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O processo de Industrialização Substitutivo de Importações latino-americano (ISI) e seus problemas econômicos derivados

COMENTÁRIOS

O processo de Industrialização Substitutivo de Importações latino-americano (ISI) e seus problemas econômicos derivados* * Palestra perante o Seminário do Projeto de Gestão Tecnológica no Setor Alimentício, celebrado em São Paulo, novembro 3, 4 e 5 de 1976. Tradução do original em espanhol por Maria Clotilde Aizcorbe de Di Giorgio e revisão técnica por Fernando Arantes Vieira.

Kurt R. Unger

Professor do Departamento de Economia, Itesm

1. INTRODUÇÃO

As forças de impulso à industrialização latinoamericana devem localizar-se em várias frentes interatuantes de natureza histórico-político-económica. O argumento histórico fundamenta-se na evolução que a estrutura econômica de cada país vinha sofrendo, particularmente desde a segunda metade do século XIX;1 1 A transição para uma bem sucedida industrialização foi facilitada pela expansão da atividade primária exportadora original, cujos efeitos de criação de empregos, aumentos da produtividade, formação de um mercado nacional de consumo de manufaturas, e desenvolvimento de certa infra-estrutura, entre outros, beneficiaram as primeiras etapas da indústria local. Veja Furtado, C. Economic development of Latín America. Cambridge U.P., 1970. p. 75-7. esta encontra a "prova de fogo" da sua maturidade por ocasião do imperativo da auto-suficiencia no abastecimento da demanda interna, como conseqüência do período da influência da depressão de 1929 e da II Guerra Mundial.

Essa demanda vinha se satisfazendo primordialmente com importações de países desenvolvidos, mas quando os países industrializados voltaram sua produção em direção às demandas bélicas, o mercado a sacrificar foi, logicamente, o da exportação.

A frente política foi geralmente nacionalista desde meados do século XIX,2 2 Entre as expressões de nacionalismo mexicano mais claras, estão o art. 27 da Constituição de 1917. Veja Baily, S., ed., Nationalism in Latin America, p. 98-111, e a expropriação do petróleo de Cárdenas em 1938. e permanentemente temeroso de ambições imperialistas, em particular, do grande vizinho do Norte. É lógico que industrializar-se seja prioridade em toda tentativa de independência econômico-política, como claramente o comprovaram, no seu tempo, os caminhos seguidos por soviéticos e japoneses.3 3 O debate sobre a industrialização na URSS ao completar-se a revolução, foi resolvido por Stalin para lograr a autarquia econômica mediante prioridade á indústria de base. Veja Erlich, A., The Soviet industrializaron debate, 1924-28. Studies, Harvard Univ. Press, Russian Research Center, n. 41,1967.

Na frente econômica, podemos ver ao iniciar-se a industrialização latino-americana, dois aspectos da economia política em cada país: a) no terreno dos grupos de poder econômico e político, concretizado nas estruturas de demanda e oferta do momento e a médio prazo; b) nas esferas intelectuais de influência entre esses grupos de poder, particularmente naquelas que se inspiram nas teorias e lineamentos surgidos dos recémformados organismos internacionais de domínio ocidental durante a época de pós-guerra, conhecida como Pax Americana (ONU, Alalc, MCE, etc.). É nesses aspectos da economia política que concentraremos nosso ponto de partida no diagnóstico do processo de industrialização até nossos dias, pois os problemas que hoje identificamos como resultado desse processo são efeito lógico dessas condições e objetivos implícitos iniciais.

Da mesma forma, poderemos extrapolar hoje resultados-efeitos lógicos ao futuro das "soluções" que vêm surgindo e implementando os problemas presentes. Concretamente, propomo-nos a descrever o processo de industrialização substitutivo de importações (ISI) nos países latino-americanos durante as últimas décadas, como sendo uma corrente causai conseqüente, tanto das condições iniciais do começo do século e particularmente dos anos 40, como das características, distintivas do contexto econômico político e industrial do período de referência, internas e externas de cada país. Na breve descrição proposta, procuraremos mais as generalidades do processo, aplicáveis a todos ou à maioria dos países latino-americanos, sacrificando suas respectivas particularidades.

Tais condições e características nos conduzirão a explicar as conseqüências positivas e negativas do processo tal como se vê atualmente. Faremos recair a ênfase principal sobre as conseqüências negativas, por serem esses os aspectos-problemas fundamentais que afligem nossos países, e que urge resolver, isto é, desemprego, concentração da renda, déficit no balanço de pagamentos e dependência econônica e tecnológica externa; a definição dessa última, isto é, a dependência científica e tecnológica, é essencial para os propósitos que inspiram nossa investigação sob dois pontos de vista: como variante causai que termina os problemas e como variante independente que nos leva a sua solução. Igualmente importante será precisar de início o que fora objetivo implícito na industrialização: continuar e melhorar o nível de consumo das minorias (burguesia industrial e agropecuária-mineira-exportadora), mantendo-o ao nível crescente do correspondente às classes médias de países avançados, mediante a reprodução interna dos bens de consumo antes importados.4 4 O engano demagógico consiste em criticar a classe dominante ao mesmo tempo que se continuam dando estímulos à sua "produtividade".

A esta altura, é fato indiscutível que quando se tem pouco para dar a uns é preciso tirar de outros (tanto entre países, como dentro do país, intra e intergeracionalmente), e essa negociação ocorre em todos os níveis: investir na geração de independência científico-tecnológica a longo prazo, ou investir para maximizar a produção de bens a prazo mais curto, produzir para consumo interno ou para exportação, produção agrícola ou industrial, indústrias de bens de consumo imediato ou de bens de capital para o futuro, indústrias de bens de consumo de massa ou elitistas, etc. O ponto que desejo enfatizar é que apesar de todos os disfarces semânticos empregados pelos grupos de poder (privados e públicos), ao enfrentar e propor soluções aos problemas de hoje, continuam no fundo objetivos implícitos que não sugerem uma verdadeira renegociação a curto prazo no âmbito interno, mas que se insiste em transportá-la ao externo.

Dito de outra forma, fala-se em aumentar os benefícios da maioria para tornar isto realidade. Nunca se especifica quem, no plano interno5 5 No externo, Kissinger deixou claro não ter interesse em renegociar a participação do bolo mundial. Exemplo, a IV Unctad. deveria ser o sacrificado.

2. CONDIÇÕES INICIAIS IMPULSIONANDO E CONFIGURANDO ISI

Podemos distinguir condições internas e externas, de forma que sejam válidas para cada país, e ao mesmo tempo semelhantes entre eles.

