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Apresentação incomum e agressiva de melanoma intraorbitário

RESUMO

O objetivo dos autores é relatar um caso de melanoma intraorbitário de apresentação atípica e agressiva, formando grande massa dolorosa de aspecto eritematoso e inflamatório projetando-se da órbita esquerda com o globo ocular danificado em seu ápice. A análise da peça identificou melanoma maligno com componentes celulares epitelióide, fusocelular e anaplásico.

Descritores:
Melanoma; Neoplasias oculares; Neoplasias uveais; Doenças orbitárias; Neoplasias orbitárias; Relatos de casos

ABSTRACT

The purpose of this study is to report a intraorbital melanoma case with atypical and aggressive presentation, forming a large painful mass with erythematosus and inflammatory aspect protruding from the left orbit with eyeball damaged at its peak. Piece analysis identified malignant melanoma compound of epithelioid, spindle and anaplastic cells.

Keywords:
Melanoma; Eye neoplasms; Uveal neoplasms; Orbital diseases; Orbital neoplasms; Case reports

INTRODUÇÃO

O melanoma uveal é o tumor intraocular primário do olho mais comum em adultos(11 Torossian NM, Wallace RT, Hwu WJ, Bedikian AY. Metastasis of ciliary body melanoma to the contralateral eye: A case report and review of uveal melanoma literature. Case Rep Oncol Med. 2015;2015:427163). Dependendo da sua localização e tamanho, podem ser assintomáticos ou causar uma ampla variedade de sintomas, como piora da acuidade visual, floaters, perda de parte do campo visual ou dor ocular. Histologicamente o melanoma apresenta-se em diferentes tipos celulares, sendo o epitelioide e o anaplásico os de pior prognóstico(22 Costache M, Patrascu OM, Adrian D, Costache D, Sajin M, Ungureanu E, et al. Ciliary body melanoma - A particularly rare type of ocular tumor. Case report and general considerations. Maedica (Buchar). 2013;8(4):360-4.). Ocorreram avanços em relação aos métodos de diagnóstico, mas a mortalidade em decorrência do tumor não se alterou muito nos últimos anos(33 Singh AD, Turell ME, Topham AK. Uveal melanoma: trends in incidence, treatment, and survival. Ophthalmology. 2011;118(9):1881-5.).

Nosso propósito foi fazer uma breve revisão sobre temas atuais relacionados ao assunto e relatar um caso de melanoma intraorbitário de apresentação atípica, com rápido crescimento, mau prognóstico e recidiva após cirurgia.

RELATO DE CASO

Paciente JVS, 57 anos, masculino, veio para atendimento na urgência do serviço de oftalmologia do Hospital Governador Celso Ramos - Florianópolis em março de 2015, com queixa de dor intensa e massa em órbita esquerda. Durante a primeira consulta, referiu trauma em olho esquerdo com permanência de corpo estranho 6 meses antes e crescimento da massa acompanhada de dor desde então. Ao exame apresentava massa eritematosa, fixa, projetando-se aproximadamente 3 cm da órbita esquerda com córnea exposta e danifica, pálpebra superior livre, edemaciada e incapaz ocluir a região exposta (Figura 1). Havia dor à palpação, nenhuma motilidade ocular, nenhuma percepção luminosa e ausência de secreção. História mórbida pregressa sem particularidades. Negava uso de colírio ou cirurgia prévia nos olhos. Relatou ter visão normal até 6 meses antes da consulta. O olho direito apresentava-se normal ao exame, com acuidade visual 20/20 e demais sem particularidades.

Figura 1
Paciente com volumosa massa eritematosa, fixa, projetando-se da cavidade orbitária esquerda.

Foi realizada tomografia de crânio mostrando volumosa massa ovóide intraorbitária com erosão das corticais ósseas e invasão da musculatura extraocular (Figura 2). O material colhido para biópsia mostrou resultado inconclusivo. A análise imuno-histoquímica realizada em seguida mostrou citoqueratina AE1/AE3 positivo em células epiteliais, antígeno de membrana epitelial negativo, proteína S100 positivo nas células estromais e CD31 positivo no endotélio. Após os resultados, o paciente retornou ao serviço com aumento da massa e persistência da dor. Optou-se pela exenteração e envio da peça para análise histopatológica, que mostrou melanoma maligno com componente fusocelular, epitelióide e anaplásico comprometendo todas as camadas do globo ocular, ultrapassando a esclera e comprometendo tecido fibrovascular, além de necrose intratumoral, invasão vascular e nervosa com estadiamento pT4a. (Figura 3) O paciente foi então encaminhado para o serviço de oncologia.

Figura 2
Tomografia computadorizada de crânio e órbita evidenciando massa ovóide intraorbitária com erosão das corticais ósseas e invasão da musculatura extraocular.

