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Os riscos da administração por objetivos

ARTIGOS

Os riscos da administração por objetivos

João Bosco Lodi

Professor Contratado do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

Pelo lugar de relevância que ocupa na história do pensamento administrativo, DRUCKER merece muito mais do que êste ensaio; merece uma tese acadêmica com uma exegese mais ampla. Embora em tempo, dada a atualidade do tema, é preciso lembrar que êste trabalho ainda é prematuro para uma avaliação crítica definitiva de sua obra, que é uma obra-em-criação, pois todo ano DRUCKER produz novos livros e artigos originais, refletindo uma extraordinária vitalidade. De qualquer modo, o leitor brasileiro percebe que é útil uma análise a meio caminho, pois as idéias de DRUCKER estão tendo considerável influência no desempenho das emprêsas no Brasil. Merece especial comentário a influência da administração por resultados ou por objetivos como método corretivo e dinamizador do desempenho gerencial. Neste momento várias e grandes emprêsas no Brasil estão aplicando sistemas dêsse tipo.

Quanto à crítica que aqui faço à administração por objetivos, devo antecipar uma observação. É injusto atribuir a um teórico os abusos ocorridos com a aplicação apressada de suas idéias. Todos nós temos reservas quanto à administração por objetivos, pois muitas emprêsas a aplicaram apenas por ela estar na moda, sem ter em conta certos cuidados, daí decorrendo deficiências sérias.

Êste artigo tem duas partes distintas. Na primeira, procurarei apontar os riscos da administração por resultados e a importância do trabalho em equipe. Na segunda, tentarei situar DRUCKER num plano ideológico em que êle aparece como um ideólogo conservador e mostrarei sua repulsa pelas formas de manipulação populista, tão em voga no passado nos programas de Administração de Pessoal e de Relações Humanas.

1. PROBLEMAS DA ADMINISTRAÇÃO POR RESULTADOS

Segundo explica SCHLEH, a administração por resultados surgiu como método de controle sôbre o desempenho de áreas e organizações em crescimento rápido.1 1 SCHLEH. Management by Results, Nova Iorque, McGraw Hill, 1961. No início, tratou-se de implantar para o todo da organização um critério financeiro de avaliação e controle. Como critério financeiro foi válido, mas, como abordagem global à emprêsa, o controle financeiro foi o resultado de uma deformação profissional. Todo financista é sempre tentado a enxergar a realidade apenas com óculos de financista. Ora, apenas os critérios de lucro ou de custo não são suficientes para explicar a organização social e humana que produz lucros ou custos; nem são capazes de interpretar a realidade fora da emprêsa, ou a realidade de que a emprêsa é apenas uma parte; nem ainda de interpretar a emprêsa dentro de uma perspectiva histórica. Então, é fácil de se entender que a resposta produzida nos níveis médio e inferior da organização a essa forma financeira de medir resultados tenha sido de descontentamento e apatia. Os funcionários de nível médio (white collar) e inferior são mais vulneráveis às influências sociais e políticas da sociedade e, portanto, mais resistentes às tentativas de controle e estandardização provenientes da alta direção.

Como resposta, a alta direção considerava a apatia em apresentar resultados como uma rebeldia e endurecia a sua atuação, apertandose, assim, o círculo vicioso.

Foi então que começaram a surgir as teorias da descentralização e da administração por resultados. Considerou-se que a única forma de a direção reverter o processo descrito acima era descentralizar as decisões e fixar objetivos para cada área-chave, dando maior liberdade para cada um escolher como atingir os resultados. Êsse nôvo movimento de descentralização, iniciado na General Motors e continuado em diversas outras emprêsas, foi uma moda na década de 50, e aí estão inúmeros livros para prová-lo.

