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O Plano de Ação para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul americana (Iirsa): oportunidades e riscos. Seu significado para o Brasil e a Argentina

NOTA

O Plano de Ação para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul americana (Iirsa): oportunidades e riscos. Seu significado para o Brasil e a Argentina

Silvia Quintanar; Rodolfo López

Introdução

Um dos aspectos que tem apresentado maior dinamismo na conformação do espaço comum sul-americano, propondo articular a zona de livre comércio conhecida como Alcsa (Área de Livre Comércio Sul-Americana), é a ênfase na infra-estrutura regional.

A idéia de fortalecer a infra-estrutura física como fator essencial para a integração do espaço econômico e do desenvolvimento foi lançada na Primeira Reunião dos Presidentes da América do Sul, realizada em 2000.

A iniciativa partiu do presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, como país-anfitrião, cuidou para que o documento de apoio à discussão, enviado para o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) meses antes do encontro e recebido por todos os presidentes durante a convocatória, não fosse tomado como uma imposição. Na Declaração Final da reunião, os mandatários simplesmente "tomaram nota" e acordaram impulsionar o Plano de Ação para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), que contém sugestões e propostas, com um horizonte de dez anos para ampliação e modernização da infra-estrutura na América do Sul, em especial, nas áreas de energia, transporte e comunicações, com a finalidade de configurar eixos de integração e desenvolvimento econômico e social, para o futuro espaço econômico ampliado

Evolução

O Iirsa, inicialmente proposto em Brasília, foi implementado por meio de seu Plano de Ação acordado na Reunião Ministerial de Montevidéu, em dezembro de 2000, que identifica 12 eixos de integração e desenvolvimento2 2 Os eixos de integração e desenvolvimento identificados no Plano de Ação para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) são: Eixo Mercosul-Chile (San Pablo-Montevidéu-Buenos Aires-Santiago); Eixo Andino (Caracas-Bogotá-Quito-Lima-La Paz); Eixo interoceânico Brasil-Bolívia-Peru-Chile (San Pablo-Iquique); Eixo Venezuela-Brasil-Guiana-Suriname); Eixo Multimodal Orinoco-Amazonas-Prata; Eixo Multimodal do Amazonas (Brasil-Colômbia-Equador-Peru); Eixo marítimo do Atlântico; Eixo marítimo do Pacífico; Eixo Neuquén-Concepción; Eixo Porto Alegre-Jujuy-Antofagasta; Eixo Bolívia-Paraguai-Brasil; Eixo Peru-Brasil (Acre-Rondônia). , complementados com a estimulação de processos setoriais3 3 No Anexo III, Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil, foram identificados como processos setoriais da Iirsa: Marcos Normativos de Mercados Energéticos Regionais; Sistemas Operativos de Transporte Aéreo; Sistemas Operativos de Transporte Marítimo; Sistemas Operativos de Transporte Multimodal; Facilitação de Passagens de Fronteiras; Harmonização das Políticas Regulatórias de Interconecção, de Espectro, de Padrões Técnicos e de Universalização da Internet; e Instrumentos para o Financiamento de Projetos de Integração Física Regional. , necessários para otimizar a competitividade e o processo logístico geral.

Na Segunda Reunião de Presidentes da América do Sul, realizada em Guaiaquil, em julho de 2002, os presidentes destacaram que "é vontade da América do Sul construir de maneira coordenada um espaço integrado, mediante o fortalecimento das conexões físicas e da harmonização dos marcos institucionais, normativos e regulatórios"

Os princípios orientadores6 6 Anexo III, Princípios Orientadores para uma Visão Estratégica da América do Sul, Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil. de uma visão estratégica da América do Sul, estabelecidos no Iirsa podem ser sintetizados nos seguintes pontos:

a) Coordenação público-privada: os desafios do desenvolvimento da região englobam a necessidade de coordenação e liderança compartilhada entre os governos (em seus distintos níveis) e o setor empresarial privado, dividindo riscos e benefícios.

b) Regionalismo aberto e convergência normativa: a América do Sul é concebida como um espaço geoeconômico plenamente integrado, para o qual é preciso reduzir ao mínimo as barreiras internas ao comércio e os gargalos na infra-estrutura e nos sistemas de regulação e operacionalização.

