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Introdução

ARTIGOS

Introdução

Alkimar R. Moura

Professor do Departamento de Economia da EAESP/FGV

Parodiando célebre escritor inglês, conhecido pelas famosas boutades, pode-se dizer que, quem sabe, escreve; quem não sabe, edita. Esta idéia - a da inutilidade do editor - é a que me ocorre insistentemente, ao escrever a introdução ao primeiro número especial da Revista de Administração de Empresas, dedicado ao sistema financeiro. Pode-se pensar em muitas ocasiões em que a presença de um mestre de cerimônias faz-se necessária e, até mesmo, imprescindível. Mas duvido que estas justificativas sejam as mesmas que explicam a presença de um editor de revista acadêmica. Em primeiro lugar, espera-se que o editor seja capaz de convencer os leitores da importância do tema a ser tratado na coletânea de artigos, de modo a justificar a edição de um número especial acerca do mesmo. Em segundo lugar, cabe-lhe indicar os objetivos do trabalho e como este está organizado. Por último, é sua função apresentar cada artigo individualmente, mostrando como ele se enquadra dentro do esquema geral que presidiu a organização da coletânea. São estas as tarefas que me proponho realizar no restante dessa introdução.

1. A IMPORTÂNCIA DO TEMA

Existem várias maneiras de abordar o problema da importância do sistema financeiro. A escolhida aqui não tem a pretensão de ser a melhor, mas apenas reflete o que o leitor perceberá rapidamente: a tendenciosidade acadêmica e profissional do editor. Refiro-me à interrelação entre o processo de crescimento econômico e o desenvolvimento das instituições financeiras e de mercado de capitais. Este assunto só mais recentemente tem atraído a atenção dos economistas preocupados com o processo de desenvolvimento econômico das nações subdesenvolvidas. Não se pode dizer que o relativo desinteresse dos economistas seja explicado pela ausência de informações adequadas a respeito do papel do sistema financeiro no processo de desenvolvimento econômico. Conhece-se, há bastante tempo, o trabalho paciente realizado pelo Prof. Raymond Goldsmith, na compilação e divulgação de dados estatísticos sobre o desenvolvimento das instituições financeiras nos Estados Unidos. O mesmo autor foi também um dos pioneiros a tentar formular uma base conceituai, a fim de determinar as repercussões das mudanças no sistema financeiro sobre o crescimento econômico e também os efeitos do crescimento econômico sobre a estrutura financeira.

Dentro do mesmo tema, enquadram-se os trabalhos dos economistas John Gurley e Edward Shaw, da Universidade de Stanford. Também historiadores econômicos, como Alexander Gerschenkron, Rondo Cameron, Hugh T. Patrick, detiveram-se na análise da importância do sistema financeiro na mobilização de recursos para a promoção do desenvolvimento econômico.

Graças a esses trabalhos e outros mais, sabemos hoje que o processo de evolução econômica das sociedades é acompanhado por uma série de modificações que ocorrem no conjunto de instituições, instrumentos e portfolios (aqui denominado amplamente de sistema financeiro), responsáveis pela transferência de recursos de poupadores para investidores. Essas modificações, por sua vez, exigem o desenvolvimento de uma verdadeira tecnologia de intermediação financeira, naquelas sociedades onde as instituições do mercado de crédito e de capitais não se disponham a assumir um papel rotineiro de meros sancionadores de planos de gastos de empresários, governo e consumidores. Em verdade, a contribuição do sistema financeiro foi mais relevante para acelerar o ritmo de transformação da economia onde e quando ele procurou desempenhar um papel dinâmico, ao expandir e diversificar suas operações, para atender à complexidade das novas transações; ao garantir liquidez e negociabilidade aos títulos primários emitidos pelas unidades deficitárias; ao financiar a execução de projetos de investimento altamente prioritários; ao permitir a diversificação de ativos nos portfolios das unidades superavitárias; ao estimular o aumento das poupanças individuais e contribuir para a utilização mais eficiente desses recursos escassos.

