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Para um agronegócio sem exclusão

Towards an agribusiness without exclusion

Resumos

Desde que a industrialização do campo passou a criar contingentes de trabalhadores rurais desempregados, os governos vêm gastando recursos na desapropriação de terras para reforma agrária, sem levar em consideração a necessidade de também prover uma infra-estrutura adequada e, principalmente, os meios para o sustento digno desses cidadãos excluídos. Este artigo propõe uma mudança na política agroindustrial brasileira, destinada a ofertar empregos no campo, aproveitando a vocação exportadora do agronegócio. A experiência de outros países na questão das tensões sociais é tomada como referência.

agronegócio; mudança transformadora; exportação; industrialização


Ever since the creation of groups of unemployed rural workers, as a result of the industrialization of rural areas, governments have been allocating resources for the disappropriation of lands for agrarian reform, without considering the need for an adequate infrastructure and mainly the means for providing the citizens who lived in those lands with a standard quality of living. This article suggests a change in the Brazilian agroindustrial policy to offer rural jobs, taking advantage of the exporting nature of the agriculture business. The experience of other countries with social issues is taken into account.

agribusiness; transforming change; export; industrialization


ARTIGOS

Para um agronegócio sem exclusão

Towards an agribusiness without exclusion

Sergio RozenbaumI; Sergio Proença LeitãoII

IDoutorando em administração e mestre em administração no IAG/PUC-Rio. Endereço: Av. Ayrton Senna, 3383, 2o andar — Barra da Tijuca — CEP 22775-002, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: seroz@globo.com

IIProfessor associado do IAG/PUC-Rio. Doutorado em educação e mestre em administração. Endereço: Rua Comendador Francisco Leal, 122, casa — Itanhangá — CEP 22641-180, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: proenca@iag.puc-rio.br

RESUMO

Desde que a industrialização do campo passou a criar contingentes de trabalhadores rurais desempregados, os governos vêm gastando recursos na desapropriação de terras para reforma agrária, sem levar em consideração a necessidade de também prover uma infra-estrutura adequada e, principalmente, os meios para o sustento digno desses cidadãos excluídos. Este artigo propõe uma mudança na política agroindustrial brasileira, destinada a ofertar empregos no campo, aproveitando a vocação exportadora do agronegócio. A experiência de outros países na questão das tensões sociais é tomada como referência.

Palavras-chave: agronegócio; mudança transformadora; exportação; industrialização.

ABSTRACT

Ever since the creation of groups of unemployed rural workers, as a result of the industrialization of rural areas, governments have been allocating resources for the disappropriation of lands for agrarian reform, without considering the need for an adequate infrastructure and mainly the means for providing the citizens who lived in those lands with a standard quality of living. This article suggests a change in the Brazilian agroindustrial policy to offer rural jobs, taking advantage of the exporting nature of the agriculture business. The experience of other countries with social issues is taken into account.

Key words: agribusiness; transforming change; export; industrialization.

1. Introdução

Poucos artigos, sobre a questão agrária, demonstram uma preocupação maior com a parcela da população excluída do crescimento econômico, em função da forma como é conduzido o agronegócio brasileiro. Pressupõe-se que este seja includente para o trabalhador.

O país festejou, no final de 2004, o sucesso da política econômica, que obteve significativo aumento das exportações na ordem de 30%; o PIB cresceu 5,2%, um bom resultado em termos absolutos mas apenas razoável se comparado ao crescimento de seus vizinhos latino-americanos. Além disso, o setor de infra-estrutura, um dos que mais necessitam de investimentos, anunciou um grande aporte de recursos assim que forem implantadas as parcerias público-privadas (PPPs), o que possibilitaria um melhor escoamento da produção. Uma infra-estrutura adequada minimizaria o desperdício e traria ganhos de produtividade e competitividade.

O setor agropecuário, em 2004, apresentou um crescimento inédito na história brasileira, com ganhos na produtividade, aumento na área total plantada, ampliação da mecanização, aumento do uso de inovações tecnológicas, tais como satélites e computadores para previsões climáticas, uso de sementes geneticamente modificadas e, também, incremento de diversos programas de governo. Sob um olhar instrumental-tecnicista estamos vivendo uma revolução no campo, com aumento de consumo em um segmento da população.

