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Articulação de interesses e processo decisório estatal: o caso do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI)

ARTIGO

Articulação de interesses e processo decisório estatal: o caso do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI)

Fernando Coutinho Garcia

Professor no Departamento de Ciências Administrativas da Faculdade de Ciências Econômicas, UFMG

1. INTRODUÇÃO

Para se estudar a dinâmica recente do crescimento industrial no Brasil e seus impactos espaciais tout court o patamar de padrão de acumulação regional, necessário se faz, primeiramente, reexaminar a lógica que rege a formulação dessas políticas governamentais, como a própria raison d'être da industrialização tardia nas regiões periféricas ou em estados dó Centro-Sul, de vocação tipicamente agropecuária.

A busca, portanto, de um veio explicativo para a ineficácia dessas políticas - partindo-se do pressuposto da elevada concentração industrial no caso brasileiro - deve, a nosso ver, dirigir-se, em primeiro lugar, para uma rigorosa análise da legislação federal que orientou a política de descentralização industrial nos últimos anos, et pour cause as suas contradições em face do caráter agressivo da reprodução ampliada do capital nos países em desenvolvimento.

Em segundo lugar, iremos analisar os instrumentos de política econômica para a descentralização industrial, basicamente a partir de 1977, com a Resolução de nº 14 do Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), tendo como parâmetro as diretrizes impostas pelo órgão, pelo menos formalmente, executor da política industrial brasileira, o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), no período de 1971 a 1977, antes de se disciplinar a política de incentivos fiscais e financeiros numa ótica espacial; e, posteriormente, de 1978 a 1980, quando entrou em vigor a Resolução 57/78 que regulamentou a citada resolução do CDE.

Finalmente, em terceiro lugar, pretendemos mostrar que a ineficácia dos arranjos jurídico-formais, com todo o seu imbróglio normativo, encontra explicação em dois veios de teorização: o primeiro, no plano econômico, do desenvolvimento desigual e combinado das economias capitalistas, fazendo ruir, a nosso ver, qualquer perspectiva de polarização à la Perroux, o segundo, no plano político, a intermediação de interesses do empresariado (grupos corporativos e extracorporativos) como a prime rate que os setores dominantes da sociedade civil vão encontrar no complexo mecanismo de influenciação de seus interesses classistas, junto ao núcleo decisório nacional e, em particular no nosso caso, na política industrial brasileira.

Em última instância, portanto, pretendemos proceder a um balanço de políticas públicas e seus possíveis obstáculos de concretização, que deságua, ad absurdum, no processo cada vez mais privatizante dessas políticas.

2. A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA INDÚSTRIA: UMA BREVE ANÁLISE DAS LEGISLAÇÕES FEDERAL E PAULISTA

2.1 A Resolução nº 14/77 do CDE e seus desdobramentos

A preocupação do governo em estabelecer diretrizes para a desconcentração espacial da indústria brasileira somente vem adquirir contornos mais nítidos com a Resolução nº 14/77 do CDE, que; mesmo assim, vai apresentar uma legislação bastante superficial e transferindo a outros órgãos federais, que concedem incentivos fiscais, a tarefa de regulamentar tal resolução, notadamente a Sudene, a Sudam, o BNDE, o CDI e a Befiex.

Para entendermos melhor o grau de generalidade contido nesta Resolução, é conveniente que comentemos alguns de seus artigos.

Inicialmente, fica claro logo no seu art. 1º que a distribuição espacial a ser executada não possui mecanismos transferidores para as regiões periféricas, pois está explícito que "sem prejuízo do apoio ao pólo de São Paulo, que continuará sendo o principal núcleo industrial do país, serão fortalecidos os pólos industriais do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Sul do país".

Quanto ao Norte e ao Nordeste, a presente regulamentação consagra a vocação da industrialização dessas áreas, "pelos diversos complexos industriais ali localizados, de interesse nacional, regional e de certos estados", fazendo uma referência específica à indústria têxtil do Nordeste e à indústria mínero-industrial no caso das regiões Norte e Centro-Oeste, o que é questionável ao se examinar a distribuição espacial por setores da indústria nessas regiões pelos órgãos de incentivos fiscais, principalmente o CDI, conforme apresentaremos no item 3 deste trabalho. Na parte que diz respeito ao pólo de São Paulo, a legislação afirma a "importância de atuar concretamente no sentido da melhoria da qualidade de vida humana, na região metropolitana de São Paulo, para onde só excepcionalmente deverão ser aprovados, pelos órgãos gestores de incentivos, novos projetos industriais".

Como veremos mais tarde, o CDI, ao regulamentar tal resolução, enumera nada mais nada menos do que 22 ramos industriais previstos nesta excepcionalidade. Ao se referir às outras regiões metropolitanas e aos outros estados, o texto se limita a afirmar que "é indispensável que a consolidação dos pólos industriais se verifique dentro da legislação definida de zoneamento urbano, e, particularmente, através de projetos localizados dentro de distritos ou zonas industriais", de responsabilidade dos respectivos governos estaduais, envolvendo não só as regiões metropolitanas, mas também as capitais e as cidades de porte médio.

Finalmente, o que a prática nesses últimos anos demonstrou ser um verdadeiro engodo, a resolução explicita que no tocante ao "esforço de desconcentração industrial, será observada a política de fortalecimento da empresa privada nacional, para preservar, nos novos pólos, o necessário equilíbrio para a empresa estrangeira e com a empresa governamental".

Esta resolução, datada de 21 de dezembro de 1977, só passará a vigorar no âmbito do CDI a partir de 16 de maio de 1978, ocasião em que este Conselho aprova a Resolução nº 57/78.

Se a Resolução nº 14/77 já apresentava uma tonalidade bastante superficial, a do CDI, a nosso ver, amplia este leque de concessões ao núcleo industrial hegemônico do país.

No seu art. 1º fica explícito que "não serão considerados projetos novos no âmbito do CDI, os projetos cujo objetivo principal seja o de modernização tecnológica de instalações já existentes, incluindo-se nesse conceito a implantação ou expansão dos setores de controle de qualidade, de engenharia de produto e de engenharia de projeto".

Por essa vertente fica permitido a todas as unidades industriais paulistas a possibilidade de modernização que, na prática, sabemos que promove uma melhoria nos padrões de produtividade e, no limite, se confundindo com projetos de expansão.

Se isto não bastasse, as excepcionalidades previstas (ver anexo), pelo seu número e extensão, deixam de ser "excepcionalidades" para ser quase o geral, pois o leque varia de fabricação de massas de macarrão a fabricação de componentes para máquinas e equipamentos elétricos e eletrônicos.

Na verdade, a Resolução nº 57/78, ao listar as condições para tais "excepcionalidades", mostra a sua "preocupação" com os efeitos espaciais da concentração industrial, pois os projetos terão de "apresentar características urbanísticas, econômicas, produtivas e tecnológicas só viáveis num contexto metropolitano, incluindo a necessidade de recursos humanos especializados, dependência de comércio e serviços tipicamente metropolitanos, dependência de insumos industrializados de origem metropolitana e alterações de seus produtos em função de mutações rápidas decorrentes de transformações nos valores culturais que ocorrem, notadamente, nos grandes centros urbanos".

No seu art. 3º a resolução do CDI obstaculiza, via incentivos fiscais, a localização de unidades industriais na região metropolitana de São Paulo, que porventura se utilizem de processos produtivos, "mesmo com aplicação dos métodos usuais de controle de poluição, que possam vir a causar perigo à saúde, bem-estar ou segurança da população", prevendo, para tal, uma documentação a ser expedida pelos órgãos responsáveis pela lei do uso do solo e a relativa ao controle da poluição ambiental.

O que fica em dúvida é se esses dispositivos genéricos de localização da atividade espacial da indústria brasileira são eficazes, possuindo tamanha gama de excepcionalidades por um lado è, por outro, não explicitando de forma clara para o empresário (talvez por conveniência e, até mesmo, necessidade) as suas limitações.

Tudo leva a crer que todo esse aparato normativo foi institucionalizado com o intuito de estabelecer tentativas de distribuição espacial da indústria, e muito menos de disciplinar tal tendência do desenvolvimento capitalista.

Ainda no âmbito da esfera federal, cabe analisar a regulamentação da Befiex quanto a desconcentração industrial, o que se dá somente em 4 de novembro de 1980, numa clara indicação da importância dos mecanismos de pressão política do empresariado paulista, que, brilhantemente, não só conseguiu retardar a decisão da Befiex em relação ao CDI em quase três anos, mas, principalmente, conseguiu que ela fosse muito mais ainda "excepcional" do que as outras por n 3s analisadas anteriormente.

Nesse ponto, cabe uma reflexão no sentido de constatar o quanto a formulação da nossa política industrial é sobreposta, pois a Befiex, enquanto formalmente vinculada ao CDI, deveria, pela lógica mais elementar, reproduzir as suas recomendações ou, no limite, procurar corrigir as suas distorções, mas, o que se verifica, é que a busca de autonomia organizacional e a própria sobrevivência no poder faz com que os vôos sejam mais altos, ou seja, a Befiex vai procurar possuir a sua própria resolução, o que se concretiza através da Portaria nº 137/80 do Ministério da Indústria e do Comércio.