c) Eixos de integração e desenvolvimento: o espaço sul-americano é organizado em faixas multinacionais que concentram fluxos de comércio atuais e potenciais, nas quais se busca estabelecer um padrão mínimo de infra-estrutura de transportes, energia e comunicações, a fim de promover o desenvolvimento de negócios e apoiar cadeias produtivas com grandes economias de escala ao longo desses eixos, seja para o consumo interno da região, seja para a exportação aos mercados globais.

d) Sustentabilidade econômica, social e ambiental: o processo de integração econômica do espaço sul-americano deve ter por objetivo um desenvolvimento de qualidade superior, o que significa que os projetos eleitos devem ser condicionados não somente pela eficiência econômica e a competitividade nos processos produtivos, como também pela sustentabilidade social e ambiental.

e) Aumento do valor agregado da produção: as economias devem orientar-se para a conformação de cadeias produtivas em setores de alta competitividade global, com base na geração de valor agregado nos recursos naturais.

f) Tecnologias de informação: o uso intensivo das mais modernas tecnologias de informática e comunicações é parte integral das condições para um desenvolvimento viável no âmbito da economia globalizada. Nesse sentido, assegurar o acesso da população à Internet constitui-se em um elemento básico para hierarquizar a qualidade dos recursos humanos e facilitar sua inserção nos mercados de trabalho do futuro.

No Consenso de Guaiaquil, os mandatários destacaram os êxitos desses dois primeiros anos de trabalho no âmbito do Iirsa.

Nessa etapa fundacional, foram identificados um total de 293 estudos e projetos de investimento propostos pelos governos, dos quais um primeiro grupo de 162 foram sugeridos como uma primeira geração de projetos, que podem ser avançados no curto prazo, sem necessidade de maiores reformas institucionais ou de regulação setorial nos países.

Esses primeiros projetos somam um montante total estimado de 23,5 bilhões de dólares e, embora representem situações distintas, seriam postos em marcha antes do final deste ano7 7 Anexo III, Etapa fundacional, Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil. .

Nos próximos dois anos, o Iirsa entrará em sua etapa de aprofundamento e consolidação e, paralelamente às atividades de primeira geração, estará orientado:1) ao aprofundamento da "visão estratégica sul-americana", incluindo a participação da sociedade civil em seu desenvolvimento e discussão; 2) à identificação de novos eixos de integração; 3) à identificação dos projetos de segunda geração executáveis em médio prazo de forma consistente com a visão estratégica elaborada para a região8 8 No Anexo III, Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil, estabelece-se que "a definição de uma segunda geração de projetos consiste na identificação de projetos de investimento em infra-estrutura de alto impacto de integração, executáveis em médio prazo, com base em uma análise mais profunda da dinâmica econômica e dos marcos reguladores e políticas setoriais dos países do Eixo. Esses projetos podem ser aqueles que apresentam dificuldades de tipo institucional ou normativo; que requerem, por isso, um processo de desenvolvimento mais profundo nesses aspectos; ou que dependem da execução de outros projetos. Esses podem ser projetos identificados e não incluídos na primeira geração devido a dificuldades como as indicadas, ou podem ser projetos novos identificados como resultado da análise da dinâmica do Eixo, do diálogo entre os países ou da visão estratégica elaborada para a região". .

Oportunidades oferecidas pelo Iirsa

Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de que, depois das experiências de integração econômica dos anos 90 com viés predominantemente comercialista, a agenda regional dê enfoque à busca de mecanismos mais efetivos para consolidar o desenvolvimento e a independência econômica da região.

O Iirsa coloca a integração física à frente da integração econômica, para acelerar a marcha de todo o processo de integração sul-americano. Orientado por uma visão estratégica sul-americana, estabelece as bases para aumentar o comércio intra-regional, permitindo reter e distribuir uma maior parte de seus benefícios, aumentando ao mesmo tempo a competitividade da região.

Isso se baseia na noção de que o desenvolvimento sinergético do transporte, energia e telecomunicações pode gerar um impulso decisivo para a superação de barreiras geográficas, a aproximação de mercados e a promoção de novas oportunidades econômicas nos países da região

No caso do transporte, por exemplo, percebe-se claramente que ele condiciona a própria possibilidade de comerciar. Assim, os altos custos e a complexidade do sistema de transporte intra-regional são fatores de discriminação em favor de terceiros países e em prejuízo dos parceiros regionais. Tal apreciação permite sustentar que é necessário levar em consideração e resolver o problema do transporte de forma prévia ou simultânea à negociação da oportunidade comercial

Na América do Sul, o acesso a mercados é dificultado pela presença de importantes obstáculos geográficos, como a Cordilheira dos Andes, a Floresta Amazônica e um extenso sistema de rios e pântanos. Devido aos fatores naturais, bem como a um centralismo absorvente, a população sul-americana se encontra principalmente nas áreas costeiras, havendo espaços semi-vazios nas zonas internas. A combinação desses fatores implica que a articulação do território para gerar acesso a mercados seja de vital importância e requeira grandes investimentos em infra-estrutura.