Não se entenda, do exposto, que o desenvolvimento das instituições financeiras e de mercado de capitais constitua-se na única técnica disponível para a mobilização de poupanças e sua canalização para o financiamento do processo de expansão da economia. Como assinalou o Prof. John Gurley,1 1 Gurley, John. Financial structures in developing economies. In: Fiscal and monetary problems in developing states. David Krivine, ed. F. Praeger, 1967. existem técnicas opcionais, que podem alcançar os mesmos objetivos, tais como, a técnica fiscal, a técnica da inflação e a técnica do planejamento centralizado. Cada uma delas encerra benefícios e custos sociais, além de exigir, em alguns casos, uma modificação no ordenamento jurídico-institucional da sociedade.

No Brasil, sobretudo a partir das leis de Reforma Bancária e do Mercado de Capitais, procurou-se desenvolver e aperfeiçoar a técnica financeira, em substituição à técnica inflacionária, como mecanismo para a mobilização de recursos. Como conseqüência desse fato, observou-se, após 1964, profundas transformações na "superestrutura" financeira do País, que determinaram, entre outras coisas, o aparecimento de novas instituições e instrumentos financeiros, a modificação na importância relativa das diversas instituições e uma mudança na distribuição dos superávits e déficits setoriais.2 2 Ver, a propósito, o estudo: Fluxo de fundos na economia brasileira 1959/1969 - estudo preliminar. Banco Central do Brasil, anexo especial ao Boletim do B. C. do Brasil, v. 9, n. 1, p. 17-21, jun. 1973. Não cabe aqui rever e discutir todo o elenco de medidas de política econômica governamental que foi acionado para provocar a modernização do sistema financeiro. O leitor interessado no assunto dispõe atualmente de diversos trabalhos que tratam de analisar aquelas modificações, chegando mesmo alguns a relacioná-las entre os fatores responsáveis pelo recente surto econômico brasileiro.3 3 Ver, entre outros, os seguintes trabalhos: Simonsen, Mario H. Brasil 2002. Rio de Janeiro, APEC, 1972; Ness Jr., Walter L. Financial markets' innovation as a development strategy: initial results from the Brazilian experience. New York Universit, Graduate School of Business Administration (Working Paper Series, n. 72-25); Galveas, Ernane. Instituições financeiras no Brasil. - Segurança e Desenvolvimento, n. 141, p. 11, 1970. Vital, Sebastião M. & Ness Jr., Walter L. O progresso do mercado brasileiro de capitais: uma avaliação crítica. RAE, n. 1, p. 7, mar. 1973.

Nem se pretende, também, nesse item, apresentar posições críticas que têm sido levantadas em oposição ao tipo de desenvolvimento do sistema financeiro nacional em anos recentes. Esses pontos de vista salientam, especialmente, a possível incapacidade de o sistema estimular uma elevação na taxa de investimento privado, a falta de articulação entre as esferas produtivas e financeiras internas e o aguçamento da dependência externa da economia brasileira. Para mais detalhes refira-se o leitor a trabalhos recentes da Prof.ª Maria da Conceição Tavares, onde os temas mencionados são desenvolvidos com maior rigor e penetração.4 4 Tavares, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1972 esp. p. 125-52 e 209-55.

O objetivo desse item foi apenas o de reafirmar o fato de que, a exemplo da experiência histórica de outros países, a "superestrutura" financeira no Brasil sofreu mudanças substanciais, que ocorreram paralelamente ao processo de crescimento e diversificação da economia. Estas modificações merecem ser estudadas mais a fundo, pois, como recentemente observou um estudioso americano do nosso desenvolvimento financeiro, "they are probably the most extensive and imaginative found in the postwar world and merit intensive examination".5 5 Ness Jr., Walter L. op. cit. p. 2.