O procedimento era o seguinte: a alta direção fixava objetivos para cada divisão da companhia, evitando, daí por diante, dizer como a direção da divisão deveria atingir os resultados. Essa diretoria de divisão, por sua vez, procurava fixar objetivos ao nível de cada componente ou departamento, esquivando-se igualmente de dizer como deveriam ser atingidos êsses objetivos. Supunha-se que levar muito longe a interferência no desempenho do nível imediatamente inferior produziria irresponsabilidade e irritação. Nesse tipo de companhia, foi abolido o têrmo staff, ficando a cargo de cada divisão a criação dos serviços de que necessitasse para atingir seus objetivos. Cada gerente foi levado a considerar-se o presidente de uma pequena companhia. A introdução de resultados reduziu a subjetividade na avaliação dos executivos de nível médio e inferior e substituiu as medidas intangíveis de sucesso por outras mais definidas. Tinha nascido a teoria da administração por resultados. O procedimento que acabei de descrever extinguiu, sem dúvida, inúmeros órgãos-staff de pouca importância, assim como fortaleceu a posição de autoridade de cada chefe operativo.

Todavia, alguns críticos, entre os quais E. KIRBY WARREN, viram nessa nova teoria dois sérios problemas.2 2 KIRBY WARREN, E. Long Range Planning: The Executive Viewpoint, E. C., Prentice-Hall, 1966. Primeiro, a tendência de a administração por resultados se tornar sinônima de administração por lucros ou de resultados tangíveis a curto prazo. Segundo, muitos executivos sentiriam um estímulo fraco para a ação, ou um estímulo para agir de maneira maquiavélica. Diz KIRBY WARREN: "Resultados como lucros e taxa de retorno, embora sejam de interêsse vital para a administração, são indicadores pouco satisfatórios do que virá a acontecer. Se um bom lucro, baseado em resultados, produzirá um bom lucro futuro, isto depende dos meios empregados para atingir êsse lucro". Diz SCHLEH: "OS resultados específicos esperados devem ser designados de forma tal a encorajarem a pessoa a combinar o curto prazo com o longo prazo". Em vendas, por exemplo, é importante fixar resultados de vendas de novos produtos, mas também é importante fixar resultados em têrmos de clientes e produtos já estabelecidos.

Em resumo, a teoria da administração por resultados apresenta os seguintes inconvenientes:

* O contínuo desempenho para resultados a curto prazo produz oportunismo e desprêzo pelos meios de trabalho. O planejamento do trabalho é uma das tarefas que mais sofrem com isso. A liderança baseada em princípios sadios também pode degenerar em pressão para lucros.

* Reforçando a crença nos resultados a curto prazo, levamos os gerentes a pensar que os resultados menos tangíveis e os a longo prazo são problemas da alta direção e não dêles.

* Assim, também, sofre a colaboração entre departamentos. Cada executivo de alto nível, nessas unidades, é levado a crer que o que interessa são os resultados de sua área e que êle não é co-responsável pela colaboração comum. Como veremos em seguida, neste artigo, a crença no trabalho isolado é prejudicial à organização moderna, pois não há mais trabalho que não esteja interpenetrado em vários departamentos.

* É normal que um executivo permaneça de três a quatro anos em cada cargo. No fim do segundo ano, êle já estará procurando pelos resultados (a curto prazo) que provoquem a sua promoção e estará considerando os riscos de investir em resultados a longo prazo. Se êsses resultados a longo prazo realmente recompensarem, quem ganhará será o seu sucessor.

É claro que não se devem atribuir a DRUCKER todos êsses abusos dos resultados a curto prazo, que são muito mais atribuíveis à afobação com que se seguem as modas nos Estados Unidos, como aqui entre nós. O que, porém, DRUCKER não fêz foi antecipar em seu livro fundamental, Prática, os riscos de uma interpretação parcial e apressada da administração por resultados, e nem indicar meios de combinar os objetivos quatitativos, a curto prazo, com os qualitativos e com os a longo prazo. Em outras palavras, DRUCKER não viu as conseqüências do que ensinava, nem nos livros posteriores se referiu a êsse perigo. DRUCKER tem dito que se considera, antes de tudo, um homem de antecedentes financeiros. Continuaria nêle a deformação profissional própria do financista?

