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Algumas observações sôbre o conceito de lucro da transformação

ARTIGOS

Algumas observações sôbre o conceito de lucro da transformação

Ivan Pinto Dias

Professor-Adjunto e Chefe do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

"A quantia mais importante pare o administrador de empresas é o lucro da transformação disponível para pagar os custos incorridos na conversão das matérias-primas em produtos acabados." - JOHN V. JAMES.

Hoje em dia, onde existem bruscas modificações tecnológicas e obsolescência dos produtos - mesmo quando esta é provocada - grande parte das emprêsas industriais necessita de informações financeiras mais minuciosas, a fim de saber o que está acontecendo com os seus produtos. Ao mesmo tempo, a necessidade de pessoal mais hábil e treinado em todos os ramos de conhecimentos abrangidos pela administração de emprêsas torna necessária a obtenção de informações e dados atualizados sôbre as diversas fases das operações de uma emprêsa.

Embora reconhecendo que os lucros são essenciais para o sucesso de uma emprêsa e, possivelmente, o retorno sôbre o capital empregado a melhor medida básica de seu desempenho, somos forçados a reconhecer que ambos dependem da diferença entre o preço de venda e os custos de produção e de distribuição.

Conseqüentemente podemos afirmar, sem cometer excessos, que do ponto de vista microeconômico, a maior parte das atividades de uma emprêsa industrial reduz-se à compra de materiais e à adição de habilidades especiais como mão-de-obra direta, custo indireto de fabricação, esforços de venda que aumentarão o valor desses materiais para o consumidor final.

Os economistas já aplicam ao setor macroeconômico o conceito de "valor adicionado" (added value). Isso significa que para determinada emprêsa o "valor adicionado" é igual ao preço de mercado dos bens produzidods menos o custo de materiais diretos (matérias-primas) comprados de outras emprêsas. Exemplificando: o Produto Nacional Bruto dos Estados Unidos da América nada mais é que a somatória do "valor adicionado bruto" das emprêsas produtivas da economia norte-americana.1 1 ) Cf. H. S. SLOAN e A. J. ZÜRCHER, A Dictionary of Economics, Nova Iorque: Barnes & Noble, Inc., 3.ª edição revista, 1959, pág. 336.

Também no campo da mercadologia, o conceito de valor adicionado tem ganho muitos adeptos, proporcionando abordagens inteiramente novas a várias questões.2 2 ) Cf. T. N. BECKMAN, "The Value Added Concept as Applied to Marketing and Its Implications" in A. L. Seelye (ed.) Marketing in Transition, Nova Iorque: Harper & Brothers, 1958, págs. 236 a 249.

Portanto, é razoável que se aplique à áera de administração contábil e financeira êsse conceito, procedendo-se, todavia, às adaptações necessárias.

Veremos um exemplo numérico bem simples de análise da Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" na sua forma convencional; a seguir, faremos uma análise desse mesmo demonstrativo, empregando o conceito de lucro de transformação e algumas de suas aplicações.

Devemos mencionar que algumas emprêsas, na sua maioria estrangeiras, que operam no Brasil, utilizam o conceito abordado neste artigo, chegando uma delas até a mencioná-lo ncs seus cursos internos de treinamento, embora a bibliografia sôbre o assunto seja muito reduzida.

CASO DA COMPANHIA DELTA

Tomemos a Companhia Delta que realiza uma análise vertical do tipo convencional do resumo de sua Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" para um determinado período e obtém os seguintes resultados:

Admitamos ainda que o custo das mercadorias vendidas fôsse desdobrado, quando então apresentaria as seguintes informações:3 3 ) Propositadamente fizemos coincidir os valôres do estoque inicial e final de produtos acabados, a fim de facilitar o raciocínio.

Por fim, suponhamos que os resultados abaixo representem o custo dos produtos fabricados:

Conforme se depreende da Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" e de sua análise vertical convencional, todos os custos de fabricação aplicáveis às vendas do período são deduzidos das vendas líquidas, a fim de determinar-se o lucro bruto sôbre vendas. Êsse é o lucro disponível para cobrir as despesas de vendas, administrativas etc..