A coordenação passa a ser um exercício de imaginação administrativa, em face da multiplicidade dos órgãos que deliberam sobre uma determinada matéria.

Mas, voltando ao caso da Befiex, esta comissão, através da referida Portaria, estabelece, em seu art. 1º que "não serão considerados como projetos novos os apresentados por empresas já titulares desses programas, os que tenham por objetivo principal a modernização tecnológica das instalações .industriais e, finalmente, aqueles que destinem parcela substancial da expansão de sua capacidade instalada às exportações e se comprometam com a realização de saldos anuais favoráveis de balanço de divisas de valor acumulado não inferior a 40% do respectivo compromisso de exportação FOB".

Por essa última possibilidade, qualquer empresa já participante do Programa, que apresentar um projeto de exportação para a Befiex, seja de implantação, expansão ou modernização, no âmbito da região metropolitana de São Paulo, terá o mesmo aprovado, desde que apresente 40% do valor de compromisso de exportação em saldo líquido de divisas.

Fica claro, portanto, que a legislação da Befiex em nada está preocupada com a possível política de desconcentração industrial do país, mas, isto sim, com o déficit crescente do balanço de pagamentos!

Se o CDI cria a possibilidade de 22 ramos industriais se localizarem na Grande São Paulo, a Befiex é mais benevolente, pois estendeu essa possibilidade a todo e qualquer ramo industrial, observada a condição de 40% de saldo líquido de divisas para os programas já existentes e os destinados a modernização tecnológica fixando, porém, o percentual de 50% da capacidade instalada total à produção para exportação, nos casos de programas novos para implantação, conforme o seu art. 2º

Do exposto, fica bastante caracterizado o quão descoordenado tem sido o cumprimento de diretrizes governamentais com respeito a políticas de estrutura espacial da indústria brasileira.

Finalmente, em seu último artigo, a portaria da Befiex ressalta, no entanto, as suas preocupações com aspectos do meio ambiente, destacando que "das empresas da região metropolitana de São Paulo interessadas em programas Befiex/Ciex será exigida documentação da Companhia Tecnológica de Saneamento Ambiental de São Paulo (CETESB), relativa à adequação do projeto aos aspectos de meio ambiente".

Com esse mecanismo tão facilitador para a concessão de volumosos incentivos fiscais para indústrias potencialmente exportadoras, localizadas na Grande São Paulo, preocupar-se com a poluição ambiental, se não é ingênuo, é por demais contraditório na sua mais ampla concepção.

Ainda sob a responsabilidade do governo federal, foi sancionada a Lei nº 6.803, de 2 de julho de 1980, disciplinando a instalação de indústrias em áreas críticas de poluição ambiental que, a fortiori, constitui também uma política de descentralização industrial, Por tal instrumento jurídico ter em muito absorvido a lei do zoneamento industrial urbano do estado de São Paulo, " de que trataremos no próximo tópico, vamos salientar apenas os elementos que apresentem algum acréscimo ao caso paulista.

Basicamente, são poucos os pontos a serem considerados, mas gostaríamos de registrar que no parágrafo 3º, do art. 1º, está explícito que "as indústrias ou grupos de indústrias já existentes, que não' resultarem confinadas nas zonas industriais definidas de acordo com esta lei, serão submetidas à instalação de equipamentos especiais de controle e, nos casos mais graves, à relocalização", mas, logo adiante, no parágrafo 3º do art. 10, aparecem as "famosas" excepcionalidades, afirmando que "em casos especiais, em que se caracterize interesse político, o poder estadual, ouvidos a SEMA, o Conselho Deliberativo da região metropolitana e, quando for o caso, do município, poderá autorizar a instalação de unidades industriais fora das zonas de que trata o parágrafo 1º do art. 1º desta lei".

Essas zonas, à semelhança da legislação paulista, estão classificadas em: a) zonas de uso estritamente industrial; b) zonas de uso predominantemente industrial; c) zonas de uso diversificado. O que se depreende de tais exercícios jurídicos é que, no limite, vamos ter à possibilidade de instalação de qualquer unidade industrial, desde que seja de interesse público, e, por um "passe de mágica", para seguir a regra da nossa administração pública, privilegiar o "discurso", sem a preocupação das formas efetivas de controle.

Para finalizar a análise da legislação federal, no que tange à relocalização industrial, parece-nos oportuno frisar que existe uma lógica que envolve todas as duas resoluções, a portaria da Befiex e a lei federal, que é, justamente, a possibilidade de não cumpri-la, desde que obedecidas determinadas diretrizes, ou seja, as famosas excepcionalidades do CDI - o percentual de 40% de saldo líquido de divisas e o percentual de 50% da capacidade instalada da produção para a exportação na região metropolitana de São Paulo, no caso da Befiex, e, o interesse público, no âmbito do poder estadual, para todos os municípios, indiscriminadamente, no caso da Lei nº 6.803/80 do governo federal.

Vê-se, pois, o quão difícil tem sido para os estados de industrialização tardia e sem possibilidade de usar o mecanismo dos incentivos fiscais a formulação de uma política eficaz de atração industrial.

2.2 O zoneamento industrial metropolitano da Grande São Paulo

A política de desconcentração industrial no estado de São Paulo foi definida na Lei Estadual de nº 1.817, de 27 de outubro de 1978, que disciplinou o uso do solo para fins industriais na Grande São Paulo.1 1 Estado de São Paulo. Zoneamento industrial metropolitano: a experiência da Grande São Paulo. São Paulo, 1979.

Apesar de a lei federal, em seu art. 10, de certa forma influir no processo decisório de ordenação espacial da indústria a nível estadual, vale a pena destacar alguns pontos na legislação paulista, pelo seu impacto na desconcentração industrial, ao menos em termos jurídicos e, portanto, teóricos e passíveis de modificação a qualquer instante, seja pelo próprio poder estadual, seja na esfera de uma lei ou de um decreto-lei no âmbito federal.

A filosofia que inspirou a Lei nº 1.817/78 procurou avançar em relação às outras existentes, basicamente porque "procura substituir a fase de excessiva permissividade relativa à implantação de indústrias - sem planejamento e seleção de locais ou de atividades, que trouxe impactos negativos para a urbanização e o meio ambiente - por uma fase de ordenamento, em que constasse critérios urbanísticos,, ambientais e seletivos", o que provocaria a consolidação na "Grande São Paulo de um novo estilo de industrialização, típico do estágio de desenvolvimento pós-industrial".

Ademais, enquanto filosofia inspiradora, a lei vai procurar a "fixação de objetivos e diretrizes para ampliação e modernização do parque industrial da metrópole, traçar o seu perfil industrial em especial mediante o estímulo às indústrias de vocação ou especialização metropolitana, visando à manutenção de vitalidade do pólo industrial da Grande São Paulo, sem diminuir o nível de investimentos e a oferta de empregos proporcional ao crescimento da mão-de-obra".

Em termos mais operacionais, a novidade presente na lei, conforme dissemos ao analisar a Lei nº 6.803/80, foi o estabelecimento de uma taxonomía de zonas industriais, ou seja, a zona de uso estritamente industrial (ZEI), a zona de uso predominantemente industrial (ZUPI) e a zona de uso diversificado (ZUD).

A zona de uso estritamente industrial foi definida como aquela que se destina "à localização de estabelecimentos industrias de elevado potencial gerador de agentes poluidores, que representem perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança da população", devendo localizar-se, para tanto, fora do entorno urbano imediato,, e que "sejam permitidos somente os usos indispensáveis ao funcionamento das indústrias".

Já a zona de uso predominantemente industrial, que foi dividida em ZUPI-1 e ZUPI-2, "destina-se à localização de estabelecimentos industriais cujo processo produtivo possa causar algum prejuízo ou incômodo às atividades urbanas", devendo por causa disto situar-se "em zonas urbanas ou de expansão urbana, desde que não se permitam dentro dos seus perímetros os usos residencial e institucional (escolas, hospitais etc.)".

A única diferença entre as zonas industriais do tipo 1 e a do tipo 2 reside nas condições geológicas e topográficas, sem maior importância para o nosso trabalho.

Finalmente, a zona de uso diversificado "destina-se à localização de estabelecimentos industriais compatíveis com as atividades do meio urbano e que não trazem inconvenientes à saúde, ao bem-estar e à segurança da população", ficando, no entanto, a critério dos municípios, "que poderão estabelecer os índices e faixas de proteção que desejarem, limitando-se na lei tão-somente a área construída máxima de estabelecimento industrial até 2.500 m2".

Todo esse conjunto de diretrizes legais destina-se aos projetos novos, ou seja, aqueles "estabelecimentos industriais que pretendam implantar-se na região metropolitana, cujos projetos de construção ou de financiamento não estão aprovados, nem deram entrada, à data da publicação da lei, junto aos órgãos ou entidades federais, estaduais ou municipais competentes, bem como aqueles que, embora possuam projetos aprovados, não deram início à sua execução no período de um ano a contar do dia de sua aprovação oficial final".

