Acessibilidade / Reportar erro

Notas sobre a política agrícola e suas implicações para o setor industrial

NOTAS E COMENTÁRIOS

Notas sobre a política agrícola e suas implicações para o setor industrial * * Este trabalho fez parte de pesquisa realizada pelo NPP/EAESP/FGV sobre a política industrial do Brasil, sob os auspícios da Olivetti do Brasil S.A. O autor agradece à diretoria daquela empresa a permissão para publicá-lo. Desde a redação destas notas (fevereiro de 1981) foi publicado um artigo importante acerca da falência do crédito rural na revista Exame, de 17 jun. 1981, que apresenta opinião semelhante à que foi exposta aqui, e cuja leitura recomendamos aos que se interessam pelo assunto.

Robert N. V. C. Nicol

Professor do Departamento de Economia da EAESP/FGV

Nos últimos meses tem sido muito alardeada a chamada "opção agrícola" que o governo brasileiro teria feito em termos de política econômica, e, em função de tal "opção", surgiram algumas indagações acerca do que, esta poderia representar para o setor industrial. Poderia, à semelhança do que ocorreu na Argentina, representar um passo atrás na política de industrialização acelerada dos últimos anos, pela maior ênfase que poderia ser dada ao setor agrícola em detrimento do setor industrial?

O objetivo do presente artigo é analisar o porquê da chamada "opção agrícola" do governo e o que tal opção poderia representar, em termos da indagação anterior, para o setor industrial.

1. AS CONDICIONANTES BÁSICAS DA POLÍTICA ECONÔMICA NOS ÚLTIMOS ANOS

A política econômica brasileira, nos últimos anos, tem sido preponderantemente condicionada por dois fatores: a) a inflação; b) o balanço de pagamentos.

A análise da política agrícola é bastante ilustrativa nesse sentido, visto mostrar de forma clara que, apesar de todas as aparências de aleatoriedade, a presença dessas duas condicionantes tem pressionado o governo na direção de reduzir a inflação e amenizar os problemas do balanço de pagamentos à quase exclusão de outros objetivos. A análise da política agrícola é também importante na medida em que lança luzes acerca dos limites da política econômica no tocante aos outros setores da economia, em particular, quanto ao setor industrial.

2. IMPORTÂNCIA DO SETOR PRIMÁRIO

O setor primário, apesar de na última década ter contribuído, em média, com somente um décimo da renda nacional, como se pode depreender dos dados do quadro 1, tem uma importância para a política econômica muito superior à sua participação na renda nacional visto que, primeiramente, absorve mais de 40% da força de trabalho (veja quadro 2); em segundo lugar, devido ao peso da alimentação no custo de vida, contribui através deste de forma marcante na determinação das taxas de inflação, e, em terceiro lugar, o bom ou mau desempenho do setor tem repercussões imediatas sobre o balanço de pagamentos.



3. SETOR PRIMÁRIO E A INFLAÇÃO

Como mencionado anteriormente, o desempenho do setor agrícola é básico na determinação das variações no custo de vida, visto o item alimentação entrar com uma participação de 38% no índice de preços ao consumidor (IPC, RJ), como indicado no quadro 3.


O que se pode constatar é que, nos últimos anos, o fraco desempenho do setor agrícola vinha exercendo uma forte pressão inflacionária, já que os aumentos no item "alimentação" eram consistentemente superiores aos aumentos nos outros itens. Assim, a título de ilustração, se o item "alimentação", no ano de 1979, tivesse tido um aumento igual à média ponderada dos outros setores, o aumento no custo de vida teria sido cerca de 5% mais baixo do que foi na realidade.

Podemos verificar a pressão inflacionária que o setor agrícola vinha exercendo sobre a economia através de uma comparação da evolução do índice de preços dos produtos agrícolas com o índice geral de preços e de outros produtos.

Alternativamente, podemos fazer tal constatação através de uma comparação do índice geral de preços por atacado (IPA) com o IPA de alimentação e de produtos agrícolas.

Ainda um outro indicador da participação do setor na inflação pode ser obtido comparando-se a variação em termos reais, isto é, já descontada a inflação dos preços de alguns produtos agrícolas entre 1968 e 1977 (ano em que o clima foi "normal").

