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As emprêsas diante do mercado de capitais

ARTIGOS

As emprêsas diante do mercado de capitais

Raymond M. Demolein

Diretor de Bastos & Demolein Ltda. (Câmbio e Títulos)

"É bem verdade que nos últimos anos modificou-se de modo sensível o comportamento dos capitais privados... para que houvesse maior captação de poupanças internas destinadas a atividades produtivas. Essa modificação de comportamento, entretanto, não foi suficiente para caracterizar um período que pudesse ser assinalado pela popularização do capital pelo menos num nível aproximado ao daqueles países que organizaram o seu mercado financeiro."

Conselho Nacional de Economia:

"Exposição" de 1960.

O mercado brasileiro de capitais ainda é, para um grande número de homens de emprêsa, alguma coisa mais ou menos abstrata e, portanto, pràticamente inacessível. Realmente, não deve causar surprêsa o desconhecimento de um campo tão nôvo, sôbre o qual quase nada foi escrito e que, além de complexo, sofre variações freqüentes e radicais.

Apesar disso, porém, o mercado de capitais, isto é, o conjunto de instituições e entidades destinadas a carrear recursos do público para as emprêsas, existe e cresce diariamente. Basta dizer que, só na cidade de São Paulo, pode-se estimar em dez bilhões de cruzeiros aproximadamente, o movimento mensal de aplicações em dinheiro por parte do público a curto e a médio prazos, isto sem contar os recursos obtidos pelas emprêsas no seu círculo imediato de relações, o que não deixa de ser uma forma incipiente de mercado de capitais, embora de significado relativo.

A necessidade de obtenção de recursos externos não ê, evidentemente, um problema nôvo para as emprêsas. Durante muitos anos, porém, enquanto a taxa inflacionária se manteve abaixo de 20% ao ano, puderam as emprêsas manter-se e desenvolver-se graças ao autofinanciamento e ao sistema bancário que lhes supria os créditos a curto prazo. Entretanto, um conjunto de circunstâncias fêz com que o problema se agravasse bastante nos últimos anos. Discutiremos, neste artigo, alguns dos aspectos mais importantes que caracterizaram o mercado brasileiro de capitais no decorrer ía última década, e procuraremos salientar as oportunidades que se têm aberto ás emprêsas ávidas de recursos financeiros.

NECESSIDADES DE FINANCIAMENTO NOS ANOS RECENTES

O agravamento da pressão inflacionária teria, por si só, contribuído para a alteração do relativo equilíbrio que se verificava até alguns anos atrás, provocando assim dificuldades crescentes na obtenção de recursos. Outro fator, porém, conjugado com o primeiro, contribuiu, decisivamente, para o desmoronamento do edifício financeiro dentro do qual tantas emprêsas viveram, confortàvelmente, durante muitos anos. Êsse fator foi a adoção rápida e desenfreada da venda a prestação nos centros urbanos.

Não pretendemos discutir aqui os méritos e deméritos do sistema de vendas a prestação. Limitamo-nos a registrar que o súbito desenvolvimento de um sistema de vendas num país que, naquele momento, não dispunha, praticamente, de nenhuma forma de captação de recursos em poder do público, não podia deixar de trazer sérias perturbações no sistema creditício. Aquelas emprêsas que passaram a vender a prestação não foram as únicas afetadas. Logicamente, por fôrça de u'a maior solicitação de crédito no mercado, sem conseqüente aumento das disponibilidades, todas as emprêsas se viram com dificuldades de obtenção de financiamento. A situação agravou-se, principalmente, porque tínhamos um sistema bancário incapaz de desenvolver-se livremente em conseqüência do controle das taxas de juros e dos problemas provenientes de uma inflação crônica.

Foi nessa contingência que surgiram as "operações triangulares" (capitalista-banco-emprêsa), primeira forma de autodefesa das classes produtoras diante das circunstâncias que ameaçavam, senão sua existência, pelo menos o seu desenvolvimento.