Pára maior operacionalização da lei estadual paulista, os estabelecimentos industriais foram classificados em cinco tipos, a saber: IN -são aquelas unidades industriais que têm "a sua implantação, alteração do processo produtivo e ampliação da área construída proibidos na região metropolitana por exercerem atividades consideradas incompatíveis com o interesse metropolitano, tais como de manipulação primária de matérias-primas não típicas da região"; IA - estabelecimentos industriais que "somente poderão localizar-se em ZEI", os estabelecimentos industriais IB somente poderão localizar-se em ZUPI-1 e ZEI, enquanto que os classificados em IC poderão localizar-se tanto nas zonas industriais ZUPI-1 e ZEI, como na ZUPI-2.

Finalmente, os estabelecimentos classificados em ID poderão localizar-se em qualquer zona industrial, com a única restrição de terem seu porte, "em face dos aspectos urbanísticos contemplados na lei, limitado até 2.500 m2, independente de qual a zona a empresa venha localizar-se.

Todas essas considerações, cabe observar, referem-se à instalação de empreendimentos industriais novos, enquanto que para os existentes, desde que não haja uma defasagem superior a um ano entre a data de aprovação oficial e o início do projeto, e, para os implantados, a legislação é extremamente benevolente, limitando-se apenas a exigir documentação que confirme que a expansão ou modernização produtiva não vá ferir os preceitos legais, notadamente os referentes à poluição ambiental e aos aspectos urbanísticos.

Ora, todos nós sabemos que a Grande São Paulo, seja pela sua própria especialização industrial, seja pelo "rigor", digamos assim, da lei estadual, não oferece mais estímulos para a instalação de novas indústrias, muito mais pelo primeiro fator, é claro, e o empresariado, portanto, ora parte para a expansão ou modernização - o que é mais freqüente, pelo menos em termos de projetos aprovados no CDI - ora para a instalação fora da região metropolitana, mas, evidentemente, próximo às economias externas do conglomerado industrial da Grande São Paulo.

O esquema de punição aos não cumpridores da lei, ou seja, o controle por parte do governo - aliás, é justamente o controle que tem sido o grande calcanhar de Aquiles da nossa administração pública - também, para não fugir à regra, é bastante flexível.

Das penalidades descritas na lei, podemos destacar as seguintes espécies: "advertência, multa, interdição temporária ou definitiva da atividade industrial, embargo da obra ou demolição da construção ou ampliação".

Isto também não constitui nenhuma novidade entre nós, já que a interdição definitiva ou embargo da obra, se nunca aconteceu na história industrial de nosso país, deve ter acontecido algumas raríssimas vezes.

Ficam, nesse sentido, ao terminarmos este tópico do trabalho, que tratou da legislação federal e paulista sobre os efeitos concentradores da industrialização brasileira, em termos espaciais, pelo menos duas dúvidas.

A primeira delas e, talvez, não resolvida a curto ou médio prazo, refere-se ao caráter supérfluo e não abrangente de uma legislação que, realmente, não se propôs a uma política de relocalização da atividade industrial no país, seja pelos seus aspectos contraditórios, seja pelo discurso de "proteção ambiental", que, todos sabem, constitui uma mera retórica de órgãos sem poder de fato ha administração da política econômica.

A segunda recai na ampla possibilidade de os empresários partirem para a expanss"o ou modernização, basicamente falando do caso paulista, e, assim, saírem por tabela da hipótese, pouco plausível, de uma restrição maior à reprodução ampliada do capital.

O capitalismo monopolista internacionalizado que, no caso brasileiro, foi alhures adjetivado como "desenvolvimento-associado", retrata bem a situação da busca de espaços, não só para a sua reprodução a níveis satisfatórios, mas também para pressionar o estado, através de seus canais legítimos - federações e associações de classe - e assim conseguirem leis e mais leis que atendam a seus interesses.

Esta, a nosso ver, parece ser a lógica que deve ser buscada na agenda de qualquer administrador público das áreas periféricas e menos industrializadas.

3. INSTRUMENTOS DE DESCONCENTRAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO INDUSTRIAL E AVALIAÇÃO DE SUA EFICÁCIA

3.1 Marchas e contramarchas do CDI na coordenação da política industrial

Desde, 1964, pelo menos formalmente, está à frente na formulação e implementação da política industrial, a nível nacional, o Ministério da Indústria e do Comércio, que tem como princípios básicos: "atribuição à empresa privada da responsabilidade básica pela execução dos projetos de desenvolvimento industrial, dedicando-se especial atenção ao fortalecimento da empresa privada nacional; atribuição ao governo de um papel apenas suplementar no cumprimento de suas funções típicas, visando à maior abertura para o exterior, produção a níveis mais apropriados de custos e competitividade, com absorção do desenvolvimento tecnológico interno e externo; finalmente, à elaboração das engenharias de produtos e de processo e à fabricação de bens de capital atribui-se o papel fundamental de fatores dinâmicos e estratégicos para o desenvolvimento industrial a longo prazo. A essência da política, porém, é o barateamento do custo do capital para o empresário".2 2 Suzigan, Wilson et alii. Crescimento industrial no Brasil: incentivos e desempenho recente. Rio de Janeiro, IPEA/ /INPES, 1974. p. 11. (O grifo é nosso.)

Para executar essa política, também formalmente, como veremos ao longo do trabalho, está o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), criado em 1964 com o nome de Comissão de Desenvolvimento Industrial, funcionando por meio de grupos executivos para os diversos setores da indústria.

Como de resto acontece em toda a nossa administração pública, em agosto de 1969 o governo substituiu a antiga Comissão e criou o atual Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), reestruturando os grupos executivos e encarregando-o (CDI) do papel principal na execução da política industrial, tendo como principais atribuições, entre outras: "selecionar e rever periodicamente os setores industriais a desenvolver prioritariamente, em consonância com a programação global do governo; formular os critérios de avaliação que orientarão os grupos executivos industriais na aplicação e graduação dos estímulos previstos ao desenvolvimento industrial e adotar providências no sentido da compatibilização dos planos regionais de desenvolvimento industrial com o programa nacional, objetivando o máximo rendimento econômico das atividades produtivas".3 3 Id.ibid.p. 13. (O grifo é nosso.)

Esse tipo de orientação, que foi obviamente regulamentada em decreto-lei, como sói acontecer na coordenação da política econômica, não tem nada a ver com os "reais acontecimentos", uma vez que, na verdade, não era o Ministério da Indústria e Comércio (MIC) que| na época formulava a política industrial e, sim, o Conselho Monetário Nacional que - juntamente com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a Carteira de Crédito à Exportação (Cacex), o Banco Central e o Conselho de Política Aduaneira - fixava as diretrizes básicas a serem obedecidas na consecução da política.

Ademais, como veremos na análise dos dados empíricos , os chamados grupos executivos "não cumpriram os requisitos essenciais à aplicação dos incentivos, como o estabelecimento de critérios de prioridade próprios a cada ramo, diversificação de estímulos quando conveniente, dinamização das atividades de promoção industrial e montagem de mecanismo de acompanhamento da execução dos projetos".4 4 Id. ibid. p. 14.

Se isto não bastasse, dado o peso das indústrias multinacionais e financiamentos de bancos internacionais pressionando a abertura para as empresas estrangeiras, no caso de concorrencias públicas internacionais, o CDI passa a discriminar a indústria nacional de bens de capital, concedendo incentivos apenas para a importação de máquinas e equipamentos, situação que, não obstante a parafernália de apoio à empresa privada nacional, permaneceu até dezembro de 1979.

"Em segundo lugar, o CDI simplesmente não funcionava como órgão de política, devido às dificuldades técnico-administrativas", principalmente as relativas aos recursos humanos dos vários grupos executivos, seja pela escassez, seja pela má qualificação, fazendo com que praticamente todos os projetos fossem aprovados indiscriminadamente, sem dar a mínima atenção aos problemas setoriais, de mercado e de desenvolvimento regional.

"Assim, ao invés de atuar na orientação do investimento no setor industrial, o CDI apenas reagia, sancionando as decisões privadas ou as de outros órgãos governamentais."5 5 Id. ibid. p. 15.

No auge do milagre brasileiro, no ano de 1972, para se ter uma idéia do volume de trabalho no âmbito dos grupos l executivos, o CDI aprovou 2.012 projetos, na maioria das vezes em bloco, uma vez que em "cada reunião do plenário eram apreciados cerca de 100 projetos, numa média de três a quatro horas de duração".6 6 Id. ibid. p. 20.

Nessas condições, de aprovar tudo em bloco, o CDI estende a quase todos os setores da indústria o rótulo de prioritários e, assim, não cuida dos principais problemas que envolvem a política industrial - investimentos, custos, competitividade e dimensionamento de mercado.