2. OBJETIVO E ORGANIZAÇÃO DOS ARTIGOS

A realização desse número especial de Revista de Administração de Empresas situa-se dentro da preocupação de analisar mais detidamente aspectos do funcionamento atual de instituições e instrumentos financeiros que operam no País. Pode-se dizer que a abordagem escolhida é mais setorial do que global, mais micro do que macroeconômica, pois deixa de lado o estudo de problemas relativos ao papel dos intermediários financeiros no crescimento e na estabilização da economia, concentrando-se no exame de aspectos particulares do sistema financeiro nacional. Procurou-se, também, evitar a reunião de artigos meramente descritivos da organização e funcionamento das instituições financeiras, já que tais tratamentos tornam-se rapidamente obsoletos.

O tema geral da edição foi proposto a cada um dos autores aqui presentes e cada um foi solicitado a se utilizar do instrumento analítico que lhe parecesse mais conveniente para abordar um dentre os seguintes tópicos:

a) análise da atuação de alguma instituição financeira, salientando seu desenvolvimento, problemas atuais e perspectivas;

b) análise de instrumentos de captação e/ou aplicação de recursos existentes no mercado financeiro, seu desenvolvimento, problemas e perspectivas;

c) análise de problemas institucionais ou legais, capazes de afetar o desenvolvimento das instituições ou instrumentos financeiros;

d) análise e aplicação de técnicas gerenciais a problemas específicos de instituições financeiras;

e) análise dos efeitos de determinada política governamental sobre a estrutura do sistema financeiro ou sobre partes dessa estrutura;

f) análise de atuação das instituições financeiras, face aos objetivos econômicos governamentais.

Qualquer que fosse o item escolhido, sugeriu-se que os artigos, na medida do possível, devessem formular recomendações substantivas, seja no tocante à política econômica oficial, ou ainda com referência à política empresarial, visando o aperfeiçoamento das instituições e instrumentos do sistema financeiro.

Tendo-se em vista as diretrizes enunciadas, os 10 artigos que compõem esta coletânea podem ser vistos como pertencentes ao seguinte esquema hipotético: em primeiro lugar e em razão de sua generalidade foi colocado o trabalho sobre aspectos teóricos da avaliação de títulos; seguem-se quatro artigos que cuidam de aplicar instrumentos teóricos para analisar problemas relativos a instituições financeiras específicas, quais sejam, sociedades de crédito, financiamento e investimento, bancos comerciais, sociedades de crédito imobiliário e bancos de investimento. Adiante, situam-se dois artigos concentrando-se na análise de problemas que têm implicações para o funcionamento do sistema: a legislação tributária sobre ganhos de capital e o financiamento das pequenas e médias empresas industriais. Ambos contêm sugestões importantes de política governamental referentes aos tópicos citados.

Finalmente, os três últimos artigos, embora não tratem diretamente de assuntos vinculados a instituições ou instrumentos financeiros, discutem alguns problemas correlatos: a relevância da chamada análise técnica de ações no Brasil, o efeito da política da taxa de câmbio flexível sobre o movimento de recursos externos e a política monetária governamental.

Na parte da Revista dedicada aos Comentários, são abordados três tópicos: o primeiro aponta algumas dificuldades de utilização, nas empresas, de projeções financeiras em moeda de poder aquisitivo constante, como medida destinada a evitar as distorções inflacionárias. Mostra-se ali que estas projeções tendem normalmente a superestimar o saldo de caixa e o lucro. A política de distribuição de resultados das sociedades anônimas de capital aberto no Brasil, no período 1968-72, é examinada no segundo Comentário. O terceiro e último procura identificar as variáveis que influenciam o custo do underwriting para as empresas brasileiras, utilizando-se de informações do Banco Central referentes ao ano de 1972.

3. APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS

Resta, agora, examinar rapidamente cada um dos artigos que compõem a coletânea.