O agravamento da situação, cuja conseqüência foi a criação de novos instrumentos de financiamento e, com isso, de um mercado ativo de capitais, teve, provàvelmente, como causa, a implantação da indústria automobilística, que veio trazer problemas de dimensões até então desconhecidas.

A exemplo do que acontecera nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século, a indústria automobilística se implantou no Brasil sem nenhum plano preconcebido para o financiamento de suas vendas. Assim sendo, como também acontecera naquele país, a nossa produção inicial, ainda em pequena escala e, portanto, com preços elevados, foi colocada, sem financiamento, num mercado ávido de veículos. Inevitàvelmente, aqui ou lá, o desejo do grande público pela posse de um produto de alto valor unitário, iria não só requerer o barateamento do produto, como também o financiamento das vendas. E o barateamento - pelo menos em valor absoluto diante do regime inflacionário - só seria possível pela produção em larga escala que, por sua vez, estava condicionada ao financiamento das atividades produtivas.

O que estava ocorrendo na indústria automobilística se repetia com os fabricantes de geladeiras, televisores, aparelhos eletrodomésticos, e de inúmeros outros bens, colocados subitamente diante de problemas de financiamento abrangendo três modalidades principais:

a) obtenção de recursos para ampliação de instalações industriais;

b) obtenção de financiamento para estoques de matérias-primas e peças;

c) obtenção de recursos para o financiamento das vendas a prazos maiores.

Algumas emprêsas recorreram ao mercado de capitais para a solução do primeiro problema, oferecendo ações à subscrição pública. Quase tôdas tiveram que se servir, direta ou indiretamente, do mercado de capitais para a solução dos dois últimos problemas ou seja, o do financiamento do capital de giro.

O MERCADO DE AÇÕES

Esgotados os recursos do autofinanciamento é natural que o homem de emprêsa, desejoso de manter sua capacidade de produção através do aumento do seu Ativo Imobilizado, volte sua atenção para os meios de obtenção de recursos de natureza não exigível através do lançamento de ações ou, pelo menos, de exigíveis a longo prazo, como seria o caso de uma emissão de obrigações ao portador ou de debêntures.

Assim é que, no primeiro caso, diversas emprêsas até então fechadas, democratizaram seu capital nos últimos dez anos para obter, localmente, os recursos que lhes permitissem equipar-se para atender as exigências de um mercado consumidor crescente.

A maior parte dêsses lançamentos de ações foi realizada através de emprêsas especializadas, muitas vêzes sob o sistema de "underwriting", quando uma emprêsa financeira assume o compromisso total de uma subscrição, independente do sucesso a ser obtido na colocação dos títulos junto ao público. Foram lançados assim no mercado os mais diversos tipos de ações ordinárias e preferenciais, sendo estas últimas as mais freqüentes, com dividendos prioritários variando entre 6 a 18% ao ano, além da participação total em qualquer outro benefício distribuído pela emprêsa.

Alguns fatores contribuíram para que diminuísse o movimento de colocação de ações. O investidor brasileiro tem demonstrado, de modo geral, um espírito imediatista, que o agravamento da pressão inflacionária nos últimos trêsanos contribuiu para desenvolver ainda mais. Dessa forma, o aparecimento no mercado das Letras de Câmbio ao Portador, dando a certeza de uma alta remuneração (pelo menos aparente) e o abrigo da incidência do Imposto de Renda, fêz com que diminuísse consideravelmente, e depois cessasse, o oferecimento público de ações já que estasdificilmente poderiam proporcionar, a curto prazo, condições de rentabilidade competitivas.

É verdade que ainda são realizados, hoje em dia, diversos lançamentos de ações. Entretanto, a sua colocação junto ao público, tem sido feita, de preferência, fora dos grandes centros e muitas destas emissões não apresentam condições de rentabilidade ou mesmo de segurança que permitam considerá-las como parte genuína da evolução do mercado brasileiro de capitais.