Enfim, o CDI, nos anos do milagre, passa a ter uma "relação com o empresário de baixo para cima, cabendo a este último a decisão de investir". O CDI, portanto, passa a ser um órgão de concessão de incentivos sempre que solicitado, sem nenhum critério e com o único parâmetro de "trazer alguma vantagem à economia".7 7 Id. ibid. p. 21.

Com a agonia do milagre e sua "prematura morte" em fins de 1973, o CDI vai responder às novas condições conjunturais da economia com as já famosas "reformas administrativas", uma vez que a demanda por incentivos e, portanto, o número de projetos apresentados vão apresentar uma nítida queda.

Antes, porém, convém frisar que o reflexo da nova política econômica no CDI não altera o grau de autonomia, pois o órgão máximo de gestor da política industrial passa a ser o Conselho de Desenvolvimento Econômico, em substituição ao Conselho Monetário Nacional (CMN), e a prioridade número 1 passa a ser o balanço de pagamentos e, posteriormente, a inflação. O resto sendo secundário, o CDI, além de uma nova estrutura, passa também a apresentar novos objetivos e novas diretrizes a serem executadas no subsídio à formação de capital na indústria.

O Conselho passa a apresentar então, até maio de 1978, uma estrutura organizacional formada por grupos setoriais, de um a sete,,cobrindo todos os setores da indústria, com um colegiado interministerial, com o objetivo de aprovar os projetos apresentados, e uma comissão de coordenação ligada à secretaria-geral, que teria a função básica de encaminhar todos os projetos aprovados "tecnicamente" para os respectivos colegiados interministeriais.

A partir de meados de 1978, a secretaria-geral e a; comissão de coordenação respectivamente transformam-se em secretaria-executiva e uma coordenação de estudos especiais, esta última com a função de elaborar estudos e pesquisas de natureza predominantemente voltadas para a formulação de políticas, enquanto que a primeira continuava com a função típica de execução e encaminhamento, além da já clássica função de "negociar" com o empresariado. O verdadeiro locus da decisão então se descentraliza da outrora comissão de coordenação para os diversos grupos setoriais.

Essa reestruturação é, na verdade, a resposta do CDI ao Decreto nº 81.651/78, que subtraiu dele a sua função clássica de encarregado da política industrial, passando agora a ser conduzida pelo próprio Ministério da Indústria e do Comércio (MIC) - e não mais pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE) - sob a orientação do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI).

Seu papel foi, portanto, desde a sua criação, a de mero executor da implementação da política de incentivos "consubstanciada na redução (ou excepcionalmente na isenção) dos impostos incidentes sobre a importação de máquinas, equipamentos e componentes destinados à execução de projetos industriais enquadrados em setores prioritários, definidos pela política industrial".8 8 Suzigan, Wilson et alii. Indústria: políticas, instituições e desenvolvimento. Rio de Janeiro, iPEA/INPES, 1978. p.53.

Acontece que, mesmo essa mera função de conceder a redução de incentivos, pois a isenção cabe ao presidente da República em face dos interesses de segurança nacional, o CDI perde ainda mais, em função do "pacote" de dezembro de 1979, passando então a conceder benefícios fiscais, com índices mínimos de nacionalização, para venda no mercado interno.

Mais ainda, nesta última função a "faca passa a ser de dois gumes", pois, ao ter induzido compras no merr cado interno de bens de capital para aumentar o índice de nacionalização dos manufaturados industriais, o que se verificou a partir de 1980 foi uma contínua perda de poder na execução da política, em função da elevada nacionalização destesetor na indústria brasileira.

Se a execução da política vem gradativamente deixando de ter sentido - principalmente após a transferência desses incentivos para o âmbito da Befiex, mediante um compromisso de exportação e, com a atenuante de o Secretário-Executivo do CDI ser o presidente desta Comissão, na verdade, é, por sua vez, a própria Secretaria Executiva da Befiex quem decide que projeto vai a exame por parte do colegiado interministerial, que aprova seus projetos (Seplan, Minefaz e MlC), promovendo mais uma vez a real perda de poder do CDI - o comando da política industrial, como dissemos, vem sendo exercido efetivamente pelo MIC, e não pelo CDI.

Restando-lhe o papel de orientação da política industrial junto ao MIC, e vendo todas as suas funções executivas, é que o CDI vai repor um plano diretor para o qüinqüênio 1980-1985, que, se não é utópico, pelo menos é muito distante das prioridades do governo federal, além de minimizar o alcance da intermediação de interesses do setor privado.

Em linhas gerais, os "novos" objetivos do CDI absorveram os principais que o sucederam, tais como o fortalecimento da empresa privada nacional, tendo-a como principal agente do desenvolvimento industrial. Além disso, ele vai procurar "promover o desenvolvimento e a consolidação da indústria nacional, através da criação, adaptação e absorção de tecnologia, redução da dependência de fontes energéticas importadas, desconcentração do crescimento industrial, substituição de importação e ampliação das exportações de produtos manufaturados", bem como "promover a geração de novos empregados e a com participação dos empresários e trabalhadores no processo de decisão relativo ao desenvolvimento industrial".9 9 MIC/CDI. Plano Diretor - 1980/85.

Se neste último objetivo o atual quadro político e o pacto social daí decorrente tem mostrado que a participação do trabalhador no processo decisório nacional é algo, se não impossível, pelo menos muito distante da realidade atual, quanto ao primeiro, que se refere a políticas de desconcentração industrial, o subitem 3.2 deste tópico demonstrará de uma forma lapidar a sua total defasagem, pelo menos no último ano de 1980, quando ainda constatamos uma forte concentração industrial no eixo Sul-Sudeste, principalmente na região metropolitana de São Paulo.

Em outras palavras, quer nos parecer que o plano diretor do CDI, ao negligenciar questões prementes de pressão política e a ênfase do governo no balanço de pagamentos, vai procurar desenvolver uma estratégia que irá de encontro a essas diretrizes, e, mais uma vez, ficará relegado a um centro de informações estatísticas, ora para orientar a decisão de investir do empresariado, ora pára a própria máquina estatal.

Para finalizar, no que diz respeito à descentralização industrial, que nos interessa mais de perto, o plano diretor estabelece, entre outras diretrizes, que "há de se considerar ainda fortemente a necessidade de racionalização do parque industrial, no que se refere à disribuição espacial, à qualidade do produto e à produtividade dos fatores", explicitando nas diretrizes setoriais que apolítica de desconcentração espacial vai procurar:

a) estimular o aproveitamento das potencialidades - humanas, materiais e de mercado - das regiões menos industrializadas do país;

b) adequar a distribuição espacial do parque industrial à nova estrutura de custos de transporte e à disponibilidade regional de energia;

c) orientar a política de zoneamento industrial no sentido de ordenar a atividade industrial nas regiões metropolitanas e nas áreas próximas às grandes cidades, considerando a melhoria da qualidade do meio ambiente e o aproveitamento de economias de aglomeração;

d) buscar a racionalização da utilização da infra-estrutura industrial existente, e promover a sua expansão, adequada aos potenciais regionais, privilegiando as regiões menos desenvolvidas; e

e) orientar, apoiar e promover empreendimentos, públicos ou privados, que venham a se constituir em pólos de crescimento industrial nas regiões menos desenvolvidas do país."

As recomendações do CDI resumidas nessas diretrizes espaciais sãò as mais bem intencionadas, mas,, como veremos a seguir, extremamente difíceis de ser implantadas, em vista não só da própria natureza do desenvolvimento capitalista periférico, mas, principalmente, da agenda da política econômica brasileira.

Fica, no entanto, para o futuro, um balanço mais consistente do plano diretor do CDI, já que ele se estendera até 1985.

3.2 O Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) e a avaliação da eficácia dos instrumentos de Descentralização da atividade industrial

Antes de passarmos para a análise propriamente dita dos dados empíricos disponíveis, convém tecermos algumas considerações teóricas sobre a problemática espacial da industrialização capitalista periférica, para termos um quadro mais homogêneo e articulado na listagem de nossas conclusões.

A maioria dos estudos que tratam da questão regional tende a ver o impacto da industrialização como o "salva-vidas" das desigualdades inter-regionais, principalmente através dá teoria dos pólos de crescimento (Perroux) de parte marcadamente neoclássico.

No Brasil, os estudos com major fôlego do ponto de vista da explicação dos desníveis regionais, têm sido feitos geralmente sob o plateau desta teoria dos pólos, não ficando senão umas poucas tentativas de explicação do fenômeno espacial, a partir da história da formação regional.

Em um recente estudo, que consideramos bastante heterodoxo do ponto de vista teórico, Lodder10 10 Lodder, C. A. Estrutura espacial, política de industrialização e o problema regional. In: Suzigan, Wilson et alii. Indústria: políticas... op. cit. propõe uma tal gama de caminhos a seguir, que vale a pena comentarmos alguns deles.

De início, o autor realça que "a tendência e permanência de desequilíbrios é a regra, e não a exceção, do processo de crescimento, quando baseado numa estratégia de industrialização e quando a decorrente política industrial é calcada numa estrita obediência aos mecanismos do mercado, usando apenas os instrumentos fiscais de incentivos e transferências - setorial e/ou espacial".11 11 Id. ibid. p. 139.

