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Efeitos do plano de estabilização econômica do governo sobre a administração da produção: terceira sessão

SEMINÁRIO

Efeitos do plano de estabilização econômica do governo sobre a administração da produção. Terceira sessão

Claus Leon WarschauerI; Claude MachlineII

IProfessor na Faculdade de Economia e Administração da USP. Ex-professor do Departamento de Produção e Operações Industriais da EAESP/FGV e da Escola Politécnica da USP

IIProfessor titular no Departamento de Produção e Operações Industriais da EAESP/FGV e consultor de empresas

Composição da mesa

Presidente:

Walter Delázaro
Chefe do Departamento de Produção e Operações Industriais da EAESP Expositor: Claus Leon Warschauer
Professor na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo Debatedor: Claude Machline
Professor na EAESP e consultor de empresas

Tratarei inicialmente sobre quem sai perdendo com a inflação; em seguida, farei algumas observações sobre quem sai ganhando com a inflação - assunto um pouco mais polêmico - para, finalmente, abordar o que nos interessa mais de perto: a influência do Plano Cruzado sobre a administração da produção.

Então, quem é que perde com a inflação? Em primeiro lugar, é a mão-de-obra, lógico. Na medida em que os preços sobem mensalmente e os salários são reajustados apenas semestralmente, a defasagem provoca uma perda substancial, tanto maior quanto mais espaçado for o reajuste salarial e quanto mais elevada for a inflação, sem se falar do arrocho salarial, evidentemente, e das negociações em que a mão-de-obra fica numa posição dependente da boa vontade do setor patronal.

Outro inconveniente da inflação é a incerteza quanto ao futuro, que dificulta o planejamento, quase tornando temerário o investimento. Se eu não souber como evoluirão, no futuro, os preços de custo, nem os preços de venda (que eventualmente possam ser controlados pelo CIP), nem os preços de compra e o custo em geral (que não dependem de mim), como vou ter a coragem para investir? Isso não vale só para a empresa, mas para o nosso bolso também: como vou ter coragem para comprar determinado bem se não sei se meu salário vai subir de acordo com a elevação dos preços do supermercado? Isso não me permite planejar, e leva ao desestímulo, a um certo desaquecimento, e, no limite, a uma recessão.

Quando há inflação, também é muito difícil comprar bem. Dá-se na nossa vida particular o mesmo que acontece na empresa: eu não tenho tempo material para acompanhar, a cada compra, os preços dos diversos fornecedores; quando imagino que outro fornecedor está com preço mais baixo, naturalmente levo dois ou três dias para visitá-lo; até lá, ele também já o elevou; volto ao primeiro, que também já aumentou o seu e isso tudo provoca uma enorme frustração e tumultua por completo todo o sistema de compras. Não há mais tempo material para comprar bem. Aquilo que os economistas imaginam, no sistema capitalista, que há uma concorrência entre os preços, deixa de existir. Na verdade, há apenas uma luta ou uma corrida por reajustes cada vez mais rápidos. Então, não se consegue, realmente, fazer boas compras. "Aproveite porque vai subir!" torna-se a palavra de ordem. Isso, afinal, é uma especulação, e não uma compra criteriosa.

Há necessidade de cada vez mais dinheiro para acompanhar a inflação; e diante da incerteza sobre o futuro, elevam-se as taxas de juros. Precisa-se de mais dinheiro, solicita-se mais empréstimo, e quem empresta não sabe, exatamente, como irá evoluir a inflação; então, sobre a taxa além da perspectiva da inflação, para proteger-se contra esse risco: cobram-se juros reais altos. Nós sabemos que juros reais altos tornam inviáveis os projetos industriais. Se um projeto industrial aparentemente sadio vai dar um rendimento real de 10, 12, 15070 ao ano, e a taxa dos juros for de 18 ou 20070, esse projeto torna-se inviável. Este se tornara o grande drama do Brasil, em que as pessoas, em vez de investir na produção, investiam na especulação financeira, que rendia mais.

Algumas empresas, naturalmente, sofreram bastante com a inflação, também as empresas "cipadas", cujo produto final era sujeito ao controle dos preços, não tinham o preço da sua matéria-prima suficientemente contido.

Tenho pena dessas entidades econômicas, cujo produto final é "cipado" e cujos insumos não. Entre essas entidades, estamos todos nós. Durante décadas, o nosso produto final (o nosso trabalho) teve seu preço congelado anualmente, ou semestralmente, arrochado, enquanto o preço dos nossos insumos, no supermercado, nas lojas, etc, foi quase livre. Então, tanto as empresas "cipadas", como todos nós, sofremos muito com a inflação. Isso tudo é muito conhecido.