A alta de preços nas principais Bolsas de Valores verificada em fins de 1962, e uma melhor compreensão por parte dos investidores de que o título de crédito, por mais alto que seja a sua renda, não lhes oferece proteção real contra a inflação - enquanto que as ações, por serem títulos de propriedade, podem dar-lhes esta proteção - poderia parecer uma conjugação favorável de circunstâncias para o lançamento de novas ações no mercado. De certa forma, é o que se observou, particularmente no que se refere ao lançamento de aumentos de capital por subscrição por parte daquelas companhias que já possuíam ações em mãos do público.

LIMITAÇÕES À DEMOCRATIZAÇÃO DO CAPITAL

Paradoxalmente, o que limita a democratização do capital das emprêsas brasileiras é, menos a dificuldade de colocação das ações no mercado de capitais, do que a própria situação interna das emprêsas.

Em primeiro lugar, deve-se considerar a relutância, perfeitamente lógica, de fundadores e proprietários de Sociedades Anônimas fechadas, em vender súbitamente a terceiros uma parte de seus bens pelo custo histórico. Acontece que, mesmo que se tenha procedido às reavaliações do Ativo permitidas pelos coeficientes atualmente em vigor, sabe-se que o valor real das ações ainda é muitas vêzes, superior aos valores registrados. Quanto à possibilidade de reavaliação acima dos coeficientes permitidos por lei, as evidências indicam que o custo fiscal desta operação seria tão elevado a ponto de tornar deficitária uma emprêsa que a ela recorresse. Seria, pois, de maior utilidade, que, no momento em que discute-se a democratização do capital das emprêsas, as autoriddaes fiscais atentassem para a situação existente e possibilitassem aos proprietários trilhar um caminho que só poderá trazer os maiores benefícios, quer do ponto de vista econômico, quer do ponto de vista social. Bastaria para isso que, em determinados casos, fossem permitidas reavaliações do Ativo em condições mais favoráveis ou que fôsse permitido às sociedades vender ações novas por valor superior ao valor nominal, sem que a diferença fôsse considerada lucro tributável.

Outro fator que, muitas vêzes, torna inexeqiiível a colocação das ações junto ao público, é a situação das emprêsas tal como ela é retratada por certos balanços publicados por sociedades fechadas. Observa-se com certa freqüência, que determinadas emprêsas, em excelentes condições financeiras, ao decidirem recorrer a subscrição pública, encontram-se em situação de só poderem apresentar balanços fictícios acusando baixíssima rentabilidade, o que torna impossível despertar o interêsse do público investidor.

Finalmente, o empresário deve considerar os riscos e o custo de uma subscrição pública. Não temos conhecimento de que haja no momento qualquer emprêsa especializada realizando "underwritings" e não parece provável que se possa contar com essa possibilidade em futuro próximo, em vista das freqüentes flutuações a que está sujeito o mercado financeiro nacional dos dias atuais. Dessa forma, um lançamento de ações teria que correr por conta e risco da emprêsa emitente a qual poderia, eventualmente, encontrar-se em situação crítica, caso a colocação não fôsse bem sucedida.

O custo de uma colocação junto ao público oscila entre 20 e 25% do valor da emissão, embora, em muitos casos, seja possível obter dos novos acionistas o reembolso de uma parte substancial dêste custo. Ainda assim, um empresário deverá estudar, cuidadosamente, as vantagens da operação e, caso decida efetuá-la, proceder de forma a que esta operação não lhe traga apenas o montante dos recursos desejados, mas também um corpo de acionistas satisfeito. O ideal é que tais acionistas não hesitem, no futuro, em contribuir novamente para as eventuais necessidades da emprêsa.