Em outras palavras, o autor quer explicar que o "chamado problema regional é apenas uma das dimensões - a espacial - de um problema maior que é a tendência ao desequilíbrio/desigualdade embutida em todo o processo de crescimento neocapitalista. Nestes termos, o aparecimento, persistência e, em alguns casos, agravamento das desigualdades regionais no decorrer do processo de crescimento econômico é inevitável".12 12 Id. ibid. p. 140.

Esse raciocínio, batizado na literatura como desenvolvimento desigual e combinado, a nosso ver é perfeito, uma vez que a realidade regional do Brasil, hoje, é a mesma de 20 anos atrás, quando do primeiro plano diretor da Sudene, que inaugurou a intervenção estatal planejada nas regiões periféricas.

Nada mudou porque os incentivos fiscais e financeiros foram dados indiscriminadamente e, principalmente, porque o capital não tem pátria nem tampouco região, buscando sempre a sua reprodução ampliada, seja a nível regional, nacional ou internacional.

Neste sentido, cabe observar que a rationale do planejamento regional são os famosos indicadores neoclássicos de renda interna, que em nada explicam os reais mecanismos de atraso, seja ao nível inter-regional, seja ao nível intra-regional.

Outro fator de suma importância que sobredetermina a idéia de polarização é que a sua irradiação, na verdade, é uma centrifugação, no sentido periferia-centro, ou seja, a acumulação de capital na indústria nordestina, por exemplo, tem dois destinos certos: uma parte para capitalizar a matriz do Centro-Sul no seu programa de investimentos - pois já está. provado que são menos de 20% dos empresários que investem na criação de novas indústrias, enquanto que grande parte expande e moderniza - e outra para a modernização do capital constante, visando um aumento da produtividade, gerando menor quantidade de emprego por unidade de capital.

Como corretamente expressou Lodder, "em outros termos e de uma maneira bem mais ampla, o que importa é a construção e a aplicação de uma, por assim dizer, teoria do capital no espaço, no qual a influência das estruturas espaciais tenham um papel ativo na formação do capital.. ." 13 13 Id. ibid. p. 159.

Essas "pinceladas" numa ótica de teorização do problema regional possibilitam, a nosso ver, a explicação e a articulação dos dados empíricos a serem apresentados.

Antes de comentarmos os números do CDI, a partir de 1971, ano em que, de fato,, ele iniciou uma política agressiva de concessão de incentivos, vale a pena apresentarmos algumas informações sobre a distribuição espacial da indústria no ano de 1970, por ocasião do censo industrial.

Inicialmente, é preciso frisar que "o exame da expansão industrial no Brasil mostra que o crescimento se caracterizou por grau pronunciado de concentração. Em 1907, quase 54% do valor da produção industrial localizaram-se nos atuais Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, 134% no Rio Grande do Sul e 32,8% no resto do país. Em 1919, Rio de Janeiro e São Paulo ampliaram a fração da sua produção para quase 62%, refletindo principalmente o crescimento de São Paulo". 14 14 Baer, Werner et alii. Dimensões do desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro, Campus, 1978. p. 87-8.

Cinqüenta e um anos depois, "o Sudeste produzia 80,3% do valor adicionado industrial do país", enquanto que no Nordeste se verificava uma queda de "10,9% em 1940 para 5,8% em 1970" e no Sul o que se verificou foi o declínio de "14,0% em 1940 para 12,0% em 1970. Em suma, em termos do valor adicionado, o processo de industrialização do Brasil foi assinalado por uma permanente concentração na parte Sudeste do país. Deve-se observar, através do exame dos estudos, individualmente, que este fato se deve ao crescimento de São Paulo no interior do Sudeste".15 15 Id. ibid. p. 88.

Mais especificamente, como afirmam os autores, o estado de. São Paulo foi responsável por uma espetacular concentração industrial a favor do Sudeste, pois a sua taxa de participação no valor da transformação industrial salta de 39,5% em 1940 , passando a 48,1% em 1950, a 54,1% em 1960, para chegar a 57,2% em 1970, deixando apenas 23,1% para os outros quatro estados do Sudeste.16 16 Id. ibid. p. 89.

As razões para a explicação da histórica concentração espacial em São Paulo e, no limite, no Sudeste, não são fáceis de ser respondidas, mas, no entanto, tendemos a concordar com Katzman, ao afirmar que talvez "tenha sido a imobilidade do capital, característica de economias sem mercado de capital integrados, intermediários financeiros não especializados e, talvez, uma ética personalista que destaca os laços de parentesco".17 17 Katzman, Martin T. Urbanização e concentração industrial: 1940/70. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA, 4 (3), dez. 1974.

É de se perguntar, ao mostrarmos, esses dados referentes à estrutura espacial ao longo da industrialização brasileira, se a Resolução nº 14 do CDE e as suas filiadas iriam ou não resolver a médio ou longo prazo os desequilíbrios regionais da industrialização pela via da concessão de estímulos fiscais e financeiros?

Se ao longo de aproximadamente 10 anos o CDI, como órgão executor da política industrial, não o conseguiu, apesar de a Resolução nº 57 datar de 1978, agora com o severo controle de subsídios e a necessidade premente de incentivar as exportações é que se vai conseguir? A resposta, parece-nos, é negativa.

Passando então para a análise dos dados do CDI relativos à distribuição espacial dos seus projetos aprovados, ao longo de 1971 até 1980, uma coisa fica logo clara, ou seja, a concentração industrial no Centro-Sul apenas aprofundou a tendência histórica da centralização no eixo hegemônico da expansão capitalista no Brasil.

Pelos dados da tabela 1, que resume a distribuição espacial dos investimentos fixos dos projetos aprovados ao longo dos sete anos que antecederam à Resolução nº 57/78, temos um excelente perfil do que afirmamos.

No caso da região Norte, onde somente entra o Pará, dados os incentivos fiscais existentes na Zona Franca de Manaus principalmente e, secundariamente, dada a carência de economias de escala, quando a sua participação em 1971 era de 8%, passa a 0,01% em 1972 e 73, para chegar praticamente a zero nos anos de 1976 e 77.

Uma resposta mais apressada para tal tipo de comportamento do CDI poderia ser a agressividade da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) na política de industrialização da Amazônia por meio da concessão de incentivos fiscais, mas, tendo esta agência entrado em operação em 1966, nada justifica, portanto, a punição imposta à região Norte por parte do CDI, a não ser, como já o descrevemos inúmeras vezes, o processo hegemônico do Centro-Sul.

O Nordeste, que em 1971 era responsável por 13,10% dos investimentos fixos, passa para 3,40% em 1972, para chegar a 3,81% em 1977, depois de já ter atingido 12,80% em 1974, ou seja, ao longo de 10 anos ele perde praticamente 10 dos 13% de participação dos investimentos aprovados pelo CDI.

E a forte tendência à concentração espacial dos incentivos fiscais administrados por este Conselho continua em curso com a região Centro-Oeste, que vê a sua participação de 0,10% em 1971 para 0,04% em 1972, mas chegando a 0,74% em 1977, ficando, portanto, em segundo lugar, após o Norte, na política centralizadora do CDI.

O Sul, onde vamos presenciar uma melhora sensível de sua participação, faz parte, junto com o Sudeste, das duas regiões mais industrializadas do país e, por conseguinte, as que mereceram maior cuidado e atenção por parte do CDI.

A região Sul evoluiu de uma participação de 8,20% em 1971 para 9,30% em 74, depois de uma rápida queda nos anos de 1972 e 73, para atingir a participação de 28,29% em 1977.

Uma análise mais cuidadosa - a par da importância da região Sul no processo de industrialização brasileira - vai revelar que não foi uma política de desconcentração espacial imposta pelo CDI que refletiu esta elevada participação do Sul, mas sim o impacto da construção do pólo petroquímico no Rio Grande do Sul, que terá, inclusive, reflexos mais nítidos nos anos posteriores a Resolução nº 57/78, uma vez que esse mesmo fenômeno se repetiu na Bahia, também com a Petroquímica, e em Minas Gerais, com a expansão da metalurgia.

São fatores de conjuntura econômica e de pressão política - como veremos no último tópico - que empurram, digamos, a aprovação de investimentos por parte do CDI aos estados de industrialização mais retardatária.

Uma evidência empírica do que estamos falando é que no ano de 1977, quando realmente o Sul adquiriu uma posição importante, dos 28,29% de participação dos investimentos fixos, somente o estado do Rio Grande do Sul participou com 21,83%, o que demonstra o nosso raciocínio anterior.

A região Sudeste, historicamente concentradora da atividade espacial da indústria brasileira, participou com 78,40% em 1971, 92,85% em 1972, diminuindo ligeiramente nos anos subseqüentes, até atingir o percentual de 67,16% em 1977, devido ao peso, único e exclusivamente, da região Sul.