Quanto ao setor energético, pode-se afirmar que os mercados energéticos integrados levariam a região à posição invejável de auto-sustentar seu crescimento energético no futuro e abastecer uma parte das necessidades do resto do mundo.

Os empreendimentos multiestatais sul-americanos no campo da energia, como o que vem propondo o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, – insistindo na formação de uma empresa multiestatal petroleira, gasífera e energética entre os países da América do Sul – têm uma alta potencialidade e, por isso, não deveriam ser descartados.

Ao mesmo tempo, as interconexões elétricas permitiriam, por um lado, diminuir custos e, por outro, aumentar os níveis de segurança do fornecimento de energia, buscando mecanismos para atender aos países com déficit energético.

A iniciativa Iirsa considera imprescindível um determinado modo de planejamento coordenado, orientado por uma visão estratégica sul-americana. Esse projeto pode representar, então, a oportunidade de conformar um neodesenvolvimentismo em escala sul-americana, com o trabalho coordenado dos governos para reduzir a vulnerabilidade externa. Um grupo regional de Estados com políticas ativas realizaria os requisitos para o desenvolvimento, com setores básicos, estratégicos e estatais, valorizando a dimensão ambiental e social dos projetos11 11 Os projetos desenvolvimentistas impulsionados pelos governos nacionais latino-americanos e financiados por organismos multilaterais deixaram de lado a consideração de impactos ambientais e eventual deterioramento das formas de vida e particularidades culturais das populações originais. No início dos anos 80, expressões de ecologismo popular de muito simbolismo, como as de Chico Mendes, chamaram a atenção para esses temas. , incorporando mecanismos de participação e consulta e diminuindo os níveis de pobreza na região.

Em um contexto de maior restrição financeira para os países da região – se comparado aos anos do Estado desenvolvimentista, em que o desenvolvimento da infra-estrutura estava praticamente monopolizado pela gestão e investimento estatais –, a Iirsa se coloca como compatível com a economia de mercado e facilitadora da iniciativa privada. Contempla a participação de três atores – governos, bancos multilaterais da região e setor privado –, cujo trabalho conjunto pode permitir o financiamento dos aportes de capital, incluindo tanto a promoção de associações estratégicas público-privadas para o financiamento de projetos de investimento, assim como consultas e cooperação para o desenvolvimento de um ambiente regulatório adequado para facilitar e incentivar a participação significativa do setor privado nas iniciativas de desenvolvimento regional e integração.

Desde o princípio da década de 90, na região, há se avançado na participação do investimento privado em infra-estrutura no marco de um amplo processo de privatizações. Entretanto esses investimentos se dirigiram, em sua maior parte, para a aquisição de ativos existentes e para a participação em concessões. Concentraram-se nos setores mais atrativos comercialmente e com menor expectativa de riscos – as telecomunicações e o setor energético. Por isso, ao futuro apresentam-se novos desafios para atrair capitais de risco para as áreas de infra-estrutura.

No que diz respeito às instituições financeiras regionais que se comprometeram com seu apoio, pode-se afirmar que representam uma fonte de financiamento alternativa às tradicionais, como o Banco Mundial (haja vista que seus créditos estão cada vez mais condicionados a políticas de ajuste). Os empréstimos do BID e da CAF (Corporação Andina de Fomento), por si sós importantes, têm um papel catalítico e permitem a mobilização de recursos várias vezes maiores de outras fontes.

Essa noção de liderança compartilhada é a base para um diálogo constante entre governos e empresários. Os empresários deverão concertar políticas e ações com os entes nacionais, devendo apoiar a função planificadora (neste caso, regional) e orientadora do Estado; e os governos deverão incentivar e facilitar as responsabilidades de financiamento, execução e operacionalização de projetos de capital privado.

O Iirsa e seus riscos

As oportunidades oferecidas pelo Iirsa são de fundamental importância, entretanto, para fazer um balanço mais preciso, também devem-se assinalar alguns eventuais riscos.