Entre as externas, já mencionamos o papel da Grande Depressão e da II Guerra Mundial como impulsos de industrialização na América Latina; da mesma forma, a etapa de pós-guerra até fins dos anos 50, conhecida como Pax-Americana,6 6 A carta de direitos e deveres dos Estados e gestões de união latino-americana (o SELA e o Pacto Andino recentemente) novamente mostram habilidade para desviar a atenção ao exterior. marcou a consolidação da penetração norte-americana em todos os setores (tecnológico, econômico, cultural, político, etc), cujos resultados em matéria econômica resumiram-se em pretender copiar seu estilo de desenvolvimento. Paralelamente, no campo intelectual de influência nos meios oficiais, surgem argumentos de apoio para a formação de uma base industrial nos países que não a têm, com o que se consolidaria o desenvolvimento capitalista interno de maiores dividendos. Destaca-se entre esses argumentos o que se chamou de Doutrina Prebisch,7 7 Raúl Prebisch, argentino, secretário latino-americano junto ás Nações Unidas em fins dos anos 40 e início dos anos 50. Veja Prebisch, R., The Economic development of Latin America. In: Baily, S., (ed) Nationalism in Latin America. Também é importante a visão de Prebisch que emerge na publicação das Nações Unidas, The economic development of Latin America; its principal problems. 1950. que no início dos anos 50 racionalizava o objetivo de industrialização, mostrando empiricamente que os termos de intercâmbio entre produtos primários e manufaturados se deterioravam ao decorrer do tempo, para desvantagem dos primários (isto se explica principalmente pelas diferentes elasticidades de demanda-renda e pelo desenvolvimento de produtos sintéticos substituindo os primários, entre outras explicações).

No âmbito interno de cada país, o início dos anos 40 apresentava três aspectos econômicos fundamentais: a) uma rede de infra-estrutura relativamente suficiente para iniciar novas atividades industriais e impulsionar as incipientes; entre as facilidades principais deve se considerar a rede de comunicações e transportes, herança principal do bem sucedido período de comércio externo da segunda metade do século XIX; b) uma estrutura econômica razoavelmente sólida na área agrícola, como fonte que permitiria a subsistência da população para fornecer insumos ao setor industrial em desenvolvimento;8 8 Paradoxalmente aplica-se internamente a mesma manipulação dos termos de intercâmbio entre os setores industrial e agrícola que antes foi denunciado na área internacional. Para o caso do México. Veja Hansen, R., La política del desarrollo mexicano. Siglo XXI. p. 80-89. c) uma concentração de renda desproporcional que configurava uma estrutura de demanda de importações na qual os bens manufaturados ocupavam o potencial por excelência (lei de Engels em relação a elasticidade de demandarenda.9 9 Veja Wionczeck, M., Latin America growth and trade strategies (1945-70). Development change, v. 5, The Hague. Também referido a América Latina, veja Cooper, C, Science, technology and production in thé underveloped countries: an introduction. Journal of Development Studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972.

Estes aspectos determinam a seleção dos produtos e a forma de produzi-los mediante ISI. Deles derivam as características de sua produção e os efeitos futuros.

3. CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS PRODUTOS E TECNOLOGIAS ADOTADAS NO PROCESSO ISI

A característica mais geral, sem dúvida, é que se trata de produtos sofisticados desenvolvidos no exterior e que supõem, por conseguinte, condições de demanda e de produção que prevalecem no exterior.10 10 Frances Stewart, ao analisar a seleção de técnicas em relação a objetivos de emprego e crescimento, conclui que é a seleção de produtos e não a de técnicas a relevante. Choice of technique in developing countries. Journal of development studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972. Já mencionamos a concentração da renda que desde 1940 permitia uma estrutura de demanda que mesmo quando restrita a poucas pessoas e orientava o poder de aquisição para os produtos sofisticados e inovadores que apareciam no exterior. Interessa-nos, a seguir, explorar as características que definiriam a oferta produtiva ao longo do processo ISI, isto é, de 1940 até nossos dias, tal como a condicionavam os produtos escolhidos.

No contexto mundial, três tendências principais distinguiram o setor industrial: uma crescente automatização, o desenvolvimento e controle por seus proprietários de produtos e tecnologias cada vez mais sofisticadas e o avanço da inversão estrangeira direta (IED) por particulares de países industrializados no setor manufatureiro de países em desenvolvimento.

Nos países latino-americanos, essas tendências tiveram suas respectivas conseqüências: a) a automatização leva consigo uma relação capital-emprego (K/L) crescente. Os efeitos corolários disto são: pouca geração de empregos e subsídios a altos custos de capital. Os subsídios ao fator capital são supostamente necessários por várias razões: custo crescente de importações de bens de capital, alto custo unitário de produção, por manter-se relativamente reduzido o mercado interno sem permitir lograr economias de escala, pelo que se requer proteção tarifária dos artigos competitivos do exterior, levando a uma relativa ineficiência e a capacidades instaladas ociosas,11 11 Veja Balassa, B., ed. The struture of protection in undervelope countries, 1971, onde se analisa o caso do México entre outros (também em Demografia y economia), v. 6, n. 2,1972. entre outras coisas; b) a criação constante de novas tecnologias nos centros avançados propiciou um atraso tecnológico permanente nos países da periferia. Isto, além de dificultar a concorrência de exportações dos países periféricos, motiva um fluxo crescente de importações, particularmente de bens de capital e afins, que não pode ser substituído por produção interna como o processo ISI otimistamente supunha. O efeito sobre a balança comercial não se fez esperar; c) a política protecionista que defende os produtos nacionais dos produtos estrangeiros foi habilmente compreendida pelas empresas estrangeiras que passam a estabelecer-se no país na condição de líderes de muitos setores de manufaturas, beneficiando-se mais do que no seu papel anterior de simples exportadores. Desde o ponto de vista do país anfitrião, põe-se principalmente em dúvida a soberania nacional se se desejasse corrigir o rumo do desenvolvimento.

4. PROBLEMAS ECONÔMICOS RESULTANTES DE ISI

Freqüentemente são resumidos no argumento da dependência,12 12 Para um excelente resumo descritivo veja Cooper, C, op. cit. P- 5. em suas duas variantes principais, a econômica e a tecnológica. O conceito de dependência externa, porém, é antes abstrato e não necessariamente nocivo por natureza, podendo se atribuir os efeitos positivos da industrialização a esse mesmo fenômeno. Assim, pois, devemos explicitar os efeitos problemáticos em termos mais concretos e que sugiram variáveis de políticas operacionais.

Os últimos efeitos desprendem-se de um círculo vicioso de efeitos causais recíprocos, no qual podemos identificar quatro vértices principais: o emprego de poucos (desemprego), o déficit do setor externo (particularmente, déficif da balança comercial), a concentração da renda (como determinante de uma estrutura de demanda), e as características tecnológicas dos produtos e processos "reprodutivos"13 13 A conotação de F. Stewart refere-se à cópia fiel de produtos e processos antes importados, em lugar de partir da definição da necessidade que com eles se satisfazia e ver formas alternativas de satisfazê-la, de preferência as autóctones, ou mais adequadas às condições e recursos do país. de importações (alta relação K/L, requerimentos de insumos importados, dificuldades competitivas, penetração do investimento estrangeiro etc). Mesmo quando as relações entre esses efeitos forem múltiplas e em todas :as direções, sugerimos uma cadeia causal que supomos ser a principal, expressa no quadro 1 (esse quadro é uma versão resumida do quadro 2, que incorpora maiores detalhes e adiciona elementos de fora dos países da A.L.).



