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RATTNER, DURAND, MICELI & RODRIGUES, Pequena e média empresa no Brasil: 1963-1976

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

José Roberto Ferro

Por Rattner, H. coord.; Durand, J. C; Miceli, S. & Rodrigues, L.

Pequena e média empresa no Brasil: 1963-1976. São Paulo, Símbolo, 1979. 264p.

O presente trabalho, resultado de um trabalho empírico extenso, contribui para esclarecer a problemática das pequenas e médias empresas no Brasil e superar discussões estéreis a respeito da inevitabilidade do desaparecimento da pequena e média empresa frente à oligopolização da economia ou da inevitabilidade de sua transformação em grande empresa, caso administrada racionalmente. Ressalta-se a existência de um espaço onde as pequenas e médias empresas, a partir de seus trunfos específicos, articulam seus interesses e conseguem sobreviver, dentro de uma determinada dinâmica econômica.

O trabalho do grupo de pesquisadores da EAESP/FGV consistiu em entrevistar 155 empresários para tentar entender as principais razões que determinam a sobrevivência das pequenas e médias empresas. A amostra foi definida a partir de uma pesquisa anterior realizada em 1963 por professores da FGV (Administração na pequena empresa, Rio de Janeiro, FGV, 1966. 5 v.) e englobava empresas industriais e de serviços de São Paulo, Porto Alegre e Salvador.

O estudo definiu-se, portanto, pela perspectiva de compreensão dos problemas da pequena e média empresa a partir de sua evolução histórica, ressaltando os aspectos principais que influenciaram a trajetória da empresa e do empresário, que, embora possa não ter levantado uma história detalhada da empresa, conseguiu abranger uma diversidade de questões significativas e relevantes.

Por outro lado, a inclusão da análise dos empresários e algumas determinações de sua rede de parentesco não se prende a hipóteses derivadas da psicologia como a "atitude" e a "postura" do empresário frente aos seus negócios, mas vincula-se diretamente às diferentes possibilidades de transmissão do patrimônio, cuja manipulação eficiente significa a ampliação da possibilidade de sucesso da empresa.

A parte 2 do estudo discute as mudanças ocorridas na economia brasileira no período escudado (1963-1976) e sua influência sobre a situação das pequenas e médias empresas.

A parte 3 procura analisar a evolução do grupo de empresas. Do total de 155 empresas, sobreviveram 99 e 31 encerraram suas atividades, ao passo que 35 não foram localizadas.

A análise da evolução das empresas sobreviventes é a parte mais significativa do trabalho porque, na tentativa de compreender as estratégias de sobrevivência, são incorporados alguns parâmetros normalmente desconsiderados por estudos tradicionais.

Um dos fatores ressaltados como responsável pela( manutenção do espaço da pequena e média empresa e até ampliação de sua possibilidade de crescimento é a escolarização dos herdeiros, tornada possível graças à expansão do ensino superior, princn palmente a partir do final da década de 60.

São definidos alguns tipos particulares de empresas: associação de engenheiros com capitalistas que apresentam um nível tecnológico superior e um volume maior de capital comparativamente às empresas familiares, um grupo de seis empresas consideradas "sem futuro" pelos próprios sócios-proprietários atuais devido ao aumento de concorrência em geral por grandes empresas ou pela dificuldade de incorporar os herdeiros, atraídos por grandes empresas e um grupo de empresas que expandiram de forma expressiva graças ao dinamismo dos chamados ramos modernos da indústria de transformação resenha bibliográfica (mecânico, metalúrgico, químico e eletroeletrôníco).

As empresas que fecharam representam cerca de 40% do total. Foram localizadas e entrevistadas 31 empresas, sendo que 24 representavam a típica pequena empresa familiar. Os principais, motivos alegados para o fechamento são a concorrência (39% das respostas), falta de capital (25%), conflito entre os sócios (18%), problemas com matéria-prima (14%), problemas com mão-de-obra (11%), devendo se ressaltar que muitas empresas alegaram mais de um motivo.

Após o encerramento das atividades da empresa, os empresários nao abandonaram o tipo de atividade anterior e utilizaram-se dessa experiência em outras empresas como proprietários ou diretores (50% dos casos) ou como gerentes, administradores ou assessores (25% dos casos), sendo bastante restrito o número de antigos proprietários que se encaminham para profissões liberais. De qualquer modo, o fechamento da empresa não representou uma "descida" na escala social para os empresários, com exceção de dois casos que se julgavam "em situação pior do que a anterior".