Richard G. Walter, professor visitante do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da EAESP, é o autor do primeiro artigo, no qual ele examina alguns aspectos teóricos da chamada análise fundamentalista e a avaliação de títulos. Inicia o trabalho apresentando os pressupostos daquela análise e discutindo o problema da determinação de preços para ativos, cujos serviços estendem-se indefinidamente no futuro. Para explicar a formação de preços desses ativos, o autor revê três "modelos": o modelo estático, derivado da teoria econômica clássica; o modelo proposto por Hicks, onde se introduz explicitamente a incerteza e o risco nas decisões de portfólio de firmas e indivíduos e o modelo de Markowitz, cujo objetivo é explicar a existência de diversificação nos portfolios. Nas últimas páginas, o autor aborda desenvolvimentos recentes da teoria financeira especialmente a teoria de Sharpe que procura analisar a relação risco-retorno para títulos individuais.

A par da importância do tema tratado o artigo em pauta vem preencher um vazio na bibliografia especializada em português sobre o assunto. Deverá desta maneira ser bastante útil para estudiosos de finanças e de mercado de capitais pois o autor teve em mente a preocupação de realçar aspectos particulares do desenvolvimento teórico que são relevantes para o mercado brasileiro de títulos.

O artigo "A programação financeira das sociedades de financiamento, crédito e investimentos", escrito pelo Prof. Claus L. Warschauer, constitui uma síntese de sua tese de doutoramento, apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. O problema tratado pelo autor relaciona-se ao fato de que, no processo de captar e aplicar recursos, as "financeiras" geram fluxos de caixa transitórios que, se não aproveitados, poderão comprometer a liquidez e a rentabilidade daquelas instituições. O exame da questão é realizado em quatro níveis de profundidade: primeiramente, o autor discute o modelo convencional de programação financeira, mostrando suas limitações; em seguida, examina o que ele chamou de "modelo convencional modificado", onde se levam em conta as preferências do mercado por determinados prazos de resgate de letras de câmbio; o terceiro modelo é construído na suposição de aproveitamento integral das caixas transitórias, considerando-se as restrições financeiras, mercadológicas e legais. Por último, o autor apresenta o modelo "ótimo", o qual, apoiando-se na técnica de programação linear, permite a inclusão de uma função-objetivo e das restrições que afetam o processo captação-aplicação de recursos. Além disso, o modelo "ótimo" tem outras características desejáveis, como a facilidade de obtenção dos dados, integração com o sistema contábil e com outros sistemas de controle existentes na empresa e assim por diante. No texto, esse modelo é explicitado formalmente e se fornece um exemplo de sua utilização, para o caso de uma situação estática.

Já existem vários modelos de programação linear aplicáveis à gestão de instituições financeiras; contudo, o presente artigo constitui uma tentativa pioneira de aplicar aquela técnica ao caso das companhias de crédito, financiamento e de investimento. Além disso, a relativa facilidade de implementação do modelo certamente o transformará em um subsídio valioso para a tomada de decisões nesta área. Convém lembrar, como nos faz o autor, que o modelo também pode ser aplicado a bancos de investimento e a empresas de leasing.

O terceiro artigo, do Prof. Antonio C. Meirelles, trata da aplicação de um instrumental teórico bastante poderoso, as cadeias de Markov na análise da tendência recente à concentração dos bancos comerciais privados no Brasil. Esta técnica tem tido utilização ampla em vários campos de conhecimento: física, psicologia, teoria da informação, sociologia, economia etc. Na área mercadológica, a própria RAE já publicou artigo, empregando os processos de Markov para a previsão da participação de mercado de determinado produto.6 6 Goldschmidt, Paulo C. & Carmona, Fernando G. Um modelo de análise da participação de mercado. RAE, n. 3, p. 71, set. 1972. No presente trabalho, o Prof. Meirelles realiza uma previsão da distribuição, por tamanho, dos bancos comerciais privados brasileiros, nos próximos 10 anos. No fim desse período, ou seja, em 1982, mantidas as atuais forças que vêm provocando a concentração bancária, o autor adverte-nos que "apenas um banco particular deterá 22% dos depósitos à vista e que 27 bancos somarão 95% dos depósitos à vista". Embora o articulista não elabore sobre as prováveis conseqüências dessas previsões, elas são relevantes para a política econômica governamental e para os empresários do setor bancário. Qualquer que seja a racionalidade da política de favorecimento da concentração dos estabelecimentos bancários no Brasil, é fora de dúvidas que este processo poderá trazer conseqüências indesejáveis do ponto de vista da criação de poder monopólico. O artigo em tela procura antever a organização futura dos bancos comerciais e o quadro que surge desse esforço de previsão deveria ser analisado com mais atenção pelos policy-markers.

