Acessibilidade / Reportar erro

Trombose parcial do seio cavernoso

Resumos

A trombose do seio cavernoso (TSC) é uma situação clínica rara, resultando normalmente da complicação de um processo infeccioso dos seios paranasais. Outras causas incluem alterações pró-trombóticas, anemia e trauma. Os sinais e sintomas são extremamente variados e inespecíficos, sendo o seu diagnóstico efetuado através de ressonância magnética nuclear (RMN). Os autores apresentam um caso clínico de uma doente com 75 anos de idade, que recorre ao serviço de urgência devido à dor em olho direito vermelho associado à cefaléias frontais com quatro dias de evolução. Ao exame oftalmológico observou-se defeito pupilar aferente relativo no olho direito (OD); na biomicroscopia vasos episclerais dilatados, catarata nuclear e à fundoscopia um edema discreto da papila com apagamento do rebordo nasal, hemorragias punctiformes dispersas e tortuosidade vascular em OD. A realização de angio-RMN confirmou o diagnóstico tendo a doente sido tratada com enoxaparina. Apesar do tratamento da TSC ser um tratamento etiológico, foi demonstrado que a anticoagulação está associada à diminuição da taxa de mortalidade.

Trombose dos seios intracranianos; Anticoagulação; Imagem por Ressonância magnética; Relatos de casos


Cavernous sinus thrombosis (CST) is a rare condition, usually results from a late complication of an infection of the paranasal sinuses. Other causes include prothrombotic disorders, anemia and trauma. The signs and symptoms are extremely varied and nonspecific, being the diagnosis made through magnetic resonance imaging (MRI). The authors present a 75-year-old woman, admitted in the emergency room complaining of ocular pain in the right eye (RE), red eye and frontal headache. She presented on ophthalmic examination of the RE: dilated episcleral vessels, nuclear cataract and a relative afferent pupillary defect. Fundoscopy examination of the RE revealed disc edema with nasal disc margin blurred, small dot hemorrhages and vascular tortuosity. The MRI angiography confirmed the diagnosis and the patient was treated with low molecular weight heparin. Despite treatment of CST is directed to the causal situation, being shown that anticoagulation is associated with reduction in mortality.

Sinus thrombosis, intracranial; Anticoagulation; Magnetic resonance imaging; Case reports


INTRODUÇÃO

A trombose do seio cavernoso (TSC) é uma situação clínica rara havendo poucos casos descritos na literatura(1Yanoff M, Duker JS, Augsburger JJ, editors. Ophthalmology. 3rd ed. Edinburgh: Mosby; 2009. p. 1076-80.). Esta pode ser classificada etiologicamente de duas formas: séptica e asséptica. A forma séptica é a mais frequente estando normalmente associada a processos infecciosos dos seios paranasais, face e ouvidos(2King MD, Day RE, Oliver JS, Lush M, Watson JM. Solvent encephalopathy. Br Med J (Clin Res Ed). 1981;283(6292):663-5.). A forma asséptica está associada a trauma, fenômenos tromboembólicos (aumento do factor VIII, défice fator V Leiden, proteína C e S, desidratação, anemia, entre outros(3Boniuk M. The ocular manifestations of ophthalmic vein and aseptic cavernous sinus thrombosis. Trans AmAcad Ophthalmol Otolaryngol. 1972;76(6):1519-34.,4Melamed E, Rachmilewitz EA, Reches A, Lavy S. Aseptic cavernous sinus thrombosis after internal carotid arterial occlusion in polycythaemia vera. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1976;39(4):320-4.).

A apresentação clínica é inespecífica, variando desde oftalmoplegia, olho vermelho, cefaléia, coma e até morte(5Seow VK, Chong CF, Wang TL, Lin CM, Lin IY. Cavernous sinus thrombophlebitis masquerading as ischaemic stroke: a catastrophic pitfall in any emergency department. Emerg Med J. 2007;24(6):440.).

A taxa de mortalidade baixou de, praticamente, 100% antes do advento da antibioticoterapia para menos de 30%(2King MD, Day RE, Oliver JS, Lush M, Watson JM. Solvent encephalopathy. Br Med J (Clin Res Ed). 1981;283(6292):663-5.) na atualidade.

O diagnóstico deve ser efetuado através de exames de imagem como a angio-RMN(6Uzan M, Ciplak N, Dashti SG, Bozkus H, Erdincler P, Akman C. Depressed skull fracture overlying the superior sagittal sinus as a cause of benign intracranial hypertension. Case report. J Neurosurg. 1998;88(3):598-600.).

Os autores apresentam um caso clínico de trombose parcial do seio cavernoso direito.

