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A atualização da contabilidade face à desvalorização monetária

ARTIGOS

A atualização da contabilidade face à desvalorização monetária

Max I. Epps

Consultor em administração contábil e estatística, São Paulo

"Durante um período de inflação sobe o custo de vida, não só para as pessoas, mas também para as sociedades. Os custos para reabastecer os estoques, para substituir equipamentos obsoletos e para expandir a capacidade - todos aumentam. No entanto, as práticas contábeis geralmente não registram esses aumentos de maneira adequada."

JOEL DEAN

(Prof. de Economia das Emprêsas)

Os sistemas contábeis tradicionais, que não levam em conta a constante diminuição do poder aquisitivo da moeda, falham de maneira clamorosa, porque as demonstrações financeiras dêles resultantes, não permitem aquilatar a verdadeira lucratividade da emprêsa, nem o valor real do investimento nela aplicado. O mais importante talvez, é que êsses métodos tradicionais são, em grande parte, inadequados para oferecer à administração informações precisas sôbre a situação atual e que são necessárias para as decisões de rotina ou mesmo aquelas informações que indicam deficiências na execução e que demandam um cuidado especial.

Muitas decisões importantes devem ser fundamentadas na comparação entre a previsão de vendas e o custo estimado para essas vendas, dados êsses que se baseiam em informações colhidas na contabilidade ou no departamento de custos. Se êsses dados mostrarem uma situação irreal, deixando de considerar as diferenças entre o valor dos cruzeiros desvalorizados a serem recebidos pelas vendas, e os custos, de maior valor aquisitivo, incorridos anteriormente, pode-se chegar a conclusões senão completamente falsas e enganadoras, pelo menos incorretas.

A implantação de sistemas orçamentários e de custos, e de outras técnicas modernas que visam facilitar e tornar mais eficiente o trabalho da administração, em grande parte, são inútt is, porque foram criadas tendo-se em vista dólares, libras etc., moedas que representam medidas de poder aquisitivo relativamente fixo e estável. Paradoxalmente, o trabalho de adaptação dessas técnicas e dos métodos tradicionais de contabilidade às condições inflacionárias atuais, tem sido até agora quase que completamente negligenciado; e não dispondo de tôdas as informações necessárias, o administrador é obrigado a recorrer à intuição.

Em virtude de sua insegurança para avaliar com exatidão os custos passados, incorridos em diversas épocas, em cruzeiros de diferentes valores, e relacioná-los com os cruzeiros desvalorizados a serem recebidos pelas vendas no futuro, o administrador poderá ser levado a cobrar preços muito altos ou muito baixos. Seus preços poderão, freqüentemente, ser tão baixos que não permitirão recuperar seus custos reais, e obter um lucro razoável. Poderão, igualmente, ser tão elevados a ponto de lhe reduzir as vendas e diminuir a produção para níveis abaixo dos ideais, dentro dos quais poderia obter o máximo lucro possível; nesse caso, seus preços altos em nada contribuem, a não ser para o aumento da espiral inflacionária.

Em muitos casos, em vez de se utilizar dos dados históricos de custo, que nada representam face à diminuição do poder aquisitivo da moeda, o empresário poderá tentar proteger-se avaliando seus custos pelo custo de reposição, ainda que com êste método venha a desprezar os custos por êle realmente incorridos. A avaliação pelo custo de reposição, refletindo os efeitos da inflação, possibilita usualmente, a despeito de suas deficiências, uma base mais aproximada e muito menos injusta, do que a avaliação pelo método tradicional do custo histórico.

Nas condições altamente inflacionárias, em que vivemos atualmente, é evidente que a única significação do dinheiro, como medida de valor, reside em seu poder aquisitivo. Êste valor poderá ser medido pelo quanto êle representa em propriedades, bens e serviços. Cada aplicação de dinheiro feita por uma emprêsa constitui um sacrifício calculado e atual de poder aquisitivo, representado por aquêle dinheiro, na expectativa de receber em troca uma maior quantidade de futuro poder aquisitivo, e não simplesmente notas de mil cruzeiros, que fàcilmente poderão ser produzidas em massa.