O que esses dados estão a refletir é um desempenho fraco do setor agrícola em comparação com os outros setores, pois a oferta de produtos agrícolas parece ter crescido menos que o adequado para manter uma paridade entre os preços dos produtos do setor e os preços dos produtos dos demais setores.

Efetivamente, nos anos 70 pelo menos até 1978/79, houve um decréscimo absoluto na produção de uma série de produtos agrícolas básicos (veja quadro 7).


Asim, entre 1969 e 1979, a produção de algodão caiu em 25% e a de amendoim em 39,7%. A produção de arroz entre 1970 e 1979 praticamente permaneceu estacionária, o mesmo podendo-se dizer com relação ao feijão. E, finalmente, quanto à mandioca, houve uma queda na produção de 15,4% entre 1970 e 1979. Em outras palavras, com uma população crescendo a 2,4% a.a. a produção de alguns alimentos básicos revelou, durante a década, uma pronunciada queda em termos per capita, não sendo, portanto, de se estranhar uma elevação acentuada nos preços dos produtos agrícolas, especialmente daqueles voltados para o consumo interno.

Poucos produtos agrícolas cuja produção estaria primordialmente voltada para o mercado interno tiveram um desempenho que poderia ser considerado adequado. Entre estes temos o trigo, que, à custa de pesados subsídios, aumentou sua produção a quase 6% a.a. Os outros produtos que tiveram um desempenho razoável são a cana-de-açúcar (açúcar para o mercado interno e o externo e para a produção de álcool) e a soja, voltada, especialmente, para o mercado externo.

Assim, o quadro que temos da agricultura na década de 70, exceção feita a uns poucos produtos, é de uma agricultura que vinha apresentando graves sinais de atraso em relação a outros setores, com uma série de produtos com uma produção declinante em termos per capita, sendo que, em alguns casos, inclusive chegava a ser declinante em termos absolutos.

Se a situação, durante os anos 70, vinha-se agravando lentamente, o ano de 1978 acelerou o processo, tornando a situação insustentável. "No primeiro semestre de 1978 a agropecuária brasileira sofreu três sérios reveses: a estiagem que reduziu a produção de algodão (-15,8%), o arroz (-18,4%), milho (-29,0%) e a soja (-28,3%); a peste africana que atingiu o rebanho dos pequenos suinocultores e a queda dos preços internacionais do café, reduzindo em cerca de US$1 milhão as receitas de exportação do produto no 1.º semestre em relação a igual período em 1977." (Boletim do Banco do Brasil, 1978, n.º 2, p. 60). O Brasil, que era um tradicional exportador de milho, vê-se forçado a importar aproximadamente 1,5 milhão de toneladas do cereal em 1978 e 1,73 milhão em 1979 (Conjuntura Econômica, p. 18, out. 1979). O milho que em média, entre 1973 e 1977, contribuía anualmente com uma receita de US$ 119 milhões, representou um dispêndio de 195 milhões de dólares em 1979, o que veio a agravar ainda mais um balanço de pagamentos já crítico.

Fenômeno igualmente digno de nota ocorreu com o arroz. Com a quebra da safra de 1978, houve, no ano, uma diminuição dos estoques da ordem de 900 mil toneladas (quadro 8). Como no ano de 1979 a safra se mantivesse praticamente no mesmo nível da de 1978 (veja quadro 7), e frente à redução ocorrida em 1978 nos estoques, o Brasil se viu forçado a importar o produto em 1979 (cerca de 693 mil toneladas), o que representou um dispêndio de US$209 milhões (Relatório do Banco do Brasil, 1979, p. 117).


Assim, em 1979, além das importações que normalmente o país faz de trigo, o Brasil teve que gastar cerca de US$404 milhões na importação de milho e arroz.

Além desses dois produtos, o algodão também contribuiu para aumentar a pressão no balanço de pagamentos. Tendo atingido em 1969 um recorde de exportação do produto, vendendo no exterior 439 mil toneladas, o país viu suas exportações do produto declinarem, atingindo 108 mil toneladas em 1975 (US$ 98 milhões) e praticamente nada em 1979, devido ao declínio pronunciado na produção interna (veja quadro 7).

Destarte, computando-se somente o arroz, o milho e o algodão, entre o início e o fim da década, o país deixou de exportar cerca de US$ 200 milhões (milho e algodão) e passou a despender US$ 400 milhões com importações (milho e arroz), o que representa uma contribuição negativa para o balanço de pagamentos da ordem de US$ 600 milhões.

