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História e desenvolvimento

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

História e desenvolvimento

Cleide de Oliveira Vilão

A contribuição da historiografia para a teoria e prática do desenvolvimento brasileiro.

Por Caio Prado Jr., São Paulo, Editora Brasiliense, 1972. 92 p.

Com que perspectiva nos acena a atual política econômica? Como se apresenta, como se comporta e para onde aponta o "modelo" que se escolheu como baliza de nosso desenvolvimento? Estas indagações precedidas de diagnósticos pouco otimistas, quando analisadas à luz da história, lastreiam a tese de Caio Prado Jr., que, entre 1971 e 1972, revísou-a e atualizou-a para constituir o presente livro, na expectativa de que o mesmo desse uma abertura de perspectiva e incitasse historiadores e economistas a retomarem o assunto.

A sua tarefa essencial neste trabalho ocupa-se da proposição da abordagem historiográfica nos estudos que ora se voltam ao crescimento econômico e desenvolvimento nacionais, por constituírem tema essencialmente históricos. Dirige-se ao historiador brasileiro "que lida com dados essenciais e imprescindíveis para o conhecimento e interpretação do presente", para que ele faça voltar a sua atenção àquelas circunstâncias históricas passadas que se manifestam nas que ora vivemos. Tem a história como fonte informativa e explicativa do processo de desenvolvimento do nosso País, o que lhe permite compreender a especificidade de nossa formação e a partir daí estabelecer as premissas para uma política econômica que nos seja realmente adequada.

Aos economistas ortodoxos, principalmente àqueles por meio dos quais se exprime e se realiza a nossa politica econômica, o autor pretende mostrar que "a análise econômica como decorrência de sua própria natureza e estilo de trabalho, e privada de uma suficiente perspectiva histórica Irá ocupar-se do assunto com seus métodos específicos e exclusivos, e por isso, altamente insuficientes para a abordagem e consideração dele em seu conjunto e totalidade".

Isto significa que o tratamento a partir de "modelos teóricos" coloca os fatos de forma simplificada e esquemática e, nessa medida, distorcidos. Ao considerarem apenas os fenômenos possíveis de mensuração, trabalhados num esquema de variáveis, limitam-se a conceituar desenvolvimento em termos de crescimento econômico.

O autor diz que esses modelos seriam válidos se servissem de hipóteses de trabalho, sendo modificados conforme o decorrer da pesquisa, levando em conta a especificidade dos fatos históricos concretos; mas ocorre justamente o contrário: são formulados em definitivo a priori, para orientação da pesquisa e são os acontecimentos históricos que entram como "encaixe" no modelo, E o que torna a sua utilização mais agravante é que os modelos, normalmente aplicados por nossos economistas ortodoxos, fazem parte da teoria do desenvolvimento, elaborada a partir da análise do ciclo econômico, que, por sua vez, é expressão do sistema capitalista dos países mais desenvolvidos e pioneiros (Europa Ocidental e Estados Unidos): "tais modelos se prestam mal, ou não se prestam de todo para a visualização e análise dos fatos que não são aqueles precisamente em cuja base eles foram construídos, ou seja os fatos característicos de um capitalismo maduro", (p. 22.)

Refere-se, em última análise, à intransferibilidade dos modelos, das soluções, das proposições dos países desenvolvidos para os ditos subdesenvolvidos, pois estes não tiveram em suas origens as formas clássicas das quais emergiu o capitalismo. Dessa forma, somente através dã história de nosso País, da análise acurada do processo socioeconómico em curso e do desenvolvimento brasileiro, é que se poderá equacionar as diretrizes de uma política econômica e construir um modelo novo.

Do capítulo 3 ao 9 o autor traça linearmente, em largas passadas esquemáticas, mas numa linguagem precisa e densa, a evolução político-econômica brasileira, desde os primórdios, fazendo vir à tona os fatos e contradições mais significativos, não em si mesmos, mas em sua projeção futura, aquelas contradições que ainda vivenciamos em seus desdobramentos,

Este quadro objetiva ressaltar a natureza, a substância ou, como diz o autor, a "qualidade" de nossa formação, o sentido que aqui teve a colonização e o caráter inicial que esta lhe imprimiu. Pretende sobretudo enfatizar que os problemas-chave brasileiros são derivados de sua posição marginal e periférica enquanto colônia, modificando-se pouco quando promovido à nação independente e continuando a se manter essencialmente fornecedor de produtos primários ao mercado internacional.

Daí as transformações fundamenta is sofridas serem gera Imente ditadas por mudanças na "ordem internacional" (capitalismo industrial) que impelem o País a continuar exercendo a mesma função, apenas em circunstâncias diferentes.