Apesar disso, utilizaram-se as vendas líquidas como base para o cálculo das porcentagens, verificando-se em conseqüência no caso em questão, que o lucro bruto sôbre vendas é 30% das vendas líquidas, ou que as despesas administrativas atingem 5 % em relação a essas vendas líquidas ou ainda, que o lucro líquido disponível foi de 10% em relação às vendas líquidas.

Naturalmente, para se chegar a melhores conclusões sôbre a Companhia Delta, deveria ser feita uma análise vertical da Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" do período anterior e uma análise horizontal dos dois demonstrativos financeiros.4 4 ) Pormenores sôbre análise vertical e horizontal, bem como outras maneiras de analisar os demonstrativos financeiros de uma empresa, veja-se I. P. DIAS, "A Análise das Demonstrações Financeiras", capítulo do livro Princípios de Administração Contábil, obra em co-autoria com F. QUILICI, J. C. HOPP e M. H. M. CARMELLO, a ser brevemente publicada pela Fundação Getúlio Vargas. Veja-se ainda: I. P. DIAS, "Análise das Variações no Lucro Líquido", Revista de Administração de Emprêsas, vol. VI, n.º 20, págs. 45 a 49.

As pessoas que trabalham em empresas industriais estão mais familiarizadas com as deficiências da Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" na sua forma tradicional e com análise convencional, devido por exemplo aos vários métodos contábeis utilizados para os desembolsos referentes às pesquisas, propaganda, desenvolvimento de novos produtos etc.. Mesmo assim, em muitas emprêsas não são êsses os elementos mais importantes que - quando focalizados do ponto de vista do controle administrativo - distorcem a Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas". Na realidade, essa distorção resulta da apresentação e da análise tradicional dos dados ao invés de apresentá-los de maneira clara e de acordo com a economia específica da emprêsa.5 5 ) Cf. J. V. JAMES, "Using the Conversion Income Concept for Better Profit and Loss Analysis" in NAA Bulletin Nova Iorque: National Association of Accountants, vol. XLIV, n.º 11, junho 1963, págs. 17 a 19.

LUCRO DA TRANSFORMAÇÃO

Baseado no conceito econômico de "valor adicionado", propõe-se nesse artigo que, ao invés de fazermos a Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" ortodoxa e sua análise vertical tradicional, devemos mostrar o lucro da transformação da matéria-prima, isto é, vendas líquidas menos o custo da matéria-prima e depois as despesas envolvidas na conversão dessa matéria-prima em produtos acabados entregues ao consumidor. Em outras palavras, o lucro da transformação representa a soma de tcdos os custos, despesas e lucro líquido inclusive, que tenham sido adicionados aos materiais diretos comprados e incluídos no produto acabado.6 6 ) A expressão "lucro da transformação" é tradução livre do conceito da língua inglesa "conversion profit", também conhecido por "contribution value". Não deve ser coníundido com a noção de margem de contribuição ("contribution margin"), denominada também por outros nomes como, contribuição para os custos indiretos ("contribution to overhead"), margem variável ("variable margin") etc., a qual significa a diferença das vendas líquidas menos os custos variáveis, conceito muito utilizado atualmente na análise das relações entre custo-volume-lucro.

Dessa maneira, quando se utiliza a noção do lucro da transformação, os dados da Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" são mostrados de maneira diferente, a fim de esclarecer os aspectos econômicos e financeiros internos da emprêsa. Êsse conceito apontará o fato de que, na maior parte das emprêsas industriais, as matérias-primas são adquiridas e convertidas em outras formas ou produtos acabados pela aplicação de habilidades específicas da emprêsa e depois colocados nas mãos dos consumidores pelas várias vias de distribuição.

Dêsse modo, utilizando-se os dados da Companhia Delta, podemos calcular o lucro da transformação das matériasprimas em produtos acabados nas mãos do consumidor e analisar diferentemente seus aspectos operacionais, conforme é mostrado no QUADRO 2.


