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Resultado biomecânico, topográfico e anatômico pós-anel intraestromal em ceratocone avançado

Resumos

A cirurgia de implante de anel intraestromal corneano vem se tornando um procedimento cirúrgico aditivo no tratamento do ceratocone, visando minimizar e até postergar as complicações inerentes à patologia. Sua ação consiste no remodelamento corneano, aplanando e regularizando a superfície corneana central. Atualmente com o surgimento de novas tecnologias, observa-se importante contribuição na propedêutica do ceratocone, não só com diagnóstico mais efetivo mas também com melhor acompanhamento e prognóstico dos pacientes com esta desordem ectásica. Neste artigo é relatado o caso de uma jovem paciente portadora de ceratocone avançado em olho esquerdo e severo em olho direito, o que acarretava impossibilidade na adaptação de lentes de contato rígidas, submetida à cirurgia com implantes intracorneanos em ambos os olhos com significativa melhora dos índices topogáficos, anatômicos e biomecânicos como demonstrados pelos exames de ORA (ocular response analyzer), tomografia de coerência óptica de segmento anterior e topografia corneana.

Ceratocone; Próteses e implantes; Tomografia de coerência óptica; Topografia da córnea; Biomecânica; Relatos de casos


The intrastromal corneal ring implant surgery is becoming a surgical procedure in the treatment of keratoconus additive in order to minimize and delay the complications inherent to the pathology. Its action consists in the remodeling cornea, flattening and regulating the central corneal surface. Nowadays with the advent of new technologies, there is an important contribution in the diagnosis of keratoconus, with not only diagnosis but also more effective with better monitoring and prognosis of patients with this disorder ectatic. In this article we report the case of a young patient with advanced keratoconus in his left eye and severe in the right eye, which caused failure in adapting to rigid lenses, underwent surgery with implants intracorneals in both eyes with significant improvement of topographys indexes, anatomical and biomechanical tests as demonstrated by the ORA (ocular response analyzer), optical coherence tomography of anterior segment and corneal topography.

Keratoconus; Tomography, optical coherence; Prostheses and implants; Corneal topography; Biomechanics; Case reports


RELATO DE CASO

Resultado biomecânico, topográfico e anatômico pós-anel intraestromal em ceratocone avançado

Biomechanical result, topographic and anatomic patient undergoing intrastromal ring by advanced keratoconus

João Roberto Garcia TardinI,II,III; Mônica Araújo BastosI,IV; Kleber Sampaio Fragoso BorgesV

ISetor de córnea, catarata e refrativa da Clínica Dr. Fragoso Borges – Petrópolis (RJ), Brasil

IIMédico orientador do Setor de Córnea do Hospital Oftalmológico de Sorocaba – Sorocaba (SP), Brasil

IIIChefe do serviço de Oftalmologia do Hospital Santa Teresa – Petrópolis (RJ), Brasil

IVMédica Oftalmologista do Hospital Santa Teresa – Petrópolis (RJ), Brasil

VChefe do serviço de Oftalmologia da Clínica Dr.Fragoso Borges – Petrópolis (RJ), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: João Roberto Garcia Tardin Rua Santos Dumont, nº 420 – Centro CEP 25625-090 – Petrópolis (RJ), Brasil Tel/Fax: (24) 2237-5556 E-mail: jrgtardin@yahoo.com

RESUMO

A cirurgia de implante de anel intraestromal corneano vem se tornando um procedimento cirúrgico aditivo no tratamento do ceratocone, visando minimizar e até postergar as complicações inerentes à patologia. Sua ação consiste no remodelamento corneano, aplanando e regularizando a superfície corneana central. Atualmente com o surgimento de novas tecnologias, observa-se importante contribuição na propedêutica do ceratocone, não só com diagnóstico mais efetivo mas também com melhor acompanhamento e prognóstico dos pacientes com esta desordem ectásica. Neste artigo é relatado o caso de uma jovem paciente portadora de ceratocone avançado em olho esquerdo e severo em olho direito, o que acarretava impossibilidade na adaptação de lentes de contato rígidas, submetida à cirurgia com implantes intracorneanos em ambos os olhos com significativa melhora dos índices topogáficos, anatômicos e biomecânicos como demonstrados pelos exames de ORA (ocular response analyzer), tomografia de coerência óptica de segmento anterior e topografia corneana.

Descritores: Ceratocone/cirurgia; Próteses e implantes; Tomografia de coerência óptica; Topografia da córnea; Biomecânica; Relatos de casos

ABSTRACT

The intrastromal corneal ring implant surgery is becoming a surgical procedure in the treatment of keratoconus additive in order to minimize and delay the complications inherent to the pathology. Its action consists in the remodeling cornea, flattening and regulating the central corneal surface. Nowadays with the advent of new technologies, there is an important contribution in the diagnosis of keratoconus, with not only diagnosis but also more effective with better monitoring and prognosis of patients with this disorder ectatic. In this article we report the case of a young patient with advanced keratoconus in his left eye and severe in the right eye, which caused failure in adapting to rigid lenses, underwent surgery with implants intracorneals in both eyes with significant improvement of topographys indexes, anatomical and biomechanical tests as demonstrated by the ORA (ocular response analyzer), optical coherence tomography of anterior segment and corneal topography.