Formam-se assim lenta e sucessivamente contradições internas e externas, cada vez mais complexas, evoluindo para problemas irreparáveis em nossos dias: "a problemática do crescimento econômico e desenvolvimento que é a matéria central da presente tese, situa-se precisamente na superação de tais contradições", (p. 32.) Mas, neste livro, o autor não chega a propor a forma de superação dessas contradições, apenas as diagnostica. Conforme é sua tese, faz a análise em perspectiva histórica, desde a fase de extração do pau-brasil, quando já se tinha "uma amostra de como sería o padrão da futura organização das relações de produção", passando pelos ciclos do açúcar, do café, até a industrialização, salientando os acontecimentos mais relevantes no que se refere à sua projeção no presente.

Quando falamos em diagnóstico, não nos referimos a profecias. O valor de um diagnóstico não consiste na previsão como tal, mas sim nas razões apresentadas em prol das afirmações, na acuidade da análise dos fatores que condicionam a marcha dos acontecimentos.

A notória experiência de Caio Prado Jr. no tratamento desta problemática do desenvolvimento econômico brasileiro acrescida de uma larga visão do historiador que é, demonstram que a persistência de suas preocupações e diagnósticos são frutos de uma escrupulosa reflexão.

Realmente, o desenvolvimento destaca-se como a nossa grande aspiração, mas é preciso que nos adentremos um pouco mais nessa questão e a análise de Caio Prado Jr. destina-se justamente a descobrir as articulações configuradas sob a aparência.

Nesse sentido, o autor observa que "a economia brasileira se vem mantendo e estimulando graças sobretudo a um maciço e por enquanto ainda crescente afluxo exterior de recursos sob forma de empréstimos e inversões. Ê somente assim - a par da forte inflação que contribui com a sua artificiosa e tóxica excitação dos negócios que logramos fazer face aos pesados encargos relativos a pagamentos externos de juros e amortizações de débitos que se acumulam, e de rendimentos de capiteis estrangeiros aqui aplicados, que é o que nos custam a aparente normalidade de nossa economia e os ilusórios progressos que nele se verificam", (p. 9.)

Traduz-se dessa forma a visão fundada na história, pois esta faz envolver a todo instante com sua linha contínua a posição dependente de nossa economia satélite, formada e organizada para atender objetivos e necessidades que lhe são estranhos, e que permite ao autor perceber para além do crescimento econômico que se apresenta no momento. É assim que ele vê as dívidas crescentes, anota as contrapartidas desniveladas e, como resultado, um aumento desproporcionado de compromissos que se encaminham para ultrapassar-lhe a "potencialidade".

Não apresenta, no entanto, nenhum caminho simples para as dificuldades com que se depara, apenas formula as questões básicas de tal modo a torná-las suscetíveis de abordagem pelos especialistas. O seu trabalho faz avançar a análise histórico-soclal retrospectivamente, dado que os problemas atuais não podem ser compreendidos desvinculados de suas raízes, assinalando o quadro das contradições formadas, pois somente a partir deste será possível erigir as linhas de uma nova base (teórica e prática), própria ao caso brasileiro.

E para completar nossa apreciação à obra de Caio Prado Jr., cumpre-nos ressaltar o seguinte: a referência a certos fatos mais recentes, feita pelo autor, poderiam eventualmente dar margem a questões como: a) não estariam tais fatos ainda comprometidos com a atual conjuntura, incorrendo o autor num possível erro? b) a problemática proposta pelo autor, ou seja, o tratamento dado ao crescimento econômico e desenvolvimento, não faria parte também daquele remoinho próprio de situações político-econômico-sociais prestes a atingir seu ponto de saturação, na qual modelos, esforços, ideologias e as mais djversas proposições digladiam-se sem encontrar saída?

Em nossa opinião, tanto uma quanto outra questão são improcedentes. Com relação à primeira; o autor supera o comprometimento, indo além da conjuntura, mostrando-se mais como um observador da estrutura. Elimina a idéia de que a distância no tempo é importante para a consideração serena dos fatos, impondo-se como um observador atento aos fatos que se sucedem diariamente, em profundidade. Quanto à segunda, a idéia de tratar o problema sobre o desenvolvimento brasileiro, brota - e nisto não vemos nenhuma fonte de erro - dessa situação apontada; contudo, a problemática abordada é muito mais abrangente, no sentido de estar acima das proposições de soluções características desse tipo de conjuntura. Porque não se trata de mais uma saída para a questão, mas de propor que a teorização do problema seja articulada na própria praxis, isto é, no conjunto de fatos históricos concretos do qual faz parte. Aqui, a história não é vista como um fim em si mesmo, mas como um método de investigação necessário à formulação da teoria.

Por fim, o próprio subtítulo da obra História e desenvolvimento - A contribuição da historiografia para a teoria e prática do desenvolvimento brasileiro - indica o intento do autor de pôr em equação as linhas básicas desta problemática, através das forças históricas que lhe deram origem.

No entanto, limitamo-nos a comentar apenas do ponto de vista teórico, devendo esclarecer mais uma vez ter sido a parte prática, a história que o autor desenvolveu desde os inícios da colonização até o presente, que nos permitiu chegar a tais apreciações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1973
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