Esta "revolução no campo" deriva do sucesso obtido no agronegócio, mas a grande questão, objeto deste artigo, é como reintegrar a grande massa de cidadãos comuns excluídos deste processo, devido ao uso intensivo de tecnologia labor-saving associada aos efeitos da globalização. Aqui é feita uma proposta de política agrária, inspirada em situações de tensão social vividas pela Irlanda, Vietnã, Cingapura e Bangalore. De visão dominantemente substantiva, mesmo que setorialmente localizada, ela objetiva o aumento da oferta de emprego no campo, aproveitando a vocação exportadora do agronegócio.

2. Da razão instrumental à razão substantiva, um longo caminho

A razão instrumental não se preocupa com a finalidade última das coisas e valoriza apenas aquilo que é útil exclusivamente ao indivíduo ou a um grupo, desequilibrando a mente humana, conforme Boeira (2002). Ramos (1981) considera ser esta racionalidade um desequilíbrio em favor do cálculo e do utilitarismo e, embora dominante, leva a um sucesso pragmático, mas ingênuo em suas conseqüências.

A consolidação da razão instrumental ocorreu dentro do paradigma funcionalista, nos termos de Burrel e Morgan (1982), usando o positivismo como método científico para a construção de teorias, e pelo comprometimento com a manutenção da ordem e da estabilidade social. Ele não é um paradigma voltado para a mudança, a não ser em termos de mera adaptação, preservando-se os valores centrais do establishment. Em uma ação social regida pela razão instrumental, as decisões são tomadas por uma relação de custo-benefício e de interesse próprio, as finalidades e as conseqüências desta ação. Como a razão instrumental é indispensável no fazer, no operacional dos negócios ou na vida, seu grande problema está em sua hipertrofia e no que isso venha a causar nos ambientes sociais e naturais (Ramos, 1981).

Em Oakley (1997), sintetizando a percepção de Weber, define-se ação racional como procedimento altamente subjetivo dependente de expectativas, planos, deliberações, opiniões, orientações e outras contingências humanas. Razão e emoção operam interligadas, como afirmam as neurociências (Maturana e Bunnel, 1998).

A razão substantiva, por sua vez, é aquela que é própria da pessoa preocupada com o bem comum e com uma visão crítica do mundo. Nesta condição o indivíduo usa como critérios substantivos a busca para o bem da humanidade sem se deixar influenciar ou se guiar apenas por interesses individuais. Embora, nas organizações, a grande maioria obedeça cegamente a uma razão instrumental, diversos pensadores, movimentos e organizações já se dedicam a tentar modificar as mentes mais receptivas (Almeida e Leitão, 2003; Aktouf, 1996; Wainwright, 1998), com vistas a estratégias empresariais e políticas públicas socialmente sustentáveis. Conceitualmente, uma política pública fundamenta-se na razão substantiva, pois seu objeto final é o bem comum. Mas a instrumentalização da vida coletiva a tem levado a atender a interesses mais restritos, embora sob um discurso político de preocupação com o bem comum. Recuperar o equilíbrio entre as duas formas de pensar é um caminho difícil a ser percorrido, mas é necessário fazê-lo, no curto prazo, em um mundo onde a crise socioambiental transborda do noticiário dos jornais em um planeta onde a água potável já tem prazo para acabar. Trata-se de uma mudança paradigmática.

Do funcionalismo ao humanismo, uma transformação

O funcionalismo valoriza procedimentos e a experiência, pressupondo uma adaptação racional do indivíduo aos interesses do sistema produtivo, dentro de uma racionalidade instrumental que prioriza o econômico e o técnico. No humanismo, a realidade é construída pelos agentes sociais, visualizando o homem não como recurso apenas, mas como a finalidade última de todas as coisas. Neste, o econômico e o técnico são apenas duas das dimensões da vida. Não se confundem com ela.

A transição para um novo paradigma envolve uma revolução científica (Khun, 2000) e estas revoluções iniciam-se com um sentimento crescente de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente para o conjunto das necessidades humanas (Leitão e Lameira, 2005). Este sentimento é um prerrequisito para a transformação.

Segundo Ramos (1981), é necessária a primazia do político sobre o social para uma teoria da racionalidade substantiva, já que o ser humano torna-se um ser político pelo exercício da razão e no aspecto social o homem age isolado como um agente econômico. Na racionalidade instrumental vigente os valores econômicos e os mercados é que definem os sistemas sociais e os valores humanos são subordinados a esses interesses. Guerreiro Ramos preconizava a construção de uma sociedade racional baseada na razão substantiva.