Se adicionarmos a essa quantia as importações de trigo que anualmente o país faz (3.665 mil toneladas ou US$ 548 milhões em 1979), a contribuição negativa de quatro produtos agrícolas (milho, arroz, algodão e trigo) ultrapassa a casa de US$ 1 bilhão.

Assim, em fins da década de 70, a situação que o governo enfrentava era a de uma agricultura que, em termos de produtos para o mercado interno, tinha deixado de se expandir a taxas adequadas, contribuindo significativamente para a aceleração da inflação e, em termos externos, suas deficiências estavam refletindo-se numa crescente pressão sobre o balanço de pagamentos, quer em termos de produtos que deixaram de ser exportados, quer em termos de produtos que passaram a ser importados devido às deficiências da produção interna.

Assumindo o governo logo após a crise agrícola de 1978, não é de surpreender que a administração do General Figueiredo tenha dado prioridade ao setor agrícola, visto que, assim procedendo, estaria, primeiramente, combatendo a inflação e, em segundo lugar, auxiliando o pais a ter um melhor desempenho no balanço de pagamentos que, naquela altura, já se encontrava numa situação extremamente delicada devido aos gastos excepcionalmente elevados com as importações de petróleo e com a administração da dívida externa.

4. A VELHA E A NOVA POLITICA AGRÍCOLA

Desde meados da década de 60, o Brasil vem adotando uma política de incentivo à agricultura através de basicamente dois mecanismos: a) preços mínimos; b) créditos subsidiados à agropecuária para as atividades de custeio, comercialização e aquisição de equipamentos.

Desses dois mecanismos, o crédito subsidiado tem sido o que maior volume de recursos tem recebido do Governo federal e tem sido o mecanismo que mais tem crescido em termos reais, ao longo dos anos, ficando os preços mínimos relegados a um plano secundário.

Nessa política de crédito subsidiado, o Banco do Brasil tem desempenhado um papel-chave. Este órgão, sozinho, tem respondido por cerca de 60% a 75% do crédito concedido à agropecuária. Os quadros a seguir são ilustrativos do crescimento do crédito rural até 1978, bem como da participação do Banco do Brasil na concessão dos referidos créditos.

Deflacionando-se os valores dos quadros citados, podemos verificar que, de 1965 a 1976, o crédito rural do Banco do Brasil cresceu a 22,03% a.a., e de 1973 a 1978, o crédito rural total cresceu em termos reais a 27,64% a.a. Tais taxas de crescimento real permitiram que o crédito rural total passasse de cerca de 15% do produto líquido agrícola (PLA) em 1965 para cerca de 90% do PLA nos últimos anos da década de 70.

Embora tenha crescido muito rapidamente, este crescimento do crédito rural não foi acompanhado por um crescimento correspondente na produção agrícola, visto ter esta crescido em termos reais a 3,3% a.a. entre 1965 e 1976 e a 4,7% a.a. entre 1973 e 1978; o que evidencia um grande desperdício de recursos com o crédito subsidiado ao setor agrícola. O que o crédito rural tem conseguido é fornecer ao setor agropecuário uma maciça transferência de recursos sem obter, em contrapartida, uma produção adequada às necessidades do resto da economia. Estimando-se o montante do crédito rural em 90% do produto líquido do setor primário e uma diferença de 70% entre a taxa de juros cobrada ao setor (subsidiada) e a taxa de mercado, os juros subsidiados correspondem a uma transferência de 3,5% do PIL de toda a economia ao setor agropecuário. Tal volume de transferência equivale ao total da transferência real que a nação como um todo realizou, entre 1973 e 1980, com a elevação dos preços do petróleo, para os países-membros da OPEP.

Quadro 9


Quadro 10


Quadro 11


Essas transferências, além de não estarem produzindo o resultado desejado (aumento na produção física), apresentavam uma agravante adicional, qual seja: estavam beneficiando uma parcela ínfima dos produtores rurais - não mais que 20% destes - correspondente aos grandes produtores.

