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Inovação tecnológica, democracia, e gestão de mão-de-obra: estudo de caso no ramo automobilístico

ARTIGO

Inovação tecnológica, democracia, e gestão de mão-de-obra: estudo de caso no ramo automobilístico* * Esse texto foi redigido em 1986 e reelaborado em 1988, como resultado de pesquisa que conduzi no Cedec sobre inovação tecnológica e relações industriais em empresa do ramo automobilístico, que contou com o apoio da Anpocs. Sua elaboração se beneficiou de resultados das pesquisas (em co-autoria) Impactos Econômicos e Sociais da Tecnologia Microeletiônica na Indústria Brasileira: Estudos de Caso nas Montadoras A e B de Automóveis (ver nota 4) e Automação e Movimento Sindical no Brasil (ver nota 9), no âmbito do projeto BRA 82/024, PNUD/OIT e do qual participou o Cedec entre 1985-87. Aos colegas que leram o presente texto, agradecimentos às sugestões e críticas e, em especial, a Gisela Goldenstein pela leitura atenta que realizou. Todas as referências com base nas pesquisas mencionadas, além das sugestões de colegas, são de minha inteira responsabilidade.

Ricardo Toledo Neder

Professor na EAESP/FGV; mestre em sociologia pela Unicamp e pesquisador no Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, Cedec (São Paulo)

1. INTRODUÇÃO

A empresa de capital transnacional - mais do que a empresa controlada por grupos ou pessoas jurídicas legalmente brasileiras - é alvo de atenção no que toca às práticas produtivas e de relações trabalhistas, porque atua como o parâmetro "bem-sucedido" do capitalismo contemporâneo e serve de "farol" para as demais empresas. Esse "mito" integra uma visão difusa, nem sempre explícita, dos meios gerenciais e empresariais - compartilhada em grande parte por políticos e militares - e que passou para o cotidiano da sociedade brasileira, que convive, desde os anos 50, com grandes estruturas de produção e serviços oriundas da Europa Ocidental, EUA e Japão.

Não há como separar na análise, seja do funcionamento do sistema produtivo, seja da família, seja de instituições estatais, esse "mito" da realidade. "Mitos", como o apontado, estão continuamente influenciando a realidade, por exemplo no que diz respeito aos processos sob os quais as relações de trabalho são encaminhadas nas grandes empresas. Muitas de suas práticas em relação ao movimento sindical e operário são repassadas como experiências-chave de confronto ou soluções de conflito para outras empresas.

O setor automobilístico no País - e nele a empresa que é objeto de considerações aqui, a Alfa do Brasil -1 1 Denominação fictícia da empresa pesquisada entre 1985 e 1986. configura-se, por excelência, como foco de atenções e estudos no que diz respeito aos seus impactos sobre o capitalismo industrial no Brasil, dada a adoção de inovações tecnológicas de processos e produtos, e de políticas de relações industriais para a gestão da mão-de-obra.

Um desses impactos resultou da criação, entre 1980 e 1982, de comissões de fábrica em empresas automobilísticas, que abriu uma nova fase de relações entre trabalhadores e empregadores no setor. Nos anos 70, predominara uma política de relações industriais baseada em altos salários no bojo de uma estrutura salarial que era complexa, por exibir um leque amplo de remunerações para uma mesma ocupação. Em geral, a aplicação dessa política se dava segundo o grau de adesão do empregado à empresa, além de uma taxa consideravelmente elevada de tumover, ou rotatividade, que atingia grande parte da mão-de-obra operária desqualificada, então vivendo sob uma disciplina de repressão e controle, ritmos intensos de produção e impossibilidade de se organizar no sindicato e na empresa.2 2 Ver, a respeito, Humphrey, J. Controle capitalista e luta operária na indústria automobilística brasileira. Rio de Janeiro/São Paulo, Vozes/Cebrap, 1982.

Reivindicações, protestos e greves adquiriram um processo de expressão articulada e coordenada, a partir de 1980, nas empresas mais importantes do setor em São Paulo, particularmente em São Bernardo do Campo. A nova fase que esses movimentos abriram nos anos 80 pode ser resumida em poucas palavras: buscar estabelecer a organização dos empregados nos locais de trabalho.

Entretanto, passada a época de intervenções do Ministério do Trabalho em sindicatos; superada a intransigência de setores patronais, quanto ao elemento central dessa nova fase das relações trabalhistas, e negociadas inúmeras comissões de empregados em empresas industriais e de serviços, ressurge, aparentemente em 1986, o antigo conflito. Ressurge justamente no setor automobiístico o conflito polarizado entre uma política de relações industriais que não comporta a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, e a existência, no interior da empresa, de um movimento organizativo e reivindicativo, forte o suficiente para tomar-se autônomo das supervisões. Esse é um fenômeno generalizado? Não o é agora. Mas irrompeu em 1986 justamente em uma empresa automobilística que, no início da década, "inovara" em termos de negociar, e acordar a existência de uma Comissão de Fábrica no ABC paulista, a Alfa do Brasil. A empresa, ao tentar eliminar a principal Comissão de suas unidades, pode mais uma vez "inovar". E, assim, tal como no citado "mito", isso pode servir de farol para outras empresas encararem comissões de fábrica como uma "velharia", que deve ser superada. Busco mostrar, neste texto, que assim como não era uma fatalidade a sobrevivência de comissões nos anos 1980-82, agora também não é uma fatalidade a sua extinção.

O foco das considerações que se seguem é a ruptura de uma política de relações industriais da empresa Alfa marcada pelo "participacionismo". Essa ruptura ocorreu em julho de 1986, com o afastamento da maioria dos membros da Comissão, no bojo de um movimento paredista.

A primeira greve no setor automobilístico durante a vigência do Plano de Estabilização Econômica (Cruzado I), ocorreu na Alfa, na Planta (que chamarei) 1. Na manhã do dia 16 de julho de 1986, 11 mil horistas da empresa estavam de braços cruzados. O movimento havia começado no turno da noite anterior, quando os primeiros 5.300 horistas paralisaram as atividades sob orientação da Comissão de Fábrica e do sindicato local.

O estopim da paralisação fora o afastamento de um coordenador da comissão, acusado pela empresa de tentar barrar a entrada de um trabalhador, numa prática de piquete violento na porta da fábrica, no dia 14 de julho. A empresa havia convocado previamente os empregados para a realização de horas extras e, segundo a comissão, passou a orientar os supervisores para pressionarem os seus subordinados a comparecerem para cumpri-las.

A greve se estendeu de 16 a 24 de julho de 1986 e seu saldo foi um desastre para os dois lados. Para os trabalhadores, significou a perda de importantes lideranças, pois 24 membros da Comissão de Fábrica foram afastados definitivamente, e de grupos de apoio, já que, entre os 204 empregados demitidos, grande parte era de membros das comissões contra acidentes (Cipas) e militantes sindicais. A empresa deixou de produzir 2.870 veículos; o que pode ser pouco, comparado com o clima de profunda insatisfação gerada pelos incidentes da greve - policiais militares e à paisana controlando entrada e saída na fábrica, demissões comunicadas no restaurante dos trabalhadores, que resultavam na retirada imediata do operário da mesa -e com seus desdobramentos na relação de trabalho. Tal clima pode efetivamente ter contribuído para a queda da produtividade e de qualidade do produto no período imediatamente seguinte. Esse quadro foi agravado pelas paralisações setoriais que ocorreram semanalmente, após o término da greve, ao longo dos quatro meses subseqüentes.

2. INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E GESTÃO DA MÃO-DE-OBRA

Na realidade, um acontecimento dessa magnitude tinha antecedentes envolvendo a política de gestão da mão-de-obra da empresa, a atuação da área de relações industriais (RI) e da Comissão de Fábrica, além dos planos de modernização da empresa. Passava, ainda, pelas condições objetivas de desempenho do setor automobilístico. Conforme mostra uma avaliação de conjuntura feita na época,

"O nível de emprego do setor de veículos automotores no mês de maio (1986) acusou um crescimento de 0,03% em relação ao mês de abril. Foram registrados 151.827 empregos, mantendo os índices elevados dos últimos meses. Esse crescimento (...) acompanha o aumento da produção que atingiu em maio 102.313 unidades. (...) O nível de emprego deve continuar subindo até dezembro, já que as montadoras esperam produzir de julho a dezembro aproximadamente 480 mil veículos."3 3 Gazeta Mercantil, 2 Jul. 1986. p. 8.