A globalização acelerada, imposta pelos países hegemônicos, provoca a exclusão de grande parte da humanidade, afastada desse processo, seja por não dispor de recursos naturais ou de infra-estrutura adequada à produção. De acordo com Moshirian (2003), este processo de eliminação de fronteiras tarifárias e culturais precisa incluir urgentemente algumas proteções para a preservação da identidade dos povos, respeitando religião, cultura e soberania.

Cabe aos governos e à sociedade civil, sobretudo às organizações produtoras, a construção de um mundo mais humano, e isso requer uma visão mais complexa da vida coletiva e preocupada com as questões fundamentais ao nosso futuro.

O Fundo Monetário Internacional (IMF, 2002), agora atento a essa questão, identificou algumas necessidades fundamentais a serem respeitadas no processo de globalização:

todos os países devem acreditar que suas vozes serão ouvidas;

deve haver crença de que cada país poderá sobreviver sob sua própria responsabilidade;

decisões internacionais devem ser propostas respeitando religião, cultura, tradições e soberania;

uma economia global necessita de uma ética global que reflita respeito aos direitos humanos.

Globalizar não pode significar excluir, mas sim incluir. Esta é a preocupação que deveria nortear os representantes daqueles povos cuja marginalização passa a ser conseqüência de movimentos econômicos e financeiros, muitas vezes sem qualquer relação direta com a sociedade afetada. A exclusão ocorre, principalmente, em função dos crescentes concentração de renda e desemprego.

O avanço da tecnologia da informação trouxe inegáveis ganhos para os negócios do campo; melhorou a produtividade pela disseminação do conhecimento de novas técnicas e equipamentos; produziu informação em tempo real sobre o clima e a cotação de produtos; integrou locais isolados. Ao mesmo tempo prevê-se uma redução contínua da capacitação dos excluídos (Ritto e Silva, 1998), o empobrecimento dos valores humanos e o benefício daqueles já posicionados nas camadas mais privilegiadas, sem a promoção do bem-estar social de todos (Pitassi e Leitão, 2002).

Ao atuarem juntas, globalização e tecnologia da informação multiplicam os benefícios para os chamados incluídos e os efeitos perversos sobre os contingentes dos excluídos (Pitassi e Leitão, 2002; Parthasarathy, 2002). Na realidade, a tecnologia se transformou em algo central à vida e nos direciona a partir do interesse de empresas que a produzem e vendem para lucro próprio (Maturana e Bunnel, 1998).

A razão substantiva como forma propulsora

A literatura brasileira apresenta vários estudos sobre a reforma agrária como uma das soluções para os problemas sociais no campo (Reis, 2000; Buainain e Souza Filho, 2000; Gasques e Verde, 1999). Alguns estudos chamam a atenção para a necessidade de criação de empregos no campo em outras atividades para a população agrícola (Campanhola e Silva, 1999).

Torna-se fundamental e urgente o desenvolvimento de políticas que ofereçam solução rápida e preocupada com a criação de empregos.

Diante das suas condições populacionais, o Brasil precisa que este modelo proporcione a criação de um grande número de empregos nas áreas rurais, sem alimentar tensões sociais. O aumento da industrialização no agronegócio se apresenta como solução natural, trazendo vantagens como:

adicionar valor às exportações de produtos in natura;

os volumes físicos seriam menores (mas não as receitas), possibilitando um escoamento menos tumultuado da produção (estimam-se perdas devido a estradas defeituosas, portos congestionados);

a criação de agronegócio em áreas estratégicas e com uma política de incentivos ao investimento direto externo (foreign direct investment — FDI) seria a centelha de uma revolução benéfica no campo;

a criação de pólos de desenvolvimento industrial no campo traria empregos, cooperativas e o desenvolvimento de pequenos povoados;

o crescimento da população de nossos grandes centros urbanos poderia ser revertido.

É imperiosa a presença de ações mais substantivas, para eliminar a ameaça que paira sob grande parte de nossa população, a de tornar-se "excluída" da sociedade para sempre.

3. O programa de governo "Vida Digna no Campo"

Durante a campanha presidencial de 2002 o Partido dos Trabalhadores com o então coordenador do Programa de Governo, Antônio Palocci Filho, ex-ministro da Fazenda, apresentou o programa denominado "Vida Digna no Campo: Desenvolvimento Rural, Política Agrícola, Agrária e de Segurança Alimentar". As políticas preconizadas naquele documento quanto às exportações são as seguintes (Vida Digna no Campo, 2002:16):

1. Estimular o conjunto do agronegócio e da agricultura familiar para:

— diversificação de mercados e produtos a partir de novos valores agregados às nossas exportações;

— atualização das cadeias exportadoras para atender às novas tendências de mercado, que apresentam demandas crescentes por produtos da agricultura ecológica (com destaque para os produtos orgânicos), pelo consumo diferenciado, por alimentos sem alteração genética e por produtos oriundos de empresas com responsabilidade social e ambiental.