Teoricamente, os recursos para a expansão do Ativo Imobilizado poderiam ser obtidos do público através da emissão de obrigações ao portador ou debêntures. Entretanto, a emissão de obrigações ou debêntures por prazos de cinco anos ou mais, seria, de um lado, por demais onerosa para a emprêsa em vista das taxas de juro hoje adotadas e, de outro lado, dificilmente aceitável pelo público que, em condições idênticas de rentabilidade seria levado a dar preferência por títulos de 180 ou 360 dias. Atualmente, a forma jurídica do debênture está sendo utilizada por algumas companhias não mais na forma primitiva de título de crédito a longo prazo, mas sim como um instrumento de crédito a prazo médio.

Em outros países têm sido utilizadas combinações de títulos num mesmo lançamento visando obter maior aceitação do público e satisfazer, ao mesmo tempo, as necessidades das emprêsas. Tal seria o caso, por exemplo, de uma oferta combinada de ações não resgatáveis com ações resgatáveis ou debêntures. A experiência indica que algumas destas combinações podem oferecer aspectos muito positivos para a emprêsa e, ao mesmo tempo, para os acionistas. Infelizmente, o público investidor brasileiro ainda não está suficientemente familiarizado com as diversas formas de investimento e de seus aspectos jurídicos e fiscais, o que faz com que não aceite, sem resistência, algo que se afaste substancialmente, das práticas habituais.

O FINANCIAMENTO DO CAPITAL DE GIRO

A obtenção de recursos a prazos de 120e360 dias é, como todos sabem, uma prática que se iniciou há poucos anos e que se tem desenvolvido de maneira extraordinária, em comparação com o que até então se conhecia sôbre a captação de recursos disponíveis junto ao público.

A chave dêsse desenvolvimento, e até mesmo da criação» dêsse mercado, foi a instituição do conceito de deságio na venda das Letras de Câmbio, o qual configurado por uma operação de compra e venda em Bôlsa, não só afastava o perigo da incidência da Lei da Usura, como também permitia à Sociedade emitente a contabilização total dos custos da operação de financiamento.

Simultâneamente, criou-se uma nova forma de instituição financeira, a Companhia de Crédito e Financiamento, que desde logo teve por parte do público, a mais alta acolhida, em virtude da segurança, da rentabilidade e da ausência de impostos.

A operação de aceite da Companhia de Crédito e Financiamento nada mais é, a rigor, do que uma transferência de responsabilidade. O financiado entrega à Companhia de Crédito e Financiamento títulos de crédito de valor real (duplicatas) mas cuja negociação direta junto ao público seria impraticável por diversas razões, entre outras, a própria Lei da Usura. Assim, a Companhia de Crédito e Financiamento, tendo recebido as garantias necessárias, cria pelo seu aceite na Letra de Câmbio sacada contra ela pelo financiado, títulos altamente negociáveis graças aos seus valores padronizados e à possibilidade de negociação pelo sistema de deságio acima referido.

A recente Lei 4 154 criou, de início, sérios embaraços ao prosseguimento dêsse tipo de operação, ao pretender cobrar um imposto na fonte sôbre o deságio e obrigar a beneficiário do deságio a incluir o seu lucro na cédula "h" de sua declaração de Imposto de Renda, ou optar pela conservação do anonimato, recolhendo 45% na fonte.

Era evidente para aquêles que operavam diàriamente no mercado de capitais que, a aplicação dêsses dispositivos, teria por efeito a cessação imediata dêste tipo de operação cujos benefícios para a indústria e o comércio eram incontestáveis. Isto, felizmente, foi percebido a tempo pelas autoridades fiscais que, pela Circular DIR 16/62, permitiram que fossem retidos apenas os 15% na fonte sôbre o deságio, continuando daí por diante, sob certas condições, a situação anterior de anonimato e de isenção tributária.

Dessa forma, ultrapassadas as primeiras dificuldades e as incertezas naturais do público investidor, face a uma situarão nova e pouco esclarecida, o mercado de Letras de Câmbio voltou, pràticamente, à normalidade, apenas com o custo da operação acrescido do imposto retido na fonte, suportado, em última análise, pelo financiado.