O estudo da composição do lucro de uma sociedade de crédito imobiliário é o objetivo do quarto artigo; seus autores são o Administrador de empresas Sérgio Del Porto Santos e o Consultor Luiz Roberto Salgado Candiota. Partindo de um balancete de uma sociedade de crédito imobiliário julgada "típica" e empregando índices de custo e renda para as diversas rubricas de ativo e passivo que refletem as condições presentes de mercado e as restrições legais e operacionais que afetam o funcionamento destas empresas, os autores identificam os fatores responsáveis pela lucratividade da instituição. É interessante observar que as conclusões do artigo - antecipadas pelo próprio título do mesmo - não implicam claramente nenhum tipo de comportamento de maximização de resultados por parte dos dirigentes daquelas empresas, já que os parâmetros utilizados provieram, na sua maior parte, dos demonstrativos contábeis da imobiliária "típica". De qualquer maneira, cabe ao artigo o mérito de trazer a público análise de aspectos importantes da gestão das sociedades de crédito imobiliário, que são instituições de aparecimento recente no nosso sistema financeiro.

O último trabalho, tratando de instituições financeiras específicas, discute a formulação de uma política de preços, isto é, taxas de juros, para as operações ativas dos bancos de investimento. Seu autor é o Eng.º Spencer L. C. Amereno. Na primeira parte, o autor delineia um modelo de otimização de lucro para os bancos de investimento, operando nas condições atuais de mercado, que se julga ser oligopolístico. Da mesma forma que o artigo do Prof. Warschauer, examina-se o problema da falta de sincronização entre captação de recursos e sua aplicação. Na segunda parte, sugere-se um modelo "heurístico", cuja implementação julga-se mais viável, destinado a fornecer elementos de decisão a respeito de taxas de captação e aplicação praticadas pelos bancos de investimento. Propõe ainda o autor uma formulação teórica para a determinação da viabilidade de uma operação de empréstimo, sem, no entanto, dar indicações quanto aos valores numéricos dos parâmetros que participam do modelo. Espera-se que a publicação deste trabalho abra o caminho para pesquisas posteriores, destinadas a formular um modelo de alocação de recursos para os bancos de investimento.

A matéria seguinte, de responsabilidade do Prof. Ary Oswaldo de Mattos Filho, mostra argumentos ponderáveis em favor da instituição de tributos sobre ganhos de capital no Brasil. O articulista discute, primeiramente, a possibilidade de implantação desse imposto e, a seguir, tenta estabelecer, partindo de levantamento casuístico, uma definição de ganhos de capital passível de um tratamento coerente de parte das autoridades tributárias. Pode-se prever que tal modificação terá efeitos benéficos, no sentido de atenuar a regressividade do sistema tributário brasileiro, e certamente contribuirá para moldar um padrão de distribuição de renda mais equitativo. Além das repercussões desta medida sobre o sistema financeiro - por meio de mudanças na distribuição de renda - a instituição de imposto sobre os ganhos de capital provavelmente afetará os rendimentos após a tributação dos títulos societários e, em conseqüência, deverá provocar alterações na composição de ativos das diversas unidades econômicas.