2. Criar uma Secretaria de Comércio Exterior, vinculada diretamente ao presidente, para coordenar as ações dos diferentes ministérios com a finalidade de promover políticas de exportações agropecuárias, entre outras.

3. Reduzir o ônus da carga tributária, como a incidência cumulativa do PIS e Cofins.

4. Equiparar as linhas de crédito às exportações para criar condições semelhantes às vigentes ao mercado internacional.

5. Oferecer políticas diferenciadas para que as pequenas e médias empresas e os produtos da agroindústria familiar tenham um melhor acesso ao mercado externo.

6. Reestruturar o Programa de Apoio às Exportações e Acesso aos Mercados (Paeam) e a Agência Brasileira de Promoção a Exportações (Apex), bem como as ações ligadas às cadeias produtivas, em função dos objetivos acima expostos.

As medidas acima, em especial os itens 4, 5 e 6, são sinérgicas à proposta deste artigo.

As políticas preconizadas naquele documento quanto à geração de emprego para o trabalhador rural (Vida Digna no Campo, 2002:24) são: "O governo Lula buscará a ampliação do trabalho de qualidade, com aumento dos salários e da formalização dos trabalhadores". Para tanto, propõe-se:

1. Implantar ações visando reduzir o desemprego gerado pelo avanço da mecanização, através do incentivo à mecanização com responsabilidade social.

2. Rever o processo de precarização da legislação trabalhista rural levado a cabo pelo atual governo, de modo a garantir ao trabalhador rural todos os benefícios a que tem acesso o trabalhador urbano.

3. Adaptar a legislação do seguro-desemprego às particularidades safristas e trabalhadores temporários.

4. Recuperação dos órgãos de fiscalização no âmbito trabalhista, previdenciário, tributário e ambiental, visando a melhoria real da qualidade do trabalho nas áreas rurais, a erradicação do trabalho infantil e escravo; o cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalhador (cumprimento da Convenção nº 184 da OIT); e acabar com as falsas cooperativas de trabalho.

5. Devem ser exigidas contrapartidas do setor privado com relação às políticas públicas setoriais visando a manutenção do emprego de qualidade e a preservação ambiental.

6. Incentivo às ocupações não-agrícolas no meio rural.

As medidas acima, em especial os itens 1 e 6, são também fundamentais à proposta aqui apresentada.

A exportação de produtos agrícolas

O agronegócio engloba o conjunto de empresas que atuam na produção, processamento, distribuição e vendas de produtos agropecuários:

O agronegócio brasileiro é responsável por cerca de 1/3 do produto interno bruto do Brasil, empregando 38% da mão-de-obra e sendo responsável por 36% das nossas importações. É o setor mais importante da nossa economia. Com a globalização de mercados, o sucesso de uma empresa, principalmente no agronegócio, depende cada vez mais da interrelação entre fornecedores, produtores de matéria-prima, processadores e distribuidores. A divisão tradicional entre indústria, serviço e agricultura é inadequada. O conceito de agronegócio representa, portanto, o enfoque moderno que considera todas as empresas que produzem, processam, e distribuem produtos agropecuários.1 1 Cf. < www.portaldoagronegocio.com.br>. Acesso em: 9 dez. 2004.

O agronegócio, conforme o plano de governo (Vida Digna no Campo, 2002), deve privilegiar e incentivar as pequenas e médias empresas para que estas tenham acesso ao mercado exportador em condições favoráveis; ao mesmo tempo prover ações que contrabalancem o desemprego causado pela mecanização dos meios de produção e que venham a criar ocupações não-agrícolas no meio rural.

Estes compromissos devem ser honrados o mais rápido possível, da mesma forma que o governo vem honrando seus compromissos com o FMI, com os investidores externos, ao adotar o compromisso de uma política econômica voltada para a criação de superávits fiscais, destinados aos pagamentos da nossa dívida externa.

A participação do agronegócio representa perto de 33% do PIB e 42% das exportações totais. Entre 1998 e 2003, a taxa de crescimento médio do PIB agropecuário foi de 4,67% ao ano.2 2 Cf. < www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 9 dez. 2004.