Face aos maciços desembolsos e ao desempenho muito fraco do setor agropecuário, fazia-se necessária uma mudança de política. Dois eventos vieram a facilitar a mudança da política com relação à agropecuária: a) a crise da safra de 1978; b) a mudança de governo em 1979. A mudança na política só poderia tomar uma direção: vincular de forma mais direta a concessão de recursos à agropecuária ao desempenho físico. Nesse sentido, primeiramente, o governo dinamizou a política de preços mínimos, e, em segundo lugar, resolveu estender o crédito rural aos pequenos e médios produtores, estabelecendo, ainda, valores diferentes de custeio dependendo do nível de produtividade do lavrador.

A política mais realista de preços mínimos, inaugurada em 1979, parece ter atingido parcialmente seus resultados. Enquanto que antes de 1979 poucas vezes os preços mínimos eram compensadores, a partir de 1979, como mostram os dados do quadro 13, passaram a ser adequados para um bom número de produtos, chegando inclusive a cobrir os custos de produção.

Quadro 12



O resultado foi uma recuperação nos anos de 1979 e 1980 da queda sofrida em termos de produção do setor no ano de 1978 (veja quadro 7). Quanto ao financiamento da produção, comercialização e modernização do setor, houve mudanças no sentido de se vincular, como já mencionado acima, a concessão do financiamento à produtividade com valores básicos de custeio diferenciados de acordo com o nível de produtividade por hectare do produtor, bem como se fez um grande esforço para se atingir o pequeno e médio produtor através da simplificação do processo burocrático e pela abertura de perto de 600 novas agências do Banco do Brasil em zonas rurais, o que acarretou um aumento de 42% no número de agências daquela instituição entre junho de 1979 e junho de 1980, como estão a atestar os dados do quadro 14.


O resultado desse "esforço concentrado" foi um sucesso parcial. As duas últimas safras foram adequadas, mas não chegaram a ser as "supersafras" tão alardeadas pelo governo (veja quadro 7). Voltamos, com poucas exceções (notadamente, soja e cana-de-açúcar), à situação reinante em 1976/77.

Assim, o quadro que temos é, ainda, o de uma política agrícola inadequada. Apesar dos esforços governamentais, os subsídios à agricultura não estão surtindo o efeito desejado, além de serem um dos principais fatores na composição da inflação do país, pois a maior parte dos subsídios concedidos ao setor rural não encontra contrapartida numa arrecadação tributária correspondente, sendo, dessa forma, financiada a custo zero para o governo, embora a um custo muito elevado para a sociedade, através da expansão dos meios de pagamento. É nesse sentido que o atual presidente do Banco Central se queixou quanto à impossibilidade de uma execução precisa da política monetária, tendo em vista que as contas em aberto do orçamento monetário, principalmente em relação à agricultura, inviabilizam qualquer esforço nesse sentido, chegando inclusive a admitir que o "orçamento monetário do Brasil (...) é basicamente agrícola" (Conjuntura Econômica, p. 122, jul. 1980).

Tendo demonstrado ser ineficiente, só podemos admitir que mais cedo ou mais tarde toda a política de amparo à agropecuária deverá sofrer uma reformulação (quiçá a política tributária também), com reflexos para toda a economia.

Mesmo que seja viável um melhor controle na concessão do crédito rural de forma a evitar o abuso de "adubo papel" e similares, o crédito subsidiado, em si, é ineficiente como instrumento, visto não estar vinculado aos resultados da produção física (a relação entre um e outro é bastante indireta para que o crédito subsidiado possa tornar-se um mecanismo adequado de incentivo à produção agropecuária).

Assim, admitindo-se que o governo queira ter um setor agrícola mais dinâmico, e todas as indicações são nesse sentido, somos levados a supor que a política agrícola no futuro provavelmente caminhará no sentido de uma diminuição substancial no crédito subsidiado, como vem preconizando o Prof. Octávio Gouvêa de Bulhões (veja artigo em O Estado de São Paulo, 25 jan. 1981), embora tal redução só deverá ocorrer gradualmente e não de uma só vez, como gostaria o Prof. Bulhões. Se isto ocorrer, devemos esperar que uma maior ênfase seja dada à política de preços mínimos e estoques reguladores de mercado.

5. CONCLUSÕES

A política agrícola dos últimos anos que deu uma maior ênfase ao setor através da concessão de preços mínimos adequados para alguns produtos com a manutenção do crédito subsidiado, estendendo-o, inclusive, aos pequenos e médios lavradores através de uma expansão da rede bancária (especialmente das agências do Banco do Brasil), foi o resultado de um fraquíssimo desempenho do setor durante a última década.