Caso clínico

Doente do sexo feminino de 75 anos de idade, recorre ao serviço de urgência (SU) devido a dor ocular, olho vermelho no OD e cefaléia frontal com cerca de quatro dias de evolução. Havia sido observada previamente e medicada com norfloxacina colírio. Apresentava como antecedentes pessoais obesidade. Ao exame oftalmológico apresentava melhor acuidade visual corrigida (MAVC) OD: 6/10 e olho esquerdo (OE) 7/10; Biomicroscopia OD: dilatação e congestão dos vasos episclerais, sobretudo no quadrante nasal, catarata nuclear (figura 1A); fundoscopia OD apresentava edema da papila com apagamento rebordo nasal, hemorragias punctiformes dispersas e tortuosidade vascular. A pressão ocular OD/OE - 13mmHg. Ao exame oftalmológico em OE indicava sem alterações relevantes. Ao exame neurológico e o restante do exame físico sem alterações relevantes.

Figura 1A
Congestão vasos episclerais

Foi realizada tomografia computorizada (TC), com administração de contraste que demonstrou discreta heterogeneidade espontânea do seio cavernoso à direita, com sugestão de defeito de preenchimento do mesmo após administração de contraste (figura 1B). Posteriormente foi realizada uma angio-RMN que constatou assimetria dos seios cavernosos, com abaulamento da parede do seio cavernoso direito após administração de contraste. Pode-se observar defeito de preenchimento (figura 2A) e aumento do calibre da veia oftálmica superior direita na RMN, com ponderação em T1 (figura 2B).

Figura 1B
Corte axial angio-TC com sugestão de defeito de preenchimento após administração de contraste
Figura 2A
Corte axial RMN inicial com contraste
Figura 2B
Corte axial RMN inicial dilatação da veia oftálmica superior data

A paciente ficou internada no Serviço de Neurologia e realizou hemograma, bioquímica, microbiologia, sorologias, estudo dos fatores protrombóticos, autoimunidade e imunoquímica. Todos os exames resultaram sem alterações.

Foi medicada com fluorometolona tópica, 1 gota 3 x dia, enoxaparina 60 mg sódica durante 10 dias, e posteriormente, varfarina 5mg/dia. À data da alta encontrava-se assintomática e foi prescrita varfarina 5mg (1 comprimido alternado com 1/2 cp) para cumprir em ambulatório.

Após 3 meses de follow up apresentava-se assintomática, com diminuição da congestão em OD e observação fundoscópica semelhante. A angio-RMN de controle relatava não se observarem, agora, defeitos de preenchimento do seio cavernoso direito (figura 2C).

Figura 2C
Corte axial RMN após 3 meses, sem sugestão de defeito preenchimento

DISCUSSÃO

O diagnóstico da TSC é desafiante devido à apresentação clínica discreta e inespecífica. Esta manifesta-se através de febre, proptose, paralisias nervos cranianos em cerca de 80-100%, diminuição da acuidade visual, diplopia em cerca de 50-80%, hemiparésia e convulsões em menos de 20% dos casos segundo estudo de Southwick et al.(7Southwick FS, Richardson EP Jr, Swartz MN. Septic thrombosis of the dural venous sinuses. Medicine (Baltimore). 1986;65(2):82-106.).

Em termos etiológicos sabe-se que a forma mais frequente é a séptica, mas em cerca de 4, 8% a 12, 5 % dos casos permanece desconhecida(7Southwick FS, Richardson EP Jr, Swartz MN. Septic thrombosis of the dural venous sinuses. Medicine (Baltimore). 1986;65(2):82-106.,8Brismar G, Brismar J. Aseptic thrombosis of orbital veins and cavernous sinus. Clinical symptomatology. Acta Ophthalmol (Copenh). 1977;55(1):9-22.).

No presente caso clínico foi efetuado um estudo exaustivo das causas infecciosas (dentro as quais se destaca vírus da hepatite B, Epstein-Barr vírus, vírus da imunodeficiência humana, citomegalovírus, herpes simplex, toxoplasmose, sífilis), bem como a pesquisa de alteração da autoimunidade e de fatores protrombóticos (deficiência de proteína C, S, fator V de Leiden, aumento do fator VIII), cujos resultados foram negativos. Realizou-se ecocardiograma e ecodoppler carotídeo bilateral, ambos sem alterações relevantes. Perante os resultados dos exames auxiliares de diagnóstico realizados concluiu-se tratar-se de uma situação idiopática, tendo-se preconizado tratamento com enoxaparina 60 mg sódica. Está demonstrado que a utilização de enoxaparina diminui a taxa de mortalidade e está associada a um aumento da taxa de recuperação(9Einhäupl KM, Villringer A, Meister W, Mehraein S, Garner C, Pellkofer M, et al. Heparin treatment in sinus venous thrombosis. Lancet. 1991;338(8767):597-600. Erratum in Lancet 1991;338(8772):958. Comment in Lancet. 1991;338(8775):1153-4. Lancet. 1991;338(8775):1154.

10 Stam J, de Bruijn SF, DeVeber G. Anticoagulation for cerebral sinus thrombosis. Cochrane Database Syst Rev. 2002;(4):CD002005. Review. Update in: Cochrane Database Syst Rev. 2011;(8):CD002005.
-1111 Levine SR, Twyman RE, Gilman S. The role of anticoagulation in cavernous sinus thrombosis. Neurology. 1998;38(4):517-22.).