Sob êste aspecto, os empresários experientes não podem levar a sério a hipótese tradicional e básica da contabilidade, de que um cruzeiro em caixa ou a receber em 31 de dezembro, possa substituir adequadamente um cruzeiro no dia 1.º de janeiro do mesmo ano, sem levar em consideração as diferenças de poder aquisitivo. Nem podem, igualmente, aceitar a outra suposição tradicional da contabilidade de custos, de que cada cruzeiro recebido numa operação comercial pode compensar exatamente aquêle que foi despendido anteriormente, dez anos ou dez semanas antes, na aquisição de ativos fixos, de matérias-primas ou com as despesas que constituíram os custos da operação.

FINALIDADES DE UMA CONTABILIDADE EFICIENTE

Para que um sistema contábil funcione eficientemente, é essencial que cada importância registrada nos livros - seja relativa a um ativo existente há muito tempo ou relativa a uma despesa ou receita atual - nos transmita uma noção do valor da conta a que se refere. Não é prático e nem mesmo necessário, verificar sempre as datas dos lançamentos originais, a fim de se averiguar se os cruzeiros em questão são de 1954, utilizados na depreciação de ativos fixos, e de poder aquisitivo doze vêzes superior ao atual; ou se os cruzeiros despendidos nove meses antes na aquisição de materiais, representam hoje poder aquisitivo 45% maior. Geralmente, os saldos das contas ou as demonstrações de custos são somas de cruzeiros de diferentes datas e valores, com um valor total de difícil determinação. O sistema contábil deveria tornar significativa e possível, como acontece numa economia estável, a comparação de um balanço com outro, e especialmente dos custos com as receitas de vendas, ou com as receitas previstas.

Para ser totalmente eficiente, além das demonstrações legalmente necessárias, a contabilidade deverá proporcionar: 1.º - o verdadeiro panorama dos resultados passados e dos valores atuais em balanços e demonstrações de lucro e perda especiais e 2.º - informações exatas e contínuas, necessárias à administração para orientar-se em suas atividades normais de planejamento, controle e de tomada de decisões.

DESCRIÇÃO PRELIMINAR DO MÉTODO

O método criado e aplicado pelo autor, descrito nas páginas seguintes, permite atingir as finalidades discutidas até agora, com a introdução de modificações relativamente simples na contabilidade usual.

Essas modificações possibilitam uma estrutura contábil real baseada em valores atualizados, sem sacrifício da contabilidade tradicional, necessária por imposições legais, e do imposto de renda. Nesta estrutura (que poderemos denominar de Sistema de Contabilidade em "valores absolutos"), todos os ativos, despesas e outras contas são automáticamente transformados em cruzeiros de valor atualizado, permitindo assim que sejam diretamente comparados com as importâncias relacionadas às operações correntes.

Embora baseados nos livros contábeis convencionais, os dados são registrados de forma completamente diferente nas contas de valores absolutos, pela incorporação, nessas mesmas contas, dos diferentes efeitos das modificações presentes e passadas do valor do cruzeiro. Conseqüentemente, o balanço e a demonstração de lucros e perdas, tiradas do balancete de verificação das contas de valores absolutos, apresentará uma situação completamente diferente e real.

REFORMULAÇÃO DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS

Antes de prosseguirmos, é conveniente que, tendo-se em vista a contabilização em valores absolutos, reconsideremos alguns dos princípios básicos da contabilidade. A afirmação de que os ativos são avaliados com base em seu custo de aquisição deverá significar que o valor dêsses ativos é julgado idêntico ao valor do dinheiro despendido em sua aquisição, isto é, ao poder aquisitivo que aquêle dinheiro possuía ao ser entregue quando das aquisições.

Sempre que a ortodoxia contábil adere a uma base monetária histórica, essa base deve ser entendida como sendo o valor originalmente representado pela importância constante nas contas. Podemos considerar ainda o lucro ou prejuízo como sendo, respectivamente, o aumento ou a diminuição do patrimônio líquido de uma emprêsa, como resultado de suas operações. Entretanto, cada avaliação deverá ser, de agora em diante, feita em relação a um valor definitivamente estabelecido para o cruzeiro, que será normalmente indicado por um índice de preços, em vez de cruzeiros nominais de valores desconhecidos.

