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Prevalência de cicatrizes coriorretinianas em exames angiográficos

RESUMO

A toxoplasmose é uma zoonose que tem como agente etiológico o Toxoplasma gondii, que se caracteriza por ser uma doença infecciosa de distribuição mundial. Considera-se que no mundo existam mais de 2 bilhões de pessoas infectadas pela toxoplasmose. É bem conhecido que a toxoplasmose é uma causa frequente de cicatriz coriorretiniana. Nesse grupo de doenças, o exame angiográfico (ou angiofluoresceinografia de retina) é de fundamental importância para o diagnóstico.

Objetivo:

Realizar um levantamento da prevalência de cicatrizes coriorretinianas em angiografias em serviço privado na região de Cascavel (PR), Brasil.

Métodos:

Realização um estudo retrospectivo, transversal, com levantamento de documentos fonte, onde foram analisados 8719 laudos de angiografias de retina realizadas no Instituto da Visão na cidade de Cascavel (PR), Brasil, entre os anos de 2000 a 2011, sendo selecionados como primeiro diagnóstico de cada paciente, completando um total de 4928 exames válidos. As alterações encontradas foram classificadas de acordo com o tipo de cicatriz visualizada, e divididas conforme frequência percentual.

Resultados:

Observou-se uma prevalência de cicatrizes de 6,38%, sendo que o percentual de cicatriz coriorretiniana encontrado foi de 6,14%.

Conclusão:

A baixa prevalência de cicatrizes coriorretinianas encontrada na região de Cascavel (PR), Brasil, quando comparada à de Erechim (RS), Brasil, se deve a diversos fatores, tanto climáticos, socioculturais e institucionais. Além das cicatrizes coriorretinianas, que representaram o maior número entre as cicatrizes, foram encontrados outros subtipos cicatriciais com prevalências menores.

Descritores:
Cicatrizes; Retina; Toxoplasmose; Coriorretinite; Prevalência

ABSTRACT

Toxoplasmosis is a zoonosis whose etiologic agent is Toxoplasma gondii, which is characterized as an infectious disease of worldwide distribution. There are thought to be more than 2 billion people globally infected with toxoplasmosis. It is well known that toxoplasmosis is a frequent cause of chorioretinal scarring. In this group of diseases, the angiographic examination (or retinal fluorescein angiography) is very important for diagnosis.

Objective:

To perform a survey on the prevalence of chorioretinal scars in angiography at a private clinic in the area of Cascavel, Paraná State, Brazil.

Methods:

This was a retrospective, cross-sectional study with collection of data from source documents, involving the analysis of 8,719 reports of retinal angiograms performed at the Instituto da Visão of Cascavel, Brazil, between the years 2000-2011. The first diagnosis of each patient was selected, completing a total of 4,928 valid exams. The changes were classified according to the type of visualized scarring, and divided as percentage frequency.

Results:

We observed a prevalence of 6.38% scars, and the percentage of chorioretinal scars was found to be 6.14%.

Conclusion:

The low prevalence of chorioretinal scars found in the region of Cascavel, Brazil, when compared with the region of Erechim (Rio Grande do Sul State), Brazil, is due to climatic, sociocultural and institutional factors. Besides the chorioretinal scars, which represent the largest group of scars, other subtypes of scars with lower prevalence were found.

Keywords:
Scars; Retina; Toxoplasmosis; Chorioretinitis; Prevalence

INTRODUÇÃO

A toxoplasmose é uma zoonose que tem como agente etiológico o Toxoplasma gondii que se caracteriza por ser uma doença infecciosa distribuída mundialmente. Considera-se que no mundo existam mais de 2 bilhões de pessoas infectadas pela toxoplasmose. Sua prevalência varia de acordo fatores socioeconômicos, idade e aspectos geográficos próprios de cada região. Estima-se que os maiores números de infecção pela doença estejam localizados em áreas de clima tropical (11 Silveira CA. Toxoplasmose: dúvidas e controvérsias. Erechim: EdiFAPES; 2002.).