E quem é que ganha com a inflação? Aqui, talvez o assunto seja um pouco polêmico. Há os ganhadores aparentes, apenas: a velhinha de Taubaté, que coloca o dinheiro na poupança e imagina que está ganhando 15% ao mês, ela está até contente; em inflação crescente, ela está, na verdade, perdendo, porque a inflação sobe e ela recebe reajustes pela inflação do mês anterior: aqueles 14% em que seu patrimônio foi reajustado transformam-se em desvalorização de 15% no mês seguinte, fazendo-a perder. Eventualmente, ela ganharia na queda da inflação, quando a poupança sobre mais do que os preços. Mas se isso acontecesse, certamente os economistas dariam um jeito (como deram muitas vezes) para reduzir essa realimentação indesejável da inflação - mudando as fórmula de cálculo, "escoimando as acidentalidades", etc, pois, quando a inflação está diminuindo, logo procuram falsear o alto índice da inflação passada.

Penso que há ganhadores reais também na inflação. Em primeiro lugar, naturalmente, os bancos. Quer queiramos, quer não, boa parte da sociedade tem, pela necessidade física do mecanismo, de deixar certa parte do seu dinheiro em conta-corrente, sem remuneração - e esse dinheiro, naquela fase, era aplicado pelos bancos à correção monetária, mais juros elevados. De uma parte, o Banco Central beneficiava-se, através do depósito compulsório, que glosava uma parcela dessa massa de dinheiro, mas o que sobrava era ainda substancial para o banco.

Quem mais se beneficia com a inflação? Penso que é quem reajusta freqüentemente sua receita e não sofre freqüentemente, ou com a mesma freqüência, o reajuste no preço dos seus insumos. Permito-me colocar aqui, em primeiro lugar, o Governo. Na medida em que a receita do Governo (o 1CM, por exemplo) acompanha diariamente a evolução dos preços, isso acontece. Uma das grandes despesas do Governo é com o funcionalismo, que, sem considerar os achatamentos e outras coisas, é reajustado apenas semestralmente, ou anualmente. É verdade que o Governo tem também despesas que são reajustadas de acordo com a inflação; mas o custo da mão-de-obra é enorme, e só reajustado periodicamente.

Também ganha com a inflação o vendedor de sanduíche, que reajusta o preço da venda de sua mercadoria automaticamente todo mês, porque subiu a ORTN; e quando o preço do queijo aumenta, ele eleva de novo o preço do sanduíche, e o aumenta mais uma vez quando há reajuste do salário mínimo, etc. - tudo é motivo para ele elevar seu preço! Na verdade, ele está especulando e aproveitando. Ele também ganha com a inflação.

Creio que ganham também aqueles que, a pretexto de combate à inflação, pregavam o arrocho salarial e a recessão. Eu gostaria de incluir entre eles não só determinadas empresas, mas o próprio FMI. À medida que o País não se desenvolve, tem recessão, é possível comprá-lo mais barato, é possível mandar mais nele. Acho que essas entidades realmente tiraram proveito da inflação.

Por último, há uns tantos indivíduos - começando-se pelos arrojados, passando-se pelos doidos e indo-se até os desonestos - que investem, mas com a intenção explícita de não pagar. São aqueles que até se vangloriam de "empurrar a dívida com a barriga". Entre eles, inclui-se aquele que compra uma casa pelo BNH sem pretender pagá-la: mora lá até ser despejado, etc. Há isso em todas as camadas, como quem toma um empréstimo grande; dado que quanto maior o empréstimo, menos perigo há de se proceder à cobrança judicial, a sobrevivência do empreendimento passa a ser uma questão quase social.

Quero registrar que eu gostaria de colocar-me aqui na posição não de defensor do Plano Cruzado. Para isso há pessoas mais capacitadas, e o próprio Governo, ao qual não estou ligado. Não também na posição de atacar o Plano de Estabilização; outras pessoas, de maior gabarito, desde o Governo Brizola, até o Lula, a CUT, Maksoud, e até pessoas de alta respeitabilidade, economistas, etc., têm mais condição para apontar determinadas imperfeições ou mazelas do Programa. Mas não me eximo de declarar-me entusiasticamente a favor desse plano, que está ainda na fase da introdução.