Não acreditamos, portanto, que o governo Figueiredo tenha feito uma "opção agrícola". Na realidade não acreditamos que exista uma tal opção. Essa opção existiria se o Brasil tivesse uma gama adequada de produtos agrícolas exportáveis, cuja demanda no mercado internacional tivesse boas perspectivas de expansão. Tal, entretanto, não é o caso. Os produtos que tradicionalmente têm trazido a maior parte das divisas externas geradas pelo setor agrícola têm sido o café, o açúcar, o cacau e seus derivados e a soja e derivados.

Quadro 15


Quanto ao café e o açúcar, as perspectivas de aumentos substanciais nas exportações desses produtos são pequenas, visto que a demanda para ambos não vem crescendo muito acentuadamente, além do que as exportações acham-se controladas por acordos internacionais.

O mercado internacional do café, na última década, permaneceu mais ou menos estável, tanto em termos de produção para exportação quanto de consumo, não se podendo detectar nenhuma tendência a um rápido crescimento nos próximos anos. Quanto ao açúcar, o aumento do consumo mundial tem acompanhado nos últimos anos o crescimento demográfico mundial, situándo-se pouco acima dos 2% ao ano.

O cacau apresenta um quadro muito semelhante ao do café, visto que a produção mundial praticamente estagnou, embora a participação do Brasil no mercado internacional tenha aumentado ligeiramente devido a uma diminuição na produção de Gana e da Nigéria, diminuição esta que foi compensada por aumentos na produção brasileira. Além do que, apesar do colapso do Acordo Internacional do Cacau (AIC) a 1.º de abril de 1980, o mercado internacional continua a ser (parcialmente) regulado pela Aliança dos Produtores de Cacau, organismo que congrega os seis maiores produtores e que, conjuntamente, são responsáveis por 80% da oferta total (veja Conjuntura Econômica, p. 27, abr. 1980).

Nos três mercados, conseqüentemente, não se prevê para o futuro incrementos significativos no consumo, o que quer dizer que as exportações brasileiras desses produtos não deverão mostrar ganhos muito significativos a médio e longo prazos (o que não implica dizer que em anos isolados, devido à quebra na produção de concorrentes, o Brasil não possa obter ganhos ponderáveis das exportações desses produtos).

Assim, em termos de produtos agrícolas, sobra ao Brasil a soja, cuja produção mundial vem aumentando a uma taxa expressiva de 6,5% a.a. e cujo comércio internacional tem-se expandido nos últimos anos a 7,5% a.a.

Efetivamente, entre 1969 e 1980, a produção brasileira de soja cresceu 23% a.a. em média, o que também quer dizer que a participação brasileira no mercado internacional aumentou. Mas exatamente o mesmo fenômeno, que permitiu esse crescimento excepcionalmente elevado na produção e exportação de soja pelo Brasil, qual seja, a possibilidade de, na qualidade de pequeno produtor, poder aumentar sua participação no mercado e, consequentemente, poder crescer a taxas superiores a este, fez com que a partir do fim da década de 70, a taxa de expansão mostrasse tendências a cair, tendo o país já atingido uma participação significativa na produção mundial (cerca de 15%) nessa época. Com efeito, entre 1976 e 1980, a expansão na produção de soja no Brasil 'se deu a uma taxa média de 3,6% a.a. Mesmo que possamos atribuir parte do fraco desempenho à crise agrícola de 1978, ainda assim as perspectivas para o futuro seriam de um aumento na produção e na exportação a uma taxa não superior a uns 7% a.a.

O que isto quer dizer é o seguinte: que o volume físico das exportações brasileiras de produtos agrícolas não irá crescer muito rapidamente nos próximos anos.

Se adicionarmos aos produtos agrícolas os produtos exportáveis da pecuária, o panorama não se altera. É bem verdade que nos últimos anos (de 1976 a 1979) as exportações de frango congelado cresceram de 19 mil toneladas para 72 mil toneladas, o que fez com que, em termos de valor, as exportações passassem de 19 milhões para 71 milhões de dólares nesse período, o que indica uma taxa de crescimento dessas exportações de 39% a.a. Mas, mesmo que a taxa nos próximos cinco anos continuasse nesse nível, estaríamos exportando em 1985 o equivalente a 381 milhões de dólares de frangos, isto é, o produto ainda representaria uma parcela quase que insignificante do volume total das exportações da época (talvez não mais que 0,5% dessas). Asim sendo, para todos os efeitos podemos ignorar as exportações de carne congelada de frango no cômputo geral das exportações brasileiras.

