da Aeronáutica, Hospital Geral Miguel Couto, Hospital do Iapetec, Centro Psiquiátrico Nacional e Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB).

As relações entre as escolas de enfermagem e os hospitais assumiam características diversificadas. Em alguns hospitais, o serviço de enfermagem era realizado apenas por enfermeiras diplomadas; outros hospitais possuíam escolas de enfermagem anexas e dependiam parcialmente dos serviços prestados por suas estudantes e . Eexistiam ainda hospitais que eram procurados pelas próprias as estudantes de enfermagem procuravam para adquirir prática (19). A Escola Anna Nery utilizava diversos campos de estágio hospitalares, com maior ou menor participação nos respectivos serviços de enfermagem.

Nos campos de estágio da EAN a enfermeira-chefe respondia tanto ao hospital, sobre o bom andamento do serviço de enfermagem, quanto à diretora da EAN, sobre as condições do aprendizado das alunas nos campos de estágio(18).

Com a finalidade de qualificar enfermeiras-chefes era necessário que lhes fossem proporcionados: ambiente favorável, oportunidade de exercer funções e desenvolver qualidades próprias de chefe, estímulos, e instrução organizada, como por exemplo reuniões para discussão de assuntos relacionados aos campos de estágio hospitalares. (PAIXÃO, 1947, p.24).

Rosaly R. Taborda, ex-professora da EAN, afirmou ser o hospital moderno a melhor escola para educar sanitariamente os doentes, disciplinar e aperfeiçoar o trabalho de médicos e enfermeiras. Por isso, segundo ela, o diretor do hospital precisava encarar com seriedade a escolha da diretora da enfermagem e integrá-la à equipe de profissionais que formava o seu estado maior. Ressaltou ainda a enfermeira-chefe deveria ser líder, manter coesa a equipe de enfermeiras e estar ciente de sua alta função e deveres. Considerava também as reuniões das diretoras das escolas de enfermagem com as enfermeiras-chefes como um instrumento indispensável para o aperfeiçoamento tanto das mesmas como do serviço de enfermagem. emNestas reuniões as enfermeiras deveriam ser encorajadas a fazer perguntas, dar sugestões e discutir os assuntos(20).

Nesse sentido, Laís Netto dos Reis promovia reuniões periódicas com as chefes, que geralmente ocorriam no Pavilhão de Aulas da EAN. A partir do exame minucioso dos livros de atas n. 69(21) e n. 81(22) dessas reuniões, buscados no Centro de Documentação (Cedoc) da EEAN, foi possível analisar a atuação das instrutoras da Escola Anna Nery (EAN) nos campos de estágio.

Inicialmente, vale esclarecer o papel da diretora e o das enfermeiras-chefes nesse processo administrativo e pedagógico, na concepção da diretora:

O papel da diretora da Escola é o das linhas gerais, dos problemas máximos, agindo junto às chefes, porém estas formam o estado-maior da Escola e devem mostrar-se interessadas pela causa, procurando trabalhar com entusiasmo, louvando a Deus por tudo que puderem dar(21:Ata de 25/10/43).

No referente às relações interpessoais, a diretora fazia comentários sobre a hierarquia a ser observada entre enfermeiras-chefes veteranas e novatas: "As diplomadas antigas devem aproximar-se das demais novas e mostrar-lhe sua simpatia, sem contudo dar muita intimidade"(21:Ata de 01/09/43), sendo também de seu dever ensinar-lhes pelo exemplo:

O que vos parecer difícil, deveis torná-lo fácil, este é o exemplo que devemos dar às novas diplomadas; despertar nelas confiança, amizade fraternal, não as deixar permanecer nos erros, orientá-las, mostrando-lhes a maneira certa de agir(21:Ata de 25/10/43).

Outro comentário é sobre a responsabilidade pessoal da enfermeira-chefe de garantir a continuidade do serviço:"Dona Laís disse-nos que a chefe é a primeira que entra e a última a sair e que nunca deve sair e deixar sua aluna à espera de substituta"(21:Ata de 27/9/43). Sobre o controle das alunas:

Dona Laís lembra em fazer uma ficha de freqüência para conhecimento geral da importância da pontualidade, ficha essa cujas anotações serão feitas pelas próprias alunas, à entrada e saída do serviço e rubricadas pelas enfermeiras-chefes(21:Ata de 04/10/43).

Sobre o controle de material, "Dona Laís pede uma lista dos aquecedores defeituosos"(21:Ata de 18/10/43).

Erros na administração de medicamentos recebiam atenção especial, sendo sua responsabilidade atribuída, tanto à aluna como à enfermeira-chefe: "Dona Laís disse que a referida aluna não levaria castigo e sim seria supervisionada pelas chefes e instrutoras de serviço"(21:Ata de 22/2/43). A respeito de um outro caso, uma enfermeira-chefe presente diz que "A aluna tem bastante culpa, principalmente porque já é uma aluna antiga, mas a culpa maior está com a diplomada que não verificou o serviço"(22:Ata de 03/01/44).