No que diz respeito à distribuição espacial dos projetos aprovados de que trata a tabela 2 - infelizmente o CDI não possui dados para os anos anteriores - para o período de 1975 a 1977, o Norte è o Nordeste apresentam a mesma pobreza, com a única ressalva de o Nordeste, em 1976, contar com 7,8% dos projetos aprovados, mas também aí a explicação reside na indústria petroquímica da Bahia, que detém 50% dos projetos e, portanto, 3,9% de todo o Nordeste.

O Centro-Oeste é praticamente insignificante, enquanto que o Sul reflete um aumento em decorrência da perda do Sudeste, mantendo-se, em média, a participação de 15%, tendo o Rio Grande do Sul uma participação de mais de 7,5% em todos os três anos de análise, pelas mesmas razões da Bahia.

Finalmente, o Sudeste declina de 81,4% em 1975 para 76,8% em 1976 e 77,30% em 1977, declínio este que reflete a perda de São Paulo, de 64,5% em 1975 para 57,10% em 1977, em favor de Minas Gerais e Rio de Janeiro, enquanto que o Espírito Santo tem uma participação quase nula.

O que mais chama a nossa atenção é a agressividade de São Paulo em termos de número de projetos apresentados (e aprovados), pois somente esse estado, em todos esses três anos de análise, apresenta um número superior à soma de todas as outras regiões brasileiras, indicando, portanto, uma forte concentração espacial num único estado.

Passando então para a análise da eficácia dá Resolução nº 57/78, em termos de seu impacto na desconcentração e descentralização industrial, vamos analisar os dados referentes a investimentos fixos, projetos aprovados e incentivos fiscais concedidos nos anos de 1978 a 1980.

Inicialmente, por meio da tabela 3, podemos ter um quadro de como se comportou o CDI no item da distribuição especial dos projetos aprovados.

Chama logo a atenção a forte participação do Sudeste, que, praticamente, ficou estabilizado em torno de 70%, uma vez que de 72,85% em 1978 passou para 66,15% em 1979, para, novamente, atingir o limite de 70,8% em 1980, não alterando em nada o quadro anterior à resolução, pois, no período de 1975 a 1977, o Sudeste manteve uma média de 78,5% e, portanto, teve um ligeiro declínio (-8,5%) em termos de média.

O problema maior que se observa é que o declínio de São Paulo de 57,10% em 1977 para 44,8% em 1980 foi, como podemos constatar, em favor de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, já que o Nordeste, em seu significativo aumento de 5,40% em 1977 para 11,5% em 1980, deveu-se basicamente à Bahia, que teve a sua participação aumentada de 2,96% em 77 para 8,5% em 1980.

O Sul, ao ver em 1978 terminada a projeção de investimentos em Petroquímica com 18,80%, passou para 13,5% em 1980, mas também nesse último ano com a hegemonia do Rio Grande do Sul, que teve a participação de 11,5%.

Cabe observar, no entanto, que o Paraná em 1978 teve uma significativa participação com 7,04%, ficando logo abaixo do Rio Grande do Sul com 7,54%, tendo, seguramente nos projetos da Volvo, o fio explicativo para esse fato, o que demonstra mais uma vez o peso das pressões políticas no processo de industrialização dos estados mais tradicionalmente agropecuários.

A análise da ineficiência das políticas de desconcentração espacial levadas a cabo pelo CDI toma-se mais nítida quando verificamos a pauta da distribuição dos valores dós investimentos fixos nos diversos estados, já que por este lado transparece o fato de nada mais nada menos de cinco estados açambarcarem 79,38% dos investimentos dos projetos aprovados.

Bahia, no Nordeste, com 7,81%, basicamente representado pela Alumínio do Brasil Nordeste, com Cr$ 1,5 bilhão dos Cr$ 2,8 bilhões; a Mannesman S.A., em Minas Gerais, com Cr$ 6,1 bilhões dos Cr$ 7,6 bilhões; o complexo petroquímico do Rio Grande do Sul; e os já tradicionais estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, que totalizam aproximadamente Cr$ 13,6 bilhões.

Isto evidencia, portanto, que quase 80% do valor dos investimentos fixos foram dirigidos para pouco mais de 20% dos estados brasileiros.

Se houve uma desconcentração espacial da indústria no sentido de "expulsão" do centro industrial paulista, que ficou com apenas 21,31% dos investimentos, junto com Minas Gerais, numa análise mais global isto não, vai ter maiores repercussões, pois os outros quatro estados é que vão sair ganhando.

Em 1979, o Nordeste ampliou a sua participação para 12,33%, sendo observado o mesmo fenômeno do ano anterior, com a Bahia representando 9,87%, o que significou 80% de toda a região, com uma forte concentração espacial a seu favor acentuando-se ainda mais em relação ao ano anterior.

A região Sul vai apresentar um crescimento vertiginoso em relação a 78, passando de 19,65% para 25,45%, mas tendo no Rio Grande do Sul a participação de 20,31%, o que significou, no limite, que este estado deteve praticamente 80% dos investimentos.

Este acréscimo do Sul acarretou menor participação do Sudeste, que, agora, conta com 57,66% contra os 64,18% em 1978, e São Paulo observando um espetacular declínio, passando dos 21,31% em 1978 para, apenas, 17,63% em 1979, enquanto que Minas Gerais dá um salto estupendo, passando para quase 33% de participação em todos os investimentos fixos aprovados pelo CDI.

Além da expansão da metalurgia neste estado, cabe considerar a retomada do cronograma da Açominas, já que, pela vertente política, este estado não só tinha o apoio do secretário-executivo do CDI como também de seu ex-secretário da Fazenda e, hoje, titular da pasta do Ministério da Indústria e do Comércio, além, é claro, do vice-presidente da República.

Nada mais óbvio, portanto, que, no primeiro ano de gestão dos mineiros no MIC, este estado fosse amplamente beneficiado por incentivos fiscais.

Chama a atenção, novamente, o fato de que o Centro-Oeste viu a sua participação declinar (a única região junto com o Sudeste) na distribuição dos investimentos, enquanto que os cinco estados - Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo - que em 1978 detiveram aproximadamente 80% dos investimentos, em 1979 vão deter a extravagante cifra de 87,8%, demonstrando o forte conteúdo político presente nas decisões de localização industrial, por um lado, e, por outro, mais uma vez a ineficácia de resoluções técnicas tais como a nº 57/78, pois nela está explícito que a lógica a ser obedecida é não somente a descentralização da região metropolitana de São Paulo, mas do próprio Sudeste e, mais precisamente, do eixo Rio-São Paulo.

O Paraná, por exemplo, reflete bem a punição que vem recebendo, pois a sua participação caiu de 6,91% em 1978 para 4,97% em 1979, e apresenta a insignificante cifra de apenas 0,35% em 1980.

E é justamente neste ano que vamos ter a retomada do crescimento dos projetos aprovados pelo CDI hp Sudeste - há três anos perdendo pontos - evoluindo de 57,66% para 69,66%, com São Paulo recuperando a sua importância de maneira decisiva, ou seja, detendo exatamente a cifra de 52,7% dos Cr$ 17,5 bilhões investidos nesta região.

Tabela 4

O Nordeste, por sua vez, é contemplado com quase o dobro em relação a 1979 - 24,85% - mas, evidentemente, a Bahia participando com praticamente tudo - 24,15%.

O Centro-Oeste vê a sua participação cair para a metade em relação a 1979, ou seja, 2,80% e, o Sul perde praticamente tudo, ficando com um percentual até mesmo inferior ao Centro-Oeste, com a significativa participação de apenas 2,69%.

A perda de percentuais por parte do Sul e Centro-Oeste em favor da Bahia também se deve a questões de política, pois foi em 1980 que se iniciou o arrojado projeto da Norquisa S.A., tendo como presidente do Conselho de Administração o ex-Presidente Geisel, bem como o ex-Ministro Calmon de Sana diretoria-executiva.

A nosso ver, essa questão - política - é que de fato define as pressões para a desconcentração industrial, e não um conjunto de resoluções e leis que possuem aspectos meramente disciplinadores e, como vimos anteriormente, superficiais e contraditórios.

Uma última observação deve ainda ser feita, no sentido da tendência e concentração espacial por parte dos já famosos cinco estados, pois, se em 1979 eles obtiveram 87,8% dos investimentos aprovados pelo CDI, em 1980 eles aumentam para, simplesmente, 88,57% dos investimentos fixos.

A conclusão, como não poderia deixar de ser, é a de que a política de distribuição espacial dos investimentos posta em prática pelo CDI veio beneficiar única e exclusivamente esses cinco estados, ficando todos os outros em 1980 com apenas 11,43% dos benefícios concedidos pelo Conselho de Desenvolvimento Industrial.

No que diz respeito aos incentivos fiscais, como mostra a tabela 5, a situação foi a mesma, tendo o Centro-Sul apresentado o maior ganho de incentivos fiscais concedidos, como o foi no valor dos investimentos fixos, quer em 1978, quer nos anos subseqüentes.