Assim é que, em meados de 1963, uma operação de financiamento nos moldes acima, custa para um prazo de 360 dias, entre 40 e 45% antecipados. É interessante observar, neste ponto, que a mesma operação, em 1962, custava entre 27 e 30% antecipados. Essa elevação brutal do custo do financiamento, com tôdas as suas repercussões sôbre os preços das mercadorias, deve-se exclusivamente a dois fatores: à instituição do imposto na fonte sôbre o deságio e à notícia sôbre a próxima emissão em grande escala de Letras do Tesouro. Voltaremos a comentar êste último fator no decorrer de nossa exposição.

O PROBLEMA DOS PRAZOS INFERIORES A 180 DIAS

Um grande número de companhias tem se servido, com grandes vantagens, da Letra de Câmbio aceita por companhia de investimentos, como meio para obter do público os recursos de que necessitam para o financiamento das suas vendas. Curiosa, entretanto, e amarga, é a situação das emprêsas que não efetuam vendas a prazos superiores a 90 ou 120 dias.

Realmente, a Instrução 309 da SUMOC, cujo objetivo foi disciplinar as atividades das Companhias de Crédito, Financiamento e Investimentos, limitando o seu campo de atividades a prazos superiores a 180 dias, proibiu àquelas companhias o recebimento em garantia de duplicatas com prazo inferior ao mencionado. Esta restrição tinha, evidentemente, a intenção salutar de definir e separar, de um lado, os campos de atividades dos Bancos, e de outro das Companhias de Crédito e Financiamento. Esta restrição, contudo, baseou-se na premissa que o setor bancário pudesse absorver senão a totalidade, pelo menos uma parte substancial das duplicatas com prazo inferior a 180 dias. Entretanto, é do conhecimento público, que esta premissa não encontra apoio na realidade, já que o setor bancário, pressionado por uma considerável solicitação de crédito, não tem meios para absorver senão uma parte das duplicatas até 90 dias, e somente em condições excepcionais, uma porcentagem ínfima de duplicatas entre 90 e 180 dias.

Criou-se, assim, uma situação algo paradoxal. Aquelas firmas nacionais cujos prazos de vendas não excedessem de 120 dias, mas colocadas diante da necessidade de acompanhar o volume de produção de firmas que vendem a prazo, acharam-se na situação de não poder recorrer ao mercado de capitais através das Companhias de Crédito, Financiamento e Investimentos. E isto não porque estivessem impossibilitadas de oferecer garantias de valor real, mas sim porque estas garantias não se enquadravam nos regulamentos em vigor.

Além da situação de desigualdade frente ao mercado de capitais, assim criada para certas firmas, outra circunstância veio agravar os problemas de financiamento a curto prazo: a supressão das Letras de Importação emitidas pelo Banco do Brasil em conseqüência do depósito compulsório por 5 meses, exigido dos importadores.

A instituição das Letras de Importação do Banco do Brasil tinha sido, sob vários aspectos, uma iniciativa feliz: primeiro, porque representava uma adaptação, pelas autoridades públicas, de um instrumento de crédito até então desconhecido e cuja existência se devia à iniciativa privada face a necessidade de resolver seu problema de financiamento; segundo, porque dava ao Banco do Brasil, e portanto ao Tesouro Nacional, recursos de grande monta que permitiriam evitar, durante vários meses, as emissões de papel-moeda cujo flagelo se fizera sentir até então; e, finalmente, porque permitia aos importadores satisfazerem às condições impostas pelas autoridades obtendo do público, ao mesmo tempo, os recursos necessários através da negociação de um título com características tais que permitiu abrir mercados até então inacessíveis à oferta de papéis de crédito particular.

Assim, a supressão das Letras do Banco do Brasil e a instituição de um recibo de depósito não negociável, veio criar para as firmas importadoras, industriais ou comerciais, uma situação crítica em virtude do rompimento do sistema de apêlo ao crédito público, que vigorava até aquêle momento.