Mereceu atenção particular um grupo de 10 empresas que foram adquiridas por grupos estrangeiros ou então que a eles se associaram. Em geral, essas empresas trabalhavam nos ramos mais avançados tecnologicamente e passaram para o controle desses grupos por estar em situação financeira difícil ou então para poder executar seus planos de expansão.

A parte 4 trata do pequeno e médio empresário, considerando-os como um grupo social e procurando levantar sua origem, trajetória escolar, carreira e mentalidade. Dos empresários entrevistados, pouco mais da metade (51,5%) eram filhos de empresários, estando, portanto, desde o início de suas atividades com uma quantidade significativa de capital econômico, enquanto que o restante provinha de famílias que ocupavam posições intermediárias na burocracia pública e privada ou até mesmo originários de famílias ocupantes de posições subalternas, cujo principal trunfo, em geral, éa competência técnica adquirida através do sistema formal de ensino. Com relação à rede familiar desses empresários, o estudo constatou que os seus avós, assim como o sogro, também eram em maioria proprietários. O patrimônio familiar e, portanto, transmitido e reproduzido tanto através de treinamento escolar dos herdeiros como por meio de estratégias matrimoniais.

São definidos alguns tipos de herdeiros a partir de suas relações com os proprietários. O primeiro é o herdeiro empreendedor, sucessor do pai ou avô na direção dos negócios, e que antes se habilita através da realização de um curso superior onde acumula alguns conhecimentos úteis para a manutenção e expansão dos negócios. O segundo tipo é o gerente de onfiança, que pode ser um contador que ascendeu ao topo da administração através de longa carreira na empresa, começando embaixo até chegar a posições de controle das funções contábeis e financeiras. A entrada do contador na cúpula dirigente se prende quase sempre às crises de sucessão ocorridas no interior da família proprietária. O terceiro tipo é o gerente profissional, representado por executivos que acumulam conhecimentos sobre os modernos métodos de administração tanto através de curso superior como de experiências anteriores de trabalho. Em geral, esses profissionais mudam constantemente de empresa procurando sempre posições mais favoráveis até que em determinada época tornam-se acionistas de uma empresa ou conseguem cargo estável na cúpula administrativa.

Quanto à representação política do empresário, o estudo observou que os pequenos e médios empresários não se sentem beneficiados pelo modelo de desenvolvimento industrial e julgam-se afastados das instâncias de decisão, considerando-se excluídos ou distantes dos grupos de maior influência na vida brasileira e das associações de classe patronal. Por outro lado, os pequenos e médios empresários imputam ao Estado um papel muito importante, principalmente quanto â destinação de recursos financeiros e baixo custo.

Em último lugar, alguns aspectos do gerenciamento das pequenas e médias empresas são analisados. Abordam-se problemas de produção, marketing, administração geral, finanças e contabilidade e recursos humanos, mas, ao contrário da pesquisa de 1963, não se elegeram as práticas administrativas o objeto central de análise. Essg parte constitui-se em instrumentos útil para a avaliação dos problemas técnico-administrativos das pequenas e médias empresas, sendo valiosa para proprietários, diretores e gerentes, como também para consultores e profissionais ligados ao ensino de economia, administração e engenharia.

Esse excelente trabalho sobre a pequena e média empresa, em muitos aspectos inovador, perde parte de sua força explicativa pela incapacidade de integrar a análise econômica, o estudo do pequeno e médio empresário e a observação prática administrativa à questão central de sobrevivência das empresas.

Certamente, isso tem a ver com obstáculos empíricos muito sérios. De um lado, nota-se a dificuldade profunda e generalizada de conseguir do empresário industrial depoimentos alongados acerca da história da empresa, de sua família e mesmo das conjunturas de mercado que enfrentou ao longo do tempo. Por outro lado, tem-se a dispersão das firmas observadas entre ramos, época de fundação e toda uma série de circunstâncias que, se relativamente mais homogeneizadas, dariam parâmetros melhores de comparação.

O estudo pautou-se, assim, por ficar a meio caminho entre o estudo de caso "qualitativo" e o estudo comparativo que reclama parâmetros numéricos que, na sua versão mais vulgar tão comum a pesquisa econômica, fragmentam o universo empresarial em indicadores frios, aniquilando qualquer possibilidade de tipificação da gestão e controle da propriedade, associando-se à condição de classe do empresário, à dinâmica do ramo e a.conjunturas específicas da economia nacional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1982
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