Para finalizar este tópico, gostaríamos de tecer algumas considerações sobre o balanço de duas questões centrais na política do CDI, a saber: a) a ênfase no apoio à empresa privada nacional; e b) o não cumprimento, seja pela Resolução nº 57/78 do CDI, seja pela Portaria Ministerial nº 137/80 do MIC, que trata de regulamentar a questão da distribuição espacial da indústria, na Befiex, pelas empresas que apresentam projetos de expansão ou modernização.

Quanto ao primeiro item, a tabela 6, ao apresentar os projetos aprovados pelo CDI, de acordo com o controle de capital, nesses últimos três anos, demonstra claramente que a contradição entre.a fixação de objetivos e a realidade na gestão da política industrial alcança o seu limiar, pois, se em todas as medidas propostas de fortalecimento da empresa nacional, o setor prioritário é o de bens de capital, é justamente esse setor que, nos anos de 1978 a 1980, apresenta a maior participação da empresa transnacional nos projetos aprovados pelo CDI, evoluindo de 47,1% em 1978 para 58% em 1979 e, em 1980, alcançando praticamente 70% de participação.

Como bem expressou Luciano Martins em excelente trabalho,18 18 Martins, Luciano. A Expansão recente do Estado no Brasil. Rio de Janeiro, Iuperj/Finep, 1977. o CDI constitui aquilo que poderíamos caracterizar como a política da não-decisão.

A segunda questão levantada por nós, da não-inclusão das empresas nas resoluções do CDI e da Befiex que apresentem programas de expansão ou de modernização, conforme podemos verificar na tabela 7, apenas considerando o ano de 1980, em termos de Brasil, 60,6% dos projetos aprovados foram de expansão e 3% de modernização, totalizando, portanto, 63,6% de projetos que escaparam de um enquadramento na política de desconcentração espacial da indústria.

Se considerarmos os cinco estados que foram contemplados com mais de 80% dos investimentos nos anos de 1978 a 1980, vamos verificar que, simplesmente, 84,6% dos projetos foram de expansão, sendo os de modernização, de certa forma, insignificantes na composição final.

Em outras palavras, como fazer valer uma diretriz de descentralização industrial fora do Sudeste, se, nesta região, praticamente 69% dos projetos aprovados foram de expansão e, portanto, excluídos da legislação?

A resposta, tudo indica, só vamos encontrar na vertente da intermediação de interesses e da forte pressão política exercida pelo empresariado, seja através de suas federações e associações de classe, seja através da cooptação junto ao Legislativo, e, principalmente, junto ao próprio aparelho de Estado.

4. PRESSÃO POLITICA E INTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES DO SETOR PRIVADO

Neste último tópico, iremos articular a formulação da política industrial com os mecanismos de pressão política do empresariado, buscando salientar, principalmente, o quanto o empresário pode influenciar no processo decisório da política econômica em geral, bem como, com que formas tal processo se concretiza na arena decisória nacional.

A literatura que trata deste assunto vem tendo um desenvolvimento recente dos mais ricos que se tem notícia no estudo da relação entre Estado e sociedade, mas vamos procurar nos restringir àqueles textos que consideramos os suficientemente amplos para, digamos, darem conta da explicação do fenômeno da intermediação de interesses na implementação de políticas públicas.

Em nossa opinião, foi O'Donnel19 19 O'Donnel, Guilhermo. Sobre o corporativismo e a questão do Estado. Cadernos DCP, Belo Horizonte, UFMG, 3 (3), mar. 1976. quem, de maneira feliz, resumiu este importante capítulo da ciência política, ao afirmar, em relação aos Estados burocrático-autoritários, como o brasileiro, que o corporativismo que o qualifica é "um corporativismo bifronte, porquanto contém simultaneamente dois componentes que é necessário distinguir com cuidado. Um deles é estatizante, no sentido de que consiste na conquista por parte do Estado, e consequente subordinação a este, de organizações da sociedade civil. O outro é privatista, na medida que consiste, pelo contrário, na abertura de áreas institucionais do próprio Estado à representação de interesses organizados da sociedade civil".20 20 Id. ibid. p. 3.

Em nosso trabalho, como este próprio subtítulo já está, a indicar, trataremos apenas deste último, ou seja, o "corporativismo privatizante", qué é o da representação de interesses frente ao Estado das classes e frações de classes dominantes da sociedade.

Para efeito do nosso trabalho, estamos considerando o "corporativismo privatizante" não apenas os formatos organizacionais clássicos deste tipo de representação de interesses, tais como os sindicatos, as federações e as confederações patronais, mas também os formatos extracorporativistas, como "as associações civis criadas paralelamente às entidades oficiais".21 21 Diniz, Eli & Boschi, Renato R. Autonomia e dependência na representação de interesses industriais. Dados, Rio de Janeiro, Iuperj, (22):26, 1979.

Enquanto que a forma clássica de corporativismo foi instituída no Brasil "pela.legislação sindical dos anos 30" e teve como característica "o fato de ter sido criada no contexto de reformas políticas" mais amplas, pois também disciplinou a organização dos operários, o formato extracorporativo veio ter como característica principal "uma maior mobilidade na intermediação de interesses, dado que a dinâmica desta representação escapou ao controle direto pelo Estado".22 22 Id . ibid. p. 25-6.

A estrutura corporativista da indústria brasileira é formada por nada mais nada menos do que "518 entidades sindicais, das quais o setor tradicional nos estados menos industrializados representa 42%, sendo que 22% localizam-se no setor de produtos alimentares, 8% no setor de vestuário, calçados e artefatos de tecidos, 7% no setor de produtos de minerais não-metálicos e 6% no setor de madeira".23 23 Id. ibid. p. 29.

Por estes dados pode-se concluir que a maior parte da estrutura sindical patronal localka-se no setor tradicional (69%) - incluindo os estados mais industrializados - enquanto que nos países industrializados dá-se justamente o inverso, com a maior parte da estrutura corporativista oficial representada pelo setor moderno da indústria.

A fórmula encontrada pelo setor moderno, no caso brasileiro, foi a proliferação da estrutura extracorporativista, que de um total existente até recentemente de 34 associações, 25 pertenciam ao setor moderno.24 24 Id. ibid. p. 36.

Examinando mais atentamente o período de criação dessas associações, observa-se que entre 1964 e 1978 foram criadas 65% delas, o que viabiliza a tese de que quanto maior for a direção do estado na economia em geral, e no setor industrial em particular, mais rápida será á resposta dos setores dominantes da sociedade civil no sentido de imprimirem maior representação de seus interesses, já que neste período tivemos a definitiva expansão estatal, com a instalação, por exemplo, do maior número de empresas estatais do que em todo o período da história do país.

Outro fator a ser considerado é que a estrutura extracorporativa, além de apresentar um percentual maior de entidades - 49% congregam mais de 50 empresas, enquanto que nos sindicatos apenas 37% 25 25 Id. ibid, p. 38. - "compõe-se predominantemente de organizações que congregam entre seus membros uma alta proporção de grandes empresas. Assim, se 70% dos sindicatos congregam entre os seus associados mais da metade de empresas de menor porte, entre as associações observa-se uma proporção significativamente mais alta de entidades que em sua composição apresentam mais de 50% de grandes empresas".26 26 Id. ibid. p. 39.

É necessário acrescentar também que, na estrutura extracorporativa, "a sua base de representação está concentrada nos estados mais industrializados, com 47% em São Paulo, 19% em Minas Gerais e 17% no Rio de Janeiro",27 27 Boschi, Renato R. Elites industriais e democracia. Rio de Janeiro, Graal, 1979. totalizando, portanto, apenas nesses três estados a espantosa cifra de 83%, contribuindo, decisivamente, para que as decisões do aparelho de estado reflitam os interesses em jogo no centro hegemônico da indústria brasileira, o que vem confirmar, de maneira decisiva, a nossa hipótese central, quando analisávamos os dados empíricos do CDI, no item 3 do presente trabalho.

Partindo para uma análise mais detalhada dos diversos arranjos de pressão política de empresariado industrial junto ao governo, vamos apresentar a sua própria versão, através de uma pesquisa empírica realizada em 1976, onde ficam claros os diversos mecanismos acionados frente aos órgãos de política econômica - notadamente o CDI - para alterar as regras do jogo e, no limite, as partes (púbuco-privado) ficaram mutuamente satisfeitas.

A maior parte dos trechos das entrevistas aqui reproduzidas são dos empresários do setor de bens de capital,28 28 O que não exclui na amostra a participação de outros setores da indústria, seja o tradicional, seja o moderno. geralmente localizados no estado de São Paulo, visto que este estado, conforme registramos, possui quase 50% das associações de classe (extracorporatrvistas) e um organização sindical - a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) - das mais atuantes de que se tem notícia no plano do corporativismo oficial.

Para se ter, de início, uma idéia do acesso dos empresários junto ao núcleo decisório nacional, afirmou um empresário que "há ministros que nos chamam freqüentemente para discutir as questões (políticas) e outros não. Mas, em geral, no governo de Geisel, o diálogo tem sido razoavelmente maior que nos governos militares anteriores. No governo Médici, o Delfim é quem decidia. Hoje, o sistema é mais aberto, mais descentralizado. Cada assunto precisa ser tratado com um ministro diferente, o que, de certa forma, é pior".29 29 Boschi, Renato R. Elites industriais... op. cit. p. 151.