Isso significou, para o setor, uma recuperação decisiva dos níveis de emprego, produção e vendas, que se aproximaram dos de 1980, ano a partir do qual passaram a declinar. Em outubro de 1980, o setor registrava 154.628 trabalhadores, e uma produção anual de 1.166.506 unidades. Em maio de 1986, a ocupação da mão-de-obra já beirava o recorde de 1980 (situando-se 4,3% abaixo do nível daquele ano) e as vendas dos 12 meses anteriores apresentavam um volume apenas 4,9% inferior (ou 1.163.770 unidades) ao comercializado em 1980.

Para a Alfa a recuperação do patamar de produção e emprego de 1980 colocou a necessidade de incrementar a realização de horas extras ao longo de 1986. Em contrapartida, para o sindicato local e a Comissão de Fábrica, combater horas extras já era uma bandeira de luta desde 1982, quando os dirigentes sindicais e de base passaram a pressionar para que esse tipo de esquema de produtividade fosse reduzido ao mínimo, na convicção de que horas extras não-realizadas equivalem à possibilidade de geração de mais postos de trabalho. Comissão de Fábrica e sindicato local tinham (e têm) nessa bandeira um argumento decisivo para defenderem a geração de mais postos de trabalho.

Desde 1980-82 o processo produtivo no setor automobilístico não mais se caracteriza pelo patamar tecnológico e organizacional vigente até fins da década de 70. Foram depuradas as linhas de montagem, ferramentaria, usinagem e estamparia de sistemas produtivos e equipamentos obsoletos, e substituídos os conceitos anteriores de produção pela concepção de automação microeletrônica mesclada com a base convencional eletromecânica. A Alfa realizou, em particular, uma modernização que efetivamente emprega 15 a 20% menos de pessoal na linha de montagem do seu carro "mundial", por exemplo, em comparação à linha convencional.4 4 Maiores detalhes sobre essas repercussões, tomando por base duas montadoras transnacionais no País, ver Peliano, J. C; Carvalho, R. de Q.; Sousa, N. B.; Cassiolato, M. & Neder, R. T. Impactos econômicos e sociais da tecnologia microeletrônica na indústria brasileira: estudos de caso nas montadoras A e B de automóveis. Brasília, UnB, 1988.

Várias mudanças organizacionais vêm sendo ainda exploradas pela empresa. A gestão da produção passa cada vez mais a integrar um circuito informatizado de dados e geração de relatórios para áreas de estoques e circulação; novos automatismos são incorporados na interligação entre escritórios e produção. Durante 1986, em particular, um novo perfil ocupacional começou a ser implantado pela empresa, com a substituição da figura do "líder" de turmas, pela do "encarregado". (Mais adiante retornarei a esse ponto). No global, houve aumento do controle gerencial sobre o processo produtivo, em detrimento da capacidade de os operários tomarem iniciativas sobre o que acontece na fábrica.5 5 Id.ibid.

Nesse quadro, vale resgatar algumas conclusões de pesquisa sobre a entrada de novas tecnologias e mudanças organizacionais, na visão da comissão dos trabalhadores da Empresa Alfa:

"A resposta dos trabalhadores à entrada da nova tecnologia na empresa está centrada na preocupação com a redução da oferta de emprego, que deverá ser intensificada a médio e longo prazos. A visibilidade da diminuição dos postos de trabalho nos setores automatizados vem aumentando a inquietação e tensão existentes em torno dos efeitos da automação sobre a classe trabalhadora."6 6 Id. ibid. seção IV: Resposta operária à automação e ação sindical na empresa.

A esse fato se associa a posição específica da comissão:

"A automação microeletrônica iniciada pela empresa é um processo apreendido pelos representantes dos trabalhadores na Comissão de Fábrica (...) como uma mudança nas relações de trabalho e na forma de produzir dos operários que ameaça o emprego e a qualificação, o ritmo de trabalho, aumenta o número de tarefas em determinados postos de trabalho. Por outro lado, permite certas melhorias localizadas em áreas como a funilaria e a estamparia, hoje com menor periculosidade e insalubridade. O sindicato e a comissão defendem o direito de acesso prévio às informações sobre mudanças tecnológicas na empresa, e entendem que as informações são necessárias para discutir as repercussões das novas tecnologias sobre os trabalhadores."7 7 Id. ibid.

As posições da empresa eram contrárias a qualquer discussão com o movimento sindical sobre as repercussões das novas tecnologias. Seu argumento é que faltavam conhecimento e vivência às organizações dos trabalhadores sobre a matéria:

"Os sindicatos ainda estão muito distantes do conhecimento das novas tecnologias. Caso tivessem esse conhecimento veriam que não há desemprego tecnológico, aceitariam discutir as novas tecnologias do ponto de vista do impacto sobre emprego e já teriam questionado a instalação dos equipamentos automatizados."8 8 Id.ibid.

Nessa afirmação, feita por gerente da área de relações industriais em 1986, há dois dados importantes: desconhecimento (simulado ou real) das resistências sindicais na Planta 1 da empresa Alfa à implantação de mecanismos e controles de base microeletrônica (aos "robôs", como dizem os trabalhadores, generalizando) e o pressuposto de que o conhecimento e a experiência para discutir novas tecnologias devem ser obtidos pelos trabalhadores fora da empresa. Ora, do ponto de vista da vivência imediata com a microeletrônica, a Comissão de Fábrica da Planta 1 buscava fazer exatamente o oposto: envolver-se com o processo produtivo na empresa e obter, assim, conhecimento específico sobre como os segmentos profissionais (ferramenteiros, soldadores, operários de usinagem) são afetados.

Todos os indicadores obtidos por essa e outra pesquisa9 9 Ver Neder, R. T.; Abramo, L.; Sousa, N. H.; Falabela, G.; Diaz, A. & Silva, R. A. Automação e movimento sindical no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1988. sobre a atuação das duas principais Comissões de Fábrica da empresa Alfa (a da Planta 1, citada, e a da Planta 2, fora do ABC paulista) revelam que, mantidas as condições de organização nos locais de trabalho, seriam superados os obstáculos técnicos para um conhecimento mais articulado das alterações tecnológicas e organizacionais da empresa.

Essa transição, nos anos 80, - das formas organizacionais e técnicas de produzir o automóvel -, vem afetando (embora não-mecanicamente) a área de relações trabalhistas e a política atual de relações industriais.

A mudança mais importante nessa área deu-se em julho de 1986, com a decisão da empresa de fechar os canais de negociação com a Comissão de Fábrica, ao afastá-la por tempo indeterminado. A empresa lançou-se, assim, a uma nova fase de enfrentamento do controle operário dentro da fábrica, buscando contabilizar o vácuo de poder produzido pelo afastamento das 24 lideranças da comissão, de membros das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas), além dos grupos de apoio de ativistas sindicais dentre os 204 demitidos.

Esse "vácuo de poder" não é uma figura de retórica. Trinta dias antes da crise de julho de 1986, a Comissão de Fábrica passara pela campanha eleitoral para sufragar o que poderia ser o seu segundo mandato. Pela apuração dos resultados, de um colégio eleitoral com 5.696 horistas do período diurno, votaram 4.889 pessoas (85,78%) -o que foi considerado pela Comissão de Fábrica como um indicador expressivo de participação e representação dos trabalhadores. Gerou-se, nesse sentido, um fato político vis-à-vis à empresa, na medida em que se revelava o respaldo com que contava a Comissão de Fábrica junto ao coletivo de trabalhadores horistas. Os indicadores eleitorais, de fato, apontam que, do total de votantes (4.889), 92,92% (ou 4.513) tiveram votos válidos apoiando a chapa proposta para o segundo mandato (com renovação de 1/3). Os índices de não-votantes (14,16%), de votos em branco (3,64%) e nulos (3,43%) podem ser considerados baixos - o que não é surpreendente, dadas as características massivas da representação e participação dos trabalhadores na Planta 1.10 10 Dados constantes do boletim de apuração eleitoral elaborado pela Comissão de Fábrica e Gerência de RI da Alfa do Brasil, na Planta 1.