Vejamos, então, as conseqüências do Plano de Estabilização na área da produção. Naturalmente, os mais prejudicados foram os bancos. No momento em que eles montaram uma estrutura enorme, totalmente fora das condições do País (somos um país pobre, sem condições de colocar terminais de computadores em todas as lojas) e investiram baseados exclusivamente na inflação, os bancos ficaram doidos. Sabia-se que se desejava, mais dia, menos dia, acabar com a inflação. No momento em que a inflação terminasse, toda essa estrutura bancária, de custos elevados, iria desabar mesmo. É por isso que estão esperneando. Estão conseguindo do Banco Central, num momento em que os preços estão congelados, inventar taxas novas. Lá em casa, seis pessoas têm cartão SOS, seis têm cartão Elo e seis têm cartão magnético, que agora passaram a ser cobrados. Eu tinha um cofre, cuja taxa semestral foi multiplicada por 10. Espero que as pessoas dêem aos bancos uma resposta à altura, usando-os na medida de suas necessidades, mas reduzindo o desnecessário. Eu não preciso de seis cartões Elo, nem de seis cartões magnéticos, um para cada filho: se tivermos um, será mais do que suficiente. Espero, até, que os bancos venham a ter dificuldades, porque elas serão bem merecidas.

Na produção, as aplicações financeiras deixaram de ter a importância anterior; deixaram de ter a rentabilidade anterior. Então, que é que faremos com o dinheiro, já que as aplicações financeiras não são mais tão rentáveis? Agora a ênfase passou para a aplicação produtiva. Há várias aplicações produtivas. Entrei em contato com alguns industriais, a quem já prestei assessoria no passado e com quem tenho certa amizade. Perguntei-lhes o que fizeram, e as respostas foram as mais variadas.

Um fabricante de grandes compactadores e vibradores disse-me: "Nosso produto é caríssimo, tem milhares de peças, mas de pequeníssima série. É-nos muito difícil interessar as fábricas a fornecer-nos 10 ou 12 peças especialíssimas por mês. Então resolvemos investir no estoque, como segurança. Em vez do mercado financeiro, aplicamos no estoque: compramos maior quantidade e ficamos menos sujeitos à falta de um ou outro componente, que pode inviabilizar a montagem do produto final."

Outros empresários disseram o contrário: as matérias-primas que usam são de fácil aquisição, então não vão manter estoques elevados. Com a certeza de que a matéria-prima está congelada no seu custo, pretendem investir em equipamentos e modernizar seu parque industrial.

Portanto, a área privilegiada para aplicação de recursos depende de cada empresa. É claro que se uma empresa percebe que sua matéria-prima tem tendência à alta, investe no estoque. É o caso, por exemplo, das indústrias químicas, que desconfiam que as matérias-primas da petroquímica, em virtude da incompetência do Governo em administrar suas empresas, vão acabar subindo; então, as empresas consumidoras aproveitam o preço congelado, e estocam.

As margens de lucro, agora, são menores. A fábrica está entre dois fogos: dificuldade em elevar o preço de venda do seu produto (quer seja ao consumidor, quer seja a uma montadora ou a uma revendedora) e dificuldade em conseguir o abastecimento, junto à sua fornecedora. Então, as margens são bem menores.

Antigamente, a variabilidade dos custos, provocada pela inflação, corrigia qualquer bobagem que se fizesse na fixação do preço de venda do produto ou no próprio método produtivo. Os erros podiam ser compensados nos reajustes subseqüentes. Agora, isto não é mais possível: a margem é pequena, é pouco elástica entre vários limites. Então, voltou a ganhar preeminência a necessidade da produtividade. E quanto a engenharia da produção, eu diria que se reabriu este campo, pois há uma ênfase em métodos, em tempos, na programação e controle da produção, na redução da sucata, na análise do valor; novos produtos exigem um cuidado interdisciplinar para seu projeto, para que eles ou as alterações dos produtos antigos sejam feitos com critérios. Antes, não havia nem tempo para isso, nem interesse: os recursos eram aplicados no mercado financeiro, e pronto! Agora já é possível controlar os custos. Com a inflação alta, o custo-padrão não podia nem ser pensado. Era impossível comparar qualquer coisa. Hoje, já está-se tornando possível ter a contabilidde de custos, ter controle de custos, o que vai propiciar uma administração industrial mais aperfeiçoada. O controle não é so dos custos: também os controles dos processos tornam-se necessários. Como é preciso refinar os instrumentos do controle, em virtude da margem menor, o controle dos processos impõe-se, assim como a automatização, a robotização, etc.

E o que acontece com o pessoal? Isso depende de cada área, sem dúvida. Mas em uma empresa me disseram: "80% do nosso pessoal de vendas estão ociosos, pois, antes do Plano Cruzado, os vendedores gastavam 80% do seu tempo renegociando as tabelas com nossos clientes." E os reajustes não eram só com os clientes, eram também com o CIP e outros. Então, havia toda uma estrutura de atualização de números que não era produtiva! Isso gera uma mão-de-obra que pode ter melhor aplicação, para coisas produtivas, e não só para atualização de relações de preços.

