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Oftalmia simpática

Resumo

Relatar um caso de um paciente portador de Oftalmia Simpática (OS), com descolamento seroso da retina documentado através de tomografia de coerência óptica de domínio spectral (SD OCT), indocianina verde (ICG) e angiofluoreceinografia (AGF), que o diagnóstico foi realizado em uma consulta de rotina e iniciado tratamento clínico .

Descritores:
Oftalmia Simpática/diagnóstico; Oftalmia Simpática/terapia

Abstract

To report the case of a patient with sympathetic ophthalmia (OS), with serous detachment of retinal documented by spectral domain optical coherence tomography (OCT), indocyanine green (ICG) and angiofluorecephography (AGF). The diagnosis was made in a routine consultation and clinical treatment was initiated.

Keywords:
Sympathetic Ophthalmia/diagnosis; Sympathetic Ophthalmia/therapy

Introdução

A Oftalmia Simpática (OS) é uma uveíte endógena não infecciosa, limitada ao olho, caracterizada por uma inflamação bilateral e que geralmente afeta todos os componentes da úvea, designando-se de panuveíte. (11 Kumar V, Abbas AK, Fausto N. O Olho. In: Patologia - bases patológicas das doenças. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. p. 1499.)

Trata-se de uma situação clínica bastante rara, sendo o dano uveal, quase sempre, de origem traumática ou cirúrgica. O olho lesado é denominado excitante, enquanto o olho contralateral, posteriormente afetado, como simpatizante, (22 Bakri SJ, Peters GB. Sympathetic ophthalmia after a hyphema due to nonpenetrating trauma. Ocular Immunol Inflamm. 2005;13(1):85-6.

3 Damico FM, Kiss S, Young LH. Sympathetic ophthalmia. Semin Ophthalmol. 2005; 20(3):191-7.
-44 Ferreira MA, Mendonça CN, Filho WFS, Neves AS. Optical coherence tomography aspects of sympathetic ophthalmia: Case report. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(3):387-9)

A etiopatogenia não é ainda claramente compreendida, várias evidências sugerem tratar-se de uma reação autoimune contra antígenos oculares expostos no olho excitante, caracterizada por inflamação granulomatosa difusa não-necrotizante de todo o trato uveal, com alterações histológicas idênticas no olho excitante e no olho simpatizante. (33 Damico FM, Kiss S, Young LH. Sympathetic ophthalmia. Semin Ophthalmol. 2005; 20(3):191-7.)

Estudos, indicam que a OS representa de 1% a 2% de todos os casos de uveítes, no entanto, sua verdadeira incidência e prevalência têm sido difíceis de estabelecer, não apenas pela sua rara ocorrência, mas também, pelo fato do seu diagnóstico se basear primariamente em dados clínicos. (55 Sen HN, Nussenblatt RB. Sympathetic ophthalmia: what have we learned?. Am J Ophthalmol. 2009;148(5):632-3.)

Esta doença apresenta um início insidioso, após um período de latência variável de pelo menos dez dias, com uma evolução progressiva. (22 Bakri SJ, Peters GB. Sympathetic ophthalmia after a hyphema due to nonpenetrating trauma. Ocular Immunol Inflamm. 2005;13(1):85-6.)

OS está habitualmente associada a traumatismos oculares penetrantes, acidentais ou cirúrgicos, mas, no entanto, descrevem casos de oftalmia simpática na sequência de processos ou traumatismos não-penetrantes, o que pressupõe que a perfuração ocular não é essencial para o desenvolvimento da doença. (33 Damico FM, Kiss S, Young LH. Sympathetic ophthalmia. Semin Ophthalmol. 2005; 20(3):191-7.)

O diagnóstico da OS baseia-se principalmente na história do doente e na apresentação clínica. Os estudos de imagem como angiografia de fluoresceina, indocianina verde, ecografia modo-B e tomografia de coerência óptica, podem ser úteis para confirmar o diagnóstico, devendo também realizar análises laboratoriais para eliminar uveíte infecciosa. (66 Chan CC, Mochizuki M. Sympathetic ophthalmia: an autoimmune ocular inflammatory disease. Springer Semin lmmunopathol, 1999;21(2):125-34.)