Esses indicadores (maio de 1986) são relevantes por dimensionarem o perfil organizativo dessa comissão. A mobilização dos trabalhadores nas diversas seções era feita visando a apresentar companheiros novos que concorriam ao cargo de membros da comissão pela primeira vez, além dos que buscavam se reeleger. Vale destacar que, no total dos 13 integrantes da comissão eleitos pela primeira vez, pelo menos três tinham experiência direta de trabalho com processos de produção automatizados em base microeletrônica (um desses três era técnico de manutenção de equipamentos microeletrônicos).

Esses indicadores acerca do processo eleitoral dão suporte à interpretação de que entre o coletivo de trabalho e a comissão de representantes dos trabalhadores não havia distanciamento político-organizativo. Vale dizer, o grau de representatividade da comissão era elevado justamente porque entre o coletivo e os membros da comissão não havia defasagem do tipo existente entre lideranças e bases, presente em alguns segmentos do movimento sindical brasileiro.

O fato de o coletivo expressar tal apoio à Comissão de Fábrica foi crucial na avaliação posterior de seus membros acerca dos acontecimentos de julho. Em primeiro lugar, porque a gerência de RI estava questionando a possibilidade de a comissão vir a ter uma votação maciça na eleição.11 11 Cf. depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1 e 2, ago. 1986. Revista de Administração de Empresas

Em segundo lugar, porque esse apoio foi decisivo para a sustentação da greve de julho durante nove dias e em vários distritos da fábrica.12 12 Cf. depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1, out. 1986.

Além disso, na crise do primeiro mês do seu novo mandato colocou-se em jogo a continuidade da comissão, que, para continuar funcionando, deveria aceitar as limitações de responsabilidades e da capacidade de barganha (conquistas prévias) impostas pela empresa, quando esta passou a restringir radicalmente os procedimentos de reclamação (grievance procedures). Tais procedimentos tinham resultado, até novembro de 1984, em uma interação constante entre as gerências de RI, de manufatura e Comissão de Fábrica, que, efetivamente, gerava soluções às reclamações e reivindicações dos trabalhadores horistas. Abordando o período subseqüente a novembro de 1984, a comissão afirma em documento sobre a política de relações industriais da empresa:

"As características dessa fase são distintas; o departamento de relações humanas deixa de exercer um papel moderador; passa a ser subordinado à gerência de manufatura que começa a ser intransigente com relação às questões levantadas pelos trabalhadores através de seu organismo de representação, e passa a praticar uma política de endurecimento contra os operários e uma retomada do poder ditatorial exercido pelas chefias e gerências, a ponto de o diretor de relações industriais tomar atitudes com clara intenção de destruir a organização dos trabalhadores."13 13 Dossiê da Comissão de Fábrica da Planta 1, sobre a crise de julho de 1986. Set. 1986. mimeogr.

Do ponto de vista da gerência de relações industriais da empresa Alfa, conforme depoimento de seu gerente-geral, o novo papel dessa área foi definido por uma política na qual seus profissionais deveriam desempenhar uma função que "não se resume na intermediação entre empregadores e empregados. É preciso que esses profissionais também estejam preparados para, sobretudo, manter o elo de ligação entre a supervisão e o trabalhador".14 14 Fontes: Revista Tendências do Trabalho. Rio de Janeiro, Ed. Labor Trends, jul. 1986 (p. 10) e depoimento, gravado, de entrevista do gerente-geral de relações industriais da Alfa do Brasil, maio 1987.

O novo sistema de relações industriais da empresa buscava a criação de um "elo de ligação" com a base dos trabalhadores sob o comando da empresa. Isso significou que o canal "Comissão de Fábrica" não mais se prestava a esse objetivo de levar o processo decisório da supervisão diretamente aos trabalhadores. Em outras palavras, a Comissão de Fábrica configurou-se como uma ligação dos trabalhadores com as supervisões (gerências e diretores) que perdeu sua "eficácia" enquanto canal de veiculação dos interesses da empresa.

É nesse contexto que se insere a criação da nova figura na hierarquia da empresa, a dos "encarregados", antes mencionados.

Em março de 1986, a empresa iniciou a implantação experimental na Planta 2 de um novo segmento de supervisão, denominado "encarregados". Esse segmento substituiu os líderes, então responsáveis pela coordenação de turmas de 30 pessoas. Em junho de 1986, a empresa começou a implantar gradativamente esse segmento na Planta 1, havendo previsão de estendê-lo para outras plantas do grupo. Os "encarregados" constituem não apenas uma mudança da figura do "líder" (em geral, um operário experiente e com vários anos de empresa) mas, sobretudo, da ligação que a empresa buscava estabelecer com os trabalhadores. Suas funções, segundo depoimento de membros da Comissão de Fábrica da Planta 2, são diferentes das dos líderes, porque não dizem respeito exclusivamente a assuntos relacionados com o processo de trabalho, mas abarcam recomendações, avaliações, reuniões e discussões com o seu grupo acerca das principais questões surgidas no dia-a-dia, sejam elas de disciplina, ritmo de trabalho, reivindicações, reclamações e quaisquer problemas que afetem a produtividade. Na visão dessa comissão, os encarregados constituíam, então, a mais recente tentativa da empresa de implantar um programa de envolvimento dos trabalhadores sem vinculá-lo ao programa de trabalho participativo, contra o qual tinha havido resistências entre o coletivo de trabalho.15 15 Depoimento, gravado, de entrevista da Comissão de Fábrica da Planta 2,ago. 1986.

Em 1985, mil novos trabalhadores entraram na unidade 2, produtora de caminhões da Alfa; isso foi preocupante para a comissão, por dois motivos: o volume de trabalho necessário para cobrir esse contingente novo (ao todo eram 11 os membros da comissão, sendo que dois pediram demissão, após a crise de julho na Planta 2) e a necessidade de fazer um trabalho sindical de profundidade para anular a ação dos novos "encarregados" e, eventualmente, envolvê-los na ação da própria Comissão de Fábrica.

Ainda segundo depoimento de membros da Comissão da Planta 2, havia no início de 1986 cerca de 200 encarregados em ação na fábrica distribuídos para grupos de 15 trabalhadores. Esse fato, associado à entrada de novos contingentes de operários jovens gerou uma atividade intensa da comissão no tocante a envolver no trabalho sindical os mais diversos tipos de pessoas, que tinham em comum nenhuma militância.

Segundo os membros da comissão, a empresa estava efetivamente buscando novos canais de aproximação com os trabalhadores ao subdividir a antiga turma de 30 pessoas sob comando do líder, visando a maior proximidade entre grupos de 15 trabalhadores e o encarregado. Afirmam que "há casos de encarregados favoráveis a orientar os trabalhadores de que devem buscar a comissão, quando acontecem reclamações do grupo". Segundo a Comissão da Planta 2, o estágio de organização dos horistas da fábrica exigia que os enfrentamentos fossem reduzidos a um nível mínimo, buscando-se uma ação mais direcionada para manter posições conquistadas e evitar "retrocessos" que inviabilizariam toda a organização da comissão.

Não havia, internamente, ações direcionadas para o debate específico sobre modernização técnica; mas sim sobre o papel dos encarregados. Esse último dado é de crucial importância, pois tratava-se de uma oportunidade para difundir a questão das alterações na organização do pessoal como um ponto-chave da relação entre comissão e empresa, concretizando melhor o que é controle operário e controle gerencial no ambiente de trabalho. Na prática, todo o debate que a comissão travou (e continua a travar) sobre os encarregados e as formas desenvolvidas para fazer frente a essa "ofensiva" da empresa corresponderam a uma mobilização dos grupos de apoio e simpatizantes, de cuja eficácia dependia a própria sobrevivência da organização. Havia, realmente, nessa linha de atuação, um esforço para evitar confrontos com a empresa, assegurando indiretamente que os espaços de atuação fossem resguardados, apesar das mudanças desfavoráveis à organização interna dos vários segmentos de trabalhadores.