Percebe-se, pois, que deduzindo-se o custo das matériasprimas, restam Cr$ 500.000 para a Companhia Delta cobrir suas despesas operacionais, mão-de-obra direta etc., e para a obtenção de lucro líquido disponível.

A quantia dêsse lucro de transformação é agora considerada como base (100%) para o cálculo das outras porcentagens e, portanto, nota-se que, na realidade, as despesas administrativas constituem 10% dêsse lucro da transformação, bem como o lucro líquido disponível ao fim do período foi de 20% em relação ao lucro da transformação.

A porcentagem do lucro líquido operacional e, até certo ponto, a porcentagem do lucro líquido disponível, obtidas da maneira acima indicada, são talvez as melhores medidas disponíveis para o valor atribuído pelo mercado - ou consumidores - aos esforços combinados dos homens e das máquinas realizados numa emprêsa. Ela elimina a contribuição de fornecedores, representada pelo custo das matérias-primas utilizadas e por isso fornece uma medida mais direta e mais exata do trabalho realmente executado por uma emprêsa. Naturalmente, seria necessário comparar a análise vertical feita dêsse modo, com a referente ao(s) período(s) anterior(es), bem como proceder a uma análise horizontal e para compreender melhor a situação real da emprêsa.

Deve-se, ainda, salientar o fato de que quando uma emprêsa industrial trabalhar com mais de um produto, será mais perfeita a análise que utilize o conceito do lucro da transformação, uma vez que é bem fácil separar o custo da matéria-prima utilizado para cada produto, ao passo que é bem difícil apropriar de maneira correta os custos indiretos de fabricação para mais de um produto.

OUTROS EMPREGOS DO CONCEITO DE LUCRO DA TRANSFORMAÇÃO

A noção de lucro da transformação poderá encontrar outras aplicações. Admitindo-se, por exemplo, que em cada cruzeiro de vendas o custo da matéria-prima representa uma grande porção - coisa comum em alguns tipos de emprêsas industriais - tal fato deve ser levado em consideração em todos os níveis administrativos da empresa. Se, então, o lucro da transformação fôr uma pequena porção do preço de venda, os administradores da emprêsa podem e devem dar ênfase ao impacto que terão sôbre os lucros quaisquer alterações, por pequenas que sejam, nos preços pagos pelas matérias-primas. Do mesmo medo, deve ser dada ênfase ao fato de que o lucro líquido aumentará através de pequenas diminuições no preço pago pelas mesmas matérias-primas.

Para exemplificar, vamos imaginar o caso de uma emprêsa que apresenta os seguintes dados sôbre seus custos e despesas:

Fica então bem claro que uma pequena diminuição no custo das matérias-primas compradas, por exemplo, de 5%, é equivalente a uma redução de 20% nas despesas de vendas ou de 13% no custo indireto de fabricação, do mesmo modo que um aumento de 5% no preço das matérias-primas adquiridas equivale a 20% de acréscimo nas despesas de vendas ou a 13% de elevação no custo indireto de fabricação7 7 ) Propositalmente, mais uma vez, usamos números e porcentagens redondos, a fim de facilitar o acompanhamento do raciocínio. .

Ora, quantas vêzes os administradores de emprêsas barganham para não aumentar o que acham ser uma percentagem relativamente alta dos salários de seus empregados, levando a questão para conflitos mais sérios, como greves, ou, então, uma queda no moral dos trabalhadores e maiores problemas de relações humanas e, se descuidam, às vêzes, da seção de compras? Pois bem, no caso acima, um aumento de 5% nas matérias-primas compradas equivale a um acréscimo de 33% no custo da mão-de-obra direta!

CONCLUSÕES

O conceito de "valor adicionado" aplicado em economia está sendo também empregado no campo da mercadologia e nada impede que o mesmo seja adaptado à área da administração contábil e financeira.

A Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas" tradicional e sua análise vertical convencional, apesar de útil e interessante, é falha em muitos aspectos, principalmente no que diz respeito ao controle administrativo, pois não elimina a contribuição dos fornecedores, isto é, o custo das matérias-primas utilizadas e, portanto, não fornece uma mensuração mais exata e mais direta do trabalho realmente executado por uma emprêsa.