Atualmente sabe-se que o hospedeiro definitivo do T. gondii é o gato. A partir do gato há liberação e disseminação de oocistos para locais como terra, água e alimentos. A transmissão pode se dar pelo consumo de frutas e verduras mal lavadas, assim como por meio de ingestão dos cistos presentes em carnes cruas e/ou mal cozidas. Além disso, através do transplante de órgãos de doadores com títulos positivos para T. gondii, é possível que ocorra a transmissão da doença para um receptor soronegativo (22 Safadi MA. Toxoplasmose. Pediatr Mod (São Paulo). 2000 36(1/2):7-23). A transmissão transplacentária é outra importante via de infecção, sendo mais grave no terceiro trimestre, em que os índices de transmissão chegam a 60% (33 Dodds EM. Toxoplasmosis ocular. Arch Soc Esp Oftalmol (Madrid). 200378(10):531-41.).

Dentre as infecções parasitárias causadoras de retinite, a mais comum é a toxoplasmose, podendo esta manifestar-se como lesão ativa ou cicatricial (44 Abujamra S, Ávila M, Barsante C, Farah ME, Gonçalves JO, Lavinsky J, et al. Retina e vítreo: clínica e cirúrgica. São Paulo: Roca; 2000.). Nesse grupo de doenças, o exame angiográfico é de fundamental importância para o diagnóstico. Sabe-se que a toxoplasmose ocular é a principal causa de uveíte posterior em indivíduos imunocompetentes (55 Scherrer J, Iliev ME, Halberstandt M, Kodjikian L, Garweg G J. Visual function in human ocular toxoplasmosis. Br J Ophthalmol. 2007;91(2):233-6.), e em pacientes imunocomprometidos, principalmente naqueles com AIDS, a toxoplasmose é uma das causas mais comuns de infecção ocular secundária.

As manifestações oculares da infecção variam de acordo com o modo de transmissão da doença, se transplacentária (congênita) ou adquirida. Aproximadamente 70% dos pacientes que adquirem a infecção por via transplacentária desenvolverão cicatrizes coriorretinianas (66 Silveira C. Toxoplasmose: levantamento bibliográfico de 1997 a 2000. Arq Bras Oftalmol. 2001;64(3):263-70.). Apesar de serem mais conhecidas, as manifestações oculares adquiridas após o nascimento são menos frequentes que as adquiridas por infecções congênitas (77 Holland GN. Ocular toxoplasmosis: the influence of patient age. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2009;04(2):351-7.).

Na toxoplasmose congênita, as principais manifestações ocorrem por meio de sintomas oculares, na forma de retinocoroidite, e do sistema nervoso central como microcefalia ou hidrocefalia, calcificações intracerebrais e retardo mental. Além da retinocoroidite necrótica focal, as lesões oculares toxoplásmicas podem se manifestar sob a forma de iridociclite secundária, vasculite, neurorretinite, neurite óptica, papilite, heterocromia de íris, pseudo-retinose pigmentar e ainda envolver o vítreo (88 Silveira CA. Estudo da toxoplasmose ocular na região de Erechim, RS [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1997.).

Tradicionalmente a toxoplasmose adquirida é considerada uma doença benigna e autolimitada, não apresentando sintomas evidentes, sendo, portanto, assintomática. Somente cerca de 10% dos pacientes infectados por toxoplasmose adquirida manifestam sintomas clínicos (33 Dodds EM. Toxoplasmosis ocular. Arch Soc Esp Oftalmol (Madrid). 200378(10):531-41.). O sinal usualmente reconhecido como manifestação da toxoplasmose adquirida é a linfadenopatia cervical, associada à fadiga, mialgia e ausência de febre. O acometimento ocular na forma de retinocoroidite é raro na infecção aguda adquirida (88 Silveira CA. Estudo da toxoplasmose ocular na região de Erechim, RS [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1997.). Pacientes com toxoplasmose adquirida podem desenvolver alterações oculares na forma de retinocoroidite focal, conjuntivite, papilite, atrofia óptica e panuveíte (99 Perkins E S. Ocular toxoplasmosis. Br J Ophthalmol. 1973;57(1):1-17.). Outras partes do olho podem ser afetadas, gerando formas atípicas da doença, representadas pelo desenvolvimento de vasculites, vitreítes ou iridociclite (66 Silveira C. Toxoplasmose: levantamento bibliográfico de 1997 a 2000. Arq Bras Oftalmol. 2001;64(3):263-70.).