2 A IMPORTANCIA DO TRABALHO ASSOCIADO

DRUCKER, como conservador que é, se bem que tenha renovado a filosofia empresarial combatendo o autoritarismo das decisões centralizadas no topo, não levou muito longe' a sua reforma da organização: êle acredita na abstração de um trabalho altamente individualizado, com objetivos próprios. Acredita, portanto, numa descrição de cargo altamente independente, baseada na clássica divisão de trabalho. Acredita na avaliação de desempenho baseada em standards quantitativos. Explorou muito pouco as funções realizadas em comum, os contatos cruzados e os resultados que derivam de um grupo de pessoas. Em outras palavras, DRUCKER combina uma filosofia individualista com uma visão conservadora de autoridade na emprêsa.

No sentido de esclarecer a rigidez que essa visão pode conter em têrmos operacionais, vou examinar um estudo recente que põe por terra uma boa parte das convicções tradicionais. SAYLES, o autor dêsse estudo, certamente não se referia a DRUCKER. Não é também minha intenção atribuir a DRUCKER a rigidez que SAYLES aponta na estrutura vertical de autoridade. A intenção, ao trazer à baila a obra de SAYLES, consiste em mostrar os riscos de se tomar literalmente o conceito de responsabilidade individual por resultados e o conceito vertical de autoridade.

SAYLES, num trabalho recente,3 3 SAYLES. Managerial Behavior, Nova Iorque, McGraw-Hill, 1964. procurou mostrar que a primazia das relações verticais tem sido questionada em diversos estudos correntes. Vejam-se, entre outros, HENRY A. LANDSBERGER4 4 LANDSBERGER, Henry A. The Horizontal Dimensión in Bureaucracy, Administrative Science Quarterly, vol. 6, 1961, p. 298 a 332. e GEORGE STRAUSS.5 5 STRAUSS, George. Tactics of Lateral Relationship: The Purchasing Agent, Administrative Science Quarterly, vol. 7, n.º 2, 1962, p. 161 a 186. Segundo SAYLES, a teoria clássica preocupou-se demasiado com a cadeia de comando, em detrimento do estudo das relações cruzadas. Questionar essa verticalidade da organização significa pôr em dúvida diversos dos dogmas tradicionais da administração:

* Princípio de unidade de comando: "um gerente deve receber ordens apenas de uma pessoa, o seu chefe". Na realidade, cada gerente responde a diversas relações cruzadas como, por exemplo, aos clientes, fornecedores e aos gerentes de serviço com quem mantém relações de trabalho ou de quem recebe orientação funcional.

* Princípio da delegação: "o gerente só trabalha em circunstâncias excepcionais; o bom gerente é aquêle que consegue o trabalho de seus subordinados". Na realidade, o gerente executa, pessoalmente, diversas tarefas, como o contato com. clientes especiais e com os estranhos à sua área.

* Princípio da supervisão: "o gerente dedica a maior parte de seu tempo e energia a supervisionar seus subordinados". Na realidade, a necessidade de atender aos muitos grupos fora de sua área tira do gerente uma porção substancial do tempo que êle dedicaria a seus subordinados.

* Princípio de resultados: "o bom gerente dirige olhando para os resultados". Na realidade, a organização tem suas partes tão interdependentes que o gerente não pode ficar esperando por resultados, mas deve dirigir com controles corretivos imediatos. Primeiro, porque o custo de esperar por êles seria enorme e êle precisa de um feedback contínuo. Segundo, porque muitos resultados são comuns a várias pessoas e não podem ser avaliados com relação a um indivíduo.

* Princípio da paridade da autoridade e de responsabilidade: "para ser eficiente, o gerente precisa ter autoridade igual à sua responsabilidade". Um gerente quase nunca tem isso. Ele precisa conseguir resultados de muitas pessoas sôbre as quais não tem o menor controle.

* Princípio da autoridade de assessoria: "as pessoas de staff não têm autoridade real porque são subsidiárias da organização de linha". Na realidade, alguns departamentos de staff têm um poder muito real.