Sobre as finanças, não quero nem falar. Acho que terminou a loucura, em que desde o diretor-presidente até o último funcionário, todo dia, em vez de pensar na produção, perguntavam-se quanto é que tinha dado o "fundo", punham, tiravam, aplicavam, telefonavam Agora, de uma forma um pouco mais tranqüila, deveremos ter uma administração financeira de médio e longo prazos, e não a loucura de uma corrida diária.

Quanto à administrasção geral, em todas as áreas, no momento passa por uma fase dificílima. Há novos encargos: de negociação com sindicatos, de negociação com fornecedores, para discussão dos preços. Imagine-se uma empresa que fabrique peças para a indústria automobilística. A montadora exige-lhe descontos de 25%; a fornecedora concede 7% sobre a matéria-prima; então, há uma enorme sobrecarga de negociação. Até há um mês atrás, esse assunto deixou-me extremamente apreensivo. Com satisfação, verifico que nos últimos 15 dias (fim de maio de 1986) uma porção de setores conseguiu acertar os ponteiros, entre as fornecedoras e os clientes. A indústria de confecção, por exemplo, não faturou nada em março e abril: os grandes magazines não compraram nada, tentando forçar a baixa dos preços e conseguir descontos com as fábricas. Em maio, em virtude principalmente do aquecimento da economia, foram feitos ajustes, e os dois lados conseguiram chegar a um acordo. Hoje, a indústria de confecção tem pedidos colocados, a preço fixo, para entrega até dezembro, e até janeiro do ano que vem! Ela tem a coragem, o otimismo e a segurança de fechai contratos de um ano, a preço fixo, com os grandes magazines, porque tem a garantia de que seus custos de matérias-primas serão fixos. Portanto, encontra-se em condições de planejar, pode organizar sua produção. Acho que é uma vantagem extraordinária que conseguimos alcançar.

Nesses ajustes de preços, algumas empresas sofreram muito: ou era uma pequena fábrica em face de grandes compradores (como os grandes magazines ou as montadoras de automóveis), ou a pequena empresa em face da fornecedora de matéria-prima. Acho que, a esse respeito, os sindicados patronais ajudaram muito. Em vez de as negociações se fazerem confecção-a-confecção com os magazines, já se conseguiu uma organização sindical para que esses ajustes sejam realizados.

E a mão-de-obra? Aí, há problemas de todo lado. Em uma indústria, disseram-me que há problemas com três clases: os químicos, os metalúrgicos e os comerciários. Alguns deles esperavam aumento de 50% e receberam 22%: quem ganhava Cr$l milhão, pensava receber Cr! 1,5 milhão e passou a receber Cz$1.220. Isso dói, é difícil entender. Outros sofreram redução, seus salários foram efetivamente reduzidos! Nesta indústria de confecção, por exemplo, a redução seria de 6%. Mas eles não reduziram os salários: na primeira etapa deram os 100%, em vez de reduzir para 94%. Aliás, foi o que aconteceu com o funcionalismo público: eu também deveria ter meu salário reduzido em alguns pontos, mas o governador houve por bem fazer a divisão do salário em cruzeiros por mil, e ponto. E nessa indústria de confecção, por exemplo, há agora enorme falta de mão-de-obra, devido ao aquecimento das vendas. Por isso, os salários, agora, estão 30% superiores à divisão por mil. Assim, houve um reajuste devido à concorrência, o qual não pôde ser repassado para o preço. Ele só foi possível pelo aquecimento da economia, caso contrário seria inviável. Isso também aconteceu nas fábricas de peças para as montadoras, que conseguiram satisfazer sua mão-de-obra, sem repassar ao preço, em virtude do volume da produção. Foi uma circunstância extremamente auspiciosa, não sei se resultante do Pacote ou de outro fator; mas acredito que o otimismo do Pacote contribuiu muito para isso.

Pode-se dizer que o volume maior da produção está viabilizando o ajuste da mão-de-obra. E acho até que o Governo, nesse sentido, foi bastante feliz: fixou alguns parâmetros e disse: "No resto, agora vocês se arranjem!" Foi melhor do que o Grande Papai dizer: "Você aumente 2%, você reduza, você isto e você aquilo." Realmente, os dirigentes das empresas estão-se sentando à mesa das negociações, com suas planilhas de custos, e vendo o que é possível fazer - e com a perspectiva de maiores vendas, eles estão ajustando também os salários.

O setor das compras agora está mais racionalizado. Foi-se a época de passar a maior parte do tempo atualizando relações de preços: A correspondência que chega reduziu-se a 10%, porque 9% eram de novas tabelas, para a atualização.