No esquema proposto de inter-relações causais entre os aspectos-problema, podemos ensaiar qual (is) pode (m) funcionar como motor inicial de solução que seja transmitida aos demais pela inércia de sua inter-relação. Isto, de fato, éo que se parece adotar como hipótese de trabalho pelos organismos representativos e estudiosos de cada aspecto-problema a níveis nacional e internacional. É óbvio, por exemplo, que nossa investigação parte de supor a solução, começando do problema tecnológico.

A OIT e suas contrapartes nacionais (por exemplo, o Grupo de Estudo do Problema do Emprego e Senhorias do Trabalho e Presidência, no México) partem de considerar o emprego como a força motriz. A Unctad é suas contrapartes nacionais trabalham a partir de supor o setor externo como a peça de ação de um todo. Partes da mesma Unctad e outras dependências nacionais (Conacyt, Colciências, etc.) estão pondo o esforço de solução em torno das variáveis de desenvolvimento científico, tecnologia, investimento estrangeiro, transnacionais/multinacionais. E pode supor-se que a distribuição da renda é a determinante que ocupa primordialmente as dependências fiscais, agrárias e de serviços públicos em cada país.

Porém, é errôneo supor que a solução a partir de um dos aspecto-problema necessariamente desencadeará a solução de todos os demais. Pelo contrário, haverá entre as políticas de solução algumas que se movem em direções opostas, assim como outras de relativa independência com respeito a outros aspectos-problemas. Tal parece ser o caso de algumas das políticas adotadas no campo industrial nos últimos tempos, como veremos a seguir.

Praticamente em todo o período de pós-guerra o setor externo foi o motivo da maior preocupação e aplicação contínua das ações da política oficial. O próprio processo de industrialização partiu da substituição de importações (cujo efeito real, segundo argumentamos, foi substituir importações de bens de consumo por importações de bens de capital e afins).

Pois bem, o setor externo parece seguir contando com a mais alta prioridade no presente, num claro intento de procurar (esgotar) soluções no exterior, evitando mudanças na deformada estrutura interna de consumo, emprego e distribuição da renda.14 14 J. Matus em estimulante artigo, desenvolve a hipótese de que foi precisamente-nossa participação no comércio internacional que orientou e dirigiu nosso padrão de consumo a assemelhar-se ao de países desenvolvidos, a custa de obter os aspectos problemáticos repetidamente mostrados. Seu questionamento enfatiza a necessidade de ver o setor externo não como algo isolado do interno, mas inter-relacionado e condicionante (veja Comercio Exterior, abr. 1976). No interno talvez os esforços mais claros por parte dos países latino-americanos tenham-se limitado a procurar controlar a crescente porção que estão açambarcando as empresas estrangeiras e a fixar pautas à transferência de tecnologia.15 15 A legislação sobre investimento estrangeiro, transferência de tecnologia, patentes e marcas, e as funções encomendadas a organismos oficiais como Conacyt, Colciências, etc. sobressaem como intentos de atacar a dependência tecnológico-econômica do exterior, mas sua aplicação concreta e radical a curto prazo exigiria entabular conflito aberto com os grupos de poder e isto não está acontecendo.

É com estes esforços externos e internos que nos interessa relacionar o nosso projeto, particularmente ao considerar a dualidade de problemas com que se relaciona a transferência de tecnologia: problemas de adequação e de custo.

5. ALGUMAS POLÍTICAS DE SOLUÇÃO EM PRATICA NOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS

5.1 Regulamentação da transferência de tecnologia

Os antecedentes por todos conhecidos em matéria de regulamentação da transferência de tecnologia referem-se à forma como esta vinha ocorrendo, em geral sem restrições substanciais e com pouca participação de parte do Estado como regulador, promotor e coordenador.16 16 Na melhor das hipóteses, a preocupação ocasional do Estado era quanto às saídas de divisas. Para o caso mexicano veja Wionczek, M., Bueno, G. & Navarrete, J., La transferencia internacional de tecnologia. México, FCE, 1974, p. 48. As conseqüências dessa transferência irrestrita, acontecendo à margem das instituições científico-tecnológicas dos países latino-americanos, manifestam-se, por um lado, no estágio de alta dependência científico-tecnológica que hoje reprovamos. Por outra parte, esse processo de transferência tecnológica se relaciona com os problemas que precisamos em nosso diagnóstico de industrialização, mas que, por conveniência conceituai e para simplificar seu tratamento neste estudo, agrupam-se em dois grandes itens: problemas de custo e problemas de adequação. Vejamos cada um.

5.1.1 Problemas de adequação tecnológica

Para alguns, o problema de transferência de tecnologia pode referir-se como tecnologia inadequada tanto às necessidades do país quanto à sua dotação de recursos. Apesar de ser pouco apropriada para as necessidades do país, mencionam-se, entre outros, o fato de tratar-se de tecnologia para obter produtos sofisticados demais para as suas prioridades socio-econômicas;17 17 Idéia de F. Stewart, Choice of technique in developing countries. Journal of Development Studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972. além do mais apresenta-se marcada tendência nos novos produtos desenvolvidos nos países adiantados (os mesmos que nos apressamos a reproduzir) para a mudança tecnológica poupadora do fator trabalho; ainda mais, os mecanismos que transpassaram a soberania do consumidor ao produtor, publicidade e manipulação dos meios, etc, podem estar permitindo o deslocamento da satisfação antes coberta com produtos tradicionais, da mesma necessidade para novos produtos que poderíamos rotular convencionalmente como inferiores.18 18 Efeito similar se dá quando se incorre em maior custo para um mesmo produto. Essa "sobreimportação" a consignam Wionczek, Bueno e Navarrete, em casos em que "empresas já constituídas e com tecnologias desenvolvidas celebraram contratos com empresas estrangeiras. Argumentaram que dessa maneira os seus produtos, embora sem modificação nenhuma, teriam maior aceitação no mercado". Wionczek, M., Bueno, G. & Navarrete, J., op. cit. p. 27.

Outra fonte de falta de propriedade na transferência é o tamanho reduzido do mercado em comparação com o do país de origem, a qual em boa parte explicaria a freqüência com que encontramos capacidade ociosa considerável nas empresas nacionais; ao ter assegurado um mercado interno (seja por contar com a proteção do exterior e/ou por tratar-se de mercados monopolizados), os custos operacionais aquisitivos perdem importância.

A possibilidade de incorrer em importação de tecnologia que acusa falta de propriedade com relação à dotação de recursos (capital e trabalho) foi precisada há mais de duas décadas atrás.19 19 Veja Eckaus, R., The factor - proportions, problem in under-developed áreas. American Economic Review, Sept. 1955. O argumento simplesmente é que, dada a relativa escassez de mão-de-obra quanto ao capital nos países desenvolvidos, é racional para estes, ao desenvolver tecnologias automatizantes, que diminuam o uso de mão-de-obra. Sendo esse fator o que se encontra em abundância em nosso país, importar tecnologia que o desloca é irracional a partir de uma perspectiva macrossocial.