3. O ESTOPIM DA CRISE: RITMO DE TRABALHO

A mencionada recuperação, em 1986, para níveis de produção e emprego próximos aos de um ano recorde (1980) foi obtida pela empresa através da combinação de: a) trabalho extraordinário; b) racionalização e modernização dos postos de trabalho em novas linhas de montagem e demais pontos-chave (usinagem, estamparia); c) contratação de mão-de-obra em um quadro de salários congelados desde fevereiro de 1986 com o Plano de Estabilização Econômica.

A expectativa do planejamento de produção da Alfa em junho de 1986 era produzir 15.912 mil automóveis na Planta 1, e quatro mil caminhões na Planta 2. Ao fechar o mês, no início de julho de 1986, a produção de automóveis tinha sido de 14.532 automóveis e 3.293 caminhões.16 16 Gazeta Mercantil, 2 jul. 1986. Numa época, a empresa alegou a existência de atraso na entrega de centenas de itens de componentes, o que ocasionou tanto as unidades incompletas (veículos parcialmente montados) quanto o atraso de produção em face do nível projetado. Para cobrir esse atraso, a saída imediata foi o incremento das horas extraordinárias.

Segundo a Comissão de Fábrica, a empresa inicialmente passou a afixar em todos os quadros de avisos a solicitação de horas extras. Diante de um índice de comparecimento que não passava de 25%, os supervisores foram instruídos para garantirem taxas superiores de comparecimento de seus subordinados. Esse processo gerou tensão entre a comissão e os supervisores, pois grande número de reclamações de operários passou a chegar até os coordenadores da comissão, relatando casos de pressão direta de supervisores.17 17 Depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1, out. 1986.

Esse quadro repercutiu diretamente no ritmo de trabalho das linhas de montagem. Numa avaliação de agosto de 1986, o sindicato estimava que "a velocidade das linhas foi aumentada de um minuto e quinze segundos para menos de um minuto. Com isso tentam prevenir qualquer quebra que acontecer, coisa que já está prevista e não pode ser feita, pois tempo perdido com manutenção não pode ser descontado nas costas do trabalhador, conforme acerto no passado com a Comissão de Fábrica, já que esgota o empregado e compromete a qualidade."18 18 Fonte: Tribuna Metalúrgica, Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ano 7, espec. n. 38, ago. 1986.

Além desse recurso, a empresa lançou mão da racionalização e modernização do processo de produção, sobretudo em novas linhas de montagem e em setores-chaves de suas duas principais fábricas (modernização microeletrônica na estamparia, usinagem e motores na Planta 1, e estamparia, ferramentaria e motores, na Planta 2). À estratégia de modernização dos processos produtivos, associou maior controle gerencial da produção, em detrimento da capacidade e autonomia de os trabalhadores tomarem decisões sobre o seu processo de trabalho. Agregado a essas mudanças, conforme já mencionado, aparece um novo segmento funcional de supervisão cujas atribuições se sobrepõem às das comissões de fábrica nas duas plantas industriais, pois, conforme destacado, a função dos encarregados é, tentativamente, de levar as reivindicações e reclamações dos trabalhadores aos supervisores, formando um novo "elo de ligação" que dispensa a Comissão de Fábrica.

Associada a esse quadro desfavorável à atuação da Comissão de Fábrica, deu-se a contratação de novos contingentes de trabalhadores sob duas circunstâncias: sua remuneração era estipulada com base no patamar de salários congelados em fevereiro de 1986, e sua entrada nas fábricas se deu num momento de confronto entre comissão e gerência da empresa.

O patamar de salários foi uma circunstância geradora de insatisfação, canalizada pelas comissões (por vias distintas na Planta 1 e 2). O momento da entrada desses contingentes foi outro elemento que influenciou a eclosão da crise de julho de 1986 na Planta 1, ainda que indiretamente, pois se referia a uma situação corrente e tradicional de clara disputa pela adesão dos novos empregados entre comissão e supervisores.

Esse quadro nos remete ao aspecto central da crise de julho de 1986, que culminou com a greve de nove dias, porque diz respeito ao perfil reivindicativo e organizativo da comissão, que se definia como inteiramente contrário aos interesses imediatos de modernização tecnológica e organizacional da empresa.

4. A NOVA ESTRATÉGIA DE RELAÇÕES INDUSTRIAIS

A supressão gradativa dos procedimentos de reclamação desde 1985 marca o esvaziamento das relações entre comissão e as gerências da empresa. Esse ponto é fundamental para dimensionarmos o contexto no qual a comissão se situou para, na avaliação de alguns, "radicalizar" na atuação em face da empresa, em 1986.

De fato, o argumento de que a comissão teria radicalizado nas posições e precipitado sua queda - facilitando o objetivo da nova política de relações industriais - é uma avaliação apressada dos acontecimentos. Capta exclusivamente o desfecho, sem apropriar-se do processo que culminou no afastamento da comissão.

Havia, antes da crise, duas maneiras para a empresa enfrentar a comissão: criar condições de conflito a partir das quais a única alternativa seria uma confrontação, daí resultando a saída dos membros da comissão; ou, com base no esvaziamento das suas funções, desgastá-la perante a base dos trabalhadores, ao torná-la inoperante para obter qualquer reivindicação de melhorias no interior da empresa.

Os coordenadores da comissão admitem que foi uma decisão política evitar o caminho da erosão lenta do organismo de base como resultado do seu descrédito entre os trabalhadores, pois sua eficácia real na obtenção de melhorias coletivas e reclamações individuais estava sendo bloqueada. Mais tarde, ou mais cedo, esse descrédito iria surgir entre o coletivo de trabalho e resultar em desconfiança aos membros da comissão. Num segundo estágio, essa desconfiança poderia evoluir para uma clara oposição à política de "sobrevivência" ditada pelos coordenadores.19 19 Depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1, out. 1986.

A posição assumida pela comissão na Planta 1 correspondeu à tentativa de-evitar o risco de que o movimento de insatisfação nas bases pudesse contestar a comissão enquanto organismo que não podia sequer manter conquistas prévias importantes (como é o caso já citado da velocidade das linhas de montagem estipulada em um minuto e quinze segundos no passado, mas que foi alterada pela empresa).

O que pode ser imediatamente constatado no caso da Alfa é o aprofundamento da crise de seu sistema de relações de trabalho. A empresa reorientou, a partir de 1985, os conflitos com a organização de base dos trabalhadores e com o sindicato local. De um patamar de ajustamento conflitual e competitivo (prévio a 1985), passou para um nível de confronto abertamente competitivo, no qual a empresa eliminou os procedimentos de reclamação dos trabalhadores, antes executados pela Comissão de Fábrica e pelas gerências de relações industriais. A figura 1 descreve sucintamente o ajustamento conflitual e competitivo pré-1985, existente entre quatro segmentos da empresa Alfa:


Nesse quadro, a RI e a CF atuavam como instâncias de mediação entre a presidência, gerências de manufatura e supervisores da produção, e, de outro lado, o coletivo de empregados (horistas):

A partir da crise de julho, a empresa definiu a orientação segundo a qual a Comissão de Fábrica não se situava mais no papel de intermediar os procedimentos de reclamação. A área de RI assume o papel de porta-voz da estrutura de comando da empresa e estabelece o confronto polarizado com o coletivo de empregados e com a Comissão de Fábrica (agora um só bloco). A figura 2 sintetiza a nova estratégia de relações industriais da empresa:


Nesse novo quadro de relações industriais ocorreu uma "fusão" da Comissão de Fábrica com o coletivo de empregados e, em contrapartida, a RI perdeu sua antiga condição de gerência com autonomia em face das gerências de manufatura. Ao colocar-se, tentativamente, como mediadora entre os supervisores da produção e o coletivo de empregados, a área de RI passou a funcionar como "linha de frente" dos conflitos com os trabalhadores. Foi, dessa forma, transformada em instância de relações na empresa responsável pela definição e explicitação dos conflitos vis-à-vis ao coletivo de empregados e à Comissão de Fábrica ("elo de ligação").