Mas a pulverização das decisões que se verificou no governo Geisel não afetou de forma alguma a representação de interesses do empresariado, pois um outro representante afirmou que "a não-interferência do empresário na decisão cria obstáculos à sua execução. As decisões são tomadas, mas, se encontram a oposição do empresariado, este se mobiliza e, freqüentemente, consegue-se sustar tais medidas. Há inúmeros exemplos de decisões do próprio CDE que não foram implementadas por não contarem com o apoio do empresariado. Uma decisão que é tomada à revelia do empresariado cria dificuldades no sentido de ser implementada. Parece que o atual governo não conhece um princípio básico de administração: deve haver participação de todos os níveis, o envolvimento de todos os interessados numa decisão, tanto ao nível do governo quanto ao nível da empresa. . . A não-participação dos empresários, acaba sendo prejudicial para o governo".30 30 Id. ibid. p. 153-4. (O grifo é nosso.)

Essa afirmação do entrevistado dá bem a dimensão da força de representação perante o Estado e confirma, de maneira lapidar, todas as nossas referências, nos tópicos anteriores, do papel de intermediação dos setores dominantes da sociedade civil na política industrial em particular.

E fica ainda mais claro quando sabemos que, por exemplo, a ABDIB tem presença garantida em todos os colegiados dos grupos setoriais do CDI, influenciando, portanto, diretamente no processo decisório deste Conselho, além do fato de que no grupo setorial nº 1, o responsável pelo setor de bens de capital, vamos ter a presença da Simesp, ou seja, a atuação se dando ao nível do sindicato oficial (corporativista).

Na Befiex, apesar da não-participação de associações extracorporativistas ou de sindicatos patronais na comissão interministerial, a presença da ABDIB e do Sindipeças na fase de análise dos projetos é a "regra informal", no sentido de bloquear os incentivos fiscais para a importação de máquinas, equipamentos, partes, peças e componentes com similar nacional.

Para finalizar, para se ter uma idéia da importância da ABDIB no Ministério da Indústria e do Comércio e, por extensão, no CDI, no período de 1964 a 1976, 23% das atividades dessa associação foram dirigidas para esse Ministério e 12% para o CDI, ficando a maior parte para a Fazenda (51%) e, no tocante às agências descentralizadas, 47% para a Cacex.31 31 Id. ibid. p. 204.

Em outras palavras, como bem disse um representante do setor de bens de capital, no que diz respeito à formulação de políticas para este setor, "o CDI deveria ser o principal órgão, mas não tem poder para isso".32 32 Id. ibid.p. 153. (O grifo é nosso.)

Acreditamos, portanto, que uma possível saída política para os estados no limiar da industrialização, tais como os da região Sul, é, seguramente, a criação de organizações paralelas aos sindicatos oficiais e o firme engajamento, pela classe política, da luta pelo desenvolvimento industrial dos seus respectivos estados.

ANEXO

Excepcionalidades previstas na Resolução nº 57/78 do CDI

1. Fabricação de ferramentas para o exercício de artes e ofícios.

2. Fabricação de relógios e cronômetros.

3. Fabricação de artigos de joalheria e de ourivesaria.

4. Fabricação de embalagens de vidro.

5. Fabricação de lentes.

6. Fabricação de aparelhos de vidro para laboratórios e hospitais.

7. Fabricação de móveis em madeira, de metal, inclusive os revestimentos de lâminas plásticas ou estofados, de acrílico e de fibra de vidro.

8. Fabricação de farinhas diversas, inclusive compostas (areias em lâminas, amidos, féculas de araruta, centeio, cevada, arroz, batata, coco, peixe e amendoim).

9. Fabricação de talharim, espaguete, ravióli, capelete e outros tipos de macarrão.

10. Fabricação de produtos alimentares congelados e produtos sujeitos a processos especiais de conservação.

11. Fabricação de clichês, estéreos, galvanos, fotolitos, matrizes de impressão, inclusive a frio.

12. Fabricação de material didático.

13. Indústrias de confecções de malhas de fios naturais e de tecidos de fios naturais ou mesclados.

14. Fabricação de algodão hidrófilo e ortopédico, atadura, compressas, gases, curativos antissépticos, esparadrapos e absorventes.

15. Fabricação de produtos têxteis descartáveis do tipo "não tecido", destinados a uso hospitalar ou para higiene pessoal.

16. Fabricação de equipamentos de processamento de dados.

17. Fabricação de equipamentos de medição, controle e comando.

18. Fabricação de equipamentos e instrumentos científicos e odonto-médico-hospitalares.

19. Fabricação de equipamentos para telecomunicações, orientação e detecção e teleimpressoras.

20. Fabricação de equipamentos transmissores de rádio e televisão.

21. Fabricação de componentes para máquinas e equipamentos elétricos e eletrônicos e

22. Fabricação de telas e canhões eletrônicos para cinescópio de televisão em cores.

  • 1 Estado de São Paulo. Zoneamento industrial metropolitano: a experiência da Grande São Paulo. São Paulo, 1979.
  • 2 Suzigan, Wilson et alii. Crescimento industrial no Brasil: incentivos e desempenho recente. Rio de Janeiro, IPEA/ /INPES, 1974. p. 11.
  • 8 Suzigan, Wilson et alii. Indústria: políticas, instituições e desenvolvimento. Rio de Janeiro, iPEA/INPES, 1978. p.53.
  • 14 Baer, Werner et alii. Dimensões do desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro, Campus, 1978. p. 87-8.
  • 17 Katzman, Martin T. Urbanização e concentração industrial: 1940/70. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA, 4 (3), dez. 1974.
  • 18 Martins, Luciano. A Expansão recente do Estado no Brasil. Rio de Janeiro, Iuperj/Finep, 1977.
  • 19 O'Donnel, Guilhermo. Sobre o corporativismo e a questão do Estado. Cadernos DCP, Belo Horizonte, UFMG, 3 (3), mar. 1976.
  • 21 Diniz, Eli & Boschi, Renato R. Autonomia e dependência na representação de interesses industriais. Dados, Rio de Janeiro, Iuperj, (22):26, 1979.
  • 27 Boschi, Renato R. Elites industriais e democracia. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
  • 1
    Estado de São Paulo.
    Zoneamento industrial metropolitano: a experiência da Grande São Paulo. São Paulo, 1979.
  • 2
    Suzigan, Wilson et alii.
    Crescimento industrial no Brasil: incentivos e desempenho recente. Rio de Janeiro, IPEA/ /INPES, 1974. p. 11.
  • 3
    Id.ibid.p. 13.
  • 4
    Id. ibid. p. 14.
  • 5
    Id. ibid. p. 15.
  • 6
    Id. ibid. p. 20.
  • 7
    Id. ibid. p. 21.
  • 8
    Suzigan, Wilson et alii.
    Indústria: políticas, instituições e desenvolvimento. Rio de Janeiro, iPEA/INPES, 1978. p.53.
  • 9
    MIC/CDI. Plano Diretor - 1980/85.
  • 10
    Lodder, C. A. Estrutura espacial, política de industrialização e o problema regional. In: Suzigan, Wilson et alii.
    Indústria: políticas... op. cit.
  • 11
    Id. ibid. p. 139.
  • 12
    Id. ibid. p. 140.
  • 13
    Id. ibid. p. 159.
  • 14
    Baer, Werner et alii.
    Dimensões do desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro, Campus, 1978. p. 87-8.
  • 15
    Id. ibid. p. 88.
  • 16
    Id. ibid. p. 89.
  • 17
    Katzman, Martin T. Urbanização e concentração industrial: 1940/70.
    Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA,
    4 (3), dez. 1974.
  • 18
    Martins, Luciano.
    A Expansão recente do Estado no Brasil. Rio de Janeiro, Iuperj/Finep, 1977.
  • 19
    O'Donnel, Guilhermo. Sobre o corporativismo e a questão do Estado.
    Cadernos DCP, Belo Horizonte, UFMG,
    3 (3), mar. 1976.
  • 20
    Id. ibid. p. 3.
  • 21
    Diniz, Eli & Boschi, Renato R. Autonomia e dependência na representação de interesses industriais.
    Dados, Rio de Janeiro, Iuperj, (22):26, 1979.
  • 22
    Id . ibid. p. 25-6.
  • 23
    Id. ibid. p. 29.
  • 24
    Id. ibid. p. 36.
  • 25
    Id. ibid, p. 38.
  • 26
    Id. ibid. p. 39.
  • 27
    Boschi, Renato R.
    Elites industriais e democracia. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
  • 28
    O que não exclui na amostra a participação de outros setores da indústria, seja o tradicional, seja o moderno.
  • 29
    Boschi, Renato R.
    Elites industriais... op. cit. p. 151.
  • 30
    Id. ibid. p. 153-4.
  • 31
    Id. ibid. p. 204.
  • 32
    Id. ibid.p. 153.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1983
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