SAYLES explica que êsses velhos princípios, agora em revisão, foram emitidos por pessoas que estudaram velhas organizações que, ou não mais existem, ou estão diminuindo de importância. Por isso é que os manuais de organização encerram atualmente abstrações que geram diversos problemas de natureza prática, como, por exemplo: a) os organogramas implicam em que as relações sigam as linhas que ligam os retângulos, mas as relações necessárias para atingir os resultados do negócio são muito outras; b) as descrições de função são enganosas porque pressupõem que a tarefa de um gerente seja separada das dos demais, o que é uma simplificação exagerada, pois muitas das responsabilidades são interconectadas entre duas ou mais pessoas; c) vastas somas são gastas para aperfeiçoar sistemas de seleção, remuneração e treinamento de executivos, embora a base de tudo isso, a avaliação do desempenho pessoal, não tenha progredido nada nos últimos anos. A literatura e a moda sobre avaliação de mérito e avaliação de desempenho são vastas. "Há uma convicção generalizada de que êsses procedimentos, no máximo, conseguem estimular as pessoas a melhorar e, no pior, estão sujeitos ao capricho e preconceito pessoais. Não são medidas objetivas de desempenho".

SAYLES conclui suas críticas com algumas propostas construtivas no sentido de incorporar o desempenho gerencial a um conceito de sistema. "Tornou-se moda distinguir estilos alternativos de administração, dando ao gerente a escolha de ser democrático, ou autocrático, ou algo no meio. O resultado dos capítulos precedentes mostra que o gerente não tem essa escolha aberta a êle".6 6 SAYLES, op. cit., p. 256 e seguintes. O comportamento de um gerente é função da organização do trabalho e dos controles que operam sobre êle em cada emprêsa. Êle deve adotar uma variedade de padrões administrativos - lembre-se o leitor dos padrões de liderança de TANNENBAUM - de acordo com as circunstâncias. O gerente trabalha como monitor de um sistema de operação, onde suas intervenções são contínuas, e em função da necessidade de um feedback instantâneo.

Também de acordo com a teoria tradicional de Relações Humanas, o gerente é uma pessoa que dá ordens. "Em contraste, um conceito de sistemas enfatiza que os compromissos não têm, assim, limites claros e definidos; pelo contrário, o gerente moderno é colocado numa teia de relações mütuamente dependentes". Assim, as características básicas são as interações, as relações dinâmicas, não os cargos estreitamente compartimentados. "O sucesso deve ser medido pelo superior do gerente em termos da habilidade em manter o sistema como uma organização que caminha, em vez de conseguir "vitórias abstratas". O comportamento organizacional não é espelhado no organograma e nem por êle previsto.

"A visão tradicional do desempenho gerencial tende a manter o seu vigor mesmo depois que já desapareceram as organizações em que foi concebida. Isto não é apenas resultado de um atraso cultural, o resíduo do passado no presente; também é atribuível a dois temas inter-relacionados no pensamento político americano e ocidental. De um lado, pensamos sôbre a liderança unitária tal como se cada membro de uma organização tivesse um e somente um superior, de quem êle recebe iniciações e a quem êle deve responsabilidades. Relacionados a isso estão o valor dado ao consenso e o horror ao dissentimento e aos demorados conflitos de interêsses. A moderna organização viola ambas essas tradições, embora raramente o admitamos abertamente. Produção e vendas não têm interêsses completamente compatíveis, e o gerente do organograma é usualmente uma entre as muitas fontes de poder e de iniciação a quem respondem os subordinados alertas. A barganha, a negociação, as trocas, as alianças temporárias e as decisões revistas e revertidas são os subprodutos das organizações complexas e estão muito distantes na prática das simples e monolíticas pirâmides da teoria tradicional".7 7 Idem, ibidem, p. 264.

DRUCKER tem sido alvo de críticas porque não foi suficientemente explícito ao analisar as relações cruzadas dos gerentes, de modo a ligar o seu sistema de objetivos individuais com o esfôrço associado, atribuindo demasiada e perigosa importância à perseguição dos objetivos designados a cada um. Note-se que em A Nova Sociedade êle apelou para a anulação da divisão de trabalho tayloriana, que, segundo êle, constituía um impedimento à integração do trabalhador. No entanto, em nível de gerência, DRUCKER não é muito claro quanto a isso, porque a divisão de trabalho permanece na forma de objetivos individuais e de nítida designação de tarefes.

Ainda está em elaboração um sistema capaz de aumentar a colaboração dos gerentes nas tarefas comuns.