Essa estratégia, do ponto de vista do novo papel da RI, foi coerente. Tratava-se, na verdade, de fazer com que o "endurecimento" do sistema de relações trabalhistas fosse executado pela área de RI. Os supervisores de produção (encarregados e feitores) também participaram desse processo, mas apenas secundariamente, porque não dispunham de autonomia e força como no passado (anos 70) para re-estabelecer uma "política" com a base.

Os indicadores antes mencionados acerca do novo papel dos "encarregados" fazem crer, entretanto, que a empresa tenderá a buscar no fortalecimento desse segmento, um caminho visando a uma forma mais integral de controle sobre o coletivo de trabalho. Sob essa forma, a tendência é definir-se um eixo de conflitos entre o coletivo de empregados e os supervisores a partir de:

1. intensificação do ritmo de trabalho;

2. controle imediato sobre o processo de trabalho muito superior ao do passado recente, pois para cada grupo de 15 empregados horistas há um encarregado;

3. agravamento das condições de reclamação e reivindicação, cujos procedimentos serão intermediados diretamente pela RI, colocando como antagonistas o coletivo de trabalho e os supervisores.

O sistema de relações trabalhistas caminha tendencialmente para assumir a configuração que pode ser visualizada na figura 3:


Conforme se vê na figura 3, no momento 1, há explicitação de conflitos ao nível da produção. Qualquer reclamação deve ser encaminhada pelos encarregados e supervisores (momento 2). Na hipótese de a reclamação ou conflito adquirir expressão grave, há interferência da RI para "normalizar" a situação, resultando no momento 3.

É possível identificar, claramente, que tal estratégia de relações industriais comporta uma zona de incertezas muito grande, quanto a resultados imediatos. Há resistências fortes do sindicato, do coletivo de empregados, e entre os próprios supervisores não há evidências de que estava havendo (1986) adesão generalizada aos novos métodos de encaminhamento de conflitos da empresa. Isso poderá redundar em problemas sócio-técnicos de identificação e adesão dos trabalhadores aos objetivos da empresa. No tocante às mudanças tecnológicas e organizacionais sob o cenário de entrada de novas tecnologias, esse quadro contribui negativamente para a difusão da nova base técnica. Esse peso negativo poderá, inclusive, determinar os limites de sobrevivência - ou do sucesso - da estratégia do novo sistema de RI (tal como apresentada na figura 3).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um aspecto básico suscitado por esse estudo de caso diz respeito à resistência dos trabalhadores a colocar sua organização, experiência e habilidade à disposição de serviços da racionalização da produção. Num limite máximo, pode-se concluir que o novo sistema de RI da empresa Alfa, ao re-estabelecer uma base de conflitos diretos entre o coletivo de trabalho, os encarregados e os supervisores, visou a superar dificuldades prévias de racionalização do processo de trabalho, sob uma engenharia produtiva tipicamente taylorista.

Em outros termos, está em questão o problema clássico da resistência operária aos métodos de racionalização impostos pela empresa. Se essa racionalização - acompanhada de modernização tecnológica (como é o caso da Planta 1) pudesse ser alcançada com a presença da Comissão de Fábrica, certamente esse objetivo teria custos específicos para o orçamento da empresa. Esses custos corresponderiam a uma relação entre itens específicos de racionalização alcançados a partir de negociação com a Comissão de Fábrica, e a contrapartida desses itens em termos de vantagens salariais e funcionais, melhorias efetivas das condições de trabalho, e maior envolvimento dos trabalhadores qualificados no processo de introdução dessa racionalização, além de estabilidade no emprego. Esse envolvimento também se estenderia, certamente, ao campo das aplicações da microeletrònica e do controle sobre suas conseqüências quanto aos postos de trabalho, qualificação, força sindical, entre outras.

Tanto quanto foi possível identificar em outra pesquisa (ver nota 9), as condições de resposta à introdução de novas tecnologias na organização sindical da Planta 1 eram em 1985-86 excepcionalmente favoráveis aos trabalhadores. Em particular, essa Comissão de Fábrica detinha experiência e envolvimento com o processo produtivo e era capaz de articular, a curto prazo, propostas sobre a regulação dos impactos das novas tecnologias no ambiente de trabalho. Tais propostas teriam que ser incorporadas aos procedimentos de reclamação, e isso certamente teria repercussões importantes para o plano de modernização tecnológica da empresa.

Nesse sentido, a crise da política de relações industriais, que resultou no afastamento da Comissão de Fábrica e do pessoal de nível gerencial ligado a relações industriais, identificado até 1985 com a manutenção de uma política do tipo grievance procedure, foi uma crise que explicitou um impasse gerencial acerca de como superar o problema da resistência operária a transferir para a empresa sua experiência e conhecimento do processo de trabalho, em contexto de inovações tecnológicas è organizacionais, tal como foi caracterizado anteriormente.

Esse quadro remete a algumas considerações mais amplas, sobre a natureza da crise da cultura do trabalho no industrialismo20 20 Utilizo, a seguir, o conceito de "industrialismo", que não equivale às expressões "capitalismo industrial" ou "industrialização". Por esse termo quero expressar um movimento dominante (em sociedades capitalistas e socialistas) na direção de uma cultura do trabalho e de exploração da natureza baseada na ciência e na tecnologia. Esse movimento contrapõe classes fundamentais sob um ethos cultural marcado pela racionalização do trabalho e pela massificação do consumo, ambos geradores do fenômeno da não-identificação do trabalhador em face de seus carecimentos não-materiais, sobre os quais fala Agnes Heller em seu Para mudar a vida -felicidade, liberdade e democracia. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1982. Esta perspectiva foi mais extensamente desenvolvida no capitulo 5 de Automação e movimento sindical no Brasil, já citado. e sobre os padrões de controle capitalista que se esboçam na atualidade em face da reação organizada e subjetiva dos trabalhadores, e das mudanças da base técnica de empresas que passam por inovações tecnológicas, como situadas nesse estudo de caso.

As novas tecnologias de base microeletrônicas têm sido identificadas em suas aplicações nas empresas industriais tanto com referências aos meios de trabalho (automação de tarefas e funções de postos de trabalho), quanto à gestão dos serviços e da produção (informatização de fluxos de entrada e saída de dados).

A difusão destas novas tecnologias configura um vasto movimento de alteração das técnicas obsoletas de decomposição analítica do processo de trabalho industrial, presentes nos paradigmas tayloristas e fordistas. Mas a automação e a informatização não diferem de processos técnicos do passado, como, por exemplo, a automação eletromecânica, na medida em que tentam, sob arranjos organizacionais novos, superar obstáculos ao aumento de produtividade.

Esses obstáculos, tanto no passado quanto hoje, têm sido enfocados exclusivamente sob a ótica da necessidade de uma "revolução tecnológica", capaz de superar o obsoletismo da organização do trabalho industrial regida pelo taylorismo e fordismo e suas variantes. Todas as demais complicações de natureza sociotécnica e, em especial, relacionadas com a insubordinação e insatisfação dos trabalhadores, tendem a aparecer como um "capítulo do passado": dos anos 60 e 70, nos países de industrialização madura, ou no período de 1978-82, no caso do Brasil. Segundo essa visão, a nova base técnica microeletrônica superou essas complicações, abrindo um novo horizonte para a expansão do industrialismo. Cabe perguntar de qual horizonte estamos falando.

Se tomarmos a automação do passado e a atual, de base microeletrônica, veremos em comum o mesmo procedimento histórico do industrialismo em responder às crises socioculturais da organização do trabalho industrial. Esse procedimento, tanto ontem quanto hoje, baseia-se na convicção de que as transformações tecnológicas e organizacionais do trabalho são suficientes para enfrentar as complicações de natureza sociocultural expressas, entre outras maneiras, pela insatisfação e insubordinação do trabalhador às técnicas de controle e de decomposição do trabalho desenvolvidas pelas empresas. A meu ver, essas transformações tecnológicas e organizacionais constituem uma falsa superação dos entraves socioculturais presentes na atual crise do industrialismo contemporâneo, tanto nos países de industrialização madura quanto naqueles em que ela é recente.