Quanto aos investimentos, penso que explodiram. Assim,- por exemplo, no ramo têxtil, os grandes fornecedores de máquinas de porte só aceitam pedidos para março de 1988! Já as máquinas menores têm prazo de oito meses, as para tinturaria, de 8 a 12 meses, e assim por diante. Também no setor de automóveis há uma fila de espera; não é só na área industrial.

E o setor das vendas? Com maior estabilidade e certeza quanto aos preços dos insumos, é possível fazer vendas programadas, que facilitam e viabilizam a programação da produção e a racionalizam.

Há um problema, atualmente, em relação à qualidade. Em virtude do aquecimento da economia, muitas fornecedoras estão procurando entregar qualquer coisa que o mercado possa receber. No momento, é crítica a situação quanto à qualidade. Mas acho até muito bom ser assim. Acho até louvável que os controles da qualidade não só na empresa, mas também na fiscalização, na defesa do consumidor e outros setores, acordem, para exercer boa fiscalização. Tenho uma esperança enorme em que o programa de defesa do consumidor, no tocante à qualidade dos serviços, da mercadoria, do peso ou da durabilidade, venha a ser viabilizado e reforçado.

Olhando para o futuro, vejo, digamos para daqui a um ano, quando esses investimentos maciços estiverem implantados e começarem a produzir na escala adequada, a demanda reprimida pela recessão que nos foi imposta durante anos estando satisfeita, então poderá haver, eventualmente, dificuldade de escoar o aumento da produção. Espero que até lá a redução dos custos e o maior poder aquisitivo do povo, ou a própria exportação, possam resolver esse problema. Digo apenas que é preciso refrear um pouco esse entusiasmo momentâneo, considerando que os ciclos da economia podem apresentar altos e baixos. É preciso preparar-se também para os baixos, que foi o que os bancos não fizeram.

Acho que é cedo para tirar uma conclusão definiiva. Minha perspectiva de temor de dias atrás, que posteriormente se transformou em otimismo, mostra que o problema ainda está em evolução. Acredito que o Plano de Estabilização Econômica é apenas um começo de uma faceta. Será, certamente, complementado com medidas de diversas outras naturezas. Até ser absorvido, este Pacote representa uma mudança radical no modo de pensar, na valorização dos setores produtivos. Sabemos que isso leva algum tempo ainda, e espero que daqui a, digamos, seis meses, tenhamos ocasião de um novo balanço, já com a poeira assentada.

Não há muito a acrescentar ao que já vimos quanto à influência na área da produção e dos serviços. Apenas para reforçar o que foi dito, estamos totalmente de acordo quanto ao fato de que o Plano vai requerer das nossas empresas um planejamento muito mais intenso, como ocorre nos demais países. O planejamento estratégico vai-se tornar uma realidade. Da mesma forma, uma das queixas que os homens da produção sempre faziam em relação aos homens de vendas ("Eles não dão um plano de vendas!") talvez agora seja resolvida. Quem sabe, a área do marketing pode, com razoável antecedência, fornecer à de produção um plano de vendas que não seja constantemente alterado, permitindo que o planejamento dos insumos e o programa da produção tornem-se uma realidade.

É muito importante o ponto mencionado: o Plano vai permitir aos nossos empresários e administradores tomar suas decisões com mais conforto. Era muito difícil tomar decisões antes do Pacote, pois havia grande incerteza quanto aos pacotes que o Governo costumava freqüentemente elaborar. Esperamos que esse seja o último dos pacotes, para reduzir a dificuldade de planejar o futuro e tomar boas decisões. Para poder decidir racionalmente, é preciso ter informações; as informações quantificadas e corretas constituem a base das boas decisões. O Plano vai valorizar, sem dúvida, a obtenção de boas informações, ainda extremamente escassas; isso vai requerer maior computação dentro da empresa, vai valorizar a obtenção das informações rápidas, fiéis e eficazes; esse será um resultado que só se poderá mostrar extremamente benéfico.

De modo geral, a eliminação da inflação vai permitir aos nossos administradores o uso de métodos científicos na administração. Não só a engenharia da produção se beneficiará, mas será possível ainda usar uma série de métodos, como simulação, pesquisa operacional e outros, consagrados no exterior e que era difícil adotar aqui, por causa da inflação. Nós nos alinharemos, nesse sentido, com os demais países industrializados, que vêm empregando vantajosamente esses métodos. Mais do que qualquer outro, o Japão os tem usado, e saído na frente.