A integração regional da infra-estrutura física é uma realidade possível e desejável, mas não deixa de chamar a atenção o fato de o mesmo objetivo ser compartilhado por governos, empresas e instituições financeiras multilaterais

Os mecanismos para a implementação e acompanhamento do Plano de Ação estão conformados por um plano político e outro técnico. O Comitê de Direção Executiva, que dá direção política à iniciativa, está integrado por representantes de alto nível, designados pelos governos. Os projetos, gerentes, assessores e assistentes técnicos são basicamente propostos pelo Comitê de Coordenação Técnica, formado por representantes do BID, da CAF e do Fonplata (Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata.

Não está fora do horizonte de possibilidades o fato de que a influência do Comitê de Coordenação Técnica possa ter um peso decisivo no processo de formulação da visão estratégica sul-americana e, no final das contas, sua assistência técnica possa transformar-se em política.

No marco de preocupantes crises financeiras, as possibilidades de acesso ao financiamento que o Iirsa oferece podem também ser utilizadas como mais uma estrutura de incentivos para a liberalização dos regimes de investimento e privatização das empresas públicas restantes. Por exemplo, a privatização de importantes setores energéticos ainda não foi aceita por todos os países13 13 A liberalização dos regimes nacionais de investimento foi uma meta explicitamente assinalada ao BID pelo governo dos Estados Unidos, desde o lançamento da Iniciativa para as Américas em 1990, tendo permanecido durante o processo de negociação da Alca. Na Cúpula de Brasília, Enrique Iglesias, Presidente do BID, apontava: "esta é um etapa em que se devem completar, consolidar e aprofundar as reformas, mantendo a direção empreendida." (...) "pode-se assegurar que o processo de integração tem complementado e reforçado o processo de reforma estrutural e de fato é parte integral desse processo." Reunião de Presidentes da América do Sul, Apresentações oficiais, http://www.iirsa.org. . Finalmente, o Iirsa poderia se reduzir a um instrumento para criar, mais que um espaço comum sul-americano, um espaço comum para o investimento do capital privado.

Se prevalecer esse cenário, a "pressão dos pares" e a "política do entrave" terminariam por pavimentar o caminho para o aprofundamento das reformas neoliberais e levá-las ao ponto em que não haveria retorno.

Para impulsionar a implementação de uma visão estratégica sul-americana, os Estados devem exercer eficazmente o papel central que afirmam estar lhes conferindo nessa nova etapa. Cabe esperar que os governos intervenham para viabilizar iniciativas regionais, cujos dividendos econômicos e sociais de longo prazo são importantes, embora apresentem riscos especiais ou seus retornos financeiros não sejam suficientemente atrativos para os investidores privados, especialmente no setor de transportes.

Seu significado para o Brasil e a Argentina

Por último, é necessário levar em consideração que o Iirsa não é uma iniciativa nem de aplicação nem de resultados homogêneos para todos os países sul-americanos. Como conclusão preliminar pode-se inferir que o significado e os benefícios potenciais podem favorecer a todos os sócios no sentido dos ganhos conjuntos, mas em termos relativos, mais ao Brasil do que à Argentina.

Quanto à integração energética, é provável que os países de maior desenvolvimento industrial da região e que padecem de crises energéticas recorrentes, como a Argentina, porém mais acentuadamente o Brasil nos últimos anos, favoreçam-se com um mercado energético integrado que possa fornecer energia a países com déficit.

No caso da infra-estrutura de transportes, dadas as distintas posições e configurações geográficas do Brasil e da Argentina com respeito ao subcontinente sul-americano – cêntrica, para caso do Brasil, e marginal, para o caso da Argentina – pode-se arriscar a afirmação de que o Brasil aproveitaria mais o esforço conjunto da iniciativa, convertendo seus imensos espaços interiores em zonas de enlace ou entrecruzamento de vias terrestres e fluviais. A liderança do Brasil no projeto é inquestionável e cabe esperar que procure que as obras de infra-estrutura gerem a maior quantidade de impactos nacionais de desenvolvimento.

Ao contrário do Brasil, desde sua origem o Estado argentino foi modelado como ilha e expandido sobre o litoral fluvial e portuário da embocadura do Prata. Essa tradição, a que se soma a debilitada capacidade de negociação e gestão do governo argentino para fazer prevalecer iniciativas que convenham aos seus interesses nacionais, permite antecipar que imensas regiões como a Patagônia ou as Serras Centrais não participarão da dinâmica dos eixos de desenvolvimento e integração do Iirsa.