Na realidade, não podemos esperar uma performance dos produtos primários nos próximos anos muito melhor do que a de anos recentes.

De 1970 a 1979, as exportações brasileiras de produtos básicos cresceram a 13,7% a.a. em termos de valor. Ocorre que as importações no mesmo período estavam crescendo a 24,5% a.a., e é bem provável que continuem a crescer nos próximos anos a taxas não muito inferiores a essa. Ora, para equilibrar o balanço de pagamentos, sem ter de recorrer a maciços empréstimos externos, será necessário que, no futuro, as importações e as exportações cresçam a taxas bem mais próximas uma da outra. Está claro, a partir do que foi exposto, que o aumento nas exportações brasileiras não se dará a esse ritmo a partir da exportação de produtos básicos (especialmente produtos agrícolas). Assim sendo, o esforço brasileiro em termos de exportação forçosamente deverá concentrar-se nos produtos industriais.

Efetivamente, é isso o que já vinha ocorrendo na última década, quando as exportações de manufaturados cresceram a 36% a.a. e as de semimanufaturados a 25,2%. Enquanto que em 1970 os manufaturados contribuíam com 15,3% das exportações brasileiras, hoje em dia contribuem em 44,7%. O que se espera é que essa participação continue a aumentar nos próximos anos.

Assim sendo, não nos parece viável que o setor manufatureiro venha a ser prejudicado em decorrência de uma maior ênfase dada pela política econômica ao desenvolvimento agrícola, visto que toda a possibilidade de o país continuar a se desenvolver a taxas próximas às que observamos na década de 70 está condicionada a uma expansão vigorosa do comércio externo, expansão esta que só o setor manufatureiro poderá conseguir.

O que é mais provável é que a indústria de transformação continue a gozar de uma série de incentivos, inclusive de incentivo às exportações para aqueles produtos que o Brasil tem condições de colocar no mercado internacional. Talvez, frente a pressões externas, os incentivos às exportações de manufaturados mudem de forma, mas algum tipo de incentivo provavelmente continuará a existir de forma a garantir um crescimento adequado da exportação de manufaturados.

O que a análise da política agrícola recente ainda demonstra é que as pressões do balanço de pagamentos são vistas como sendo de tal forma restritivas ao bom desempenho da economia que o governo vê como única saída a adoção de políticas autarquizantes, mesmo quando essas políticas envolvem elevados custos sociais.

Assim, ao examinarmos a política tritícola brasileira, o que observamos é o desejo de se atingir um certo grau de auto-suficiência, a despeito do fato de o trigo brasileiro sair de 33 a 55% mais caro que o trigo importado, como demonstra o quadro 16.


Destarte, se o governo brasileiro resolveu subsidiar um produto como o trigo, fica patente que, antes de mais nada, considera o problema do balanço de pagamentos prioritário.

Ora, se um produto como o trigo nacional, que sabidamente nem a curto nem a médio prazos poderá competir em custo com o trigo importado (veja Conjuntura Econômica dez. 1977, p. 128-36), tem sido merecedor de maciço apoio governamental, o mínimo que se pode esperar para a indústria de transformação é um apoio adequado, visto que como estão a demonstrar os exemplos da indústria automobilística, de construção naval e várias outras, é mais uma questão de tempo até que o Brasil possa competir em termos de custo com países mais avançados industrialmente.

  • *
    Este trabalho fez parte de pesquisa realizada pelo NPP/EAESP/FGV sobre a política industrial do Brasil, sob os auspícios da Olivetti do Brasil S.A. O autor agradece à diretoria daquela empresa a permissão para publicá-lo. Desde a redação destas notas (fevereiro de 1981) foi publicado um artigo importante acerca da falência do crédito rural na revista
    Exame, de 17 jun. 1981, que apresenta opinião semelhante à que foi exposta aqui, e cuja leitura recomendamos aos que se interessam pelo assunto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1981
    Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rae@fgv.br