Quanto ao controle dos custos, o Prof. Claus mencionou tudo a seu respeito: realmente, era impossível conseguir um bom controle dos custos com a inflação em que vivíamos. Os preços mudavam todos os dias, tornando impossível utilizar o custo-padrão, a pedra de toque de todos os sistemas internacionais de contabilidade de custos. Só se poderia pensar nisso, aqui, com o emprego da ORTN ou outros artifícios semelhantes. E, além de ser viável, o controle dos custos será agora absolutamente indispensável. De agora em diante, as empresas que não se dedicarem a um profundo controle do seu custo, mensalmente e com perfeição, quer seja o custeio direto, o custeio por absorção, ou o custeio total, não vão conseguir sobreviver. É uma necessidade imperiosa que, na verdade, as empresas já estavam sentindo um pouco antes do pacote; mas ele reforçou essa situação.

O dimensionamento do estoque é realmente complexo. O Prof. Claus investigou diversas empresas e viu que algumas iam elevar seus estoques, enquanto outras o reduziam. A inflação também tinha repercussões diferentes sobre os estoques, às vezes contraditórias, como a taxa dos juros. Esta continua alta, aliás, o Pacote não a reduziu. A taxa dos juros reais alta é um fator que reduz os estoques. A incerteza econômica também reduzia os estoques. Se houver menos incertezas econômicas, os estoques talvez venham a subir. A inflação em si forçava o aumento dos estoques: comprávamos mais, com antecedência, porque desconfiávamos que no dia seguinte o preço seria ainda maior. Essa influência tende a desaparecer, não deverá haver mais compras especulativas.

O Prof. Claus mencionou o grande concorrente do estoque na empresa, que era o investimento financeiro - em particular o open market e o overnight. Inúmeros diretores financeiros não investiam em estoques, por terem a impressão (mera impressão, realmente) de estar lucrando mais investindo no open market ou overnight. Supõe-se que isso também desapareça, embora meus informantes na área financeira digam que as aplicações no open continuam no mesmo volume de antes; apenas os pequenos se retiraram, mas os grandes continuam com o mesmo volume anterior de aplicação. São paradoxos inexplicáveis...

A respeito dos estoques, aí também o administrador poderá aplicar melhor as teorias clássicas e as modernas, nessa área. As teorias clássicas falavam do lote econômico de produção, do lote econômico da compra, do estoque de segurança: muitas vezes, isso é necessário, ainda hoje, embora seja clássico e um pouco superado pelas posições modernas, que falam do estoque zero - o kanban japonês, etc. Pelo menos, em muitas empresas (como as de processamento químico) a posição do gestor de estoques poderá agora ser mais racional, mais baseada nas teorias existentes, pois não haverá mais o fantasma da aplicação financeira, que canalizava todos os investimentos para a área das finanças. Haverá melhor possibilidade de aplicar na empresa as teorias racionais do estoque, baseadas na necessidade da produção.

De modo geral, creio também que os métodos japoneses, que a partir de 1980 têm sido divulgados no Brasil, como estoque zero, defeito zero, racionalização, produtividade, análise do valor (embora essas idéias não sejam japonesas, mas emprestadas aos EUA e aperfeiçoadas pelos japoneses), todas essas idéias vão poder frutificar melhor. Imagino que concentrando mais a atenção na produção (como faz o Japão, que concentrou toda a sua atividade na produção industrial), jogando toda a energia do País na melhoria da qualidade e no aumento da produtividade, nós poderemos lucrar substancialmente.

A qualidade é um problema realmente muito sério. De um lado, é o objetivo número 1 de todas as empresas no mundo inteiro. Em 1979, por exemplo, a Ford decretou que a qualidade seria seu objetivo número 1. Assim fizeram também a General Motors, a Chrysler e tantas outras, pelo mundo inteiro.

Podemos imaginar que o Brasil, que precisa exportar, vai dar maior prioridade à qualidade, do que antes. Entretanto, como o Prof. Claus bem enfatizou, podemos sentir repercussões contrárias, no curto prazo, porque a necessidade da maior produção vai fazer com que o consumidor nacional aceite produtos de qualidade inferior. Além do mais, há uma tendência irresistível a compensar os inconvenientes do congelamento dos preços, que é a de reduzir a qualidade do produto. É um perigo que já estamos verificando: a queda da qualidade de muitos serviços, como os bancários e outros.

O Prof. Claus citou as repercussões do Plano sobre as compras e o suprimento. A corrida desenfreada atrás da remarcação dos preços, das listas de preços vai certamente diminuir. Muitos compradores de empresas já mencionaram que sua vida está agora facilitada, depois de um mês de março muito tumultuado. A situação aclarou-se e não há necessidade de comprar especulativamente, nem de correr atrás da inflação. Acreditamos que essa área será muito beneficiada.