Relato de Caso

AJJF, 22 anos, masculino, compareceu ao ambulatório da Fundação Hilton Rocha (FHR) em junho de 2015 para consulta oftalmológica de rotina, com história prévia de trauma penetrante por arma de fogo há 25 dias em olho esquerdo (OE), e evisceração na ocasião.

Ao exame oftalmológico, evidenciou acuidade visual de 20/20 (tabela de Snellen) no olho direito (OD) e ausência de percepção luminosa em olho esquerdo (OE).

Ao exame de biomicroscopia de segmento anterior não apresentou alterações em olho direito e cavidade anoftalmica à esquerda em bom aspecto.

Na tonometria de aplanação apresentou-se com pressão de 14mmHg em olho direito.

A Fundoscopia de OD evidenciava descolamento seroso de retina em região temporal superior e perimacular, com fóvea preservada e ausência de vitreíte.

Após seis dias, o paciente evoluiu com piora da AV (20/100) e do descolamento seroso.

Diante da evolução do quadro clínico e dos resultados dos exames complementares, foi iniciado tratamento clínico com corticoterapia oral e uma aplicação de 1ml de triancinolona acetonida subtenoniana. (Figuras 1, 2A, 2B e 3)

Figura 1
Angiofluoreceinografia obtida em 29/06/2015 demonstrando múltiplas áreas hiperfluorescentes ao nível de EPR e fase tardia revelando áreas de hiperfluorescência placóide ao nível do EPR e acúmulo de contraste em áreas de descolamentos serosos.

Figura 2
(A e B) Imagens da tomografia de coerência óptica de domínio spectral (SD-OCT), realizada em 29/06/2015, demonstrando múltiplos descolamentos serosos retinianos multifocais.

Figura 3
A ICGA mostrou anormalidades de vasos coroidais caracterizadas por fraca delineação de suas paredes, áreas de hipofluorescência na fase inicial e intermediária, que persistiram até a fase tardia do exame.

O paciente recebeu 70 mg/dia de prednisona (Meticorten ®), com redução gradual, evoluindo com melhora importante da acuidade visual e do descolamento seroso retiniano já na primeira semana de tratamento.

Após 15 dias de corticoterapia, apresentava acuidade visual de 20/20 e resolução completa do descolamento seroso de retina (Figuras 4 e 5).

Figura 4
A imagem da angiofluoreceinografia após o tratamento, realizada em 24/08/2015, evidencia resolução do quadro.

Figura 5
Imagem da OCT em 29/09/2015, com evidência de melhora do descolamento seroso, após instituído o tratamento.

O tratamento com corticosteroide foi instituído precocemente, obtendo-se excelente resultado anatômico e funcional.

Atualmente, mantém terapêutica de manutenção com prednisona oral 20 mg.

Discussão

Apesar de incomum, a OS é, na realidade, uma doença ocular grave com alto potencial de cegueira, tanto do olho traumatizado ou excitante, como do olho contra-lateral ou simpatizante. (77 Zaharia MA, Lamarche J, Laurin M. Sympathetic uveitis 66 years after injury. Can J Ophthalmol. 1984;19(5):240-3.)

O tempo decorrido entre o trauma inicial e o início dos sintomas pode variar de semanaanos, sendo que nos casos em que os sintomas surgem no primeiro ano, 65% deles ocorrem nos primeiros dois meses. (88 Yannuzzi LA, Freund KB. Vogt-Koyanagi-Harada syndrome.. In: Yannuzzi LA, Flower RW, Slakter JS, editors. Indocyanine green angiography. St Louis: Mosby; 1997. p.259-69.)

A angiografia com fluoresceína (AF) e mais recentemente, a angiografia verde com indocinina (ICGA), juntamente com a tomografia de coerência óptica de domínio espectral (SD-OCT), têm sido ferramentas úteis no diagnóstico e tratamento de SO, além de importantes adjuvantes no estabelecimento da extensão e gravidade da doença. (99 Bernasconi O, Auer C, Zografos L, Herbort CP. Indocyanine green angiographic findings in sympathetic ophthalmia. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 1998; 236(8):635-8.)