Figura 3
Lâminas do exame histopatológico: (AbreNegritoAFechaNegrito) Melanócitos neoplásicos com padrão celular em fascículos fusiformes e mitoses aberrantes frequentes (HE 400x); (AbreNegritoBFechaNegrito) Melanócitos neoplásicos com padrão celular epitelioide (HE 400x); (AbreNegritoCFechaNegrito) Infiltração de nervo óptico por melanócitos atípicos (HE 40x); (AbreNegritoDFechaNegrito) Células neoplásicas pigmentadas com mitoses aberrantes e extensas áreas de necrose (HE 100x)

Aproximadamente trinta dias após, há recidiva com volumosa massa, agora mais escurecida, friável, sem adesão à margem palpebral superior. Neste momento optou-se por não intervir cirurgicamente, manteve-se analgesia e encaminhamento para o serviço de oncologia. (Figura 4)

Figura 4
Fotografia do paciente mostrando aspecto da massa tumoral recidivada em cavidade orbital esquerda

DISCUSSÃO

O melanoma uveal, entidade que pode acometer íris, corpo ciliar e coroide devido à presença de melanócitos em seus tecidos, é o tumor intraocular primário mais comum em adultos.(11 Torossian NM, Wallace RT, Hwu WJ, Bedikian AY. Metastasis of ciliary body melanoma to the contralateral eye: A case report and review of uveal melanoma literature. Case Rep Oncol Med. 2015;2015:427163) Melanomas do corpo ciliar podem ser inicialmente assintomáticos e de difícil visualização devido a sua localização atrás da íris, e os primeiros sintomas podem ser inespecíficos, como piora da acuidade visual, floaters, perda de parte do campo visual ou dor ocular devido ao glaucoma secundário(22 Costache M, Patrascu OM, Adrian D, Costache D, Sajin M, Ungureanu E, et al. Ciliary body melanoma - A particularly rare type of ocular tumor. Case report and general considerations. Maedica (Buchar). 2013;8(4):360-4.). Os melanomas de coróide tipicamente assumem a conformação em abóbada, pigmentado e elevado abaixo da retina, possuindo coloração que varia do amelanocítico ao marrom escuro e podem trazer mais sintomas relacionados à acuidade visual(44 American Academy of Ophthalmology. Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors: San Francisco: American Academy of Ophthalmology; 2014. p. 264-87.). Nosso caso mostra um paciente em estado avançado da doença com o conteúdo e o continente obtial comprometidos.

Epidemiologicamente, o paciente encontra-se dentro da faixa etária de maior incidência da doença e um estudo recente mostra que pode haver alguma relação entre a idade do paciente e o tipo celular do melanoma, sendo o fusiforme mais prevalente em pacientes com média de 60 anos, o epitelioide 65 anos e o misto 64 anos, porém tal correlação não correspondeu ao caso(55 Andreoli MT, Mieler WF, Leiderman YI. Epidemiological trends in uvealmelanoma. Br J Ophthalmol. 2015 Apr 22. pii: bjophthalmol-2015-306810. doi:10.1136/bjophthalmol-2015306810.
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).

Apesar da melhor acurácia no diagnóstico, a mortalidade decorrente desses tumores não se alterou significativamente nos últimos anos(33 Singh AD, Turell ME, Topham AK. Uveal melanoma: trends in incidence, treatment, and survival. Ophthalmology. 2011;118(9):1881-5.). A incidência de metástases é elevada e a sobrevida nos casos metastáticos é em média de 12 meses, sendo o fígado o principal órgão acometido(11 Torossian NM, Wallace RT, Hwu WJ, Bedikian AY. Metastasis of ciliary body melanoma to the contralateral eye: A case report and review of uveal melanoma literature. Case Rep Oncol Med. 2015;2015:427163).

Enucleação é o tratamento adequado para tumores médios (T2), grandes (T3) e muito grandes (T4), e em casos de dor. Tumores pequenos e médios, sem crescimento documentado e com menos de 1mm de espessura podem ser tratados de maneira mais conservadora com a braquiterapia, que apresenta boas taxas de controle da doença, porém pouco se sabe a respeito da sobrevida destes pacientes foram tratados de forma conservadora, embora um estudo confirme a redução da mortalidade nos anos seguintes(44 American Academy of Ophthalmology. Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors: San Francisco: American Academy of Ophthalmology; 2014. p. 264-87.

5 Andreoli MT, Mieler WF, Leiderman YI. Epidemiological trends in uvealmelanoma. Br J Ophthalmol. 2015 Apr 22. pii: bjophthalmol-2015-306810. doi:10.1136/bjophthalmol-2015306810.
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-66 Lane AM, Kim IK, Gragoudas ES. Long-term risk of melanoma-related mortality for patients with uveal melanoma treated with proton beam therapy. JAMA Ophthalmol. 2015;133(7):792-6.). Há um consenso de que a radioterapia externa convencional é inefectiva como modalidade única de tratamento do melanoma e que casos em que a enucleação foi necessária mesmo após a radioterapia estão relacionados com pior prognóstico(44 American Academy of Ophthalmology. Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors: San Francisco: American Academy of Ophthalmology; 2014. p. 264-87.

