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USA: a crise do Estado capitalista

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Amarilis Maier Sampaio

USA: a crise do Estado capitalista (The fiscal crisis of the state)

Por James O'Connor. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. 264 p.

Um sistema fiscal, progressivo apenas na aparência, é crítica que geralmente se faz à tributação dos países em desenvolvimento. A surpresa que O'Connor reserva aos leitores é apresentar como regressivo e concentrador de renda não um sistema como, por exemplo, o brasileiro, freqüentemente assim julgado, mas o próprio sistema norte-americano, largamente apontado como paradigma de efetiva eqüidade fiscal.

A surpresa e o espanto causados pelas proposições de James O'Connor são reforçados, paradoxalmente, pelos trabalhos de outros especialistas que, dentro de um esquema conceituai diametralmente oposto, encontram razões para criticar a exagerada progressividade (assim lhes parece), que estaria a comprometer a acumulação de capital e, em conseqüência, suscitando o esgotamento do próprio sistema capitalista.1 1 Veja sobre o assunto artigo de Laffer, Arthur B. O papel dos tributos e dos encargos na economia de mercado. In Visão, p, 83-6, 17 out. 1977.

A partir de uma proposição central, fundamental e básica para o entendimento do livro, o autor desenvolveu um quadro conceituai que procura apoiar e explicar o complexo de variáveis que condicionam e limitam os atributos do objeto do seu estudo - a crise fiscal. Ela foi definida como uma tendência para as despesas superarem as receitas governamentais (ou a incapacidade crescente do Estado para financiar os seus gastos orçamentários). Nesse enfoque, a crise fiscal seria ume "brecha estrutural" entre despesas e receitas, um "processo contraditório que encontra seu reflexc e causa no orçamento governamental" (p. 15).

O núcleo da análise é, então, a investigação do papel do Estado (por intermédio das decisões orçamentárias, por um lado, e do sistema tributário, por outro) no processo de acumulação de capital e seu relacionamento com os setores econômicos e grupos de interesses em disputa, dentro da sociedade capitalista. Nesse quadro, duas funções básicas e contraditórias condicionariam a ação do Estado: criar condições favoráveis para a reprodução do capital e, ao mesmo tempo, assegurar a reprodução da força de trabalho, ou seja, a harmonia social. Em outras palavras, acumulação e legitimação.

As despesas estatais e a alocação de recursos entre os setores econômicos e classes sociais assumiriam, nesse contexto, as mesmas características duplas e contraditórias daquelas funções básicas do Estado capitalista. De um lado, as decisões orçamentárias seriam pressionadas pelos interesses político-econômicos de certos setores e grupos sociais privilegiados pelo sistema e, de outro, não poderiam se desligar do objetivo de sua legitimação (por meio da destinação de recursos para as classes menos favorecidas, com a finalidade de assegurar o bem-estar social, dentro dos limites convenientes ao alcance da harmonia social, indispensável, segundo o autor, à manutenção da própria acumulação, base do sistema capitalista).

As despesas governamentais foram classificadas em duas categorias principais, divisão na qual O'Connor fundamentou muitas das suas proposições e conclusões, utilizando-se dos conceitos marxistas de capital fixo e variável.

Na primeira, "Capital social", foram incluídos os itens orçamentários voltados à acumulação lucrativa do capital privado, tanto na forma de "investimentos sociais", que aumentariam a produtividade de certa parcela da força de trabalho, como na, forma de "consumo social", cujo efeito seria o de reduzir os custos de reprodução do trabalho e, conseqüentemente, aumentar o lucro privado. Tais gastos foram definidos como "produtivos" (capital fixo, segundo Marx), já que aumentariam indiretamente a capacidade produtiva da economia.

Na segunda, "Despesas sociais", foram relacionados os gastos governamentais destinados à manutenção da harmonia social (função legitimadora do Estado) ou, em essência, à proteção das bases do sistema capitalista. Estas despesas foram conceituadas como "improdutivas" (capital variável, segundo Marx), pois não teriam a característica de afetar a capacidade produtiva da economia.