O Brasil é um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos agropecuários (café, açúcar, álcool e sucos de frutas). Além disso, é líder das vendas externas em outros produtos: soja, carne bovina, carne de frango, tabaco, couro e calçados de couro. Estima-se que também em breve poderá ser líder na produção de algodão, milho, arroz, frutas frescas, cacau, castanhas, nozes, biocombustíveis, suínos e pescados. Estão empregados somente no campo 17,7 milhões de trabalhadores.3 3 Cf. < www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 9 dez. 2004.

Perspectivas de crescimento da área explorável: a mudança

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publicou algumas previsões sobre a evolução do agronegócio no Brasil:

Com pelo menos 90 milhões de hectares de terras agricultáveis ainda não utilizadas, o Brasil pode aumentar em, no mínimo, três vezes sua atual produção de grãos, saltando dos atuais 123,2 milhões para 367,2 milhões de toneladas. Esse volume, porém, poderá ser ainda maior, considerando-se que 30% dos 220 milhões de hectares hoje ocupados por pastagens devem ser incorporados à produção agrícola em função do expressivo aumento da produtividade na pecuária.

O país tem condições de chegar facilmente a uma área plantada de 140 milhões de hectares, com a expansão da fronteira agrícola no Centro-Oeste e no Nordeste.4 4 Ibid.

Comumente nos espantamos com a riqueza do Golfo Pérsico, onde se concentram 63% das reservas conhecidas de petróleo que somam 1,2 trilhão de barris com um horizonte de 41 anos de exploração. Assim, o Golfo dispõe de 18,44 bilhões de barris por ano e, supondo um preço médio (para estes 41 anos) a valor presente, de US$ 40 por barril, teríamos um faturamento médio anual para a produção de petróleo do Golfo Pérsico de US$ 737,6 bilhões.

Este faturamento é quase o PIB do Brasil projetado para 2005, de R$ 1.936 bilhões equivalentes a US$ 775 bilhões.5 5 Cf. < www.ipeadata.gov.br>. Acesso em :10 set. 2005. Conforme dados oficiais do Ministério da Agricultura, o agronegócio já é responsável por 33% do nosso PIB. Ao mesmo tempo nossa área ocupada por atividades do agronegócio ainda pode ser triplicada.

Matematicamente, portanto, não é impossível que em 18 anos com um crescimento médio de 6% ao ano, o agronegócio esteja produzindo riqueza equivalente a um Golfo Pérsico e sem problemas de exaustão de reservas ou danos irreversíveis ao meio ambiente.

Onde e como obter os recursos para os investimentos necessários para transformar o agronegócio em uma fonte de riqueza para a população rural é a principal questão. O governo não dispõe dos recursos, pois precisa equilibrar seu orçamento fiscal para produzir os superávits primários e demonstrar aos mercados internacionais que somos economicamente capazes de atrair investimentos e remunerá-los. A saída para este impasse pode ser inspirada em países que passaram por situações semelhantes e adotaram mudanças transformadoras.

Das transformações que esses países e comunidades conseguiram promover em diversas épocas podem ser extraídos os motivos e as soluções adotadas. Um país adota uma mudança transformadora pressionado pelas circunstâncias, mas o que dá início a esta mudança é uma centelha que torna irreversível um movimento em direção a uma nova visão. Muito já se falou sobre a transformação da República da Irlanda, no "Tigre Europeu" e algumas comparações podem ser aproveitadas para o Brasil.

A República da Irlanda

Este pequeno país europeu de 3,7 milhões de habitantes em apenas 68.890 km², dominado pelos britânicos por 600 anos, tornado independente em 1921, passou a republicano em 1949. Filiou-se à ONU em 1955 e à União Européia em 1973.

Em 1926, 67% de sua população viviam em áreas rurais e 54% dos empregos se relacionavam com a agricultura. Em 2004, menos de 10% trabalhavam na agricultura e mais de 67% estavam empregados no setor de serviços.

Seu sistema político é o parlamentarismo democrático, conforme sua Constituição de 1937, que define o Parlamento nacional e detalha os direitos fundamentais do cidadão irlandês. O sistema político é estável desde sua independência com dois grandes partidos derivados do acordo com a Inglaterra de 1921 (Gunnigle, Heraty e Morley, 2002). No final da década de 1980, a República da Irlanda estava em profunda recessão, com sua economia quase em estado falimentar.