O Prof. Claus mencionou os vários investimentos possíveis: o empresário pode investir em equipamentos, como está ocorrendo; em estoques; em pesquisa e desenvolvimento. Creio que o País necessita muito de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, já que investimos apenas cerca de 2% do PIB e 2% do faturamento das empresas em desenvolvimento; no exterior, os números médios ficam em torno dos 4%, e até alguma coisa mais. Então, temos uma oportunidade única de reforçar esses investimentos. Investir em pesquisa significa investir no homem, em adestramento técnico e administrativo, no aperfeiçoamento da mão-de-obra e dos quadros administrativos e técnicos.

O plano Cruzado vai permitir também maior clareza nas informações das empresas. Vamos poder ler os balanços sem questionar a validde da conta Efeito da correção monetária sobre o demonstrativo financeiro da empresa - conta perturbadora, que podia elevar ou reduzir os lucros, conforme a posição do patrimônio e do investimento em ativos permanentes da empresa. De modo geral, toda a agitação inflacionária que se verificava na empresa, a necessidade de diariamente correr atrás dos preços, sem dúvida será amenizada.

Para nós, professores de administração, o Pacote significará uma melhor aceitação das teorias da administração por parte dos empresários. Até agora, por causa da inflação, os empresários costumavam dizer: "O que você está ensinando é teoria: a prática é completamente diferente...". E nossa prática baseava-se, em 90%, na inflação e sua influência. Haverá menos "Profs. Pardal", quem sabe...

Deve-se dizer que tudo isso aconteceu também antes do Pacote. Ele apenas deu maior realce a esses fatores. Não é só agora que vejo grande alteração na administração das nossas empresas, mas já a partir de 1978, digamos, e sobretudo a partir de 1981, quando a crise econômica obrigou nossas empresas a praticar boa parte do que o Prof. Claus e eu mencionamos. No Brasil, especialmente a partir de 1981, o estrangulamento dos lucros, a redução cada vez maior da margem de lucro da empresa, obrigava os empresários a tomar muito maior cuidado com suas decisões, com sua administração diária. Enormes progressos foram conseguidos nas nossas empresas a partir daquele ano. Inúmeros programas de analise do valor, racionalização da produção, redução do estoque, melhoria de qualidade etc. foram então introduzidos em bom número de empresas. O Pacote vai enfatizar isso, mas isso já existia em grande parte, como já existe também ao nível mundial: porque os fenômenos do estrangulamento dos lucros diante do custo constituem algo que acontece por toda parte. Parece incrível, mas, com o decorrer do tempo, todas as empresas, pelo mundo todo, vendem um pouco mais barato do que no ano anterior e pagam um pouco mais pelos seus insumos. Parece impossível uma coisa dessas, porque alguém deve estar lucrando nisso! Creio que quem ganha sempre é o Governo, ele nunca perde nesse jogo; ou a sociedade, digamos, na forma de subsídios por ele concedidos. O Governo, administrador da sociedade, beneficia-se desse estrangulamento dos lucros diante do custo. Ele se apropria dessa mais-valia que sobra, e as empresas vêem-se obrigadas a adotar administrações cada vez melhores, e os particulares, a apertar cada vez mais o cinto...

Creio que o Plano Cruzado tem grandes méritos. Algo precisava ser feito, nossa inflação caminhava para 400% ao ano! Não poderíamos esperar que ela chegasse aos 1.000%, como ocorreu na Argentina: algum tipo de intervenção era inevitável.

Ninguém pode estar contra o Pacote; seria como estar contra os Dez Mandamentos, digamos! A luta contra a inflação é séria, é respeitável; em si mesma, ela é necessária. Ela melhora a imagem do Brasil no exterior. (Recebemos muitos elogios por isso; passamos a ser mais respeitados.)

Como quarta repercussão favorável (além das já mencionadas, sobre a produção), o Plano deve provocar uma mudança da mentalidade (e muitos vêem nisso seu maior mérito). Não só a mentalidade inflacionária deve desaparecer, mas nova mentalidade deve surgir, no povo, no administrador, e em toda a sociedade, de maior seriedade e atenção para as atividades produtivas.

Como debatedor, sou obrigado a mencionar também alguns aspectos desfavoráveis, ou pelo menos inquietantes, do Plano Cruzado - algumas críticas que têm sido feitas por pessoas respeitáveis. O Prof. Claus mencionou o Sr. Henry Maksoud, que, em artigo recente, afirmou que o Pacote não é um antibiótico, apenas um antitérmico. Não elimina a inflação, apenas reduz a temperatura do doente inflacionário. Devemos pensar nisso, pois nada realmente se fez para eliminar a inflação. Em si, o congelamento dos preços não elimina a inflação; pode talvez mascará-la. Voltaremos a isso um pouco adiante.