A despeito da natureza e da divisão dos gastos governamentais, observa o autor que ambos os tipos de despesas teriam a característica de favorecer a acumulação do capital privado, quer através do aumento da capacidade produtiva (expansão da produtividade e diminuição dos custos da força de trabalho), no caso da categoria "Capital social", quer na complementação da renda salarial, no caso das "Despesas sociais". Apenas o Estado, por força de suas funções básicas e contraditórias, estaria se desfavorecendo com suas decisões orçamentárias, já que a distribuição de recursos em gastos improdutivos não expandiria a base tributária - e, portanto, sua receita fiscal - apresentando uma das faces da crise fiscal, tal como definida pelo autor, uma "brecha estrutural" entre as despesas e receitas governamentais.

A outra faceta do mesmo fenômeno residiria na alocação dos recursos governamentais, oriundos do sistema tributário (impostos sobre o capital, o consumo, a propriedade, e o trabalho) e de outras fontes internas, tais como taxas, contribuições, dívida pública, etc.

Tal como no caso das despesas, o Estado teria o mesmo papel reforçador da acumulação privada do capital, por meio do volume e distribuição do peso tributário, os quais seriam estruturalmente determinados pelos conflitos de interesses econômicos entre setores, classes e grupos sociais, (sso ocorreria porque a estrutura tributária dos EUA seria formalmente progressiva, embora regressiva em seu conteúdo. O'Connor fundamenta esta crítica observando que a maior parte da arrecadação é composta de tributos sobre a propriedade e o consumo, regressivos por natureza e com alta capacidade de translado aos consumidores. Além disso, os tributos sobre o trabalho assalariado teriam maior peso relativo do que os incidentes sobre o capital, tanto para as pessoas físicas como para as jurídicas, fortalecendo a acumulação e transformando a estrutura tributária em instrumento altamente discriminatório em favor do capital privado.

O'Connor acrescenta a estes argumentos o que chamou de "furos tributários", por intermédio dos quais tanto as pessoas físicas como as jurídicas estariam sendo beneficiadas pelo sistema tributário, progressivo apenas em sua aparência. As pessoas jurídicas, além de conseguirem a absorção de seus impostos pelos consumidores, via mecanismo de preços, obteriam diminuições em seus tributos por meio de incentivos ao investimento, sob a justificativa de que maiores lucros empresariais favoreceriam a reprodução do capital e, conseqüentemente, o crescimento da produção e emprego. Haveria, segundo o autor, "um tratamento especial para as rendas de ganhos de capital, exclusões de renda (juros de títulos locais), deduções (especialmente para famílias mais altamente situadas), isenções e desdobramentos de renda (que beneficiariam relativamente mais as famílias de rendimentos elevados)" (p. 12).

Todos esses fatores causariam impactos diferentes na sociedade americana. Por um lado, a estrutura fiscal possibilitaria a concentração de renda nas classes detentoras do capital e, por outro, os chamados "furos tributários" permitiriam a evasão de considerável volume de recursos dos cofres públicos, agravando a crise fiscal.

Para fundamentar sua tese de que certas áreas do capital privado estariam sendo privilegiadas pelo sistema, O'Connor dividiu as atividades econômicas da sociedade americana em três setores, que corresponderiam, de certa forma, aos interesses de grupos e classes sociais diferenciados, os quais teriam comportamentos próprios e expectativas específicas em relação ao Estado. Esses setores pressionariam assimetricamente o orçamento governamental e determinariam as decisões sobre o alocação e distribuição de recursos.

O Setor Competitivo (SC) seria composto de grande quantidade de empresas com pequenos e médios capitais, atividades muito diversificadas e produção dependente das forças de mercado, com baixa produtividade e baixos salários em razão da grande oferta de mão-de-obra não-qualificada que, quando organizada sindicalmente, teria pequeno poder de barganha.

No Setor Monopolista (SM) estariam concentrados os grandes capitais de poucas empresas que controlariam o mercado através de planejamento, com alta produtividade, salários relativamente altos e mão-de-obra organizada em sindicatos poderosos, embora estreitamente afinados com os interesses monopolistas.

O Setor Estatal (SE) seria constituído de empresas direta ou indiretamente organizadas pelo Estado, dependentes, em termos de produção, das prioridades orçamentárias e da capacidade de mobilização de receitas tributárias. Este setor teria como característica o alto grau de incerteza, já que mudanças políticas afetariam tanto as prioridades orçamentárias quanto a capacidade de mobilização de recursos tributários.

O relacionamento do SE com os demais setores econômicos imporia a natureza e o volume dos gastos governamentais e restringiria a capacidade de mobilização de recursos dentro da sociedade para o financiamento desses gastos, onde residiria outra das causas da crise fiscal.