Keywords: Keratoconus/surgery; Tomography, optical coherence; Prostheses and implants; Corneal topography; Biomechanics; Case reports

INTRODUÇÃO

Ceratocone (KC) é um termo clínico utilizado para descrever uma condição na qual a córnea assume uma forma cônica, como resultado de uma doença não-inflamatória que leva ao afinamento e protrusão corneana. A prevalência estimada de KC é de aproximadamente 50 a 230 / 100.000 na população geral(1). Tais pacientes são submetidos a testes de adaptação de lentes de contato rígidas com o objetivo de adquirirem a melhor correção visual possível.

Os pacientes com a doença avançada que desenvolvem intolerância a lentes de contato podem ser submetidos à ceratoplastia penetrante, no entanto, procedimentos cirúrgicos menos invasivos poderiam reabilitá-los, com o objetivo não só de melhorar a acuidade visual, como de postergar ou evitar os riscos e a maior complexidade de uma ceratoplastia penetrante(2,3). Os implantes de anéis intracorneanos têm sido propostos como procedimento aditivo e menos invasivo para o tratamento do ceratocone ocasionando um aplanamento da curvatura corneana central, melhor regularização da superfície corneana, com consequente melhora da acuidade visual(4,5).

Objetivamos, neste relato, descrever caso de paciente com ceratocone avançado submetido à cirurgia de anel intraestromal bilateral e seus resultados visuais, anatômicos e biomecânicos.

RELATO DE CASO

Paciente feminina, 25 anos, estudante, natural de Petrópolis - RJ, sem comorbidades sistêmicas, comparece encaminhada para segunda opinião apresentando quadro de ceratocone avançado em ambos os olhos e diagnosticado há 10 anos. Ao exame oftalmológico, a acuidade visual com a melhor correção, lentes de contato rígidas, era 20/60 e 20/30, porém a paciente já não conseguia boa adaptação devido ao avançar do ceratocone. Refração -8.50DE -7.50DC x 10 no olho direito (OD) e -5.75DE -4.00 x 160 no olho esquerdo (OE). A biomicroscopia de ambos os olhos apresentava importante ectasia corneana, não apresentando opacidades, com confirmação da tomografia de coerência óptica de segmento anterior (OCT) que corroborou os achados biomicroscópicos. O mapa paquimétrico do exame tomográfico demonstrou no OD 405 micras e no OE 441 micras na região central. A avaliação biomecânica e tensional corrigida de não contato (ORA) revelou no OD IOPcc de 13,2mmHg com CH 5,7mmHg e CRF 3,7mmHg e no OE IOPcc de 11,7 com CH de 7,0 e CRF de 4,7 (figura 1) . A topografia de córnea demonstrou curvatura corneana central em OD 64.00 @ 99 e 57.25 @ 9, enquanto em OE 58.62 @ 69 e 50.50 @ 159 . A paciente apresentava exame de fundo de olho normal. De acordo com os achados oftalmológicos foi indicado cirurgia de implante de anéis intraestromais em OE. Optamos primeiramente a cirurgia em olho esquerdo por ter melhor prognóstico cirúrgico. Boa evolução visual, refracional, anatômica e biomecânica foi observado ao longo dos três primeiros meses de pós-operatório deste olho quando apresentou: acuidade visual de 20/25 com óculos e refração de -2.25DE -0.50DC x 100 e importante aplanamento corneano em seu eixo de maior curvatura pós-operatória, como observado no mapa diferencial entre o pré e o pós-operatório (figura 2). O OCT demonstrou posicionamento adequado dos anéis no estroma corneano (figura 3). O ORA apresentou aumento da resistência corneana com CH de 8,5mmHg e CRF de 5,5mmHg e IOPcc de 8,7mmHG (figura 4). Partindo-se do pressuposto ser um método menos invasivo quando comparado ao transplante de córnea, 6 meses após a cirurgia do olho esquerdo, realizamos o mesmo procedimento em olho direito. Com 3 meses de pós-operatório apresentava: acuidade visual 20/40 com correção (óculos), cuja refração apresentava-se -6.75DE -1.75DC x 75. No teste com lentes de contato rígidas apresentava melhor adaptação quando comparado ao pré-operatório alcançando acuidade de 20/25p. A tomografia de coerência óptica de segmento anterior demonstrava bom posicionamento dos anéis no estroma corneano, enquanto o exame de ORA: CH 6,0 mmHg e 5,0mmHg com IOPcc 16,0 mmHg.