Para se transformar os saldos atuais das contas à nova unidade de valor, isto é ao valor atual do cruzeiro, deve-se recorrer aos índices de preços publicados. Na prática, o autor verificou que um índice obtido pela combinação de diversos dos índices publicados pela revista "Conjuntura Econômica" ofereceu resultados satisfatórios. Entretanto, sob condições de uma inflação descontrolada, quase que quaiquer um dos índices publicados, ou mesmo os que forem cuidadosamente elaborados para uso próprio, podem de maneira geral, refletir a tendência geral dos preços. Quando comparados com as informações e os dados de custo deformados, obtidos pelos métodos usuais, tais índices permitirão produzir, para um período de doze meses, resultados não muito diferentes dos que se obteriam com outros índices por melhor elaborados que fossem.

APLICAÇÃO MENSAL DO ÍNDICE

Se o índice atual para o cruzeiro é 1 400, mesmo levando-se em conta as deficiências na elaboração dêsse índice, podemos concluir que o poder aquisitivo de Cr$ 30 000, 00, numa base de índice de preços de 300, é igual a Cr$ 140 000, 00 de hoje, ou a Cr$ 10 000, 00, a um índice 100 (aqui denominado "cruzeiro padrão"). Com os preços em média 14 vêzes mais altos, os Cr$ 140 000, 00 podem adquirir aproximadamente a mesma quantidade de bens e serviços que os Cr$ 10 000, 00 compravam quando o índice era 100 (em 1953). Partindo-se dêsse índice de 100 como base, o poder aquisitivo total do dinheiro investido em uma emprêsa ou despendido na aquisição dos valores ativos existentes, pode ser expresso em têrmos do poder aquisitivo atual do cruzeiro.

Se todos os saldos iniciais das contas do mês anterior, registrados em base do custo histórico, forem convertidos para cruzeiros do mesmo mês, o movimento daquele mês poderá ser lançado diretamente naqueles saldos iniciais atualizados, para se obter os saldos finais para o mês. Êstes serão convertidos aos níveis de preços do mês atual, aplicando-lhes o aumento verificado no índice para êste mês. O movimento dêste mês será então lançado diretamente nesses saldos iniciais atualizados, sendo os saldos finais resultantes convertidos para os níveis do próximo mês.

Ao se converter os saldos finais das contas para o nôvo nível de preços aplicável ao mês seguinte, deve-se observar que alguns dêsses saldos, como caixa, contas a receber, contas a pagar etc., não podem ser representados por um valor maior para compensar a diminuição do valor da moeda. Como representam importâncias fixas em cruzeiros nominais, atuais ou futuros, ocorre uma verdadeira diminuição de seu valor quando o cruzeiro se desvaloriza. Esta diminuição de valor poderá constituir-se num prejuízo (caixa, contas a receber etc.) ou lucro (contas a pagar etc.), devendo ser transferida para uma conta especial.

No caso dos saldos de empréstimos, sôbre os quais incorrem juros ativos ou passivos, a variação de seu valor, ocasionada pela queda do valor do cruzeiro, deve ser lançada na conta de juros de forma a demonstrar o custo real ou o rendimento efetivo dos empréstimos. Quando existe um elevado grau de inflação, a taxa natural de juros deverá incluir uma parcela residual, equivalente a um reembolso parcial, a fim de proporcionar, em acréscimo, uma compensação baseada na previsão da queda de valor do cruzeiro.

Devido à grande inflação que se tem verificado ultimamente, a taxa legal de juros é insuficiente, mesmo para compensar a diminuição do valor da quantia emprestada, proporcionando grandes lucros aos tomadores de dinheiro, que costumam ser mal compensados pelas despesas de juros.

Normalmente uma provisão deverá ser criada no balanço, em valores absolutos, para compensação das perdas previstas pela diminuição do valor do dinheiro aplicado em empréstimos, títulos de renda fixa, contas a receber, etc., que se refere a dinheiro a ser recebido no futuro. É claro que, por coerência, devem igualmente ser considerados os lucros previstos em razão das contas a pagar.

APLICAÇÃO DO MÉTODO

A conversão mensal dos saldos finais das contas à nova base é mais fácilmente feita, e mesmo conferida pelo total, se os saldos forem transferidos para uma demonstração que denominamos "Conta de Retificação por índices", como aparece no Quadro 1.


Nas colunas 1 e 2 são transcritos os saldos finais das contas do balancete de verificação para o mês, e nas colunas 5 e 6, os saldos iniciais do balancete para o mês seguinte. As colunas 3 e 4 indicam os saldos das contas das colunas 1 e 2 convertidos aos índices para o nôvo mês, aumentos êsses efetuados nas contas a fim de compensar a diminuição do valor do cruzeiro.