Conforme observa o autor, o SC seria instável em termos produtivos e, assim, não geraria excedentes que permitissem a reprodução de capital a níveis compatíveis com o crescimento econômico da sociedade como um todo (não seria considerado setor dinâmico da economia). Os lucros seriam obtidos via salários baixos, dada a produtividade expressa no grande número de trabalhadores, dependente, por estas razões, cada vez mais o suprimento de suas rendas de programas do Estado, tais como serviços previdenciários, hospitalares, auxíliodesemprego, etc. A mão-de-obra liberada pelo SC não seria absorvida pelo SM (dada a sua deficiente qualificação), mas pelo SE, que arcaria com dois tipos de encargos: criar empregos para a força de trabalho não-qualificada e suprir os meios de subsistência (salários) dos trabalhadores do setor. Além disso, o Estado seria obrigado a desenvolver projetos de estímulo ao SC (em razão da carência de capital e dificuldades de sua reprodução), tais como financiamentos a juros baixos e outros incentivos, com a finalidade de manter o nível de emprego e certa estabilidade neste setor.

Para O'Connor, o SM, valorizado como impulsionador da economia, teria conseqüentemente, seu desempenho apoiado pela atuação do Estado. Operando com altos capitais e lucros, garantiria satisfatoriamente os objetivos de crescimento econômico. Mas, para assegurar essa lucratividade, o Estado teria que aumentar seus gastos em "Capital social" ("investimento social" e "consumo social"). Por essa dinâmica, o capitai monopolista conseguiria socializar cada vez mais seus custos de produção e privatizar seus lucros. O aumento dos gastos governamentais para apoiar o crescimento do SM imporia, segundo o autor, a criação de maior número de agências estatais, a fim de administrar essas funções ampliadas.

Outros aspectos do relacionamento entre os setores das atividades econômicas foram igualmente abordados pelo autor. O crescimento do SM e suas altas taxas de retorno determinariam a necessidade da aplicação de recursos e a extensão dos negócios fora dos EUA, em busca de novos mercados. Isso. obrigaria o Estado a aparelhar-se - militarmente para sustentar a hegemonia econômica no exterior, isto é, garantir as atividades do SM no estrangeiro. É o que o autor denomina "Estado militarista", onde expressivos recursos seriam alocados para a manutenção do aparato burocrático-militar, gastos em pesquisas para o desenvolvimento de novas armas e equipamentos de defesa e ataque, etc. Mas, sendo a produção dos equipamentos bélicos privatizada, os custos relativos à sustentação do "Estado militarista" seriam socializados, enquanto os altos lucros provenientes do desenvolvimento desses empreendimentos seriam reservados ao capital monopolista.

O próprio crescimento do SM afetaria o SC de muitas formas. As novas técnicas desenvolvidas pelo primeiro teriam que ser incorporadas pelo segundo, sob pena deste perder muitas, áreas ocupadas no mercado. "Ao Estado caberia amparar o SC nesse mister, financiando programas a juros baixos ou mesmo subsidiados e complementando os salários dos trabalhadores do setor, a fim de manter um mínimo de lucratividade, indispensável à sobrevivência do SC. O'Connor sustenta que o aumento dos gastos sociais, definidos como "não-produtivos" em termos marxistas, caracterizaria o chamado "Estado previdencíário".

Estes argumentos, segundo o autor, fundamentariam a natureza do pacto social, político e econômico vigente nos EUA: "Estado previdenciário-militarista" ("Warfare-welfare State"). E mais, determinariam o caráter estrutural da crise fiscal americana, uma vez que o próprio relacionamento entre os setores econômicos e grupos de pressão resultaria na concessão de privilégio ao SM, pelo Estado. Visto, portanto, do ângulo do relacionamento entre as atividades econômicas da sociedade americana, o crescimento do SM estaria levando ao enfraquecimento o SC e à expansão o SE. Essa dinâmica seria assegurada pelo Estado por intermédio do mecanismo de socialização dos custos e privatização dos lucros do SM, com maior reflexo para as classes assalariadas do SC e SE, cujo maior contingente seria formado por camadas sociais de baixa renda. Nesse quadro, a renda global tenderia a diminuir e, com ela, a base tributária e o volume de arrecadação para financiar os crescentes gastos governamentais.