Pacientes com toxoplasmose adquirida possuem risco de desenvolver lesões oculares tardiamente que podem comprometer a visão de maneira irreversível. Algumas complicações oculares relacionadas à retinocoroidite toxoplásmica são: catarata, edema macular, enrugamento macular, descolamento de retina, rotura retiniana, oclusão de ramo da artéria da retina e da veia da retina (55 Scherrer J, Iliev ME, Halberstandt M, Kodjikian L, Garweg G J. Visual function in human ocular toxoplasmosis. Br J Ophthalmol. 2007;91(2):233-6.).

O diagnóstico da toxoplasmose é feito a partir da análise clínica das lesões e da sorologia positiva para toxoplasmose. O aspecto da lesão ocular toxoplásmica é uma retinite focal necrosante, geralmente de forma oval ou circular. A retinocoroidite toxoplásmica apresenta-se classicamente como um foco de retinite adjacente a uma cicatriz coriorretiniana antiga (1010 Stanford MR, Tomlin EA, Comyn O, Holland K, Pavesio C. The visual field in toxoplasmic retinochoroiditis. Br J Ophthalmol. 2005;89(7):812-4.). O diagnóstico sorológico é feito a partir da dosagem de anticorpos da classe IgG, IgM e IgA por meio da imunofluorescência indireta e do teste imunoenzimático (ELISA). (1111 Cantos GA, Prando MD, Siqueira MV, Teixeira RM. Toxoplasmose: ocorrência de anticorpos antitoxoplasma gondii e diagnóstico. Rev Assoc Med Bras. 2000;46(4):335-41.)

A toxoplasmose ocular possui alta prevalência na cidade de Erechim, no Rio Grande do Sul. Além disso, cidades do sudoeste do Paraná, como Cascavel e Pato Branco, são citadas como regiões de elevada frequência de cicatrizes coriorretinianas por toxoplasmose (11 Silveira CA. Toxoplasmose: dúvidas e controvérsias. Erechim: EdiFAPES; 2002.). Em vista disso, justifica-se o estudo com objetivo de estimar a prevalência de cicatrizes coriorretinianas possivemente toxoplásmicas na região de Cascavel.

MÉTODOS

Estudo retrospectivo, transversal, com levantamento de dados de documentos fonte (prontuários e base de dados eletrônica do serviço), com caráter documental e de natureza quantitativa.

O presente estudo foi realizado na cidade de Cascavel/PR, nas dependências de um serviço privado, o Instituto da Visão, especializado em Oftalmologia, sendo que a pesquisa apenas teve início após a autorização formal. A população do estudo contou com a análise de 8719 laudos de angiografias de retina realizadas no Instituto da Visão no período de 2000 a 2011 e armazenadas em formato digital. Foi incluído no estudo apenas o primeiro exame de angiografia realizado de cada paciente, foram, portanto, excluídos todos os exames subsequentes realizados pelo mesmo paciente, chegando a um total de 4928 exames válidos. A amostra estudada foi, então, a representada pelos laudos de angiografias classificados de acordo com a presença de cicatrizes coriorretinianas.

Cada exame angiográfico foi analisado e avaliado por dois médicos especialistas do hospital, e em caso de discordância, realizou-se reunião com o intuito de entrar em concordância a fim de emitir o laudo, reduzindo o viés do examinador.

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da FAG - Faculdade Assis Gurgacz, e está em cumprimento com a Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Saúde, conforme o Número do Parecer 742.632.