Por outro lado, era sabido que grande massa dos recursos em poder do público até então aplicados em Letras de Importação, e que se venciam todos os meses, continuava disponível no mercado. Era assim natural que as firmas incapacitadas de recorrer ao crédito através das companhias de financiamento, por falta de duplicatas superiores a 180 dias, e as firmas importadoras, subitamente privadas de instrumentos negociáveis, procurassem de uma forma ou de outra, captar parte das disponibilidades públicas, para resolver alguns de seus problemas.

A êsses dois fatores deve-se, provàvelmente, o aparecimento das chamadas Letras Diretas, isto é, as Letras de Câmbio ao Portador, sacadas e aceitas por firmas industriais sem a intérferência de Companhias de Crédito e Financiamento, e colocadas junto ao público a prazo não superior a 180 dias.

As primeiras operações de Letras Diretas foram consideradas por muitos, como não tendo um completo amparo legal. Entretanto, a nova lei do Imposto de Renda, promulgada em novembro de 1962, veio, indiretamente, sanar-êste problema, permitindo que as Letras Diretas fossem negociadas da mesma forma que as Letras aceitas por Companhias de Crédito e Financiamento, pois que a referida lei e a posterior regulamentação DIR-16/62 não se referem especificamente a nenhum tipo de Letra mas legalizam os dois tipos de operação, através da cobrança do mesmo imposto de 15% sôbre o deságio.

Muitas companhias, tôdas de grande porte, têm colocado junto ao público Letras de Câmbio de seu próprio aceite, a um custo pouco mais elevado que as Letras aceitas por Companhias de Crédito e Financiamento. E essas Letras, embora não oferecessem aos tomadores o mesmo grau de garantia que aquelas aceitas por sociedades fiscalizadas pela SUMOC, encontraram ampla acolhida em conseqüência de uma taxa de rendimento superior.

No princípio de 1963, surgiram no mercado as Letras do Tesouro, emitidas com o mesmo propósito que as antigas Letras do Banco do Brasil, isto é, em contrapartida do depósito compulsório dos importadores. Essas Letras, que apareceram no mercado quase cinco meses após ter sido anunciada a sua instituição, e cujo simples anúncio já provocou uma sensível alta nas taxas de juros habitualmente praticadas no mercado público deverão, ainda, provocar convulsões mais sérias. Isto porque os importadores ao Teceberem, de uma vez, as Letras referentes aos depósitos acumulados durante meses, procurarão, como é natural, desfazer-se das mesmas, para fazer face aos problemas de tesouraria, problemas êstes agravados pela restrição de crédito ora em vigor. Assim é que o aparecimento súbito -de vários bilhões de cruzeiros de Letras novas no mercado que tinha encontrado o seu ponto de equilíbrio, não poderá senão aumentar ainda mais o custo de captação dos recursos em poder do público, recursos êsses súbitamente solicitados por tima demanda muito maior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que acima foi exposto, como também o volume diário de transações efetuadas, evidencia que o mercado brasileiro de capitais já é uma realidade. Os dirigentes de empresas colocados diàriamente diante dos árduos problemas de financiamentos oriundos, quer do aumento de sua capacidade de produção, quer da própria inflação dos preços, já devem incluir entre as diversas fontes possíveis de recursos aquela oferecida pelas consideráveis disponibilidades em poder do público.

O mercado de capitais está à disposição dos homens de empresa apenas com a condição de que êstes saibam e possam oferecer títulos de valores reais, técnicamente bem estudados e cujos resultados previsíveis sejam de molde a despertar o interêsse dos investidores.

O mercado brasileiro de capitais existe, mas ainda está em sua infância. Por isso mesmo deve ser tratado quer pela? emprêsas privadas que a êle recorram ou pelas autorida des governamentais, com um grande cuidado, a fim de que êsse magnífico movimento iniciado há bem poucos ano. não tenha o seu impulso diminuído.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1963
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