O espírito da conferência de hoje, nesta escola, seria: "Que fez o Plano Antiinflacionário com respeito à produção?" E se invertermos os termos? A pergunta ficaria assim: "Que fizeram os homens da produção para o Plano Antiinflacionário?" Infelizmente, a resposta seria "Nada!" Não houve absolutamente nenhuma presença dos homens da produção na redação desse plano. Não foram convocados. Talvez eles tivessem sugerido medidas diferentes...

Os outros grandes problemas econômicos brasileiros realmente não foram tocados. Muitos observadores estão dizendo que, na obstinação de se querer uma inflação nula, que se acabou criando um grande problema. Na Argentina, por exemplo, um ano depois de sua introdução, o Plano Austral já gerou 30% de inflação. Nenhum país consegue uma inflação absolutamente nula: mesmo a Suíça tem 1 % de inflação ao ano; o Japão tem 3Acredito que essa obstinação de ter uma inflação nula poderá paralisar o Governo.

O Pacote, observam ainda alguns analistas, invalida a lei da oferta e da procura - aliás, tenta invalidar, mas ninguém conseguiu esse intento até hoje... Essa lei diz que, quando a procura aumenta, os preços tendem a subir. Há também a lei de outro economista, Jean Baptiste Say, segundo a qual quando se emite moeda (seja qual for a definição da moeda), haverá necessariamente inflação. Essa lei tampouco poderá ser invalidada pelo decreto... O Plano é chamado heterodoxo, certamente por não ser aceito pelos economistas ortodoxos que, para combater a inflação, sugerem medidas creditícias, financeiras e fiscais. As medidas heterodoxas, como o congelamento dos preços, são expressamente vetadas pelos economistas sérios e liberais.

O Prof. Claus detalhou os setores que foram beneficiados e os que foram prejudicados pelo Plano de Estabilização. Na pitoresca expressão do Sr. André Beer, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), alguns setores foram apanhados "desarrumados, na hora de bater a foto". Por exemplo, uma indústria de autopeças, com a qual tenho contato, calcula, de acordo com seu gerente de Abastecimento, que os insumos elevaram-se, de dezembro para cá, em 20%, ao passo que a empresa só conseguiu aumento de 5%, do CIP, para seus produtos, em janeiro; depois, mais nada. Evidentemente, essas empresas vão sentir um arrepio na margem de lucratividade.

Com respeito ao congelamento dos preços, dizem os economistas clássicos que ele necessariamente cria escassez, falta, filas, falhas e, no limite, racionamento. Escassez e filas já vemos algumas... É o que um ilustre economista, Roberto Campos, chama de "inflação socialista" - ou seja, a inflação invisível. Dizem também esses economistas que poderá nascer um mercado negro: ágio - parece que está havendo algum e reconhecimento da economia subterrânea. Subsídios vão ocorrer, segundo os economistas clássicos. Será que esses fenômenos estão realmente se verificando? Eles mencionam também as quebras da qualidade, as fraudes no peso, as alterações artificiais nos produtos e, quem sabe, um aumento da burocracia, o que aumentaria, finalmente, a carga sobre a sociedade. Lemos que a Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab) vai contratar mais fiscais, até engenheiros, para verificar se os novos produtos desempenham realmente novas funções, ou apresentam apenas alterações artificiais.

Na prática, é muito difícil alcançar o congelamento. Em certa ocasião, na Rússia, procurou-se fazer um congelamento absoluto. Mas com espanto verificaram que havia lá 20 milhões de preços. Então, desistiram de praticar o congelamento perfeito, porque não teriam condições de emitir uma relação de 20 milhões de preços. É muito difícil fazer funcionar o congelamento no aspecto administrativo; seria necessária uma intervenção do Governo para consegui-lo, e a livre empresa ficaria completamente obliterada. E esta é a maior crítica a se fazer ao Plano Cruzado.

Concluo dizendo que o debate está aberto. É muito difícil, conforme disse o Prof. Claus, depois de apenas três meses do evento, dizer quais serão suas repercussões todas.

Basicamente, estou de acordo com a posição do Prof. Claus, em particular sobre o efeito benéfico que o Plano Cruzado trará para a área da produção, obrigando os empresários e administradores a lhe dar maior atenção.

Promoção: Núcleo de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Empresas de São Paulo Fundação Getúlio Vargas

Realizado em maio e junho de 1986 na EAESP/FGV

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1986
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