Entretanto, deve-se admitir que os paradigmas tayloristas venham a ser suplantados por técnicas de decomposição analítica do trabalho numa escala inteiramente diversa. Do ponto de vista quantitativo (produtividade) e da flexibilização das linhas (produção em série e lote simultaneamente) é certo que o incremento de seções automatizadas nas linhas de produção poderá gerar um deslocamento nos paradigmas tayloristas de organização do trabalho e da produção, o que "não deixará de ter repercussões expressivas sobre o trabalho vivo, sua distribuição, a natureza das qualificações requeridas e as formas de sua implantação."21 21 Coriat, Benjamin. Automação programável, novas formas e conceitos de organização da produção, trad. Ricardo T. Neder. Projeto BRA/82/024, PNUD/OIT/CNRH, Brasília, 1985. Mimeogr.

Nessa perspectiva, a partir das atuais tendências, torna-se perceptível, segundo vários pesquisadores, o fato de os automatismos estarem sendo implantados agora no "coração" da organização do trabalho e da produção industrial, levando à ruptura da aliança quase secular no industrialismo entre crescimento industrial, progresso tecnológico, e geração de emprego.22 22 Cf. Bartholo Jr., Roberto. A crise do industrialismo:genealogia, riscos e oportunidades. In: Que crise é essa? var. aut. São Paulo/Brasília, Brasiliense/CNPq, 1984. p. 69-101; Dommergues, P. et alii. Les sindicais français etamericains faceaux mutations technologiques. Paris, Anthropus, 1984.

É este o horizonte antes mencionado: busca-se a readequação dos paradigmas tayloristas a um novo "produtivismo", capaz de levar a mutações tecnológicas e organizacionais do trabalho industrial geradoras do divórcio entre crescimento das empresas e expansão do emprego.

Na perspectiva aqui adotada, esse horizonte é precisamente uma das fácies da crise do industrialismo, presente em países de industrialização madura e recente.

No Brasil, os paradigmas tayloristas foram efetivamente absorvidos no primeiro período de transnacionalização do industrialismo no País, entre 1955-78. Essa fase abriu um novo patamar de consolidação da cultura do industrialismo, na medida em que os ideários da racionalização do trabalho e da produção se entrelaçaram com outro movimento (em gestação) relacionado com o surgimento de formas nacionais específicas de cultura empresarial.23 23 Cf. a respeito: Vargas, Newton. Os paradigmas da tecnologia e o subdesenvolvimento. Textos em Política Científica e Tecnológica, Brasília, CNPq, 1984; Gênese e difusão do taylorismo no Brasil. In: Ciências sociais hoje - 1985. São Paulo, Cortez, 1985.

O movimento nacional pode ser identificado pelos traços específicos de subordinação do trabalhador à cultura da empresa no quadro brasileiro, sob a forma de "modelos" e soluções tipicamente locais. O outro movimento é derivado da absorção de modelos e técnicas originadas do industrialismo mundial, com referência à organização da produção e de gestão da mão-de-obra. Trata-se de dois movimentos entrelaçados, cuja dinâmica superou o paradigma centro-periferia, uma vez que esses modelos e técnicas organizativas e de gestão foram sendo internalizados pelos novos países industrializados. A cultura do industrialismo no Brasil apresenta, entretanto, heterogeneidade das formas empresariais de gestão do trabalho e da produção, com hegemonia de modelos ou paradigmas difundidos por empresas transnacionais.

No caso brasileiro, esses dois movimentos estão efetivamente mesclados em um sistema de trocas entre modelos e técnicas de gestão empresarial transnacionais e a construção de uma identidade empresarial nacional. Esse entrelaçamento, na medida em que não acompanha mais o paradigma centro-periferia, pode ser visto como parte de articulações de uma nova divisão internacional do trabalho, na qual os países recém-industrializados assumiram papel de relevo como centros de acumulação e de valorização do capital transnacional.

Desnecessário repetir todas as características desse entrelaçamento (em sua fase "alta", entre 1968-78) que associou os modelos de gestão do trabalho e da produção do industrialismo transnacional aos traços sociopolíticos e culturais do meio empresarial brasileiro. Vale repisar apenas os elementos centrais dessa combinação, extremamente benéficos para a entrada do Brasil no clube dos industrializados: além de uma expressiva concentração de trabalhadores nas zonas metropolitanas, o Estado gerou infra-estrutura produtiva e o regime político encarregou-se de acobertar práticas de controle capitalista que criaram condições para a sobreexploração da mão-de-obra barata. Internamente, as empresas praticaram políticas de rotatividade intensa dos trabalhadores, realizaram uma forma de gestão da produção que aplicou os paradigmas tayloristas, através do que foi definido como "rotinização de tarefas e funções",24 24 A rotinizaçao consiste na decomposição analítica do processo de trabalho até o ponto em que era mais vantajoso substituir operários de remuneração inferior do que proceder a reais ganhos ou inovações na organização do processo produtivo. Cf. Fleury, A. C. Rotinizaçao do trabalho: o caso das indústrias mecânicas. Fleury, A. C. & Vargas, N. In: Organização do trabalho: uma abordagem interdisciplinar: sete casos brasileiros para estudo. São Paulo, Atlas, 1983,p. 84-105. e mantiveram obsoletos os seus sistemas de relações industriais.

O segundo período de transnacionalização do industrialismo no País vai de 1978 até o momento atual. O marco de ruptura com a fase anterior pode ser apontado pela eclosão de duas crises: a da depressão industrial de 1980-83, durante a qual a ocupação da mão-de-obra retornou ao patamar de 1972, e a emergência de um movimento sindical que colocou a nu o obsoletismo das políticas (ou não-políticas) de relações industriais das grandes empresas no País. As demandas25 25 Essas demandas incluíam o fim do regime de nepotismo das supervisões nas fábricas, estabilidade, luta contra desemprego e horas extras, criação de delegado sindical e de Comissão de Fábrica, estrutura sindical sem tutela do Estado, criação de centrais sindicais unificando tendências e negociações diretas entre empregador e empregados. desse movimento sindical foram a ponta de um iceberg que veio à tona nos anos seguintes, revelando uma crise nas relações industriais que pode ser entendida como a crise da gestão do trabalho e da produção sob um produtivismo taylorista crescentemente internacionalizado.

Essa crise também se expressou pelo lado empresarial. Surgiram nessa fase, empresários com posições liberalizantes quanto ao regime político e às relações com os trabalhadores e sindicatos, que tornaram gradativamente defasados os valores presentes na ideologia do desenvolvimento, herdados do nacional-populismo. Desapareceu o consenso anterior quanto às vantagens da manutenção de uma gestão do trabalho fundada na rotatividade, rotinização de tarefas, arrocho salarial, aliada ao controle social dos trabalhadores nas empresas conhecido como "despotismo fabril". Simultaneamente, as diferentes frações do empresariado envolvidas nessa mudança viram a necessidade de outro conjunto de ideários e práticas para a gestão da mão-de-obra.

Esse conjunto de ideários pode ser resumido na tendência crescente para a adoção empresarial de técnicas e programas participativos e de envolvimento dos trabalhadores. Embora não sejam novidade no exterior (desde os anos 60 convivem com o sindicalismo na Europa Ocidental) aparecem no Brasil na década atual, em estreita associação com a conjuntura política do País, em especial com a irrupção dos movimentos operário e sindical nos pólos avançados do industrialismo. É, em certa medida, um ideário "sob medida" para responder à emergência da democracia, enquanto valor e prática não apenas das instituições de representação política, mas de todas as instâncias de constituição de cidadania (empresas, escolas, família).

Não é possível fazer aqui uma análise de conjunto, mas convém assinalar que o estudo do caso antes apresentado revela os limites desse ideário e as ambivalencias de suas práticas. Os limites dizem respeito à duvidosa capacidade empresarial de converter receitas européias, japonesas e norte-americanas em experiências autenticamente dirigidas aos trabalhadores brasileiros e a suas características culturais e daí gerar um "novo" paradigma de gestão da mão-de-obra.