Como já foi mencionado, êstes saldos merecem um tratamento especial, como os das contas caixa, contas a receber, contas a pagar, títulos de renda fixa, empréstimos de terceiros etc., cujo valor se baseia no poder aquisitivo nominal do cruzeiro. Essas contas continuarão a ser representadas pelos totais constantes das colunas 1 e 2, sendo transportadas por êsses mesmos totais para as colunas 5 e 6. As diferenças entre essas importâncias e as que aparecerem nas colunas 3 e 4, indicam os prejuízos ou lucros resultantes das modificações no valor do cruzeiro. Essas diferenças são lançadas nas colunas 7 e 8, sendo o saldo resultante transferido para a conta "Variações Monetárias". No exemplo utilizamos duas contas de Variações Monetárias: uma "Empréstimos" que reúne as variações havidas nos empréstimos locais recebidos; e outra "Gerais", que congrega o saldo de tôdas as demais variações.

Nas contas do razão em valores absolutos, o número índice aplicado a qualquer lançamento deve ser facilmente identificável, para que possa ser aferido. Com esta finalidade, o número índice deverá ser claramente indicado ao lado dos lançamentos dos saldos iniciais para cada mês, e em todos os saldos transportados. Vários exemplos de contas do razão geral em valores absolutos (para os meses de outubro a dezembro) são apresentados, resumidamente, no Quadro 2.


CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PRÁTICA

Um sistema contábil convencional deve ser mantido para o imposto de renda e outras finalidades legais. Entretanto, considerável utilidade se poderá colhêr dêsse sistema para facilitar a introdução das contas de valores absolutos. Pela contabilidade tradicional já se tem perfeito controle sôbre os recebimentos e pagamentos, contas a receber e a pagar, vendas, compras, devoluções, através dos diários e livros auxiliares (inclusive o caixa) e o razão. Os totais mensais de cada uma das contas, colhidas nos registros usuais, podem ser assim transcritos diretamente para os registros em valores absolutos. Êstes consistiriam principalmente de um diário e um razão geral, com contas ou Tegistros auxiliares, quando forem necessárias informações mais detalhadas, especialmente para custeio ou outras necessidades da administração, como por exemplo, ativos fixos, estoques e contas de receita e despesa.

A grande maioria dos lançamentos pelo sistema tradicional é válida para as contas de valor absoluto. Isto não se aplica, entretanto, aos lançamentos de natureza puramente contábil ou financeira, especialmente aos que se referem a depreciações, provisões, reversões e transferências de importâncias lançadas em meses anteriores. Êsses lançamentos normalmente deverão ser substituídos por outros nos quais os valores sejam corretamente expressos em cruzeiros de valor atualizado, ou outros que melhor atendam aos desejos da administração, tendo-se em vista a contabilização em valores absolutos. Um estudo do sistema contábil em uso, especialmente quanto aos lançamentos de diário, indicará a melhor forma de se verificar os itens a serem substituídos, de modo a permitir a melhor utilização dos totais e de outros dados apresentados pelas contas tradicionais, simplificando assim os lançamento de acréscimo a serem feitos nas contas de valor absoluto.

O USO DE ESTIMATIVAS

Quando não se dispõe de índices atualizados, as demonstrações. financeiras e de custos, para finalidades administrativas, deverão ser preparadas com base em números índices estimados. O grau de êrro provável das estimativas deve ser levado em conta, tendo em vista a possível relevância de seus efeitos, para se evitar o perigo de conclusões injustificáveis. Deverá haver certa flexibilidade na aplicação dos princípios básicos, a fim de se possbiilitar à administração a melhor utilização das informações colhidas. Pequeno sacrifício da exatidão ou do detalhe nas informações fornecidas, pela utilização de dados aproximados, pode freqüentemente justificar-se pela rapidez ou economia que proporciona.

Quando uma provisão está sendo estabelecida, é preciso esclarecer se a sua finalidade é proporcionar uma soma predeterminada de dinheiro, se ela foi criada tendo por base acontecimentos transcorridos ou se ela visa a criação de reservas que deverão crescer à medida que o valor do dinheiro fôr diminuindo. As primeiras podem ser consideradas como passivo diferido, diminuindo de valor real na mesma medida em que o valor do dinheiro fôr diminuindo. Esses dois tipos de provisão deverão estar sempre separados no razão geral em valores absolutos.