3. DRUCKER, UM IDEÓLOGO CONSERVADOR

Com a exceção de suas primeiras obras, incluindo The Concept of Corporation e The New Society, raras são as ocasiões em que DRUCKER se tranforma em cientista político e ideólogo. Uma ou outra passagem e especialmente a introdução e a conclusão de Prática de Administração estão dedicadas ao tema. Nas obras recentes, desde Fronteiras do Amanhã, ocorre o mesmo silêncio quanto à ideologia. O núcleo da preocupação de DRUCKER, como teórico da organização e homem de antecedentes financeiros, é a eficiência interna da organização, o modo como ela utiliza seus recursos. No entanto, quando êle tem algo a dizer, êle o faz sem receio. Se, no entanto, tomarmos aquilo que é muito antigo ou pouco central em sua obra e que, de qualquer modo, é sua filosofia subjacente, vamos encontrar um pensador político que se alinha com BERLE, ROSTOW, HARBISON e MYERS, BURNHAM, e RAYMOND ARON, como ideólogo conservador e tecnocrata.

Sua interpretação da história, ancorada em sua formação européia liberal-conservadora do tipo da de MANNHEIM e WEBER, leva-o a acreditar numa superação do atual conflito ideológico por uma sociedade burocrático-industrial sem ideologia. As poucas vêzes que menciona o comunismo fá-lo de uma maneira demasiado simplificada, direta e quase se diria panfletária, maneira essa estranha a um scholar europeu. No mais, DRUCKER continua a tradição liberal do iluminismo europeu em sua crença no messianismo da indústria.

Quais são as características ideológicas dêsse grupo em que se inclui DRUCKER? Em primeiro lugar, usa a expressão sociedade industrial em vez de sociedade capitalista, como se a primeira fôsse mais esclarecedora quanto ao modo de produção. Em segundo lugar, dá mais importância ao processo político (autoridade) do que ao econômico (propriedade), na análise da emprêsa, mostrando o gerente como o poder que substitui o proprietário, na chamada revolução gerencial. O dirigente profissional (top executive), não vinculado à propriedade do negócio, aparece como o protagonista da modificação da sociedade.

Segundo MAX WEBER, a emprêsa passou da direção do empresário pioneiro, figura carismática, para o empresário profissional, que dirige dentro de padrões burocráticos. No entanto, essa mudança não tornou o atual gerente um homem que aja independente das condições de propriedade ou da influência dos proprietários, mesmo que êstes últimos, transformados em acionistas, sejam milhares de pessoas e estejam afastados do conselho de direção da emprêsa, isto é, do controle efetivo das ações do gerente. Nesse aspectos, o capitalismo não mudou mas, sim, as condições de realização de lucro: os proprietários deixaram de atuar como empresários para atuarem, de maneira mais ampla, nas associações de classe e no governo, de modo a controlar a ação dos seus gerentes profissionais. Ora, não se sabe como aceitar que DRUCKER, um homem culto e penetrante, tenha assimilado com facilidade a tese da revolução gerencial, que é um eufemismo para encobrir as velhas realidades.

Quem formulou a teoria da revolução gerencial foi JAMES BURNHAM.8 8 BURNHAM, James. The Managerial Revolution, Nova Iorque, John Day Co., 1941. Segundo êsse autor, a evolução da sociedade não levaria nem ao socialismo nem ao capitalismo, mas a uma sociedade de gerentes, uma fórmula feliz para sair do impasse atual e escamotear o confronto ideológico em que ainda vivemos. O gerente seria o demiurgo da história do futuro.

Já nas primeiras obras de DRUCKER (The End of Economic Man, The Future of the Industrial Man) encontramos repetidamente essa idéia. DRUCKER fala de uma sociedade funcional que substituirá o atual dilema capitalismo-socialismo, dando preeminência às realizações materiais e à tecnocracia, estando as ideologias em decadência. Assim, aparentemente, não existiria mais conflito entre capital e trabalho, mas entre gerência e funcionalismo. Na introdução à Prática de Administração de Empresas, lemos o seguinte: "A gerência constitui um grupo distinto e importante na sociedade industrial. Já não se fala em capital e trabalho; fala-se em administração e trabalho. As responsabilidades do capital desapareceram do vocabulário, juntamente com os direitos do capital; em lugar disso, fala-se nas responsabilidades da administração".9 9 DRUCKER, Peter F. Prática de Administração de Emprêsas, Rio de Janeiro, Editôra Fundo de Cultura, 1961.