Essa prática é porém perfeitamente racional com os objetivos microeconômicos de maximização de utilidades por partes dos produtores, dado que, além das considerações feitas anteriormente referentes às rendas, os custos relativos a ambos fatores entre si também vêm-se movimentando em direção oposta à que prescreveria a livre competição do mercado, pela tendência de ser barato o capital e relativamente cara a mão-de-obra.20 20 Um bom resumo de hipóteses detalhando possíveis explicações ao problema da desproporção no uso de fatores, encontra-se em Mason, R. Sal., Unitar. The transfer of technology the factor proportions problem: the Philippines México, Research Report, New York, n. 10.

Outras fontes de falta de adequação podem referir-se ao uso de matérias-primas não existentes em âmbito local (e em conseqüência de importação), como por exemplo a importação de máquinas que podem ser passíveis de obsoletismo, inadaptação climática, falta de robustez, etc.21 21 Para um tratamento completo de possíveis inadequações de tecnologia veja Teitel, S., Acerca del concepto de tecnologia apropriada para los países menos industrializados, El Trimestre Económico, p. 775-804, jul./sept. 1976.

Em resumo, esse grupo de problemas da propriedade de aplicação das tecnologias guarda íntima relação com os problemas macroeconômicos do desemprego, a concentração da renda, a ineficiência produtiva e o excesso de capacidade ociosa.

5.1.2 Problemas de tencologia de custo elevado

É amplamente conhecido o caso da tecnologia de custo elevado para o empresário que adquire, mas que não lhe causa problema, dado que pode transferir esse custo para adiante. Por isso, interessa-nos apenas referir ao custo desde o ponto de vista do país, considerando suas dimensões a curto, médio e longo prazos.

Três famílias de custos na transferência de tecnologias identificam-se na literatura: custos de importações (diretas, indiretas, derivadas), custos quando a tecnologia se adquire cedendo participação do capital e investidores estrangeiros (interesses, utilidades, regalias, etc.) e custos de restrições e limitações impostas pelo vendedor da tecnologia (restrições à exportação, preços mínimos, apropriação do avanço tecnológico, etc.).22 22 Outra classificação de custos distingue-os em explícitos, implícitos quantificáveis e implícitos não-quantifiçáveis. Veja Wionczek, M. Bueno & Navarrete, J., op. cit. p. 223.

Os custos das importações, tanto da tecnologia direta em si (assessoria, patentes ou maquinaria), como dos insumos concomitantes e necessários para sua operação são uma das maiores preocupações nacionais dos últimos anos.

Por outro lado, a estimação de custos quando a tecnologia é adquirida acompanhada do investimento estrangeiro foi tema comentado desde o início dos anos 70. Alguns autores enfatizam os custos a curto prazo, sobretudo por inverter em negativos os fluxos líquidos pelo conceito de novo capital, menos despesas e retribuições ao já existente.

Outros avaliam os efeitos, a médio e longo prazos, de estar configurando, no país, uma estrutura produtiva dependente e em poder de consórcios transnacionais no setor de manufaturas, particularmente nas mais dinâmicas.23 23 Veja Fajnzylher, F. & Tarrago T. Martinez, Las empresas transnacionales; expansión a nivel mundial y projección en la industria mexicana. FCE, 1976. Outra interpretação de interesse, no contexto de exportações de manufaturas através dessas empresas, em Helleiner, G., Manufacturad exportsfrom less developed countries multinational f irms. Economic Journal, Mar. 1973.

Por último, os custos associados a restrições e limitações na cessão de tecnologia foram principalmente detectados ao explorar a verificação empírica das vantagens monopólicas sugeridas pela adaptação da teoria do ciclo de vida do produto ao comércio internacional.24 24 A referencia clássica para a exposição da teoria é Vernon, R., International investment international trade in the product cycle, QJE, v. 80, 1966. Um dos autores líderes na análise empírica desses custos é Vaitsos, C, Transfer of resources and preservation of monopoly rents, documento da conferência de Dubrovnik, Harvard University Development Center, May, 1970, mimeogr.

Os efeitos a longo prazo, por implicar importação de tecnologia à margem do incipiente aparelho científico e tecnológico local, criam sua própria dinâmica de crescente dependência e alargamento da brecha tecnológica entre países desenvolvidos e os nossos,25 25 Herrera, Amílcar, além de explicar o fato em si, situa-o no concurso das forças sociais, políticas e econômicas que lhe dão maior coerência e menor otimismo de solução. Social determinants of science policy in Latin America. Journal of Development Studies, Oct. 1972. o que nos assegura custos ascendentes por bom tempo.

Em resumo, os critérios de custos guardam relação com o problema nacional da balança de pagamentos ao exterior a prazo curto e longo, assim como com as limitadas possibilidades de gerar um avanço científico e tecnológico autônomo que permita maiores opções ao desenvolvimento e crescimento econômicos futuros.

5.2 Promoção de bens de capital e exportações de manufaturas

As políticas explícitas mais evidentes que vêm sendo sugeridas na promoção direta do setor industrial são duas. Uma, inspirada fundamentalmente no critério de problemas de custo, o aprofundamento vertical do processo de industrialização através da substituição de importações de bens intermediários e de capital.26 26 No caso de países de maior tamanho como Brasil e México se manipula a nível nacional. No grupo de países do Pacto Andino, contempla-se para o grupo em conjunto. Outra, a promoção de manufaturas para a exportação aos países industrializados, enfocada principalmente para produtos e/ou fases de processos intensivos em mão-de-obra envolvendo o critério de adequação à oferta abundante deste. Vejamos, a seguir, os efeitos prováveis de cada uma dessas políticas em relação aos problemas econômicos identificados.

A política ISI para bens de capital parece, em princípio, bastante adequada ao objetivo de solução do déficit da balança comercial a longo prazo (isto é, de custos), embora reste a comprovar se o financiamento internacional suporta o lapso entre hoje e a data futura em que se completará o processo, mesmo que exija alta disponibilidade de importações de maquinaria e equipamento para a fabricação de bens de capital, assim como bens intermédios de assistência técnica, etc. Essa política também sugere coerência com o objetivo de diminuir a dependência tecnológica a médio e longo prazos, embora levante suspeitas o fato de recorrer-se novamente à atração do investimento estrangeiro para sua tarefa.27 27 Veja, por exemplo, o convite da Nafinsa de México a empresários japoneses em El Mercado de Valores, v. 35, n. 49, dez. 8, 1975, p. 903-5. A controvérsia ao redor da regra 24 do Pacto Andino é outro sintoma similar.

Com referência a seu efeito sobre aspectos de adequação, ainda não está clara sua direção.

Em termos de geração de empregos, estima-se que os efeitos indiretos multiplicadores serão mais importantes que os diretos em si.