REGISTRO DE IMOBILIZAÇÃO E ESTOQUES

Quando se tem um grande número de itens de ativos fixos, para os quais se mantêm razões auxiliares ou outros registros, a conversão mensal de cada item para a nova base será muito trabalhosa. Para se evitar isto, todos os lançamentos dêsses ativos deverão ser convertidos ao cruzeiro-padrão (índice 100) devendo ser sempre mantidos nessa base. A soma dos saldos, expressa em cruzeiros-padrão, será simplesmente multiplicada pelo índice atual, para se obter, sempre que fôr desejável, o valor em cruzeiros atuais para os ativos fixos.

Quando são retirados itens do ativo fixo, para venda, por obsolência ou transferência, serão creditados em cruzeiros-padrão nos razões auxiliares, mas uma outra coluna deverá indicar a importância a ser cancelada, que se obtém multiplicando a importância registrada pelo índice atual.

Quando um grande número de itens do estoque apresenta pouca movimentação, também será conveniente manter essas contas em cruzeiros padronizados. O controle do almoxarifado mantido nêssa base funciona muito bem, implicando num pequeno custo adicional, se um sistema de cartões perfurados ligado á uma unidade calculadora já estiver em uso na contabilização dos estoques. Nesses casos é possível calcular, às vezes, os dados simultâneairténte pára as finalidades usuais e para a contabilidade em valores atualizados. Quando se dispõe de um computador eletrônico, o processamento simultâneo tornará o problema relativamente simples.

Nos casos em que o tratamento de estoques acima descrito seja excessivamente incômodo ou antieconômico, devido ao baixo valor de muitas movimentações de itens do estoque, ou porque não se disponha de pessoal ou de máquinas adequadas, vários expedientes pedem ser postos em prática para simplificar o trabalho, embora isso resulte em sacrifício inevitável da exatidão.

DISTORÇÕES DA CONTABILIDADE CONVENCIONAL

No Quadro 3 procura-se demonstrar, resumidamente, o contraste entre um balancete de uma emprêsa industrial para o ano de 1962, levantado pelo método contábil usual e outro feito em contas de valores absolutos.


O caso apresentado supõe o seguinte: trata-sé de emprêsa fundada em 1950, vindo desde então aumeritàndO continuamente sua produção e volume dè vendas, numa proporção de 5 % ao ano, enquanto que õs preços das matérias-primas, mão-de-obra e outras despésas vêm crescendo em igual proporção ao do nível geral de preços. Os preços de venda foram estabelecidos tendo çómo base a realização de um lucro bruto de 35'. sôbre as vendas.

Para possibilitar sua expansão, tanto real como. fictícia, houve dois aumentos efetivos de capital, bem como algum financiamento interno por diretores e companhias associadas. Registraram-se, também, diversos aumentos de capital pela incorporação de "lucros não distribuídos", mas êstes aumentos não foram levados em conta nos balancetes apresentados, em virtude da natureza fictícia de lucros assim capitalizados, que no exemplo citado estão incluídos nas reservas. Foram igualmente ignorados os aumentos de capital pela reavaliação do ativo imobilizado. Pelo balancete em valores absolutos pode-se verificar que efetivamente não existe nenhuma reserva ou lucro suspenso, verificando-se, na realidade, um saldo devedor, indicativo de prejuízos ou de distribuições excessivas de lucros reais, que deve ser deduzido do montante original do valor real do capital investido.

Os estoques consistem de um suprimento de matérias-primas para três meses, e de um suprimento de um mês tanto para os produtos acabados, como para aquêles em fabricação, sendo em média de um mês o período de produção. As baixas de estoque são contabilizadas pelo preço médio, calculadas aos preços do fim do mês anterior. Os materiais representam dois terços dos custos de produção em valores absolutos.

O método de linha reta é utilizado na depreciação de máquinas e equipamentos (vida média de 15 anos) e dos edifícios (vida média de 40 anos).

Além do exposto, devem ser feitas as seguintes considerações:

1.º - Os preços de venda são muito baixos, e na verdade, como as contas de valores absolutos estão a demonstrar, não possibilitam a pretendida margem de lucro bruto de 35%, mas somente de 25, 94%, porque o verdadeiro (valor absoluto) custo da mercadoria vendida foi subestimado quando do cálculo dos preços de venda. O custo da matéria-prima no cômputo dos preços dos produtos acabados vem sendo subestimado pelos efeitos inflacionários de cinco meses, que decorrem entre a compra da matéria-prima e a venda dos produtos efeitos inflacionários de um mês e meio.