Em síntese, as conclusões preliminares da abordagem realizada indicam que o Iirsa é um instrumento de suma importância que está em marcha e tem adquirido uma dinâmica própria. Faz parte de um projeto mais amplo que é a conformação de um espaço comum sul-americano, que, centralizando-se no Mercosul, propõe uma articulação cada vez maior com todos os países da América do Sul.

Os países do Mercosul e seus eventuais associados estão frente ao desafio de conquistar os mercados do Sudeste Asiático, China e Japão, que demonstram grande interesse pela provisão de alimentos. Para assegurar esses mercados é preciso conectar os produtores do Atlântico com os portos do Pacífico.

Essa é uma proposta brasileira, que tem se sustentado na prática desde Itamar Franco, que a apresentara ao Grupo do Rio em 1993, até Lula, passando por Fernando Henrique Cardoso, que convocou a grande reunião de cúpula de Brasília. Para o Brasil, a conformação concertada de um espaço comum sul-americano significa retrair em relação a um espaço latino-americano com a intenção de preservar o que ainda resta da capacidade de autodeterminação.

Nesse aspecto, a futura liderança de um Brasil de Lula pode ser importante, e isso deverá ser reconhecido pela Argentina, quanto às possibilidades que implica o surgimento de um multilateralismo sul-americano ativo e direcionado, contra o qual deverá litigar o capital privado