O'Connor sugere duas saídas para a solução ou minimização do processo que descreve em sua obra, ambas importando ém mudanças radicais e de longo alcance. A primeira e mais radical seria cortar o mal pela raiz. Caracterizada a natureza estrutural da crise fiscal como resultante da dinâmica contraditória do sistema capitalista, sua solução estaria vinculada a um novo pacto político, econômico e social; assim, profundas mudanças nas relações de produção e de classe, no contexto de um modo de produção socialista, levariam à socialização, tanto dos custos quanto dos "lucros", em benefício de toda a sociedade.

A outra saída, menos radical mas igualmente com profundas repercussões estruturais, seria a formação do que chamou "complexo sócio-industrial", ou um conjunto de unidades produtivas pertencentes a alguns ramos do SM, que passariam a desenvolver "programas sociais e correlatos, voltados para a expansão da produtividade geral da economia e financiados, em parte ou totalmente, pelo Estado", representando "novas oportunidades de investimento ao capital monopolista" (p. 68). A idéia básica parece ser a de identificar ainda mais com a ação do Estado os interesses e necessidades de certas parcelas do capital. monopolista, com o objetivo de aumentara produtividade dos dois setores que O'Connor considera dinâmicos: SM e SE. Assim, por meio da expansão da produção, haveria um aumento no nível de emprego, além da transformação da natureza dos gastos governamentais - da categoria "Gastos sociais" (improdutivos), para a categoria "Capital social" (produtivos). O autor acredita que estas mudanças poderiam aumentar a renda total e a base tributária, diminuindo a "brecha estrutural" entre despesas e receitas governamentais.

Finalmente, analisa exaustivamente as possibilidades dessas mudanças na sociedade americana, tanto ao nível do jogo de interesses das classes dominantes como ao nível dos interesses dos trabalhadores dos três setores e da repercussão ao nível político, não chegando a nenhuma conclusão claramente definida em relação às possibilidades de desenvolvimento do "complexo sócio-industrial" nos EUA.

O trabalho desenvolvido por O'Connor apresenta o indiscutível mérito de ampliar as perspectivas para o estudo da problemática fiscal, especialmente ao suscitar o debate de questões onde o confronto de opiniões e posições permite o surgimento de dúvidas e reflexões estimulantes para o aprofundamento dos conhecimentos no campo das finanças públicas, ainda insuficientemente explorado, em suas múltiplas facetas, principalmente no Brasil.

O autor levantou um novo tipo de problema no quadro americano ao diagnosticar a existência de um processo de crise fiscal estrutural, cujas causas e conseqüências residiriam tanto na alocação de receitas públicas (sistema tributário) e distribuição de recursos (decisões orçamentárias), como no relacionamento entre as atividades econômicas. Subjacente a este raciocínio, verifica-se uma crítica ao modo de produção capitalista, onde a ação do Estado privilegia a acumulação de capital tanto nos setores dinâmicos da economia como nas classes e grupos sociais detentores de capital.

A composição do orçamento e a política fiscal, dentro da lógica capitalista, refletem os objetivos de crescimento econômico, cuja base é a reprodução de capital. Na verdade, a economia capitalista é dinamizada através da acumulação, de onde provêm os recursos para novos investimentos, aumentos da produção, criação de novos empregos, elevação do consumo, ampliação da oferta agregada e assim por diante. No entanto, os setores e classes privilegiados pelos gastos governamentais e o sistema tributário são resultados de contingências e objetivos de conjunturas específicas, o que dá um caráter dinâmico a essa escolha, e não extremamente estático, como parece sugerir o autor. Em outras palavras, não são sempre os mesmos grupos sociais e setores econômicos a serem atendidos nas prioridades orçamentárias e beneficiados pela estrutura fiscal. Assim sendo, e dentro do quadro conceituai do capitalismo, torna-se difícil aceitar, sem discussão, o caráter estrutural que O'Connor propõe para a "crise fiscal" norte-americana. Se acatada, esta proposição levaria o leitor à mesma solução sugerida pelo autor, ou seja, a mudança do pacto político, social e econômico, com a adoção do modo de produção socialista, o que, pelo menos a princípio, poderia solucionar não apenas a "crise", mas igualmente outros problemas estruturais por ele descritos.