2.º - A apresentação de todas as contas em cruzeiros do fim do ano (dezembro), de menor poder aquisitivo, é responsável pelo fato de as vendas, despesas e juros serem mais elevados nas contas em valores absolutos.

3º - A reconciliação entre o lucro, antes do imposto de renda, de 255 795 (47, 8% sôbre o capital e reservas, mais empréstimos internos) indicado pelas contas convencionais e o prejuízo, antes do imposto de renda, de 6 631 (0, 5%) obtido pelas contas em valores absolutos, é o seguinte:

INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS

Importantes investimentos têm sido feitos no Brasil por companhias ou grupos estrangeiros, que naturalmente se preocupam com os resultados dêsses investimentos, expressos em sua própria moeda. Para as finalidades de controle e de consolidação de balanços, é necessário que as demonstrações financeiras sejam elaboradas na moeda do país estrangeiro. A simples conversão dos valores das contas tradicionais de cruzeiros para a moeda estrangeira, produz resultados de duvidosa utilidade e importância, especialmente tendo-se em vista o lucro.

A constante desvalorização interna do cruzeiro, refletindose geralmente na baixa de sua posição cambial, provoca frequentes e intermitentes altas violentas da taxa no mercado de câmbio livre (negro e paralelo), ao lado de longos períodos de aparente e relativa estabilidade. Enormes prejuízos provocados pela conversão monetária aparecem nas contas da matriz quando essas altas violentas ocorrem, causando efeito desmoralizador e desencorajador com relação a futuros investimentos.

Em geral não se percebe até que ponto, durante um período de anos, estas altas refletem simplesmente o grau de desvalorização interna da moeda, e até que ponto, na realidade limitado, podem ser atribuídas à especulação ou a outros fatores. A desvalorização interna do cruzeiro, na verdade o fator a longo prazo mais responsável pelo aviltamento do câmbio, é de fato, compensado pela manutenção de contas em valores absolutos. Estas, conseqüentemente, continuariam a proporcionar, depois de sua conversão à moeda estrangeira, uma base realista e mais segura para que a matriz possa avaliar os resultados de sua filial.

Se a companhia apresentada como exemplo (Quadro 3) fôsse subsidiária de companhia americana, e viesse mantendo contas em valores absolutos desde sua fundação, em 1950, os lucros e prejuízos resultantes da flutuação cambial durante os anos de seu funcionamento, estariam equilibrados nas contas da matriz, supondo que a conversão para dólares houvesse sido feita tendo como base as contas de valor absoluto. Assim, em fins de 1960, os lucros resultantes da taxa de câmbio até aquela data teriam superado substancialmente os prejuízos, ao passo que em fins de 1962 as perdas devidas à taxa de câmbio durante os doze anos de operações; teriam ultrapassado grandemente êsses lucros. O fortalecimento da posição cambial do cruzeiro em março e abril de 1963 teria tendido por pouco tempo a restaurar novamente o equilíbrio.

Deve-se assinalar, entretanto, que se as dificuldades do balanço de pagamentos houvessem sido evitadas, os lucros, nos livros da matriz, resultantes da conversão cambial durante os doze anos, teriam certamente excedido os prejuízos, a não ser que suas contas também fossem mantidas em dólares de valor absoluto. A preponderância dos lucros cambiais, no caso, estaria refletindo a diminuição gradual que realmente se verificou no poder aquisitivo do dólar, durante os doze anos.

CONCLUSÕES

Durante os últimos anos tem-se acelerado o ritmo inflacionário, que por decênios vem solapando a economia brasileira. Um de seus principais efeitos tem sido o de criar, na mente do administrador, a idéia da utilidade apenas relativa das demonstrações financeiras, bem como de muitas outras informações, colhidas pelos métodos usuais de contabilização.

A fim de fazer face a êste problema propomos que os empresários empreguem o método aqui descrito e que visa a adaptação da contabilidade tradicional a valores mais condizentes com o poder aquisitivo vigente na época do levantamento contábil.

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    1) O método aqui descrito e desenvolvido foi originalmente exposto em: Max I. Epps, "Realistic Accounting under South American Inflation", The Journal of Accountancy, janeiro de 1961, págs. 67-73.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1963
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