Uma das críticas a BURNHAM, e que no caso servem também a DRUCKER, foi formulada por C. WRIGHT MILLS em 1942 e foi publicada no livro Poder e Política, dêsse autor.10 10 WRIGHT MILLS, C. Poder e Política, Rio de Janeiro, tradução brasileira, Zahar Editores, 1965. MILLS mostra que o argumento usado para a tese da transferência do poder para os gerentes é a existência da propriedade absenteísta; o empresário deixou a direção de seus negócios a um diretor profissional. "Onde MARX fazia com que os proprietários fossem expropriados pelo proletariado, BURNHAM faz com que sejam expropriados por seus sócios menores e colegas sociais, os gerentes. A luta de classe marxista evoluiu das barricadas para o clube social". Por isso MILLS chama, ironicamente, BURNHAM de Marx dos gerentes".

Na realidade, os empresários, como classe, deixaram o controle operativo das emprêsas para exercerem o da política, que controla, por sua vez, as emprêsas, ficando assim a gerência profissional como um preposto do capitalismo e não como um nôvo poder político. Para os elementos comprobatórios dessa observação, vejam-se as pesquisas de MILLS publicadas em A Elite do Poder (Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1962). Mais recentemente, GALBRAITH, sem se referir a BURNHAM, mostra como está ocorrendo a passagem da emprêsa dirigida pelo empresário (fase empresarial) para o administrador profissional (fase madura)11 11 GALBRAITH. O Nôvo Estado Industrial, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1968. .

4. RELAÇÕES HUMANAS E ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL

Outra facêta característica da personalidade de DRUCKER é sua atitude crítica diante do tema Relações Humanas e Administração de Pessoal, quanto à sua superada ênfase na manipulação. Êle a expõe no famoso capítulo da Prática, intitulado Estará Falida a Administração de Pessoal?.

Êle considera a falta de progresso e de novas idéias no campo da Administração de Pessoal como sintoma de que o procedimento não está correto. Apesar do crescimento dêsses departamentos e da criação de novas subespecialidades, como a Psicologia Industrial, Sociologia Industrial, Antropologia Industrial, etc., o que existe nos comipêndios de hoje é quase a mesma coisa que existia nas conferências de THOMAS SPATES, um dos fundadores da Administração de Pessoal, durante a Primeira Guerra Mundial, salvo "uma camada espêssa de retórica humanitária".12 12 DRUCKER, Peter F. Op. cit., p. 123. "A mesma aridez verifica-se no terreno das Relações Humanas". "E eu pergunto se não nos é lícito imaginar se a razão de ter havido tão pouca construção sôbre os alicerces da Administração de Pessoal e das Relações Humanas não será a inadequação dêsses alicerces?"

DRUCKER considera a atual administração de pessoal "uma coleção de técnicas ocasionais sem muita coesão interna, uma miscelânea". Não tendo podêres sôbre o mais importante recurso humano da emprêsa - os chefes - o departamento de pessoal deixou-se envolver nos equívocos seguintes: a) pressupõe que as pessoas não querem trabalhar; b) usurpa as funções e responsabilidades do gerente operacional; c) coloca-se como mediador entre os operários e a administração. Nessa crítica nota-se que DRUCKER absorveu favoràvelmente as idéias do liberal DOUGLAS MCGREGOR, especialmente conhecidas pelo livro The Human Side of Enterprise. DRUCKER sustenta que a administração do pessoal é função inalienável de cada gerente operativo.

Há uma tendência para as relações humanas degenerarem em simples lemas, que se tornam em alibis, para a falta de uma política administrativa: "O sério perigo de que as relações humanas degenerem num nôvo paternalismo freudiano, uma simples ferramenta para justificar a ação administrativa, um expediente para vender o que a administração esteja fazendo",... "um xarope calmante para as crianças rebeldes".13 13 Idem, ibidem, P. 130. Eis porque nas últimas décadas não tem havido evolução nessas idéias: "Os últimos vinte anos foram de pequenos refinamentos, não de crescimentos vigorosos; de estagnação intelectual, e não de pensamento básico".