As ambivalencias dizem respeito ao seguinte. Em geral, as técnicas participativas dão um passo adiante em relação aos paradigmas tayloristas, ao enfatizar o envolvimento e a iniciativa operária. No entanto, a participação (tomando por referência a grande empresa, nacional ou transnacional) tem dois limites claros: freqüentemente não realiza (ou realiza precariamente) a integração entre pessoal técnico e trabalhadores qualificados e semiqualificados, e estreita o escopo das discussões, pelos empregados, dos problemas da vida da empresa. Encontram-se excluídos do escopo dessas práticas participativas assuntos que dizem respeito à evolução do salário real vis-àvis à inovação tecnológica e à produtividade; organização do trabalho diante da saúde física e mental dos trabalhadores; gestão da produção que beneficie integração entre planejamento e execução. Há um outro caso de empresa que constitui exceção a essa condição até o momento (1987-88) generalizada.

A ambivalência, portanto, é clara: quer-se avançar no processo de estimular a iniciativa dos trabalhadores, mas não se realiza a aproximação entre pessoal técnico - detentor das iniciativas - e o shopfloor cuja sociabilidade é dominada pelos "peões"; quer-se incrementar a participação dos empregados na vida da empresa; entretanto, no limite máximo e possível, dada a estrutura de poder real, tal política não chega a envolver assuntos que estão sob responsabilidade das gerências.

Esse quadro revela, tanto no Brasil quanto no exterior, uma tentativa de readequação do produtivismo taylorista visando a criar um novo patamar de relações industriais. No caso brasileiro, essa renovação se dá simultaneamente à rearticulação de um novo ciclo do industrialismo, uma vez que os grandes ideários desenvolvimentistas dos anos 50 (entre eles, o da ampliação de emprego, elevação de salário, e de um novo modo de vida nas cidades) esgotaram seu poder de sedução e fascínio sobre os trabalhadores rurais e urbanos. Nos anos 80, a bandeira é a "modernização tecnológica", destituída, porém, de um conjunto articulado entre ideologia e prática produtiva. Essa desarticulação, no cenário brasileiro de relações industriais, em grande parte é decorrência do "horizonte" antes assinalado da crise internacional do industrialismo: a modernização tecnológica de base microeletrônica é conduzida de maneira a desatrelar o crescimento industrial, investimento tecnológico e expansão do emprego. À intensificação do "trabalho morto" associase o desaparecimento da antiga vantagem da mão-de-obra barata dos países recém-industrializados como fator de barganha; e a modernização tecnológica aparece identificada à gestão do trabalho e da produção sob o feitio de técnicas participacionistas, convertidas em "envolvimento funcional" dos trabalhadores e em instrumento de competição com a ação operária e sindical no interior das empresas.

No Brasil, os limites do ideário participacionista e as ambivalências de suas práticas, antes assinalados, têm origem no corporativismo, ou sindicalismo atrelado ao Estado, que correspondeu às características da ideologia do desenvolvimentismo e se esgotou nos anos 60. O diagnóstico corrente entre lideranças sindicais e empresariais é consensual ao menos num ponto: para se enfrentar a nova fase do industrialismo (ora em gestação) é necessária a reestruturação das regulamentações trabalhistas no Brasil. As "burocracias" - tanto dos trabalhadores quanto de entidades patronais - se afiguram como obstáculos à representação e canalização de interesses e demandas do empresariado e operariado modernos no País. Aqui, entretanto, o velho mescla-se com o novo. Tal como se dão disputas entre o "novo sindicalismo" e o sindicalismo corporativo quanto ao conteúdo dessas mudanças, também observamos disputas no seio do empresariado industrial quanto ao sentido da reestruturação das regulamentações do trabalho.

Disputas dessa magnitude são encaminhadas não para resultar em um jogo de soma zero, mas sim para a criação de uma nova hegemonia no poder.

No tocante à gestão do trabalho - um dos pontos críticos dessas disputas entre o "velho" e o "novo" empresariado - assistimos à persistência tenaz de elementos autoritários no processo de controle do trabalhador nas empresas. Mas é inegável que também estão emergindo experiências de modernização das formas de gestão do trabalho, marcadas pelo participacionismo, que correspondem mais adequadamente às novas características da classe operária e das lutas sindicais nos anos 80.

A meu ver, o desfecho para essas disputas não tem uma previsão, na medida em que isso depende da conjuntura política favorável (até quando?) à consolidação da democracia no País, e - externamente - da reestruturação das formas de subordinação do trabalhador ao produtivismo taylorista ou neotaylorista. Essa reestruturação mundial tem como aspecto positivo propiciar a abertura de brechas ou oportunidades para que culturas empresariais nacionais tomem iniciativas no sentido de adequar o ideario do participacionismo às características locais e autenticamente necessárias de gestão do trabalho.

No caso brasileiro, tal como foi possível analisar no presente estudo sobre o conflito industrial na empresa automobilística Alfa, os limites para a "democracia participacionista" esbarram em dificuldades, decorrentes sobretudo da subordinação das chamadas gerências médias e altas aos modelos e técnicas importados do industrialismo mundial. Essa subordinação é apenas um dos pontos mais visíveis da inexistência de um "projeto" do empresariado brasileiro capaz de superar definitivamente as "velhas" características da gestão da mão-de-obra herdadas da primeira fase de internacionalização do industrialismo no Brasil.

Inexistindo um projeto hegemônico da burguesia industrial para um "industrialismo" próprio, os limites para a consolidação de uma democracia participacionista passam a depender das ondas de conjuntura política, numa oscilação entre abertura e fechamento e, no plano mundial, das brechas existentes na dinâmica de reformulação dos princípios tayloristas, sob o empuxo das mutações tecnológicas da microeletrônica. Daí a importância do momento atual, nesse fim dos anos 80: estamos vivendo a segunda fase do industrialismo internacionalizado no País, que está gerando endógenamente o horizonte, antes mencionado, de ruptura entre investimento tecnológico, crescimento industrial e emprego.

Numa sociedade com as características da brasileira, a internalização desse horizonte requer dos empresários e do movimento sindical um claro consenso de que o investimento tecnológico e o crescimento industrial não serão mais capazes de gerar postos de trabalho no ritmo e magnitude necessários à população economicamente ativa do País.

É nesse ponto que a reformulação do sistema de relações industriais e, no seu bojo, a construção de uma autêntica democracia participativa imbricam-se com questões substantivas sobre o tipo de crescimento que as grandes empresas devem e podem promover. Essa imbricação abre outra ordem de questões, relacionada com a convergência entre demandas sindicais em torno da democracia participativa e demandas sociais de amplas camadas da população rural e urbana. Como afirma um pesquisador norte-americano, "as escolhas que afetam o poder no local de trabalho influenciam imediatamente o que acontece com o emprego e têm o efeito posterior de atingir a essência da sociedade. Uma sociedade democrática e uma tecnologia autoritária são incompatíveis a longo prazo".26 26 Shaiken, Harley. Work transformed -automation and labor in the computer age. New York, Holk Rinehart & Winston, 1984, p. XIV.

Torna-se claro, nessa perspectiva, que a reformulação do sistema de relações industriais no País passa pela redefinição do industrialismo brasileiro. Essa é uma oportunidade gerada pela crise mundial do industrialismo (e do seu "horizonte" antes definido) que poderá desaparecer rapidamente. Em sua essência, tal oportunidade estimula um tipo de desenvolvimento baseado em tecnologias de ponta, que torne o industrialismo local contemporâneo às mudanças em curso no exterior. Essa mudança, entretanto, só terá eficácia se não destruir a base prévia de produção baseada em tecnologias convencionais, ou se ambos os movimentos estiverem acoplados para que a primeira fase de transnacionalização do industrialismo continue seu curso, enquanto a segunda fase tenha um take off pleno (não-concentrado na indústria de informática, por exemplo).

Um último aspecto - crucial porque diz respeito às formas de identidade cultural das pessoas no industrialismo - refere-se à relação entre a produção industrial e o ecossistema. Nenhuma das mutações mencionadas terá qualquer sentido, se elas não convergirem para um "crescimento qualitativo", gerador de produtos de consumo básico da população e de uma produção industrial capaz de evitar a total inviabilidade física e cultural do meio ambiente para as gerações futuras. Não creio que uma autêntica democracia participativa na vida das empresas esteja desvinculada da discussão - que apenas se esboça no Brasil nesse final de década - sobre as conseqüências de um industrialismo que vem exaurindo o ecossistema e aprofundando a ruptura da identidade das pessoas com o produto do seu trabalho.