A constatação da necessidade de mudança foi uma real questão de sobrevivência, quando a taxa de desemprego chegou a 20% e a imigração atingiu índices recordes. Em 1988 houve pânico e os investidores começaram a retirar seus capitais, mas, em vez de entregar seu destino ao FMI, a Irlanda adotou uma rígida política com cortes nos gastos públicos e integridade fiscal. Tal política produziu uma inédita recuperação da economia com uma média de crescimento econômico de 9% entre 1994 e 2001, a política de integridade fiscal transformou a dívida pública de 110% do PIB de 1988 para 50% do PIB de 1998. A taxa de emigração, que foi de 18% em 1986, já tinha caído para 5% em 2000.

A República da Irlanda, que era uma das economias mais pobres da União Européia, nos anos 1960 seu PIB per capita era 50% do da Inglaterra, hoje tem um PIB per capita, em paridade de poder de compra, que supera Inglaterra, França e Alemanha (Gunnigle, Heraty e Morley, 2002).

No final dos anos 1950, quando a economia ainda era protecionista, uma nova política do governo passou a incentivar as empresas estrangeiras a abrirem fábricas. A partir dos anos 1960, quando as barreiras protecionistas foram substituídas por incentivos para atrair capitais externos (FDI), houve uma estratégia de atração de capitais e empresas americanas. As MNCs (multinacionais) atualmente empregam 1/3 da força de trabalho e contribuem com 70% das exportações industriais. Outras medidas de incentivo adotadas pelo governo irlandês:

sistema legal — estabilidade e regras bem definidas;

transportes — sistema rodoviário (86% da carga, 97% dos passageiros);

água — o país é considerado "verde" e o custo da água está abaixo da média da União Européia (UE);

eletricidade — geração termoelétrica;

telecomunicações — é um dos sistemas mais avançados da UE;

foreign direct investment (FDI) — considerado um dos melhores ambientes do mundo à receptividade do capital externo. Os lucros eram taxados em 10% até 2002, e em 12,5% após 1o de janeiro de 2003. Não há restrição à importação de capital, sua repatriação ou remessa de lucros e de juros;

proteção ao investimento — não há distinção entre nacionais e não-nacionais.

Noel Treacey, ministro para Ciência, Tecnologia e Comércio da República da Irlanda, explicou as bases da mudança em entrevista (Treacey, 2000).

Deve haver uma forte base científica que tenha a habilidade de converter pesquisa e conhecimento em produtos e serviços. A Irlanda está consciente da necessidade de aumentar o conhecimento sobre a contribuição da ciência à sociedade e a economia e com isso sensibilizar na população os aspectos positivos de uma carreira voltada à ciência e tecnologia.

As lições da Irlanda: a mudança foi identificar sua vocação industrial e incentivar a vinda de indústrias americanas multinacionais, que enxergaram a oportunidade de se posicionar junto à União Européia, em um país receptivo a parcerias internacionais (Calliano e Carpano, 2000). Atração de capital externo, pouca taxação e instituições sólidas foram as causas da transformação da Irlanda.

O caso de Cingapura

Este pequeno país de apenas 650 km² tornou-se independente em 1965, quando o governo propôs que Cingapura se tornasse um local ideal para a produção em massa de bens de baixo custo (Arun e Yap, 2000), estimulando, portanto, sua industrialização. Com isso o governo, ao adotar uma estratégia industrial e promover a atração das multinacionais (MNCs), obteve um crescimento espetacular durante 25 anos.

Em 1986, o governo patrocinou um plano para desenvolver a tecnologia de informação (TI): "Singapore: The National IT Plan". Em 1992, o governo de Cingapura, pela sua agência National Computer Board, propôs uma visão do que seria o país em 15 anos (Arun e Yap, 2000): "em nossa visão, em 15 anos, Cingapura, a ilha inteligente, estará entre as cinco nações mais adiantadas em infra-estrutura de informação. Serão conectados os computadores em todas as casas, escritórios, escolas e fábricas".

Desde 2000, Cingapura é reconhecida como uma das primeiras nações digitais do mundo. Em Ein-dor, Myers e Raman (1997) são estudados os desenvolvimentos em tecnologia da informação na Nova Zelândia, Israel e Cingapura, todos pequenos países sem fontes de matérias-primas que, mesmo com pequeno mercado interno, encontraram nichos de mercado e aí se especializaram.

A única possibilidade dessa cidade-país era ser um entreposto industrial entre o Ocidente e a Ásia. Atraiu capital externo e indústrias e, com rígidas políticas sociais, tornou-se uma das nações mais desenvolvidas do mundo em 35 anos.