5 Andreoli MT, Mieler WF, Leiderman YI. Epidemiological trends in uvealmelanoma. Br J Ophthalmol. 2015 Apr 22. pii: bjophthalmol-2015-306810. doi:10.1136/bjophthalmol-2015306810.
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6 Lane AM, Kim IK, Gragoudas ES. Long-term risk of melanoma-related mortality for patients with uveal melanoma treated with proton beam therapy. JAMA Ophthalmol. 2015;133(7):792-6.
-77 Van den Bosch T, Vaarwater J, Verdijk R, Muller K, Kiliç E, Paridaens D, et al. Risk factors associated with secondary enucleation after fractionated stereotatic radiotherapy in uveal melanoma. Acta Ophthalmol. 2015;93(6):555-60.).A exenteração, tradicionalmente indicada para melanomas uveais posteriores com expansão extraescleral, é hoje pouco indicada devido ao fato de a enucleação e posterior radioterapia mostrarem desfechos de sobrevida similares(44 American Academy of Ophthalmology. Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors: San Francisco: American Academy of Ophthalmology; 2014. p. 264-87.

5 Andreoli MT, Mieler WF, Leiderman YI. Epidemiological trends in uvealmelanoma. Br J Ophthalmol. 2015 Apr 22. pii: bjophthalmol-2015-306810. doi:10.1136/bjophthalmol-2015306810.
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6 Lane AM, Kim IK, Gragoudas ES. Long-term risk of melanoma-related mortality for patients with uveal melanoma treated with proton beam therapy. JAMA Ophthalmol. 2015;133(7):792-6.

7 Van den Bosch T, Vaarwater J, Verdijk R, Muller K, Kiliç E, Paridaens D, et al. Risk factors associated with secondary enucleation after fractionated stereotatic radiotherapy in uveal melanoma. Acta Ophthalmol. 2015;93(6):555-60.
-88 Cunha AM, Rodrigues NHT, Almeida GA, Picanço BC, Netto JA. Melanoma de corpo ciliar e coróide: Relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(2):193-6.). Optou-se pela exenteração neste caso devido aos sintomas álgicos e ao grande volume e invasão da massa tumoral. Um estudo que avaliou pacientes que sofreram enucleação mostrou que a recorrência pode ocorrer em 3% dos casos dos melanomas restritos ao compartimento intraocular e em 18% dos casos nos quais há evidências de extensão extraescleral(99 Akashi PM, Kitagawa VM, Chahud F, Cruz AA. Melanoma em cavidade anoftálmica secundária a evisceração - Relato de 2 casos e revisão da literatura. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(6):969-72.). O grau da lesão e a rápida recidiva conferem a este caso um prognóstico reservado.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Torossian NM, Wallace RT, Hwu WJ, Bedikian AY. Metastasis of ciliary body melanoma to the contralateral eye: A case report and review of uveal melanoma literature. Case Rep Oncol Med. 2015;2015:427163
  • 2
    Costache M, Patrascu OM, Adrian D, Costache D, Sajin M, Ungureanu E, et al. Ciliary body melanoma - A particularly rare type of ocular tumor. Case report and general considerations. Maedica (Buchar). 2013;8(4):360-4.
  • 3
    Singh AD, Turell ME, Topham AK. Uveal melanoma: trends in incidence, treatment, and survival. Ophthalmology. 2011;118(9):1881-5.
  • 4
    American Academy of Ophthalmology. Ophthalmic Pathology and Intraocular Tumors: San Francisco: American Academy of Ophthalmology; 2014. p. 264-87.
  • 5
    Andreoli MT, Mieler WF, Leiderman YI. Epidemiological trends in uvealmelanoma. Br J Ophthalmol. 2015 Apr 22. pii: bjophthalmol-2015-306810. doi:10.1136/bjophthalmol-2015306810.
    » https://doi.org/10.1136/bjophthalmol-2015306810
  • 6
    Lane AM, Kim IK, Gragoudas ES. Long-term risk of melanoma-related mortality for patients with uveal melanoma treated with proton beam therapy. JAMA Ophthalmol. 2015;133(7):792-6.
  • 7
    Van den Bosch T, Vaarwater J, Verdijk R, Muller K, Kiliç E, Paridaens D, et al. Risk factors associated with secondary enucleation after fractionated stereotatic radiotherapy in uveal melanoma. Acta Ophthalmol. 2015;93(6):555-60.
  • 8
    Cunha AM, Rodrigues NHT, Almeida GA, Picanço BC, Netto JA. Melanoma de corpo ciliar e coróide: Relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(2):193-6.
  • 9
    Akashi PM, Kitagawa VM, Chahud F, Cruz AA. Melanoma em cavidade anoftálmica secundária a evisceração - Relato de 2 casos e revisão da literatura. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(6):969-72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2015
  • Aceito
    08 Nov 2015
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