Contudo, atendendo aos efeitos diretos sobre o emprego para produzir bens de capital (e intermédios), achamos que poderão ser significativamente diferentes dependendo de vários fatores como os produtos específicos em que se coloque prioridade e se consiga resposta de investidores,28 28 Os bens específicos têm intensidades de capital bastante diferentes e/ou flexibilidades tecnológicas diversas. Veja Sutcliffe, R., Industry & undervelopment, quadro 51, p. 154. a origem da tecnologia para fabricá-los (os extremos parecem encontrar-se nos EUA e Japão), a estrutura de mercado que se crie nos novos produtos, tais como instalação de capacidade excessiva, participação de investimentos públicos que possam incorporar â maximização do emprego entre suas prioridades, etc.

Com relação a distribuição da renda, não parece existir mais contribuição que a derivada indiretamente da criação de empregos.

É duvidoso, porém, que estes consigam satisfazer às novas demandas de novas pessoas que se incorporação às PEA; mais duvidoso, ainda é, melhorar a renda dos que hoje a possuem de forma insuficiente, exceto daqueles que possam pressionar institucionalmente. Por outro lado, parece evidente que nas projeções de demanda de bens de capital é explícito supor o mesmo estado de coisas atual e sua continuação para o futuro na orientação da estrutura de consumo.29 29 Veja, por exemplo. Oferta y demanda de bienes de capital en México, situación actual y proyecciones. El Mercado de Valores, v. 35, n. 49, dez. 8, p. 15-8,1975.

A política de manufaturas para exportação, apresentou-se em duas variantes principais: promoção de produtos e de processos. A promoção de exportações de produtos parece transcender além de certos artesanatos e artigos tradicionais.

Por outro lado, é óbvio que se deveria esperar resultados limitados nas vendas de manufaturas ao exterior com origem em indústrias resultantes do ISI, dada a base produtiva industrial reduzida e ineficiente que diagnosticamos ao longo deste ensaio.

Três grandes grupos de alternativas se apresentam na exportação, por países em desenvolvimento, de produtos manufaturados:30 30 Veja Helleiner, G.,op. cit. processamento de matérias-primas locais, exportação de produtos ou fases produtivas intensivas em mão-de-obra e conversão de indústrias substitutivas de importações em exportadoras. As duas primeiras apresentam como principal mercado de venda os países industrializados (e em nosso caso, quase exclusivamente os EUA), enquanto a conversão de ISI em exportadoras revela-se principalmente através de mecanismos de integração entre países em desenvolvimento (em nosso caso, a América Latina). Desafortunadamente, os falidos resultados da Alalc não favorecem anímicamente essa expectativa, embora os resultados do Pacto Andino possam corrigi-los.

Com relação às duas primeiras alternativas, a lei comercial dos Estados Unidos de 1974 tem deixado claro que não permitirão concorrência interna de importações quando essas alcancem montantes consideráveis. Na melhor das hipóteses, existe uma possível fonte de oportunidades de exportação, para países avançados, em produtos metálicos simples, cujo processo produtivo é elementar, de elevado conteúdo de mão-de-obra e altamente contaminante, sempre que não se provoque um deslocamento brusco em empregos dessas indústrias do lado norte-americano.31 31 O fato de tratar-se geralmente de indústrias em áreas deprimidas naqueles países, e que empregam os assalariados mais pobres, torna difícil levantar as pressões políticas naquele lado, como assinala acertadamente Helleiner. Porém, os produtos de fundição parecem ter grande potencial nesse sentido, particularmente a Estados cercanios à fronteira. Outra família de produtos que oferece possibilidades segundo E. Fajnzylher (Comércio Exterior, abr. 1972) são aqueles nos quais os países desenvolvidos vão perdendo interesse como conseqüência das modificações da demanda e a inovação tecnológica, tais como peças de reposição, bolbos eletrônicos, fabuladores etc.

Os custos imediatos dessa alternativa são a contaminação e os efeitos, a longo prazo, de montar um aparato produtivo que em forma considerável seja dirigido a essas funções elementares e sujas. Contrário ao que comumente se pensa, não são necessariamente avançados tecnologicamente e portanto não conduzem a reduzir a dependência tecnológica; paradoxalmente, os poucos produtos de fundição que requerem tecnologia de mistura e processo relativamente avançado implicam o uso de maquinaria e equipamento importados e diminuem suas exigências de mão-de-obra por serem processos altamente mecanizados.

A variante de participação em processos de manufaturas repartidos entre países de acordo com a dotação de recursos e preços relativos que minimizam o custo total da produção vem operando em vários países desde o início dos anos 60.32 32 Não foi exclusivo esse processo no México, como freqüentemente se pensa, apenas mantém um lugar predominante. O pioneiro entre os países que instituíram essa política foi a República da Irlanda, que desde meados dos anos 50 ofereceu todo tipo de estímulos ao estabelecimento de empresas estrangeiras das fases finais de manufaturas antes de procurar a exportação ao mercado europeu do bem terminado (veja Unger, K., Export manufactures and import substitution policies for industrialization in developing countries; some observations on foreign projects in certain manufacturing sectores in Ireland M.A., thesis. U. of Sussex, Aug. 1974. Os efeitos negativos de dar prioridade a esta alternativa são bastante claros nesse país: dependência de empresas estrangeiras desmedida (econômica e tecnológica), competência com outros países de modo a manter o nível de salários baixos permanentemente, estrutura produtiva pouco sólida e não-comprometida além do curto prazo, etc.

O sujeito ideal desse tipo de operação é logicamente a empresa transnacional que opera em manufaturas verticalmente integradas,33 33 Veja Helleiner, G., op. cit. e Fajnzylher, F., Comércio Exterior, abr. 1972. e que julgam excelente essa nova opção de divisão internacional de trabalho.

A avaliação desta alternativa pode conduzir-se sobre bases mais sólidas, pois o programa de maquiladoras no México esteve em operação por uma década e já oferece pautas de mediação muito claras com respeito aos objetivos de política que formam nosso marco de referência. De fato, R. Fernandez34 34 Veja Fernandez, R., Border industrialization and Mexico's development. The program in comparative culture. U. of California, Irvine, 194, mimeogr. oferece uma análise avaliadora do Pronaf (Programa Nacional Fronteiriço) em termos de emprego, rendas a empregados, treinamento técnico e fluxo líquido de divisas. Em resumo as suas considerações são as seguintes:

Em matéria de emprego, abusa-se da publicação dos números absolutos de novos empregos (aproximadamente 75 mil em fins de 1974), mas devem se observar três qualificações críticas. Primeiro, que a migração para o Norte teve um aumento, tornando mais grave a situação de desemprego nas cidades fronteiriças; o fluxo migratório pode obedecer tanto às inflamadas expectativas de achar um emprego bem remunerado em algumas dessas empresas (efeito-atração), quanto à falta de trabalho em seu lugar de origem (efeito-expulsão) - que é onde realmente se teria que procurar a solução para o problema. Em segundo lugar, enfatiza a natureza estrutural do desemprego que se apresenta nessas zonas: a demanda de trabalho é particularmente urgente para homens e pais de família, mas a oferta de empregos que essas empresas geram é fundamentalmente feminina (65 a 90% de suas vagas são para mulheres). Por último, assinala a natureza temporal das operações dessas empresas, dado o duplo efeito das características de demanda altamente elástica dos produtos típicos nos quais se concentram, e o elevado ritmo de inovação, obsoletismo tecnológico e/ou de susceptibilidade a modas perecedoras pelos produtos e processos que ocupam.35 35 Entre 1967 e 1969, 50% das empresas maquiadoras que se estabeleceram no México, deixaram de operar. A crise inflacionária provocada pela elevação de preços dos energéticos em fins de 1973, ocasionou o fechamento de maquiadoras que provocou um desemprego de cerca de 20 mil trabalhadores, segundo declaração do secretário da Indústria e Comércio no início de 1975 (vide Excelsion, 21 fev. 1975, p. 20-A).