O diagnóstico de TSC implica uma grande suspeição clínica inicial sendo que a angio-RMN(6Uzan M, Ciplak N, Dashti SG, Bozkus H, Erdincler P, Akman C. Depressed skull fracture overlying the superior sagittal sinus as a cause of benign intracranial hypertension. Case report. J Neurosurg. 1998;88(3):598-600.) é o método gold standard para a identificação do défice de preenchimento do seio cavernoso, tal como se verificou no caso clínico enunciado.

O diagnóstico diferencial deve ser equacionado com a Celulite Orbitária, Síndrome do Ápex Orbitário, Fístula Carótida-Cavernosa, entre outros(1212 Lai PF, Cusimano MD. The spectrum of cavernous sinus and orbital venous thrombosis: a case and a review. Skull Base Surg. 1996;6(1):53-9.).

No presente caso clínico houve repermeabilização do seio cavernoso, estando de acordo com a literatura que descreve um aumento desta com a anticoagulação. Stols et al. verificaram uma taxa de repermeabilização de 60% em casos de trombose do seio dural(1313 Stolz E, Trittmacher S, Rahimi A, Gerriets T, Röttger C, Siekmann R, Kaps M. Influence of recanalization on outcome in dural sinus thrombosis: a prospective study. Stroke. 2004;35(2):544-7.).

Em termos de prognóstico, atualmente este é mais favorável, apresentando uma taxa de mortalidade de aproximadamente 30%(2King MD, Day RE, Oliver JS, Lush M, Watson JM. Solvent encephalopathy. Br Med J (Clin Res Ed). 1981;283(6292):663-5.), podendo no entanto haver outras complicações como meningite, êmbolos sépticos, cegueira e sépsis, determinando habitualmente sequelas permanentes(1414 Laupland KB. Vascular and parameningeal infections of the head and neck. Infect Dis Clin North Am. 2007;21(2):577-90, viii.) nos sobreviventes.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Yanoff M, Duker JS, Augsburger JJ, editors. Ophthalmology. 3rd ed. Edinburgh: Mosby; 2009. p. 1076-80.
  • 2
    King MD, Day RE, Oliver JS, Lush M, Watson JM. Solvent encephalopathy. Br Med J (Clin Res Ed). 1981;283(6292):663-5.
  • 3
    Boniuk M. The ocular manifestations of ophthalmic vein and aseptic cavernous sinus thrombosis. Trans AmAcad Ophthalmol Otolaryngol. 1972;76(6):1519-34.
  • 4
    Melamed E, Rachmilewitz EA, Reches A, Lavy S. Aseptic cavernous sinus thrombosis after internal carotid arterial occlusion in polycythaemia vera. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1976;39(4):320-4.
  • 5
    Seow VK, Chong CF, Wang TL, Lin CM, Lin IY. Cavernous sinus thrombophlebitis masquerading as ischaemic stroke: a catastrophic pitfall in any emergency department. Emerg Med J. 2007;24(6):440.
  • 6
    Uzan M, Ciplak N, Dashti SG, Bozkus H, Erdincler P, Akman C. Depressed skull fracture overlying the superior sagittal sinus as a cause of benign intracranial hypertension. Case report. J Neurosurg. 1998;88(3):598-600.
  • 7
    Southwick FS, Richardson EP Jr, Swartz MN. Septic thrombosis of the dural venous sinuses. Medicine (Baltimore). 1986;65(2):82-106.
  • 8
    Brismar G, Brismar J. Aseptic thrombosis of orbital veins and cavernous sinus. Clinical symptomatology. Acta Ophthalmol (Copenh). 1977;55(1):9-22.
  • 9
    Einhäupl KM, Villringer A, Meister W, Mehraein S, Garner C, Pellkofer M, et al. Heparin treatment in sinus venous thrombosis. Lancet. 1991;338(8767):597-600. Erratum in Lancet 1991;338(8772):958. Comment in Lancet. 1991;338(8775):1153-4. Lancet. 1991;338(8775):1154.
  • 10
    Stam J, de Bruijn SF, DeVeber G. Anticoagulation for cerebral sinus thrombosis. Cochrane Database Syst Rev. 2002;(4):CD002005. Review. Update in: Cochrane Database Syst Rev. 2011;(8):CD002005.
  • 11
    Levine SR, Twyman RE, Gilman S. The role of anticoagulation in cavernous sinus thrombosis. Neurology. 1998;38(4):517-22.
  • 12
    Lai PF, Cusimano MD. The spectrum of cavernous sinus and orbital venous thrombosis: a case and a review. Skull Base Surg. 1996;6(1):53-9.
  • 13
    Stolz E, Trittmacher S, Rahimi A, Gerriets T, Röttger C, Siekmann R, Kaps M. Influence of recanalization on outcome in dural sinus thrombosis: a prospective study. Stroke. 2004;35(2):544-7.
  • 14
    Laupland KB. Vascular and parameningeal infections of the head and neck. Infect Dis Clin North Am. 2007;21(2):577-90, viii.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2011
  • Aceito
    24 Abr 2012
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br