RESULTADOS

Dos 8,719 laudos, foram analisadas 4,928 angiografias de retinas válidas, e os resultados obtidos foram classificados em nove grupos de acordo com as seguintes doenças: vasculares, degenerações e distrofias, inflamatórias, cicatrizes, alterações de interface, tumores, traumas, congênitas e outras. Dentre estes, os grupos que apresentaram maior percentual de achados significativos foram os relacionados às doenças vasculares e degenerações e distrofias.

Dentre os 4928 exames, 322 (6,53%) foram considerados normais, sem quaisquer achados patológicos. O número de cicatrizes encontradas no estudo representou um total de 315 (6,38%) na população geral. A cicatriz de maior prevalência no estudo foi a cicatriz coriorretiniana, com um total de 303 (6,14%) achados. Além das cicatrizes coriorretinianas, foram encontrados no estudo outros padrões cicatriciais descritos na tabela 1 conforme o número absoluto encontrado e o respectivo percentual. As cicatrizes encontradas nos exames não foram classificadas em cinco graus, conforme o aspecto e probabilidade de ser toxoplasmose, devido este não ser o intuito principal do exame.

Tabela 1
Achados cicatriciais

DISCUSSÃO

Na literatura, são poucos os estudos que descrevem a prevalência de cicatrizes coriorretinianas sugestivas de toxoplasmose ocular na população em geral. A prevalência de toxoplasmose varia de acordo com fatores climáticos, geográficos, socioeconômicos e culturais. No Brasil, a uveíte por toxoplasmose é atualmente considerada a causa mais frequente de uveíte (1212 Abreu MT, Belfort Jr R, Garcia AR, Passos A, Garcia AR, Muccioli C, et al. Toxoplasmose ocular em Venda Nova do Imigrante, ES, Brasil. Arq Bras Oftalmol. 1998;61(5):540-5.). A uveíte anterior causada pelo Toxoplasma gondii pode ser explicada pela presença de parasitas dentro do segmento anterior do olho ou por reação de hipersensibilidade (1313 Oréfice F. Uveíte: Clínica e Cirúrgica: Atlas e Texto. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2000.). Entretanto, dentre as manifestações mais sugestivas de toxoplasmose ocular, a retinocoroidite é a mais comum, sendo muitas vezes citada como um sinal de toxoplasmose congênita (1414 Santos LP, Alvarenga LS, Ferreira MA. Alterações oculares em crianças com toxoplasmose congênita precoce. Arq Bras Oftalmol. 1999;62(5):590-3.).

As cicatrizes oculares decorrentes de toxoplasmose apresentam margens delimitadas, com atrofia retinocoroidiana e diversos graus de hiperplasia do epitélio pigmentário, podendo também, em alguns casos, serem observados vasos da coróide e esclera na área central e atrófica. A cicatriz retiniana com aspecto de roda de carroça ou lesão em rosácea macular é considerada por alguns autores como lesão patognomônica da toxoplasmose ocular congênita. Além da lesão em rosácea macular, as cicatrizes podem ser em saca-bocado, com planos de necrose na espessura retiniana (1313 Oréfice F. Uveíte: Clínica e Cirúrgica: Atlas e Texto. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2000.).

Em um estudo em que se analisou a prevalência de sorologia positiva para toxoplasmose em 100 doadores de sangue do Banco de sangue de Cascavel/PR, sendo estes, 67 homens e 33 mulheres, verificou-se uma prevalência de 62% de IgG positivo para Toxoplasma gondii e 100% de IgM negativos. Dentre os homens a soropositividade foi de 59,7%, e entre as mulheres de 66,67% (1515 Pillati V, Machado RA, Kobayashi MC. Soroprevalência de toxoplasmose em amostras da população de Cascavel e região [tese]. Cascavel: Faculdade Assis Gurgacz; 2013.). Entre os anos de 1990 a 2001, em um estudo epidemiológico sobre toxoplasmose ocular na região de Erechim no Rio Grande do Sul, concluiu-se que 74,8% da amostra (765 pessoas) apresentaram IgG positivo para toxoplasmose (66 Silveira C. Toxoplasmose: levantamento bibliográfico de 1997 a 2000. Arq Bras Oftalmol. 2001;64(3):263-70.). Neste mesmo estudo, pode-se verificar que dos 184 casos com uveíte possivelmente toxoplasmática, 183 tinham IgG reagente para o T. gondii.