  • 2 Ver, a respeito, Humphrey, J. Controle capitalista e luta operária na indústria automobilística brasileira. Rio de Janeiro/São Paulo, Vozes/Cebrap, 1982.
  • 3 Gazeta Mercantil, 2 Jul. 1986. p. 8.
  • 4 Maiores detalhes sobre essas repercussões, tomando por base duas montadoras transnacionais no País, ver Peliano, J. C; Carvalho, R. de Q.; Sousa, N. B.; Cassiolato, M. & Neder, R. T. Impactos econômicos e sociais da tecnologia microeletrônica na indústria brasileira: estudos de caso nas montadoras A e B de automóveis. Brasília, UnB, 1988.
  • 9 Ver Neder, R. T.; Abramo, L.; Sousa, N. H.; Falabela, G.; Diaz, A. & Silva, R. A. Automação e movimento sindical no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1988.
  • 13 Dossiê da Comissão de Fábrica da Planta 1, sobre a crise de julho de 1986. Set. 1986. mimeogr.
  • 14 Fontes: Revista Tendências do Trabalho. Rio de Janeiro, Ed. Labor Trends, jul. 1986 (p. 10) e depoimento,
  • 16 Gazeta Mercantil, 2 jul. 1986.
  • 18 Fonte: Tribuna Metalúrgica, Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ano 7, espec. n. 38, ago. 1986.
  • 21 Coriat, Benjamin. Automação programável, novas formas e conceitos de organização da produção, trad. Ricardo T. Neder. Projeto BRA/82/024, PNUD/OIT/CNRH, Brasília, 1985. Mimeogr.
  • 26 Shaiken, Harley. Work transformed -automation and labor in the computer age. New York, Holk Rinehart & Winston, 1984, p. XIV.
  • *
    Esse texto foi redigido em 1986 e reelaborado em 1988, como resultado de pesquisa que conduzi no Cedec sobre inovação tecnológica e relações industriais em empresa do ramo automobilístico, que contou com o apoio da Anpocs. Sua elaboração se beneficiou de resultados das pesquisas (em co-autoria) Impactos Econômicos e Sociais da Tecnologia Microeletiônica na Indústria Brasileira: Estudos de Caso nas Montadoras
    A e
    B de Automóveis (ver nota 4) e Automação e Movimento Sindical no Brasil (ver nota 9), no âmbito do projeto BRA 82/024, PNUD/OIT e do qual participou o Cedec entre 1985-87. Aos colegas que leram o presente texto, agradecimentos às sugestões e críticas e, em especial, a Gisela Goldenstein pela leitura atenta que realizou. Todas as referências com base nas pesquisas mencionadas, além das sugestões de colegas, são de minha inteira responsabilidade.
  • 1
    Denominação fictícia da empresa pesquisada entre 1985 e 1986.
  • 2
    Ver, a respeito, Humphrey, J.
    Controle capitalista e luta operária na indústria automobilística brasileira. Rio de Janeiro/São Paulo, Vozes/Cebrap, 1982.
  • 3
    Gazeta Mercantil, 2 Jul. 1986. p. 8.
  • 4
    Maiores detalhes sobre essas repercussões, tomando por base duas montadoras transnacionais no País, ver Peliano, J. C; Carvalho, R. de Q.; Sousa, N. B.; Cassiolato, M. & Neder, R. T.
    Impactos econômicos e sociais da tecnologia microeletrônica na indústria brasileira: estudos de caso nas montadoras A e B de automóveis. Brasília, UnB, 1988.
  • 5
    Id.ibid.
  • 6
    Id. ibid. seção IV: Resposta operária à automação e ação sindical na empresa.
  • 7
    Id. ibid.
  • 8
    Id.ibid.
  • 9
    Ver Neder, R. T.; Abramo, L.; Sousa, N. H.; Falabela, G.; Diaz, A. & Silva, R. A.
    Automação e movimento sindical no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1988.
  • 10
    Dados constantes do boletim de apuração eleitoral elaborado pela Comissão de Fábrica e Gerência de RI da Alfa do Brasil, na Planta 1.
  • 11
    Cf. depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1 e 2, ago. 1986.
    Revista de Administração de Empresas
  • 12
    Cf. depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1, out. 1986.
  • 13
    Dossiê da Comissão de Fábrica da Planta 1, sobre a crise de julho de 1986. Set. 1986. mimeogr.
  • 14
    Fontes:
    Revista Tendências do Trabalho. Rio de Janeiro, Ed. Labor Trends, jul. 1986 (p. 10) e depoimento, gravado, de entrevista do gerente-geral de relações industriais da Alfa do Brasil, maio 1987.
  • 15
    Depoimento, gravado, de entrevista da Comissão de Fábrica da Planta 2,ago. 1986.
  • 16
    Gazeta Mercantil, 2 jul. 1986.
  • 17
    Depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1, out. 1986.
  • 18
    Fonte:
    Tribuna Metalúrgica, Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ano 7, espec. n. 38, ago. 1986.
  • 19
    Depoimento, gravado, de entrevista com a Comissão de Fábrica da Planta 1, out. 1986.
  • 20
    Utilizo, a seguir, o conceito de "industrialismo", que não equivale às expressões "capitalismo industrial" ou "industrialização". Por esse termo quero expressar um movimento dominante (em sociedades capitalistas e socialistas) na direção de uma cultura do trabalho e de exploração da natureza baseada na ciência e na tecnologia. Esse movimento contrapõe classes fundamentais sob um
    ethos cultural marcado pela racionalização do trabalho e pela massificação do consumo, ambos geradores do fenômeno da não-identificação do trabalhador em face de seus carecimentos não-materiais, sobre os quais fala Agnes Heller em seu
    Para mudar a vida -felicidade, liberdade e democracia. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1982. Esta perspectiva foi mais extensamente desenvolvida no capitulo 5 de
    Automação e movimento sindical no Brasil, já citado.
  • 21
    Coriat, Benjamin. Automação programável, novas formas e conceitos de organização da produção, trad. Ricardo T. Neder. Projeto BRA/82/024, PNUD/OIT/CNRH, Brasília, 1985. Mimeogr.
  • 22
    Cf. Bartholo Jr., Roberto. A crise do industrialismo:genealogia, riscos e oportunidades. In:
    Que crise é essa? var. aut. São Paulo/Brasília, Brasiliense/CNPq, 1984. p. 69-101; Dommergues, P. et alii.
    Les sindicais français etamericains faceaux mutations technologiques. Paris, Anthropus, 1984.
  • 23
    Cf. a respeito: Vargas, Newton. Os paradigmas da tecnologia e o subdesenvolvimento. Textos em Política Científica e Tecnológica, Brasília, CNPq, 1984; Gênese e difusão do taylorismo no Brasil. In:
    Ciências sociais hoje - 1985. São Paulo, Cortez, 1985.
  • 24
    A rotinizaçao consiste na decomposição analítica do processo de trabalho até o ponto em que era mais vantajoso substituir operários de remuneração inferior do que proceder a reais ganhos ou inovações na organização do processo produtivo. Cf. Fleury, A. C. Rotinizaçao do trabalho: o caso das indústrias mecânicas. Fleury, A. C. & Vargas, N. In:
    Organização do trabalho: uma abordagem interdisciplinar: sete casos brasileiros para estudo. São Paulo, Atlas, 1983,p. 84-105.
  • 25
    Essas demandas incluíam o fim do regime de nepotismo das supervisões nas fábricas, estabilidade, luta contra desemprego e horas extras, criação de delegado sindical e de Comissão de Fábrica, estrutura sindical sem tutela do Estado, criação de centrais sindicais unificando tendências e negociações diretas entre empregador e empregados.
  • 26
    Shaiken, Harley.
    Work transformed -automation and labor in the computer age. New York, Holk Rinehart & Winston, 1984, p. XIV.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1988
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