Um dos critérios para se medir a eficiência de um setor da economia é observar se ele é capaz de oferecer seus produtos ou serviços a preços competitivos, evitando práticas monopolísticas ou discriminatórias. No Brasil, não se pode dizer que todos os setores econômicos tenham a mesma oportunidade de acesso às fontes de financiamento empresarial. Quanto às pequenas e médias empresas industriais, as próprias autoridades monetárias procuram corrigir estas imperfeições do mercado, criando mecanismos de financiamento, voltados exclusivamente para o atendimento creditício às pequenas e médias empresas. É este o tema tratado pelo Economista Frederico Robalinho de Barros, do IPEA, no artigo "Um modelo de expansão e modernização do sistema financeiro para pequenas e médias industrias".

Após mostrar a importância das pequenas e médias empresas industriais na economia nacional, o autor identifica outro ponto de estrangulamento que dificulta o acesso dessas firmas ao sistema creditício: a carência de garantias reais para a obtenção de financiamento. A partir desse diagnóstico, sugere a implantação de sociedade de aval, com o objetivo definido de oferecer ou complementar as garantias reais exigidas pelo sistema financeiro, para a concessão de linhas de crédito às pequenas e médias empresas industriais. Prevê-se que tal medida poderá assegurar maior continuidade nos fluxos creditícios dirigidos àquelas empresas.

O oitavo artigo, cujo autor é o Prof. Orlando Figueiredo, tem como objetivo testar a validade dos índices técnicos, calculados e divulgados pelas principais bolsas de valores do País, como elementos que auxiliariam o investidor a constituir um portfolw de ações. O método estatístico de análise da variância foi utilizado para testar a hipótese de que um portfólio selecionado com a ajuda dos índices técnicos produziria melhores resultados para o investidor, do que um outro, selecionado aleatoriamente. Conduziu-se o experimento com informações da Bolsa de Valores de São Paulo, em dois períodos diferentes de mercado: período de expansão e de retração nas atividades bolsísticas. Os resultados do teste provavelmente interessarão aos analistas profissionais do mercado e aos estatísticos e economistas acadêmicos. De há muito nos Estados Unidos, estes dois grupos de pessoas sustentam posições divergentes, quanto à possibilidade de realização de lucros no mercado de ações, baseando-se na observação de séries estatísticas passadas como indicadores do curso futuro do preço das ações. Os analistas do mercado operam na suposição de que é possível prever os preços futuros das ações com base nos seus preços passados e, conseqüentemente, a análise técnica pode produzir lucros para o investidor. De outro lado, os estatísticos e economistas afirmam que o processo de previsão de preços futuros de uma ação assemelha-se ao de se atirar uma moeda para cima e observar os resultados: cada evento, ou cada movimento de preços, é totalmente independente dos eventos passados.

Espera-se que as conclusões do artigo em causa estimulem novas pesquisas sobre esse assunto, que é praticamente inexplorado entre nós.

De 1967 até agora, o Brasil tem praticado uma política declarada de absorção de recursos externos, seja sob a forma de investimentos diretos ou na modalidade de empréstimos e financiamentos. Justifica-se esta orientação pela necessidade de complementar a poupança interna, para gerar uma taxa mais elevada de investimentos ou, em outras palavras, pela necessidade de cobrir o hiato de recursos. O Prof. Eduardo M. Suplicy, no penúltimo artigo da série, analisa mais a fundo um dos componentes da política econômica externa brasileira após 1968: o sistema das minidesvalorizações periódicas da taxa de câmbio e os seus prováveis efeitos sobre o fluxo de recursos externos para o Brasil. O exame da questão é realizado com duas abordagens diferentes: no caso dos investimentos diretos, procura-se captar o efeito das minidesvalorizações por meio de métodos estatísticos de análise de regressão. Quanto ao movimento de empréstimos e financiamentos externos, utiliza-se da teoria do portfólio para explicar a elevação substancial na entrada daqueles recursos, reconhecendo o autor que também outros fatores importantes devem ser levados em conta. Credite-se a ele a tentativa de identificar e quantificar as variáveis que influenciam o fenômeno de entrada de recursos externos para a economia brasileira, que até agora tem sido tratado de maneira superficial ou sectarista.