Por muito tempo a toxoplasmose ocular foi considerada como sendo uma sequela da infecção congênita pelo Toxoplasma gondii e, apenas em poucos e infrequentes casos, atribuída à infecção pós-natal em um paciente imunocompetente (1616 Glasner PD, Silveira C, Kruszon-Moran D, Martins MC, Burnier Jr M, Silveira S, et al. An unusually high prevalence of ocular toxoplasmosis in Southern Brazil. Am J Ophthalmol. 1992;114(2):136-44.). Entretanto, estudos recentes evidenciaram que manifestações oculares advindas de toxoplasmose também podem ser decorrentes da forma adquirida após o nascimento. Muitos desses estudos foram desenvolvidos no sul do Brasil, na região de Erechim/RS, onde a maioria dos pacientes examinados adquiriu a infecção após o nascimento.

Outras regiões brasileiras também apresentam altas prevalências de toxoplasmose, e como consequência, alta prevalência de retinocoroidite. Além de Erechim/RS, cidades do sul do Brasil, como Cascavel/PR, são citadas por Silveira (2002) em seu livro como locais de alta prevalência de lesões oculares por toxoplasmose. Acredita-se que devido à similaridade das condições geográficas, assim da formação cultural, Cascavel e Erechim possam apresentam prevalências semelhantes de lesões toxoplásmicas.

Neste estudo realizado na cidade de Cascavel/PR, em um serviço privado especializado em oftalmologia, verificamos que a prevalência de achados cicatriciais foi de 6,38%. A prevalência de cicatrizes coriorretinianas sugestivas de toxoplasmose encontrada foi de 6,14% na população geral. No estudo realizado em 1990 na cidade de Erechim/RS, com 1042 examinados, foram observadas lesões retinianas em 215 pacientes (20,6%) (22 Safadi MA. Toxoplasmose. Pediatr Mod (São Paulo). 2000 36(1/2):7-23). Em outro estudo realizado com a população desta região do sul do Brasil, 21,3% dos pacientes examinados com 13 anos ou mais tiveram uveíte posterior devido à contaminação pelo Toxoplasma gondii. A prevalência encontrada em Erechim/RS é mais de 30 vezes maior do que as estimativas previamente feitas para toxoplasmose ocular em outras partes do mundo (1616 Glasner PD, Silveira C, Kruszon-Moran D, Martins MC, Burnier Jr M, Silveira S, et al. An unusually high prevalence of ocular toxoplasmosis in Southern Brazil. Am J Ophthalmol. 1992;114(2):136-44.).

Diversas hipóteses foram desenvolvidas para explicar a alta prevalência de toxoplasmose ocular na região de Erechim/RS. A idade precoce de infecção, assim como uma exposição por longo prazo do indivíduo pode aumentar a chance de desenvolvimento de complicações oculares. É possível ainda afirmar que diferenças genéticas do hospedeiro e outros agentes externos podem interagir e alterar o curso da doença, a fim de proporcionar o desenvolvimento de uveíte posterior (1616 Glasner PD, Silveira C, Kruszon-Moran D, Martins MC, Burnier Jr M, Silveira S, et al. An unusually high prevalence of ocular toxoplasmosis in Southern Brazil. Am J Ophthalmol. 1992;114(2):136-44.).