A experiência de Bangalore

A Índia guarda algumas semelhanças com o Brasil: extensão territorial, desigualdade social, distribuição de renda injusta, pluralidade de religiões e discriminação social por castas. Da mesma forma que o Brasil, a Índia comportou-se como uma economia fechada até bem pouco tempo, com grandes empresas estatais e barreiras ao investimento externo.

Bangalore, cidade do estado de Karnataka tem 6 milhões de habitantes e 10 mil indústrias, é a quinta maior cidade da Índia, mas a primeira em crescimento, ocupando uma área de 2.190 km².

Em 1980 a empresa norte-americana Texas Instruments foi pioneira ao instalar ali uma fábrica. Os principais motivos da empresa: estar junto a grandes mercados, com disponibilidade de mão-de-obra especializada falando a língua inglesa e aproveitar a disposição do governo em abrir a economia.

Os benefícios atualmente oferecidos às empresas são: as empresas de TI não são taxadas por qualquer importação de equipamentos e bens de capital por cinco anos, subsídios tarifários de energia com prioridade no fornecimento e, no caso de expansão, diversificação e modernização da indústria; não há cobrança de taxas.

O governo indiano em decorrência da política adotada em 1986, denominada "Computer software export, software development and training", formulou a estratégia de instalação dos software technology parks para promover e facilitar exportações de software. Um programa oferecendo incentivos fiscais, uma boa infra-estrutura e um ambiente favorável ao investidor estrangeiro alavancou as exportações (Madon e Sahay, 2001; Patni, 1999).

O estado de Karnataka já dispõe de sete parques de tecnologia com área total de 700 mil m², além de projetos voltados para a atividade-fim (software, eletrônica e telecomunicações). A chamada Electronic City de Bangalore é um parque industrial de 330 acres com empresas multinacionais, entre elas a Advanced Micro Devices, Hewlett-Packard, Infosys, Siemens e mais uma centena de indústrias.

A lição de Bangalore (Índia): a vocação da cultura indiana pelas ciências exatas foi o caminho natural para o incentivo à indústria de software, processamento de dados e telecomunicações. A língua inglesa é normalmente falada pelos indianos e isto foi mais um fator que facilitou a atração de investimentos externos.

A experiência do Vietnã

Em 1993, segundo o Banco Mundial, 58% da população eram considerados pobres. A reforma agrária distribuiu terras aos pequenos fazendeiros, dando direito ao seu uso, mas o Estado manteve a propriedade.

Atraindo investimentos externos pela mão-de-obra de pouco custo, mas muito eficiente, o Vietnã conseguiu um excelente desempenho nas exportações, o que incrementou sua economia e promoveu taxas ascendentes de crescimento econômico (The Economist, 2004) com desempenho só abaixo dos índices da China. Atualmente, pelo crescimento acelerado das exportações, a indústria já é mais importante que a agricultura e, embora existam alguns problemas, a taxa de pobreza caiu para 29% e o Vietnã está pleiteando sua admissão na World Trade Organization ainda em 2005.

As lições do Vietnã: um país devastado pelo colonialismo e pela guerra promoveu uma mudança transformadora quando em 1993 abandonou os dogmas comunistas e fez as pazes com o capitalismo (The Economist, 2004). Atraiu o capital externo e cresceu aceleradamente, proporcionando uma melhoria das condições de vida de grande parte da população em apenas 10 anos.

4. Uma possibilidade de transformação

As lições de países como a Irlanda, Cingapura, Bangalore e Vietnã podem ser uma oportunidade para, pelo uso de uma visão mais substantiva da vida, apontar caminhos para a reversão de um de nossos maiores problemas: a criação de empregos dignos em áreas rurais altamente produtivas. Os motivos que levaram aqueles países a uma mudança em suas políticas públicas foram a pobreza, a falta de investimentos e a necessidade de mudar ante a gravidade da situação. A vocação que cada um manifestou era inerente às suas condições de atração de capitais externos.

Transformar o agronegócio no Brasil pode ser o catalisador dessa transformação, assim como a tecnologia da informação mudou Bangalore, ou medidas atrativas de capital de investimento externo o fizeram na Irlanda, Cingapura e Vietnã.

O atual modelo exportador dos produtos agrícolas e pecuários no Brasil deve mudar. Economicamente considerado solução para o equilíbrio de nossas contas externas, o que se observa no agronegócio, dentro de uma perspectiva substantiva, é uma grande legião de excluídos, com empresas fortemente apoiadas em tecnologia em ascensão, alimentando o processo de acumulação de renda no país: uma política de acumulação com desemprego.