Os efeitos em matéria de rendas e trabalhadores acompanham logicamente as flutuações visualizadas no emprego, isto é, são fontes intermitentes de renda, principalmente para mulheres. Existe, além disso, uma determinação legal que permite pagar somente a metade do salário mínimo, enquanto se considere o empregado em fase de treinamento, sendo a definição desse período tão liberal que pode exceder os seis meses.

A negociação para manter os salários a nível baixo não só se dá atendendo às condições de demanda-oferta no lado mexicano, mas também pressionando-se a nível internacional, o empresário estrangeiro ameaçando de retirar-se para outros países que mantêm salários menores.36 36 O caso de Salvador como forte concorrente do México é comentado em cada ocasião de demanda de alta de salários mexicanos. Outros competidores tradicionais se encontram no Oriente: Taiwan, Hong-Kong, Coréia e Singapura. Outros países latino-americanos, exportadores importantes dos EUA nessa modalidade em 1970 são o Brasil, Costa Rica, Honduras e várias nações do Caribe. Vide Helleiner, G., op. cit. p. 44. A condição óbvia para "usufruir" dessas fontes de emprego a médio e longo prazos é manter salários baixos permanentemente, submetendo-os ao esquema proposto de divisão internacional do trabalho (e da renda).

Com relação à distribuição do treinamento técnico, é claro que os altos postos técnicos e de direção são reservados para os norte-americanos.

Mas, de qualquer forma, está determinada a ser ínfima toda a distribuição nesse sentido desde a sua concepção, dado o tipo de operações de cunho manual elementar de que se trata. Ainda menor será em caso de comprovar-se a hipótese do emprego de equipamentos a métodos de produção obsoletos cujo uso econômico se prolonga mediante a redução do custo de mão-de-obra.

Finalmente, em matéria de entrada de divisas, o caso do México tem pouca importância. Reconhece-se a dificuldade de estimar com precisão os efeitos totais (diretos e indiretos) desse tipo de operações, mas um efeito, que é de grande importância no caso mexicano, é o fato de que mais da metade das rendas por valor agregado no lado mexicano é gasta em sua primeira rodada em importações diretas do lado norte-americano. Isto não deverá atingir tais proporções em outros países mais distantes dos Estados Unidos.

Até aqui estão as nossas apreciações das políticas oficiais que parecem surgir com maior clareza em matéria industrial a partir do setor externo. No próximo item fazemos outros comentários.

6. CONCLUSÕES

a) Todos os problemas suscitam-se e toda solução deve prever-se no marco-conjunto de problemas inter-relacionados.

Não é viável, pois, analisar ou solucionar cada aspecto-problema em separado. Por exemplo, é irreal supor que se possam atacar simultaneamente a debilidade científico-tecnológica e o problema de desemprego.

Da mesma forma, não se podem contemplar esses problemas como algo separado de concentração da renda, da política de comércio exterior, da orientação do aparato produtivo, assim como de regulamentações aos sujeitos (nacionais e estrangeiros) que tomam parte nisso.

b) Tratando-se da tomada de decisões pelos políticos, tanto quanto por investigadores, seria desejável estabelecer claramente as prioridades entre os diversos objetivos de solução por aspecto-problema, especificando suas repercussões a curto, médio e longo prazos, respectivamente. Esse exercício é vital nos casos em que dois ou mais objetivos se contradizem. Por exemplo, o aumento da eficiência e produtividade em alguns setores manufatureiros, na procura de capacidade exportadora, pode significar a implementação de tecnologias quase sempre poupadoras de mão-de-obra e, portanto, conflitivas (ao menos a curto prazo), com o objetivo de gerar empregos.

c) Com referência à seleção de um padrão principal de desenvolvimento futuro, devemos capitalizar a lição herdada do processo ISI, resumida anteriormente, de vez que se supôs ilusoriamente que nos conduziria automaticamente a uma industrialização integral, vertical e horizontalmente. À ignorância dos aspectos da economia política, tanto internos quanto externos, que condicionaram seu resultado, não se pode permitir que se repita no futuro, qualquer que seja a política a se optar ou se recomendar.

d) A natureza econômica e política dos problemas deve ser entendida e aceita conjuntamente. Disso, derivar-se-á a tomada de consciência de que toda solução impõe um processo de negociação na distribuição de custos e benefícios, no plano interno como no externo, entre pessoas e grupos, por classe socio-econômica, atividade econômica, localização geográfica etc. Supor que todos os recursos adicionais necessários para resolver os problemas internos atuais virão de políticas adotadas no exterior é ilusório.

e) É evidente que os problemas de transferência de tecnologia que receberam prioridade de atenção são os que identificamos com seu custo (balança de pagamentos). Os problemas de falta de adequação, muito intimamente relacionados com desemprego e concentração de renda, não parecem contar com ações além do seu diagnóstico.

f) Talvez a forma mais adequada e simples de formular alternativas de desenvolvimento, seja atendendo às perguntas tradicionais básicas: o que se deseja produzir, para consumo de quem, produzido por quem (como, onde), e quando se espera sua produção e consumo. Deixar-nos arrastar pela imitação das formas de vida dos países mais avançados do presente, condiciona as respostas a essas perguntas, levando-nos a problemas como os tratados anteriormente.

