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Frentes de expansão e estrutura agrária

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Frentes de expansão e estrutura agrária

Maria Rita Garcia Loureiro

Frentes de Expansão e Estrutura Agrária

Por Otávio Guilherme Velho (estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica) Rio de Janeiro, Zahar, 1972.

O caráter colonial de organização das atividades econômicas submetidas à determinação doi mercados internacionais, que marcou a história do Brasil, teve como implicações; de um lado, a decadência de regiões cujo produto econômico não mais constituiu mercadoria relevante no comércio internacional ou que tiveram esgotadas suas fontes naturais (tais como, por exemplo, as zonas açucareiras do Nordeste e mineradoras em Minas Gerais etc); de outro, o surgimento de regiões que emboia contornadas pelas fronteiras geopolíticas não chegaram a ser fronteiras econômicas, isto é, não se estruturaram nos quadros de uma economia mercantil ou, quando muito, elaboraram o que se chama uma "economia de excedente" (podese enumerar, como exemplos, as regiões do norte de Goiás, sul do Pará, Maranhão, etc).

A análise da expansão da economia de mercado capitalista sobre essas regiões, isto é, o estudo das frentes de expansão da sociedade brasileira é que constitui o objeto de estudo de Otávio Guilherme Velho. Trata-se, como ele mesmo afirma, de uma "análise descritiva" de diferentes frentes de expansão, pelas quais passou uma região do Médio Tocantins (às margens do rio Itacaiúnas), denominada pelo IBGE "microrregião" de Marabá, localizada no Estado do Pará e que vem a ser a referência empírica deste estudo. Marabá é, na verdade, lugar privilegiado para esse tipo de análise na medida em que por aí entrecruzaram correntes de povoamento vindas de Goiás, Pará e Maranhão, em momentos históricos descontínuos e nem sempre gerando a fixação do homem em caráter definitivo, o que provocou a renovação até nossos dias de frentes de expansão iniciadas em fins do século XVI.

O que caracteriza este estudo como trabalho sociológico (ou antropológico, para ser fiel à área acadêmica na qual foi produzido) e não geográfico (em cuja esfera mais comumente são realizados os estudos sobre frentes de expansão) é a abordagem pelo ângulo das relações sociais de produção. Assim, as frentes pastoril, extrativista (com a borracha, castanha, diamante e posteriormente minérios de ferro), e mais recentemente a agrícola, evidenciadas pelo incremento demográfico na região em diferentes momentos históricos são analisadas exaustivamente através das relações de trabalho que nelas se estabelecem, marcadas pelo caráter extremamente tradicional e espoliativo da mão-de-obra e explicadas pela necessidade de acumulação e reprodução do capital na sociedade brasileira como um todo.

Vale ressaltar, no conjunto do trabalho, a análise das relações sociais elaboradas na extração da castanha do Pará, onde aparecem os tipos humanos do trabalhador isolado que se embrenha nas matas por meses a fio, carregado de dívidas e de doenças, e do comerciante (financiador e comprador do produto), que nas frentes de expansão é a categoria social mais importante e poderosa, superior inclusive ao latifundiário. Isso porque diz G. Velho, "onde a terra não constitui bem escasso (...) a posse do capital e dos meios e canais de comercialização antecede a questão da posse da terra" (p. 41). O "barracão" e a coerção física aparecem, nesse sistema, como elementos necessários à acumulação de capital que se processa em uma cadeia de exploração, a partir dos castanheiros, envolvendo no âmbito local os arrendatários dos castanhais e os comerciantes de Marabá e atingindo os grupos exportadores em Belém e os grandes grupos importadores no estrangeiro.

Outro ponto de destaque nesse trabalho é a forma como o autor lida com o aspecto geográfico. Em uma região em que o aspecto físico é tão terminante é preciso bastante segurança teórica para que a aná lise não caia em um determinismo geográfico. E isso O. G. Velho conseguiu muito bem, mostrando que "a influência geográfica só pode ser entendida quando mediatizada pelas forças sociais envolvidas" (p. 42).

Bastante evidenciado no texto está também o papel da política como elemento que garante as condições sociais necessárias à realização do processo produtivo: ora através da violência das armas, como ocorreu no conflito político de 1919 em Marabá, o qual objetivava manter a mão-deobra - que desejava retornar ao Nordeste e demais regiões de origem, com a decadência da borracha - presa a Marabá para recomeçar nova fase extrativista: a da castan ha; ora por meio de decretos-leis e disputas eleitorais definindo um novo sistema de exploração dos castanhais - não mais pela extração livre, mas pelo arrendamento por períodos determinados e renováveis, de áreas pertencentes ao poder público, o que permite a barganha partidária. Fina lmente, o papel da política e do Estado, não apenas como assegurador das atividades econômicas, mas em suas funções pós-liberais de orientação e comando do processo, aparece na criação de órgãos como a Sudam, no estabelecimento de incentivos fiscais para a implantação de empresas na região e especialmente na construção da estrada Belém-Brasília e, recentemente, da Transamazônica. São funções que marcam o caráter de incorporação definitiva daquela região ao mercado capitalista nacional e internacional e atestam a dominância do político sobre o econômico como modo particular de realização do capitalismo no Brasil (p. 170).

Em síntese, pode-se afirmar que a pretensão do autor de realizar um estudo que "pudesse trazer uma contribuição a futuras elaborações teóricas" (introdução) foi plenamente alcançada. Isso na medida em que ao concluir que as frentes de expansão podem significar uma alternativa à migração pa ra as cidades ou uma tentativa de escapar às determinações de um sistema que prescinde de boa parte de seu contingente populacional (como é o caso dos migrantes nordesti nos na época da borracha e atualmente), o estudo de O. G. Velho permite pôr em questão problemas como o caráter da pequena agricultura e do campesinato no Brasil, suas perspectivas futuras e, enfim, a própria especificidade do capitalismo no Brasil, especialmente no seu mundo rural. E levanta uma hipótese importante: "a região de Itacaiúnas estaria sendo um laboratório onde se engendrariam as soluções capital istas para a conquista por etapas da Amazônia: agricultura marginal de subsistência, estradas, pequena produção agrícola-mercantil, pecuária intensiva e grande exploração mineral; quando possível partindo de uma produção extrativa tradicional ou nova que auxiliasse uma acumulação local" (p. 168).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1973
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