Já há algumas dezenas de anos alguns autores têm procurado desmascarar o paternalismo rançoso que reveste as práticas de relações humanas e de administração de pessoal. Lembre-se, entre outros, de GEORGES FRIEDMANN, com seus livros Problemas Humanos do Maquinismo Industrial, Para Onde Vai o Trabalho Humano?,

Tratado de Sociologia do Trabalho. Já na época de DRUCKER, um considerável grupo de estudiosos empreendeu a desmistificação das Relações Humanas e da Administração de Pessoal. O grupo, impropriamente chamado de estruturalistas ou revisionistas, é composto de autores tão individuais como ETZIONI, LIKERT, ARGYRIS, C. ROGERS e MCGREGOR, entre outros.

No entanto, DRUCKER não se alinha a uma crítica radical como a de FRIEDMANN. Conservador como é, DRUCKER investe contra as práticas populistas de manipulação das massas, largamente praticadas durante as administrações democráticas, como o New Deal e o Fair Deal. Mas procura reforçar a autoridade da gerência. Considera que o lugar do chefe de pessoal é o de staff, e que as responsabilidades operativas de pessoal devem caber a todo gerente operativo. A função de defesa dos têrmos de contrato de trabalho do operariado cabe à organização sindical. Colocados como estão, atualmente, o Departamento de Pessoal e as Práticas de Relações Humanas constituem apenas um suave paliativo dos problemas e uma sutil técnica de manipulação. Todos sabemos que êles não atacam os problemas em profundidade, nem nunca os resolverão, mas apenas atuam como almofadas, diminuindo o impacto dos golpes. No fundo, talvez inconscientemente, todo chefe de pessoal sonha com um conflito em que êle seja chamado a mediar.

O caso das Relações Humanas e da Administração de Pessoal está atualmente aberto. Não há sinais de que a questão esteja resolvida, apesar da copiosa literatura e de raras inteligentes contribuições como a de FRENCH, em The Personnel Management Process.14 14 FRENCH. The Personnel Management Process, Nova Iorque, Houghton Mifflin Co., 1968. Por sua vez, DRUCKER não levou adiante a tentativa de reformulá-lo, como se pode constatar em sua obra mais recente.

5. CONCLUSÃO

Quem examinar a obra de DRUCKER, desde Fronteiras do Amanhã até, recentemente, The Age of Discontinuity, pode perceber que êle tem revelado uma crescente sensibilidade pela interação entre emprêsa e sociedade. As influências da sociedade sobre a emprêsa certamente moderarão o exclusivismo com que DRUCKER, originalmente um financista, olha para os resultados do negócio. Do mesmo modo, essas influências moderarão o individualismo que notamos subjacente à sua filosofia gerencial. Em vista disso, é possível que o próprio DRUCKER, em sua obra em criação, esteja dando tratamento a problemas semelhantes aos sugeridos neste artigo.

Com o risco desta conclusão parecer um manifesto, eu gostaria de apontar uma direção construtiva para sair do lado crítico desta análise. A redução dos inconvenientes da administração por resultados, a meu ver, dependeria da seguinte orientação:

a) Fixar objetivos, tendo em conta tanto as necessidades a curto prazo com as a longo prazo.

b) Aumentar a preeminência da estratégia sôbre a tática, tal como expus em artigo anterior nesta revista,15 15 LODI, João Bosco. Estratégia de Negócios e Diretrizes Administrativas, Revista de Administração de Emprêsas, vol. 9, n.º 1, março de 1969. de modo que a direção da emprêsa possa encontrar um equilíbrio justo entre as decisões operativas correntes e as decisões de caráter estratégico.

c) Desenvolver um método para avaliar e premiar tanto o desempenho a curto prazo como a longo prazo.

d) Liberalizar a educação dos executivos, tornando-os mais conscientes das crescentes necessidades sociais de nosso tempo, mais sensíveis ao impacto dos objetivos da emprêsa sôbre a sociedade, de modo a reduzir a miopia e o exclusivismo financeiro com que o gerente vê a sociedade em que está.