  • 1 A transição para uma bem sucedida industrialização foi facilitada pela expansão da atividade primária exportadora original, cujos efeitos de criação de empregos, aumentos da produtividade, formação de um mercado nacional de consumo de manufaturas, e desenvolvimento de certa infra-estrutura, entre outros, beneficiaram as primeiras etapas da indústria local. Veja Furtado, C. Economic development of Latín America. Cambridge U.P., 1970. p. 75-7.
  • 2 Entre as expressões de nacionalismo mexicano mais claras, estão o art. 27 da Constituição de 1917. Veja Baily, S., ed., Nationalism in Latin America, p. 98-111, e a expropriação do petróleo de Cárdenas em 1938.
  • 3 O debate sobre a industrialização na URSS ao completar-se a revolução, foi resolvido por Stalin para lograr a autarquia econômica mediante prioridade á indústria de base. Veja Erlich, A., The Soviet industrializaron debate, 1924-28. Studies, Harvard Univ. Press, Russian Research Center, n. 41,1967.
  • 8 Paradoxalmente aplica-se internamente a mesma manipulação dos termos de intercâmbio entre os setores industrial e agrícola que antes foi denunciado na área internacional. Para o caso do México. Veja Hansen, R., La política del desarrollo mexicano. Siglo XXI. p. 80-89.
  • 9 Veja Wionczeck, M., Latin America growth and trade strategies (1945-70). Development change, v. 5, The Hague. Também referido a América Latina, veja Cooper, C, Science, technology and production in thé underveloped countries: an introduction. Journal of Development Studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972.
  • 10 Frances Stewart, ao analisar a seleção de técnicas em relação a objetivos de emprego e crescimento, conclui que é a seleção de produtos e não a de técnicas a relevante. Choice of technique in developing countries. Journal of development studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972.
  • 16 Na melhor das hipóteses, a preocupação ocasional do Estado era quanto às saídas de divisas. Para o caso mexicano veja Wionczek, M., Bueno, G. & Navarrete, J., La transferencia internacional de tecnologia. México, FCE, 1974, p. 48.
  • 20 Um bom resumo de hipóteses detalhando possíveis explicações ao problema da desproporção no uso de fatores, encontra-se em Mason, R. Sal., Unitar. The transfer of technology the factor proportions problem: the Philippines México, Research Report, New York, n. 10.
  • 21 Para um tratamento completo de possíveis inadequações de tecnologia veja Teitel, S., Acerca del concepto de tecnologia apropriada para los países menos industrializados, El Trimestre Económico, p. 775-804, jul./sept. 1976.
  • 23 Veja Fajnzylher, F. & Tarrago T. Martinez, Las empresas transnacionales; expansión a nivel mundial y projección en la industria mexicana. FCE, 1976. Outra interpretação de interesse, no contexto de exportações de manufaturas através dessas empresas, em Helleiner, G., Manufacturad exportsfrom less developed countries multinational f irms. Economic Journal, Mar. 1973.
  • 24 A referencia clássica para a exposição da teoria é Vernon, R., International investment international trade in the product cycle, QJE, v. 80, 1966.
  • Um dos autores líderes na análise empírica desses custos é Vaitsos, C, Transfer of resources and preservation of monopoly rents, documento da conferência de Dubrovnik, Harvard University Development Center, May, 1970, mimeogr.
  • 25Herrera, Amílcar, além de explicar o fato em si, situa-o no concurso das forças sociais, políticas e econômicas que lhe dão maior coerência e menor otimismo de solução. Social determinants of science policy in Latin America. Journal of Development Studies, Oct. 1972.
  • 27 Veja, por exemplo, o convite da Nafinsa de México a empresários japoneses em El Mercado de Valores, v. 35, n. 49, dez. 8, 1975, p. 903-5.
  • 32 Não foi exclusivo esse processo no México, como freqüentemente se pensa, apenas mantém um lugar predominante. O pioneiro entre os países que instituíram essa política foi a República da Irlanda, que desde meados dos anos 50 ofereceu todo tipo de estímulos ao estabelecimento de empresas estrangeiras das fases finais de manufaturas antes de procurar a exportação ao mercado europeu do bem terminado (veja Unger, K., Export manufactures and import substitution policies for industrialization in developing countries; some observations on foreign projects in certain manufacturing sectores in Ireland M.A., thesis. U. of Sussex, Aug. 1974.
  • 33 Veja Helleiner, G., op. cit. e Fajnzylher, F., Comércio Exterior, abr. 1972.
  • *
    Palestra perante o Seminário do Projeto de Gestão Tecnológica no Setor Alimentício, celebrado em São Paulo, novembro 3, 4 e 5 de 1976. Tradução do original em espanhol por Maria Clotilde Aizcorbe de Di Giorgio e revisão técnica por Fernando Arantes Vieira.
  • 1
    A transição para uma bem sucedida industrialização foi facilitada pela expansão da atividade primária exportadora original, cujos efeitos de criação de empregos, aumentos da produtividade, formação de um mercado nacional de consumo de manufaturas, e desenvolvimento de certa infra-estrutura, entre outros, beneficiaram as primeiras etapas da indústria local. Veja Furtado, C. Economic development of Latín America. Cambridge U.P., 1970. p. 75-7.
  • 2
    Entre as expressões de nacionalismo mexicano mais claras, estão o art. 27 da Constituição de 1917. Veja Baily, S., ed., Nationalism in Latin America, p. 98-111, e a expropriação do petróleo de Cárdenas em 1938.
  • 3
    O debate sobre a industrialização na URSS ao completar-se a revolução, foi resolvido por Stalin para lograr a autarquia econômica mediante prioridade á indústria de base. Veja Erlich, A., The Soviet industrializaron debate, 1924-28. Studies, Harvard Univ. Press, Russian Research Center, n. 41,1967.
  • 4
    O engano demagógico consiste em criticar a classe dominante ao mesmo tempo que se continuam dando estímulos à sua "produtividade".
  • 5
    No externo, Kissinger deixou claro não ter interesse em renegociar a participação do bolo mundial. Exemplo, a IV Unctad.
  • 6
    A carta de direitos e deveres dos Estados e gestões de união latino-americana (o SELA e o Pacto Andino recentemente) novamente mostram habilidade para desviar a atenção ao exterior.
  • 7
    Raúl Prebisch, argentino, secretário latino-americano junto ás Nações Unidas em fins dos anos 40 e início dos anos 50. Veja Prebisch, R., The Economic development of Latin America. In: Baily, S., (ed) Nationalism in Latin America. Também é importante a visão de Prebisch que emerge na publicação das Nações Unidas, The economic development of Latin America; its principal problems. 1950.
  • 8
    Paradoxalmente aplica-se internamente a mesma manipulação dos termos de intercâmbio entre os setores industrial e agrícola que antes foi denunciado na área internacional. Para o caso do México. Veja Hansen, R., La política del desarrollo mexicano. Siglo XXI. p. 80-89.
  • 9
    Veja Wionczeck, M., Latin America growth and trade strategies (1945-70). Development change, v. 5, The Hague. Também referido a América Latina, veja Cooper, C, Science, technology and production in thé underveloped countries: an introduction. Journal of Development Studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972.
  • 10
    Frances Stewart, ao analisar a seleção de técnicas em relação a objetivos de emprego e crescimento, conclui que é a seleção de produtos e não a de técnicas a relevante. Choice of technique in developing countries. Journal of development studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972.
  • 11