A paciente hoje encontra-se com 1 ano de pós-operatório de olho esquerdo e 6 meses de olho direito apresentando índices refracionais, anatômicos e biomecânicos estáveis.

DISCUSSÃO

A implantação de segmentos intraestromais de anéis corneanos induzem a alterações tanto na curvatura quanto no formato da córnea. Esses anéis introduzidos na média periferia corneana promove importante aplanamento central, preservando sua asfericidade positiva. A magnitude deste aplanamento é diretamente proporcional à espessura do implante e inversamente com seu diâmetro(6,7). Patel et al. estudaram diferentes modelos matemáticos com o intuito de prever o efeito dos implantes intracorneais para a correção da miopia em relação à asfericidade corneana e à aberração esférica do olho, implantando segmentos de maior diâmetro (intacts) e mais finos. Concluíram serem estes segmentos importantes para reduzir a curvatura corneana, porém não atuam induzindo e corrigindo as aberrações esféricas, como os segmentos de menor diâmetro e mais espessos, importantes para um bom resultado em olhos com ceratocone(8).

O implante dos anéis em um diâmetro de 5 mm além de permitir um melhor aplanamento da curvatura corneana central, leva à correção mais eficaz do ceratocone. Como exemplo destes anéis, temos os implantados na paciente do caso em questão, que diferem das características dos já citados anteriormente.

De forma simplificada, e considerando ser a córnea com ceratocone mais elástica em comparação a de um paciente míope, a resposta da córnea aplanando sua superfície, será mais pronunciada nestes pacientes com ectasia, o que leva a um maior efeito de sua regularização após implante dos segmentos intraestromais (9).

No tocante a biomecânica da córnea, observamos satisfatória resposta na rigidez corneana, no caso em questão, com melhores índices de CH e CRF no pós-operatório em ambos os olhos, observados pelo ORA. Este aparelho nos fornece medidas eficientes e reprodutíveis in vivo, da biomecânica da córnea, avaliando parâmetros como CH e CRF que caracterizam as suas propriedades viscoelásticas(10).

Ortiz et al. encontraram redução estatisticamente significativa tanto no CH quanto no CRF, após cirurgia refrativa (LASIK), com flap realizado com laser de femtossegundo, sugerindo que no LASIK, a confecção do retalho, a ablação, ou ambos, podem alterar a capacidade da córnea de absorver ou dissipar energia (11). Em pacientes com ceratocone os valores de histeresis e resistência corneanas encontram-se reduzidos quando comparados com olhos normais e mesmo em olhos já submetidos à cirurgia refrativa(11). As propriedades biomecânicas da córnea, caracterizadas pela histerese corneana e o fator de resistência corneana, apresentam-se como novos indicadores para o diagnóstico do ceratocone.

Futuros estudos que avaliem a influência das técnicas em cirurgia refrativa poderão avaliar as propriedades biomecânicas e a capacidade desses novos parâmetros (histerese corneana e o fator de resistência da córnea) de distinguir os pacientes com ceratocone e aqueles com alto risco para desenvolvimento de ectasia corneana após LASIK(11).

Em nosso caso, através da tomografia de coerência óptica (OCT) de segmento anterior, também foi possível observar a anatomia dos implantes intraestromais (figura 3). Pelo fato de avaliar o segmento anterior com técnica de não-contato, não acarreta qualquer alteração na superfície da córnea durante a realização do exame. A velocidade elevada na aferição do aparelho é obtido com um espelho de referência fixo. Em sistemas mais antigos a velocidade de digitalização é limitada devido à restrição mecânica na coleta dos dados(9). O OCT de segmento anterior elimina essa restrição, coletando sinais de todo o intervalo preciso para medição paquimétrica. Há duas razões teóricas para a eficácia na aferição da espessura corneana durante o exame. Em primeiro lugar, o OCT dá a média da zona central da espessura corneana em detrimento a espessura em um único ponto, sendo a média da região central mais confiável do que um valor individual. Em segundo lugar, foi observado ser tão rápido, que é capaz de superar os movimentos dos olhos, o que poderia causar medições errôneas(12).

Em nosso caso observamos satisfatório resultado visual, apesar do avançar e complexidade da patologia. A propedêutica pré e pós-operatória do caso com Topografia, OCT de segmento anterior e ORA foi importante para avaliação anatômica e biomecânica, além de propiciar maior segurança na análise dos resultados.

Recebido para publicação em 23/5/2011

Aceito para publicação em 14/11/2011

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

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  • Autor correspondente:

    João Roberto Garcia Tardin
    Rua Santos Dumont, nº 420 – Centro
    CEP 25625-090 – Petrópolis (RJ), Brasil
    Tel/Fax: (24) 2237-5556
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      23 Maio 2011
    • Aceito
      14 Nov 2011
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