Os achados das AF são variados e podem mostrar manchas hipofluorescentes que representam bloqueio por focos de infiltração celular na camada superficial da ou hiperfluorescência em fases tardias, possivelmente secundárias ao extravasamento lento de corante através do epitélio pigmentar da retina (EPR), bem como da coloração do disco óptico. (1010 Bouchenaki N, Herbort CP. The contribution of indocyanine green angiography to the appraisal and management of Vogt-Koyanagi-Harada disease. Ophthalmology. 2001;108(1):54-64.)

Em alguns casos, apenas a ICGA pode detectar manchas hipofluorescentes que representam bloqueio por edema, devido ao infiltrado inflamatório da coide. (1111 Reinthal EK, Völker M, Freudenthaler N, Grub M, Zierhut M, Schlote T. [Optical coherence tomography in the diagnosis and follow-up of patients with uveitic macular edema. Ophthalmologe. 2004;101(12):1181-8. German.)

A SD-OCT é uma nova modalidade da imagem latente para permitir a imagem OCT de alta resolução de camadas externas da retina e da coroide (modo de EDI). (1212 Boer JF, Cense B, Park BH, Pierce MC, Tearney GJ, Bouma BE. Improved signal-to-noise ratio in spectral-domain compared with time-domain optical coherence tomography. Opt Lett. 2003;28(21):2067-9.)

Os achados mais prevalentes no SD-OCT são uma desorganização das camadas externas da retina, um acúmulo de líquido intra-retiniano e sub-EPR e espessamento da coróide. Além disso, o OCT pode ser útil no acompanhamento dos pacientes em tratamento de edema macular ocasionado por uveítes. (1313 Reynard M, Riffenburgh RS, Minckler DS. Morphological variation of Dalén-Fuchs nodules in sympathetic ophthalmia. Br J Ophthalmol. 1985;69(3):197-201.)

No caso descrito anteriormente, realizamos a OCT precocemente, evidenciando edema e descolamento seroso da retina.

Após 35 dias de tratamento, pudemos acompanhar a resolução do quadro através de novo SD-OCT.

O prognóstico é favorável nos casos submetidos a tratamento médico precoce. (1414 Chan CC, Roberge RG, Whitcup SM, Nussenblatt RB. Thirty-two cases of sympathetic ophthalmia. A retrospective study at the National Eye Institute, Bethesda, Md., from 1982 to 1992. Arch Ophthalmol. 1995;113(5):597-600. Erratum in: Arch Ophthalmol. 1995;113(12):1507.)

O uso de corticosterides sistêmicos revolucionou o prognóstico, levando a uma boa acuidade visual, especialmente nos casos em que o diagnóstico é feito de forma precoce com terapia antiinflamatória prontamente instituída.?haver recaída se a sequência não for concluída. (1414 Chan CC, Roberge RG, Whitcup SM, Nussenblatt RB. Thirty-two cases of sympathetic ophthalmia. A retrospective study at the National Eye Institute, Bethesda, Md., from 1982 to 1992. Arch Ophthalmol. 1995;113(5):597-600. Erratum in: Arch Ophthalmol. 1995;113(12):1507.)

Dessa forma, os oftalmologistas devem ficar atentos à possibilidade de Oftalmia simpática no acompanhamento de pacientes vítimas de trauma ocular, mesmo sendo uma patologia rara. (1515 Gallagher MJ, Yilmaz T, Cervantes-Castañeda RA, Foster CS. The characteristic features of optical coherence tomography in posterior uveitis. Br J Ophthalmol. 2007;91(12):1680-5.)

Conclusão

Oftalmia simpática é uma temível complicação decorrente de um traumatismo penetrante do globo ocular. Representa um desafio para o oftalmologista em todos os aspectos: no diagnóstico, que deve ser de exclusão; na severidade do quadro e na terapêutica, que deve ser precoce e agressiva.

O caso apresentado ilustra a gravidade que esta afecção pode assumir e a importância de tratar estes pacientes, exigindo um cuidadoso acompanhamento do doente para o resto da vida, de forma a assegurar o tratamento imediato e impedir o aparecimento de potenciais sequelas.

  • Fundação Hilton Rocha, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2017
  • Aceito
    21 Maio 2017
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