    Veja Balassa, B., ed. The struture of protection in undervelope countries, 1971, onde se analisa o caso do México entre outros (também em Demografia y economia), v. 6, n. 2,1972.
  • 12
    Para um excelente resumo descritivo veja Cooper, C, op. cit. P- 5.
  • 13
    A conotação de F. Stewart refere-se à cópia fiel de produtos e processos antes importados, em lugar de partir da definição da necessidade que com eles se satisfazia e ver formas alternativas de satisfazê-la, de preferência as autóctones, ou mais adequadas às condições e recursos do país.
  • 14
    J. Matus em estimulante artigo, desenvolve a hipótese de que foi precisamente-nossa participação no comércio internacional que orientou e dirigiu nosso padrão de consumo a assemelhar-se ao de países desenvolvidos, a custa de obter os aspectos problemáticos repetidamente mostrados. Seu questionamento enfatiza a necessidade de ver o setor externo não como algo isolado do interno, mas inter-relacionado e condicionante (veja Comercio Exterior, abr. 1976).
  • 15
    A legislação sobre investimento estrangeiro, transferência de tecnologia, patentes e marcas, e as funções encomendadas a organismos oficiais como Conacyt, Colciências, etc. sobressaem como intentos de atacar a dependência tecnológico-econômica do exterior, mas sua aplicação concreta e radical a curto prazo exigiria entabular conflito aberto com os grupos de poder e isto não está acontecendo.
  • 16
    Na melhor das hipóteses, a preocupação ocasional do Estado era quanto às saídas de divisas. Para o caso mexicano veja Wionczek, M., Bueno, G. & Navarrete, J., La transferencia internacional de tecnologia. México, FCE, 1974, p. 48.
  • 17
    Idéia de F. Stewart, Choice of technique in developing countries. Journal of Development Studies, v. 9, n. 1, Oct. 1972.
  • 18
    Efeito similar se dá quando se incorre em maior custo para um mesmo produto. Essa "sobreimportação" a consignam Wionczek, Bueno e Navarrete, em casos em que "empresas já constituídas e com tecnologias desenvolvidas celebraram contratos com empresas estrangeiras. Argumentaram que dessa maneira os seus produtos, embora sem modificação nenhuma, teriam maior aceitação no mercado". Wionczek, M., Bueno, G. & Navarrete, J., op. cit. p. 27.
  • 19
    Veja Eckaus, R., The factor - proportions, problem in under-developed áreas. American Economic Review, Sept. 1955.
  • 20
    Um bom resumo de hipóteses detalhando possíveis explicações ao problema da desproporção no uso de fatores, encontra-se em Mason, R. Sal., Unitar. The transfer of technology the factor proportions problem: the Philippines México, Research Report, New York, n. 10.
  • 21
    Para um tratamento completo de possíveis inadequações de tecnologia veja Teitel, S., Acerca del concepto de tecnologia apropriada para los países menos industrializados, El Trimestre Económico, p. 775-804, jul./sept. 1976.
  • 22
    Outra classificação de custos distingue-os em explícitos, implícitos quantificáveis e implícitos não-quantifiçáveis. Veja Wionczek, M. Bueno & Navarrete, J., op. cit. p. 223.
  • 23
    Veja Fajnzylher, F. & Tarrago T. Martinez, Las empresas transnacionales; expansión a nivel mundial y projección en la industria mexicana. FCE, 1976. Outra interpretação de interesse, no contexto de exportações de manufaturas através dessas empresas, em Helleiner, G., Manufacturad exportsfrom less developed countries multinational f irms. Economic Journal, Mar. 1973.
  • 24
    A referencia clássica para a exposição da teoria é Vernon, R., International investment international trade in the product cycle, QJE, v. 80, 1966. Um dos autores líderes na análise empírica desses custos é Vaitsos, C, Transfer of resources and preservation of monopoly rents, documento da conferência de Dubrovnik, Harvard University Development Center, May, 1970, mimeogr.
  • 25
    Herrera, Amílcar, além de explicar o fato em si, situa-o no concurso das forças sociais, políticas e econômicas que lhe dão maior coerência e menor otimismo de solução. Social determinants of science policy in Latin America. Journal of Development Studies, Oct. 1972.
  • 26
    No caso de países de maior tamanho como Brasil e México se manipula a nível nacional. No grupo de países do Pacto Andino, contempla-se para o grupo em conjunto.
  • 27
    Veja, por exemplo, o convite da Nafinsa de México a empresários japoneses em El Mercado de Valores, v. 35, n. 49, dez. 8, 1975, p. 903-5. A controvérsia ao redor da regra 24 do Pacto Andino é outro sintoma similar.
  • 28
    Os bens específicos têm intensidades de capital bastante diferentes e/ou flexibilidades tecnológicas diversas. Veja Sutcliffe, R., Industry & undervelopment, quadro 51, p. 154.
  • 29
    Veja, por exemplo. Oferta y demanda de bienes de capital en México, situación actual y proyecciones. El Mercado de Valores, v. 35, n. 49, dez. 8, p. 15-8,1975.
  • 30
    Veja Helleiner, G.,op. cit.
  • 31
    O fato de tratar-se geralmente de indústrias em áreas deprimidas naqueles países, e que empregam os assalariados mais pobres, torna difícil levantar as pressões políticas naquele lado, como assinala acertadamente Helleiner. Porém, os produtos de fundição parecem ter grande potencial nesse sentido, particularmente a Estados cercanios à fronteira. Outra família de produtos que oferece possibilidades segundo E. Fajnzylher (Comércio Exterior, abr. 1972) são aqueles nos quais os países desenvolvidos vão perdendo interesse como conseqüência das modificações da demanda e a inovação tecnológica, tais como peças de reposição, bolbos eletrônicos, fabuladores etc.
  • 32
    Não foi exclusivo esse processo no México, como freqüentemente se pensa, apenas mantém um lugar predominante. O pioneiro entre os países que instituíram essa política foi a República da Irlanda, que desde meados dos anos 50 ofereceu todo tipo de estímulos ao estabelecimento de empresas estrangeiras das fases finais de manufaturas antes de procurar a exportação ao mercado europeu do bem terminado (veja Unger, K., Export manufactures and import substitution policies for industrialization in developing countries; some observations on foreign projects in certain manufacturing sectores in Ireland M.A., thesis. U. of Sussex, Aug. 1974. Os efeitos negativos de dar prioridade a esta alternativa são bastante claros nesse país: dependência de empresas estrangeiras desmedida (econômica e tecnológica), competência com outros países de modo a manter o nível de salários baixos permanentemente, estrutura produtiva pouco sólida e não-comprometida além do curto prazo, etc.
  • 33
    Veja Helleiner, G., op. cit. e Fajnzylher, F., Comércio Exterior, abr. 1972.
  • 34
    Veja Fernandez, R., Border industrialization and Mexico's development. The program in comparative culture. U. of California, Irvine, 194, mimeogr.
  • 35
    Entre 1967 e 1969, 50% das empresas maquiadoras que se estabeleceram no México, deixaram de operar. A crise inflacionária provocada pela elevação de preços dos energéticos em fins de 1973, ocasionou o fechamento de maquiadoras que provocou um desemprego de cerca de 20 mil trabalhadores, segundo declaração do secretário da Indústria e Comércio no início de 1975 (vide Excelsion, 21 fev. 1975, p. 20-A).
  • 36
    O caso de Salvador como forte concorrente do México é comentado em cada ocasião de demanda de alta de salários mexicanos. Outros competidores tradicionais se encontram no Oriente: Taiwan, Hong-Kong, Coréia e Singapura. Outros países latino-americanos, exportadores importantes dos EUA nessa modalidade em 1970 são o Brasil, Costa Rica, Honduras e várias nações do Caribe. Vide Helleiner, G., op. cit. p. 44.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 1977
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