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Sociologia de Max Weber

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Sociologia de Max Weber

Por JULIEN FREUND. Rio de Janeiro, Cia. Editôra Forense, 1969. Tradução de Sociologie de Max Weber. 2ª. edição, Paris, Presses Universitaries de France, 1968. [Collection de Sociologie, n.º 2].

Se há três obras que se possam reputar indispensáveis ao estudante de ciências sociais, são elas: As Regras do Método Sociológico, de DURKHEIM; a Contribuição à Critica da Economia Política, de MARX, e a Metodologia das Ciências Sociais, de MAX WEBER.1 1 O título não é de WEBER, mas adotado por E. A. SHILS e H. A. FINCH, organizadores da edição norte-americana: The Methodology of íhe Social Sciences. Glencoe, Illinois, The Free Press, 1949. A edição francesa, também organizada e introduzida por JULIEN FREUND, recebeu o nome de Essais sur la Théorie de la Science. Pion, Paris, 1965. Trata-se de artigos publicados por WEBER em revista alemã da qual foi fundador, e postumamente reunidos em volume. São-no porque encerram as três soluções básicas do problema do conhecimento em ciências da sociedade: a corrente positivista, a dialética e o idealismo, e, como a questão de método está, como sempre esteve em aberto no campo humanístico, sendo ingenuidade ignorá-la, torna-se necessário o entendimento claro dos postulados epistemológicos e das implicações lógicas de cada corrente, como lastro mínimo para um trabalho que se pretenda explicativo.

Mas tanto quanto necessárias, tais obras são de difícil acesso ao iniciante em ciências humanas, tamanha a sua profundidade filosófica, donde a necessidade de didatizações que, sem cair na discussão de aspectos muito particulares ou na interpretação pessoal, ou ainda na mera reprodução das conclusões substantivas de cada mestre, forneçam uma visão clara e integrada das várias, por assim dizer, teorias sociológicas.

Sociologia de Max Weber somente a isso se pretende. Nas palavras do autor, o objetivo do livro "é expor, o mais claramente possível, o pensamento sociológico de WEBER", evitando cair na interpretação pessoal. Se bem que esse intento de objetividade completa possa ser questionado nos próprios termos da teoria idealista de WEBER, passemos ao conteúdo da obra.

É possível uma ciência do homem, à semelhança das ciências da natureza? Isto é, pode-se conceber o processo histórico como um objeto, externo e independente do sujeito que conhece, e regulado por leis inerentes? É possível, em conseqüência, que fazer ciência seja simplesmente descobrir as leis de transformação a que a sociedade está sujeita, de modo a produzir um conhecimento válido ad eternum e indiscutível? Para WEBER, não.

Muito ao contrário, não há nenhum sentido imanente na História, como sustentavam MARX, COMTE ou SPENCER, por exemplo. Não há processo algum que se tenha imposto como necessário às personagens e grupos envolvidos. Se tal ou qual ocorreu foi porque homens, livres e portadores de vontade, sustentaram fins ou valores e empreenderam ações determinadas. Não cabe à ciência discutir se esse fins ou valores decorriam da situação social dos agentes envolvidos (premissa básica da sociologia do conhecimento), pois nada há que determine a vontade humana. Essa concepção de que os homens fazem história, mas não limitados por condições historicamente dadas, conduz à questão das relações entre ciência e política. Concebida a política como o âmbito da luta entre fins e valores antagônicos e não sendo eles, para WEBER, passíveis de análise científica, ou seja, da determinação do certo ou do errado, resta à ciência explicitar a coerência entre o fim ou valor perseguido e os meios adotados para alcançá-los. "A ciência ajuda o homem de ação a melhor compreender o que fazer". Se com isso WEBER barra a possibilidade de construção de qualquer futurologia - o que é muito importante lembrar na era dos HERMANN KAHN - em outra parte esclarece os limites da explicação no estudo do passado. Nenhum fenômeno pode ser apanhado integralmente, pois a análise que faço de épocas anteriores está informada por uma tábua de valores de meu tempo e particularmente minha. Assim, estarei propenso a descobrir certas causas ou conexões e não outras, e aquele que se aventurar à mesma tarefa, inevitavelmente descobrirá novas relações causais e novas conexões. Em poucas palavras, o objeto é peculiar a quem o aborda. Desta forma, indefinidamente, o processo histórico vai sendo explicado, mas nunca de forma exaustiva, pois a realidade é inesgotável: o fim do conhecimento científico é o de ser permanentemente discutido e ultrapassado.