Notas

  • 1
    1Comunicado de Brasília, parágrafo 39, Brasília, 1 de setembro de 2000. Disponível em http://www.iirsa.org
  • 4Consenso de Guaiaquil sobre Integração, Segurança e Infra-estrutura para o Desenvolvimento, art. 5, Guaiaquil, 27 de julho de 2002.
  • 5Consenso de Guaiaquil, parágrafo 6. Nesse caso, estratégia deve ser lida como uma programação de longo prazo, como um caminho de transição dos países sul-americanos para um futuro desejável, uma determinada visão de desenvolvimento nacional e regional vinculada com o sistema internacional. A visão estratégica sul-americana subordina os interesses nacionais estreitos, inserindo-os em um marco de definição mais amplo de interesse nacional. A concepção estratégica envolve a definição de metas e objetivos; o estabelecimento de cursos de ação ou caminhos através dos quais se chegará a tais metas; e os recursos que serão usados, entendidos no seu mais amplo espectro: econômicos, políticos, diplomáticos, militares, de informação, tecnológicos e outros. Para mais informações ver AVARENA, Francisco Rojas (ed.). El relacionamento estratégico: un concepto que requiere ser desarrollado. Argentina, Brasil y Chile, Integración y Seguridad FLACSO-Chile, Editorial Nueva Sociedad, Caracas, 1999, p. 13-17.
  • 9 Em sintonia com essa visão, Raúl Grien, em 1994, sustentava que "embora a integração econômica não necessariamente deva vir antes de uma integração física, dificilmente terão lugar os efeitos que se esperam das trocas e do mercado ampliado, se as conexões internas da união não existem ou não podem se fazer viáveis". Cf. GRIEN, Raúl. La integración económica como alternativa inédita para América Latina, Fondo de Cultura Económica, México, 1994, p. 237-238.
  • 10Para mais informação sobre esse tema, podem-se ver os trabalhos publicados pelo INTAL, em sua ampla trajetória de pesquisa, como, por exemplo, BASCO, Carlos A.; CERENZA, Tancredo Luis; ITURRIZA, Jorge; VALENCIANO, Eugenio. Transporte e Integración BID-INTAL, Buenos Aires, 1988.
  • 12 Pode-se comparar, por exemplo, o caso da postura do Presidente Chavéz com respeito às possibilidades de uma multiestatal petroleira, com os argumentos de diretores de empresas petroleiras, de transporte, de energia, de construção civil e de serviços financeiros. Para o caso da última posição, pode-se ver, por exemplo, o artigo de Jorge Propato, Diretor Comercial de Exploração e Produção da América Latina, REPSOL, YPF: La Integración Energética. In Archivos del Presente Buenos Aires, ano 6, n. 21; julho/agosto/setembro de 2000.
  • 14 Não se deve esquecer que, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, o governo foi dócil às reformas exigidas pelo centro, abrindo os seguintes setores da economia aos capitais internacionais: os serviços financeiros, a bolsa de valores, os bancos e as grandes empresas públicas. Como denunciou recentemente Amado Cervo, o projeto de privatização da Telebrás foi concebido por agência do exterior e imposto por pressões habilmente conduzidas: "A abertura das comunicações no Brasil correspondeu ao maior negócio do mundo quanto à transferência de ativos de países emergentes para o centro do sistema capitalista." Cf. CERVO, Amado. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. In Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, ano 45, n. 1, 2002, p. 19.
  • 1
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  • 4
    . Nessa perspectiva, reconheceram que a inter-relação entre infra-estrutura e desenvolvimento deve ser explorada segundo uma visão estratégica sul-americana
  • 5
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  • 9
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  • 10
    .
  • 12
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    Os eixos de integração e desenvolvimento identificados no
    Plano de Ação para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) são: Eixo Mercosul-Chile (San Pablo-Montevidéu-Buenos Aires-Santiago); Eixo Andino (Caracas-Bogotá-Quito-Lima-La Paz); Eixo interoceânico Brasil-Bolívia-Peru-Chile (San Pablo-Iquique); Eixo Venezuela-Brasil-Guiana-Suriname); Eixo Multimodal Orinoco-Amazonas-Prata; Eixo Multimodal do Amazonas (Brasil-Colômbia-Equador-Peru); Eixo marítimo do Atlântico; Eixo marítimo do Pacífico; Eixo Neuquén-Concepción; Eixo Porto Alegre-Jujuy-Antofagasta; Eixo Bolívia-Paraguai-Brasil; Eixo Peru-Brasil (Acre-Rondônia).
  • 3
    No Anexo III,
    Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil, foram identificados como processos setoriais da Iirsa: Marcos Normativos de Mercados Energéticos Regionais; Sistemas Operativos de Transporte Aéreo; Sistemas Operativos de Transporte Marítimo; Sistemas Operativos de Transporte Multimodal; Facilitação de Passagens de Fronteiras; Harmonização das Políticas Regulatórias de Interconecção, de Espectro, de Padrões Técnicos e de Universalização da Internet; e Instrumentos para o Financiamento de Projetos de Integração Física Regional.
  • 6
    Anexo III, Princípios Orientadores para uma Visão Estratégica da América do Sul,
    Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil.
  • 7
    Anexo III, Etapa fundacional,
    Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil.
  • 8
    No Anexo III,
    Informe do Comitê de Coordenação Técnica (CCT) do Consenso de Guaiaquil, estabelece-se que "a definição de uma segunda geração de projetos consiste na identificação de projetos de investimento em infra-estrutura de alto impacto de integração, executáveis em médio prazo, com base em uma análise mais profunda da dinâmica econômica e dos marcos reguladores e políticas setoriais dos países do Eixo. Esses projetos podem ser aqueles que apresentam dificuldades de tipo institucional ou normativo; que requerem, por isso, um processo de desenvolvimento mais profundo nesses aspectos; ou que dependem da execução de outros projetos. Esses podem ser projetos identificados e não incluídos na primeira geração devido a dificuldades como as indicadas, ou podem ser projetos novos identificados como resultado da análise da dinâmica do Eixo, do diálogo entre os países ou da visão estratégica elaborada para a região".
  • 11
    Os projetos desenvolvimentistas impulsionados pelos governos nacionais latino-americanos e financiados por organismos multilaterais deixaram de lado a consideração de impactos ambientais e eventual deterioramento das formas de vida e particularidades culturais das populações originais. No início dos anos 80, expressões de ecologismo popular de muito simbolismo, como as de Chico Mendes, chamaram a atenção para esses temas.
  • 13
    A liberalização dos regimes nacionais de investimento foi uma meta explicitamente assinalada ao BID pelo governo dos Estados Unidos, desde o lançamento da Iniciativa para as Américas em 1990, tendo permanecido durante o processo de negociação da Alca. Na Cúpula de Brasília, Enrique Iglesias, Presidente do BID, apontava: "esta é um etapa em que se devem completar, consolidar e aprofundar as reformas, mantendo a direção empreendida." (...) "pode-se assegurar que o processo de integração tem complementado e reforçado o processo de reforma estrutural e de fato é parte integral desse processo." Reunião de Presidentes da América do Sul, Apresentações oficiais,
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2003
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