Finalmente, o último artigo, escrito pelo Prof. Antonio M. da Silveira, aborda um problema crucial para a estabilidade do sistema financeiro: a política monetária governamental. Ao modificar a oferta monetária, o Governo pode influenciar o preço dos estoques existentes de ativos financeiros e de ativos reais e também influenciar o preço de novos ativos financeiros e reais. Na primeira parte do trabalho, o Prof. Silveira discute o grau de controle que as autoridades monetárias brasileiras detêm sobre a oferta de dinheiro. A conclusão é a de que o governo conserva o controle efetivo sobre a base monetária. O autor também identifica, para o período 1948-1967, os fatores responsáveis pela expansão da base: o deficit governamental e o aumento das reservas internacionais. Na segunda parte do texto, discute-se a procura de moeda e o modelo apresentado segue de perto a recente tradição monetarista norte-americana. O artigo está escrito em uma linguagem didática e clara contribuindo, desta maneira, para tornar 0 assunto acessível a todos os leitores e não somente àqueles poucos conhecedores dos intricados meandros da política monetária.

  • 2 Ver, a propósito, o estudo: Fluxo de fundos na economia brasileira 1959/1969 - estudo preliminar. Banco Central do Brasil, anexo especial ao Boletim do B. C. do Brasil, v. 9, n. 1, p. 17-21, jun. 1973.
  • 3 Ver, entre outros, os seguintes trabalhos: Simonsen, Mario H. Brasil 2002. Rio de Janeiro, APEC, 1972;
  • Ness Jr., Walter L. Financial markets' innovation as a development strategy: initial results from the Brazilian experience. New York Universit, Graduate School of Business Administration (Working Paper Series, n. 72-25);
  • Galveas, Ernane. Instituições financeiras no Brasil. - Segurança e Desenvolvimento, n. 141, p. 11, 1970.
  • Vital, Sebastião M. & Ness Jr., Walter L. O progresso do mercado brasileiro de capitais: uma avaliação crítica. RAE, n. 1, p. 7, mar. 1973.
  • 4 Tavares, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1972 esp. p. 125-52 e 209-55.
  • 6 Goldschmidt, Paulo C. & Carmona, Fernando G. Um modelo de análise da participação de mercado. RAE, n. 3, p. 71, set. 1972.
  • 1
    Gurley, John. Financial structures in developing economies. In:
    Fiscal and monetary problems in developing states. David Krivine, ed. F. Praeger, 1967.
  • 2
    Ver, a propósito, o estudo: Fluxo de fundos na economia brasileira 1959/1969 - estudo preliminar. Banco Central do Brasil, anexo especial ao
    Boletim do B. C. do Brasil, v. 9, n. 1, p. 17-21, jun. 1973.
  • 3
    Ver, entre outros, os seguintes trabalhos: Simonsen, Mario H.
    Brasil 2002. Rio de Janeiro, APEC, 1972; Ness Jr., Walter L.
    Financial markets' innovation as a development strategy: initial results from the Brazilian experience. New York Universit, Graduate School of Business Administration (Working Paper Series, n. 72-25); Galveas, Ernane. Instituições financeiras no Brasil. -
    Segurança e Desenvolvimento, n. 141, p. 11, 1970. Vital, Sebastião M. & Ness Jr., Walter L. O progresso do mercado brasileiro de capitais: uma avaliação crítica. RAE, n. 1, p. 7, mar. 1973.
  • 4
    Tavares, Maria da Conceição.
    Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1972 esp. p. 125-52 e 209-55.
  • 5
    Ness Jr., Walter L. op. cit. p. 2.
  • 6
    Goldschmidt, Paulo C. & Carmona, Fernando G. Um modelo de análise da participação de mercado. RAE, n. 3, p. 71, set. 1972.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1974
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