A Demonstração da Conta de "Lucros e Perdas", que mestra o lucro da transformação, ou seja, vendas líquidas menos o custo das matérias-primas utilizadas e posterior análise vertical dêsse demonstrativo financeiro, fornece melhores informações ao administrador de emprêsas, possibilitando melhor controle, conforme foi visto no exemplo numérico da Companhia Delta.

Finalmente, a ncção de lucro da transformação permite outros tipos de análise, como já foi demonstrado ao se apontar que um acréscimo de 5% nas matérias-primas compradas, por uma emprêsa, equivalente a um aumento de 33% no seu custo de mão-de-obra direta.

Resta agora aos administradores de emprêsas, que trabalham em nosso país, a tarefa de aplicar o conceito ora abordado e verificar pessoalmente quantas informações preciosas irão obter e quão melhores decisões poderão vir a tomar.

  • 1) Cf. H. S. SLOAN e A. J. ZÜRCHER, A Dictionary of Economics, Nova Iorque: Barnes & Noble, Inc., 3.Ş edição revista, 1959, pág. 336.
  • 4) Pormenores sôbre análise vertical e horizontal, bem como outras maneiras de analisar os demonstrativos financeiros de uma empresa, veja-se I. P. DIAS, "A Análise das Demonstrações Financeiras", capítulo do livro Princípios de Administração Contábil, obra em co-autoria com F. QUILICI, J. C. HOPP e M. H. M. CARMELLO, a ser brevemente publicada pela Fundação Getúlio Vargas. Veja-se ainda: I. P. DIAS, "Análise das Variações no Lucro Líquido", Revista de Administração de Emprêsas, vol. VI, n.ş 20, págs. 45 a 49.
  • 1
    ) Cf. H. S. SLOAN e A. J. ZÜRCHER,
    A Dictionary of Economics, Nova Iorque:
    Barnes & Noble, Inc., 3.ª edição revista, 1959, pág. 336.
  • 2
    ) Cf. T. N. BECKMAN, "The Value Added Concept as Applied to Marketing and Its Implications"
    in A. L. Seelye (ed.)
    Marketing in Transition, Nova Iorque:
    Harper & Brothers, 1958, págs. 236 a 249.
  • 3
    ) Propositadamente fizemos coincidir os valôres do estoque inicial e final de produtos acabados, a fim de facilitar o raciocínio.
  • 4
    ) Pormenores sôbre análise vertical e horizontal, bem como outras maneiras de analisar os demonstrativos financeiros de uma empresa, veja-se I. P. DIAS, "A Análise das Demonstrações Financeiras", capítulo do livro
    Princípios de Administração Contábil, obra em co-autoria com F. QUILICI, J. C. HOPP e M. H. M. CARMELLO, a ser brevemente publicada pela
    Fundação Getúlio Vargas. Veja-se ainda: I. P. DIAS, "Análise das Variações no Lucro Líquido",
    Revista de Administração de Emprêsas, vol. VI, n.º 20,
    págs. 45 a 49.
  • 5
    ) Cf. J. V. JAMES, "Using the Conversion Income Concept for Better Profit and Loss Analysis"
    in NAA Bulletin Nova Iorque:
    National Association of Accountants, vol. XLIV, n.º 11, junho 1963, págs. 17 a 19.
  • 6
    ) A expressão "lucro da transformação" é tradução livre do conceito da língua inglesa "conversion profit", também conhecido por "contribution value". Não deve ser coníundido com a noção de margem de contribuição ("contribution margin"), denominada também por outros nomes como, contribuição para os custos indiretos ("contribution to overhead"), margem variável ("variable margin") etc., a qual significa a diferença das vendas líquidas menos os custos variáveis, conceito muito utilizado atualmente na análise das relações entre custo-volume-lucro.
  • 7
    ) Propositalmente, mais uma vez, usamos números e porcentagens redondos, a fim de facilitar o acompanhamento do raciocínio.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1967
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