A explicação de que o aumento dos gastos governamentais favorecia apenas o SM, que cresceria às expensas dos demais, suscita algumas dúvidas. O crescimento das despesas "produtivas" ("Capital social") amplia indiretamente a capacidade produtiva da economia. Através desses gastos, o Estado poderá estar beneficiando o SM tanto quanto os demais setores de atividades, uma vez que estará criando novos empregos, aumentando o consumo (principalmente para os bens e serviços produzidos pelo setor competitivo) e, portanto, ampliando a oferta agregada. Uma das conseqüências dessa ação é, naturalmente, expandir a renda global e, assim, a base tributária. O aumento dos gastos governamentais em obras públicas tem sido um dos instrumentos mais utilizados no controle de conjunturas de recessão e desemprego. Outras situações de aquecimento e excesso de consumo têm recebido um tratamento inverso: diminuição ou contração dos gastos governamentais.

Ao referir-se aos gastos orçamentários "não produtivos" ("Despesas sociais"), o autor sugere que a canalização destes recursos para o SC ampliaria a "brecha estrutural", agravando a crise fiscal. No entanto, será esse argumento totalmente aceitável sem serem levados em consideração outros fatores cujos efeitos não foram abordados pelo autor? Os chamados gastos "improdutivos" em previdência social, assistência hospitalar, auxílio desemprego e outros, apontados como complementares à renda salarial dos trabalhadores, podem ser entendidos também como uma das formas utilizadas pelo Estado para manter o consumo dessa parcela da população, consumo esse voltado principalmente aos bens produzidos pelo SC. Dessa maneira, a ação estatal estaria mantendo o nível das atividades do setor competitivo, sem que seja preciso canalizar maior quantidade de recursos em projetos de financiamentos a juros baixos ou mesmo subsidiados, conforme observa O'Connor. Por outro lado, ao manter o consumo dessas classes menos favorecidas, o Estado pode controlar o- equilíbrio da oferta agregada e, indiretamente, os níveis da capacidade produtiva, da renda global e base tributária. Esses argumentos poderiam auxiliar na compreensão dos problemas sob uma ótica um tanto diferente: os gastos poderiam ser encarados como não tão "improdutivos" quanto quer o autor.

São ponderações como essas, um tanto ampliadas pelas dúvidas decorrentes, que justificam controvérsias em relação à classificação utilizada por O'Connor para rotular os gastos governamentais em "produtivos" e "improdutivos". Essa diferença torna-se, muitas vezes, extremamente sutil e um tanto contraditória se levada com muito rigor às análises sobre os fenômenos da economia. E, até que ponto poder-se-ia assegurar, com absoluta certeza, que as despesas governamentais conseguiriam beneficiar apenas certos setores específicos - em detrimento de outros - considerandose a complexidade das múltiplas variáveis que interagem na sociedade? Essa simplificação compromete a visão de conjunto e as dependências inter e intraclasses sociais e setores econômicos que o autor procurou utilizar em sua obra.

Poderíamos, ainda, raciocinar sobre a tese que imputa ao Estado a responsabilidade pela socialização dos custos e privatização dos lucros do SM. Se este setor, dentro da trilha de O'Connor, concentra grandes volumes de capital e, portanto, altos lucros, seria inteiramente válido pensar que a socialização dos custos tivesse impacto totalmente desfavorável para a sociedade como um todo? Considerando-se que os recursos orçamentários podem realmente assegurar os altos lucros do setor e que tais excedentes não seriam entesourados pelasempresas (comportamento totalmente absurdo, dentro da lógica capitalista), mas reinvestidos, ocorreriam na realidade aumentos na capacidade produtiva do país. Seguindo-se esses argumentos, não se poderia alegar que o retorno para o Estado (e, portanto, para a coletividade), em termos de aumentos da receita tributária, provenientes do crescimento da renda global, seria maior que os gastos socializados?

As opções propostas e as inevitáveis controvérsias que teriam de sugerir, abrem um vasto leque de alternativas e debates; e é exatamente este o principal mérito de uma obra como esta, que traz os problemas de finanças públicas para o centro das atenções dos que se preocupam com o futuro da sociedade capitalista.

* Esta resenha foi realizada sob a orientação acadêmica do Prof. Eurico Korff, a quem agradeço o valioso apoio.

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    Veja sobre o assunto artigo de Laffer, Arthur B. O papel dos tributos e dos encargos na economia de mercado. In
    Visão, p, 83-6, 17 out. 1977.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1978
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