Quanto à Administração de Pessoal e às Relações Humanas, proponho o seguinte: a função de pessoal deverá ser convertida em staff da alta direção, provàvelmente fundida com a assessoria de planejamento da organização. As funções rotineiras de pessoal devem ser descentralizadas para cada unidade produtiva e subordinadas aos respectivos gerentes de produção. A emprêsa deve abandonar os velhos resíduos de retórica populista e demagógica e de manipulação dos seus funcionários, procurando, por exemplo, através de treinamento semelhante ao dos grupos de sensitividade, chegar à maturidade das relações com seu pessoal, tal como a expuseram ROBERS e MCGREGOR.

  • 1 SCHLEH. Management by Results, Nova Iorque, McGraw Hill, 1961.
  • 2 KIRBY WARREN, E. Long Range Planning: The Executive Viewpoint, E. C., Prentice-Hall, 1966.
  • 3 SAYLES. Managerial Behavior, Nova Iorque, McGraw-Hill, 1964.
  • 4 LANDSBERGER, Henry A. The Horizontal Dimensión in Bureaucracy, Administrative Science Quarterly, vol. 6, 1961, p. 298 a 332.
  • 5 STRAUSS, George. Tactics of Lateral Relationship: The Purchasing Agent, Administrative Science Quarterly, vol. 7, n.ş 2, 1962, p. 161 a 186.
  • 8 BURNHAM, James. The Managerial Revolution, Nova Iorque, John Day Co., 1941.
  • 9 DRUCKER, Peter F. Prática de Administração de Emprêsas, Rio de Janeiro, Editôra Fundo de Cultura, 1961.
  • 10 WRIGHT MILLS, C. Poder e Política, Rio de Janeiro, tradução brasileira, Zahar Editores, 1965.
  • 11 GALBRAITH. O Nôvo Estado Industrial, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1968.
  • 14 FRENCH. The Personnel Management Process, Nova Iorque, Houghton Mifflin Co., 1968.
  • 15 LODI, João Bosco. Estratégia de Negócios e Diretrizes Administrativas, Revista de Administração de Emprêsas, vol. 9, n.ş 1, março de 1969.
  • 1
    SCHLEH.
    Management by Results, Nova Iorque, McGraw Hill, 1961.
  • 2
    KIRBY WARREN, E.
    Long Range Planning: The Executive Viewpoint, E. C., Prentice-Hall, 1966.
  • 3
    SAYLES.
    Managerial Behavior, Nova Iorque, McGraw-Hill, 1964.
  • 4
    LANDSBERGER, Henry A. The Horizontal Dimensión in Bureaucracy,
    Administrative Science Quarterly, vol. 6, 1961, p. 298 a 332.
  • 5
    STRAUSS, George. Tactics of Lateral Relationship: The Purchasing Agent,
    Administrative Science Quarterly, vol. 7, n.º 2, 1962, p. 161 a 186.
  • 6
    SAYLES,
    op. cit., p. 256 e seguintes.
  • 7
    Idem, ibidem, p. 264.
  • 8
    BURNHAM, James.
    The Managerial Revolution, Nova Iorque, John Day Co., 1941.
  • 9
    DRUCKER, Peter F.
    Prática de Administração de Emprêsas, Rio de Janeiro, Editôra Fundo de Cultura, 1961.
  • 10
    WRIGHT MILLS, C.
    Poder e Política, Rio de Janeiro, tradução brasileira, Zahar Editores, 1965.
  • 11
    GALBRAITH.
    O Nôvo Estado Industrial, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1968.
  • 12
    DRUCKER, Peter F.
    Op. cit., p. 123.
  • 13
    Idem, ibidem, P. 130.
  • 14
    FRENCH.
    The Personnel Management Process, Nova Iorque, Houghton Mifflin Co., 1968.
  • 15
    LODI, João Bosco. Estratégia de Negócios e Diretrizes Administrativas,
    Revista de Administração de Emprêsas, vol. 9, n.º 1, março de 1969.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1969
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