Os 1042 pacientes que participaram do estudo realizado em Erechim/RS, no ano de 1990, foram novamente reavaliados em 1997. Após sete anos, pode-se verificar que o aparecimento de lesões oculares após a soroconversão é um achado frequente na população estudada do sul do Brasil. Em 1990, 130 pacientes apresentaram-se soronegativos para o T. gondii. Em 1997, 21 dos 109 indivíduos examinados foram considerados soropositivos, e dois dos 21 indivíduos (9,5%) desenvolveram lesões retinianas altamente sugestivas de toxoplasmose ocular (1717 Silveira C, Belfort Jr R, Muccioli C, Abreu MT, Martins MC, Victora C, et al. A follow-up study of Toxoplasma gondii infection in southern Brazil. Am J Ophthalmol. 2001;131(3):351-4.).

Em uma pesquisa com a população rural no sul do estado do Rio de Janeiro, na cidade de Barra Mansa, a prevalência de lesões retinianas sugestiva de toxoplasmose foi de 5,8% nos pacientes com soropositividade para IgG anti Toxoplasma gondii, e de 3,8% na população geral (1818 Aleixo AL, Benchimol EI, Neves ES, Silva CS, Coura LC, Amendoeira MR. Frequência de lesões sugestivas de toxoplasmose ocular em uma população rural do Estado do Rio de Janeiro. Rev Soc Bras Med Trop. 2009;42(2):165-9.). Em Venda Nova do Imigrante/ES, dos 1074 pacientes examinados, 11,27% apresentaram lesões oculares compatíveis com toxoplasmose (1212 Abreu MT, Belfort Jr R, Garcia AR, Passos A, Garcia AR, Muccioli C, et al. Toxoplasmose ocular em Venda Nova do Imigrante, ES, Brasil. Arq Bras Oftalmol. 1998;61(5):540-5.), sendo o percentual encontrado inferior ao de Erechim/RS, e superior ao encontrado em Cascavel/PR. A tabela 2 compara a prevalência de cicatrizes coriorretinianas encontradas a partir de estudos realizados em regiões geográficas brasileiras diferentes.

Tabela 2
Prevalência de cicatrizes coriorretinianas

No presente estudo, realizado no centro especializado em oftalmologia na cidade de Cascavel no estado do Paraná, os exames angiográficos foram realizados baseados em dados da história e queixa do paciente, assim como na sua doença de base. Além disso, os exames foram realizados com o intuito de evidenciar não apenas cicatrizes por toxoplasmose, mas também com o objetivo de encontrar doenças vasculares, degenerações e distrofias, doenças inflamatórias, alterações de interface, tumores, traumas, doenças congênitas e outras.

CONCLUSÃO

Ao comparar os resultados de diversos estudos realizados em diferentes localidades do Brasil, é possível verificar que a prevalência de toxoplasmose ocular e de cicatrizes oculares é variável entre as regiões, possivelmente devido a fatores climáticos, ambientais e socioculturais. Nossa comparação com os dados encontrados em Erechim justifica-se pela citação de Silveira (2002) em seu livro "Toxoplasmose: Dúvidas e Controvérsias". Nesta publicação, o autor cita que cidades do sudoeste do Paraná possam ser localidades com prevalência de lesões oculares semelhante às encontradas em Erechim. Postula-se que a prevalência semelhante entre as regiões citadas seja relacionada à similaridade dos fatores ambientais e socioculturais.

Entretanto, verificamos uma baixa prevalência de lesões oculares na região de Cascavel quando comparada à alta prevalência encontrada na região de Erechim. Acredita-se que uma das hipóteses para a diferença significativa entre os resultados, seja devido à existência de um centro de tratamento e de pesquisa voltado especificamente para a toxoplasmose ocular na região de Erechim. Além disso, neste estudo, nosso objetivo não foi somente o encontro de cicatrizes coriorretinianas. No decorrer da pesquisa, buscamos evidenciar também as doenças vasculares, degenerações e distrofias, doenças inflamatórias, alterações de interface, tumores, traumas e doenças congênitas pelos exames de angiografia.

Novos estudos sobre toxoplasmose ocular estão em desenvolvimento, trazendo novas perspectivas de tratamento e de diagnóstico dessa importante doença ocular.

  • Instituição onde o trabalho foi realizado: Instituto da Visão, Cascavel, PR, Brasil.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2015
  • Aceito
    28 Out 2015
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