A participação das enfermeiras-chefes nessas reuniões com a diretora aparece ligada a questões pontuais. Mereceram destaque dois pontos relacionados à administração e supervisão, sendo o primeiro referente à melhoria do funcionamento da unidade: "(...) passaram para a sala de demonstração, sendo feita por R.M.R. [enfermeira-chefe] a apresentação de todas as bandejas, fazendo-se comentários e aprovação de cada uma delas"(21:Ata de 03/12/42). O segundo ponto refere-se à enfermeira-chefe, M.M.R. à qual foi dada a palavra para esclarecer sobre "a nova orientação do serviço de controle de material, que será posta em execução no Hospital Geral Miguel Couto"(21:Ata de 02/12/42). O terceiro ponto é sobre a organização de ambientes adequados ao ensino prático: "A enfermeria-chefe Dona E. falou da dificuldade em dar aula de técnica de sala de operações no Hospital Arthur Bernardes"(21:Ata de11/10/43).

4 A atuação das enfermeiras-chefes nos campos de estágio da EAN e os artigos da Revista Anais de Enfermagem

A análise conjunta das atas das reuniões da diretora da EAN com as enfermeiras-chefes, e das matérias publicadas na Revista Anais de Enfermagem sobre a enfermeira-chefe evidenciou as grandes responsabilidades atribuídas à enfermeira-chefe, em três grandes áreas funcionais, sendo que cada instância comporta sub-categorias como se expõe a seguir: Função de Assistência, comportando as seguintes atribuições: Assumir o cuidado direto, frente às dificuldades das alunas; implementar medidas corretivas em situações de crise; tomar providências imediatas em caso de erro na administração de medicamentos e prestar primeiros socorros. Função de Ensino, comportando as seguintes atribuições: Corrigir erros na execução de técnicas; intensificar o acompanhamento do desempenho de alunas com dificuldades especiais; ensinar pelo exemplo e organizar um ambiente adequado ao ensino prático. Função de Administração e Supervisão, comportando as seguintes atribuições: Favorecer relações interpessoais produtivas; promover melhorias no funcionamento da unidade; fazer o controle de material e de pessoal; manter a disciplina, a assiduidade, a pontualidade e o uso correto do uniforme; além de prover a enfermaria de material, como medicamentos, instrumentos, aparelhos e materiais de enfermagem.

Apesar de que a competência assistencial fosse uma importante responsabilidade da enfermeira-chefe da EAN, a assistência direta prestada pela enfermeira-chefe não consta nos registros das atas de reuniões, talvez porque, no que se refere a tais atribuições, as enfermeiras-chefes tivessem maior autonomia para resolver, nos próprios campos de estágio, os problemas surgidos, sem haver a necessidade de levá-los à consideração da diretora da Escola e de suas companheiras de serviço.

5 Considerações Finais

O principal órgão de divulgação da ABED, Revista Anais de Enfermagem, e seu principal evento, em especial o I Congresso Nacional de Enfermagem, foram veículos de grande importância para a divulgação das funções e atribuições das enfermeiras-chefes nos campos de estágio hospitalares e nos hospitais em geral.

As enfermeiras-chefes da Escola Anna Nery, no período do estudo, atuavam simultaneamente como chefes de unidade de internação dos hospitais e como instrutoras das alunas em campo de estágio. A coordenação centralizadora de Laís Netto dos Reis foi um dos principais fatores de constituição da imagem da enfermeira-chefe como figura-tipo dos campos de estágio hospitalares da EAN e como símbolo a ser seguido pelas alunas de enfermagem. Mediante reuniões periódicas entre as mesmas, ocorreu o desenvolvimento de normas e rotinas padronizadas para os diversos campos de estágio da Escola, bem como a orientação das mesmas sobre o correto desempenho de suas funções e atribuições.

Enfim, em meados do século XX, a enfermeira-chefe representava a enfermeira modelo e a figura-tipo dos hospitais, que, incumbida de ensinar pelo exemplo, provocar comportamentos imitativos e positivos, ser responsável pela assistência de enfermagem a pacientes da unidade onde os estudantes estagiavam, pelo ensino às alunas de enfermagem e pela administração e supervisão de todos os fatores que englobavam a enfermaria sob sua responsabilidade, representava a docente como modelo a ser imitado não apenas no que se relacionava à sua competência profissional, mas também em relação às suas atitudes e valores morais e sócio-profissionais.

Data de Recebimento: 23/07/2004

Data de Aprovação: 29/09/2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      29 Set 2004
    • Recebido
      23 Jul 2004
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