Se não há leis inerentes à história, se nela tout se passe contingentemente, jamais o objetivo da ciência humana será o de generalizar, construir modelos, e deles deduzir a realidade. Absurdo completo! Mas isso não significa reduzir a ciência social à descrição. WEBER recomenda não confundir causalidade com legalidade. "Um efeito acidental depende tanto de causas quanto um fenômeno dito necessário. . .". Daí sua atenção concentrar-se em relações de causalidade, mas de fenômenos singulares, originais, sem pretensão nenhuma a generalizar. No quadro dessa filosofia do conhecimento, podemos agora compreender seú famoso método dos tipos ideais. Êle consiste numa simples estilização pessoal de traços do objeto, sem nenhuma pretensão de conter os aspectos essenciais do mesmo. Sua utilidade, por conseguinte, não se mede em termos de validade, mas de fecundidade, vale dizer, pela abertura de novos pontos de vista que uma construção mental assim concebida possibilita.

Como se pode ver, FREUND didatiza WEBER por contraste de seu idealismo com a teoria positiva do conhecimento, em que são educados os cientistas físicos e muitos dos cientistas sociais no mundo ocidental.

A perspectiva é muito fecunda, pois coloca em discussão postulados que hoje constituem o consenso a respeito do que seja ciência.

Mas o autor não fica nas questões de método, apenas. A outra metade de sua obra é uma tentativa de mostrar os trabalhos empíricos de WEBER, integrando-os por áreas, a que chama sociologias especiais, entre as quais distingue a sociologia religiosa, a econômica, a política, a jurídica e a da arte e da técnica. A finalidade é explicitar os nexos entre a teoria do conhecimento, a visão de mundo e os porquês dos tipos ideais construídos, assim como o resultado de sua utilização.

Sociologia de MAX WEBER é recomendável às classes de iniciação em ciências sociais. Mais profundo que a exegese de RAYMOND ARON,2 2 Cf. SOCIOLOGIE Allemande Contemporaine. Paris, P.U.F., 1962 e LES ÉTAPE S de la Pensée Sociologique. Paris, Gallimard, 1967 , parte sobre MA X WEBER. ainda não conta, em português, com a concorrência do ensaio de BENDIX,3 3 BENDIX, R. Max Weber. An Intelleclual Portrait, Nova Iorque, 1962. tido como a melhor análise de WEBER.

JOSÉ CARLOS GARCIA DURAND

  • 1 O título não é de WEBER, mas adotado por E. A. SHILS e H. A. FINCH, organizadores da edição norte-americana: The Methodology of íhe Social Sciences. Glencoe, Illinois, The Free Press, 1949.
  • 3 BENDIX, R. Max Weber. An Intelleclual Portrait, Nova Iorque, 1962.
  • 1
    O título não é de WEBER, mas adotado por E. A. SHILS e H. A. FINCH, organizadores da edição norte-americana:
    The Methodology of íhe Social Sciences. Glencoe, Illinois, The Free Press, 1949. A edição francesa, também organizada e introduzida por JULIEN FREUND, recebeu o nome de
    Essais sur la Théorie de la Science. Pion, Paris, 1965. Trata-se de artigos publicados por WEBER em revista alemã da qual foi fundador, e postumamente reunidos em volume.
  • 2
    Cf. SOCIOLOGIE Allemande Contemporaine. Paris, P.U.F., 1962 e LES ÉTAPE S de la Pensée Sociologique. Paris, Gallimard, 1967 , parte sobre MA X WEBER.
  • 3
    BENDIX, R.
    Max Weber. An Intelleclual Portrait, Nova Iorque, 1962.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1970
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