É necessário um esforço para romper o paradigma dominante e colocar uma visão mais humana na transformação do campo, do produto exportado, bem como do valor adicionado, mudando a ideologia produtivista dominante. A força de apoio da ideologia deve ser posta a serviço da humanidade e não como ferramenta para a naturalização da diferenciação de classes, aumento do desemprego e das tensões sociais.

Não há indícios de que isso não possa ser feito sem confrontos, dentro das regras de mercado e observando o respeito a contratos. Nossa visão para a criação de uma base agroindustrial aproveita as lições de outros países que, em situação desesperadora, promoveram mudanças transformadoras.

O agronegócio é o suporte das contas externas e do combate à inflação, mas o que falta é atingir um maior nível de industrialização da produção, adicionar valor às exportações, criar cooperativas e empregos.

Um modelo alternativo: as ZPECs

A vocação brasileira é a exportação de produtos agropecuários que, ao contrário dos minérios e do petróleo, não se esgotam. Existem reservas de terras que permitirão triplicar a atual área plantada sem prejudicar o meio ambiente. Ao exportar mais de 50% da produção agropecuária basicamente in natura, são também eliminados empregos que a industrialização poderia proporcionar às populações marginalizadas.

Os investimentos externos quando destinados a exportações estão associados à diminuição da pobreza (Thomsen, 1999; Stiglitz, 1998; Sun, 1998). Para atrair esses capitais, a taxação deve ser progressiva e bem menor que a atual carga tributária para a exportadora média. Essa taxação deve estar subordinada a uma proposta de criação de empregos, isto é, quanto maior o número de empregados e total de salários pagos, menor a tributação.

O foreign direct investment (FDI) deve ter, a exemplo do observado nos outros países antes mencionados, total liberdade para a movimentação dos investimentos na internação e na remessa de lucros.

Uma zona de processamento e exportação do campo (ZPEC) pode ser estendida ao campo com pequenas modificações na legislação que regula as zonas de processamento de exportações (ZPEs). Elas foram criadas pelo Decreto-Lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, com modificações posteriores e destinado a implantar nas regiões menos desenvolvidas, com a finalidade de reduzir desequilíbrios regionais, bem como fortalecer o balanço de pagamentos e promover a difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social do país. As zonas de processamento de exportações caracterizam-se como áreas de livre-comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados exclusivamente no exterior, sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro. Na criação dessas áreas, a legislação prevê indicação de localização adequada no que diz respeito a acesso a portos e aeroportos internacionais, mas esta exigência pode ser adaptada, no caso do campo, para as proximidades de uma rodovia.

Tais pólos industriais, criteriosamente escolhidos pelo seu potencial de atração de investimentos, deverão ter como razão de sua existência os seguintes parâmetros:

localização em locais com infra-estrutura disponível, perto de rodovias, ferrovias, de projetos agropecuários de sucesso comprovado onde a maior parte da produção seja exportada in natura;

geração de empregos dignos;

adição de valor aos produtos exportados in natura ou com pouco valor adicionado.

Tal objetivo deve ser conseguido também pelo incentivo à instalação de pequenas e médias empresas que, com os programas do governo já existentes — o Programa de Apoio às Exportações e Acesso aos Mercados (Paeam) e a Agência Brasileira de Promoção a Exportações (Apex) —, possam atingir o mercado externo.

Outros estudos técnicos, demográficos e ambientais teriam de ser efetuados para a escolha dos locais. Mas consideramos que o local ideal seria em uma concentração de propriedades produtivas de grãos (exportados in natura) cujas plantações fossem geridas por famílias. Isto deve favorecer a implantação de pequenas e médias empresas a partir de pequenos e médios proprietários já acostumados ao cooperativismo. Essas famílias deveriam, em forma condominial, ceder por arrendamento ou comodato as terras para instalação das indústrias. O sucesso inicial dos primeiros pólos é condição necessária para que tal modelo prospere. Finalmente, a atração ao FDI para financiar essas ZPECs deve ser promovida junto a pequenas e médias empresas nos países que já compram a produção, evitando a formação de grandes conglomerados, o que poderia distorcer o projeto. Garantias do governo à estabilidade das regras por um longo período deve ser objeto de legislação própria que estabeleça os mesmos benefícios e isenções atualmente praticados na política tributária das exportações, por um período, por exemplo, de 25 anos, suficiente para amortização e depreciação dos investimentos.

A elaboração pelo governo de uma política de atração de FDI para criação de empregos nas áreas das ZPECs seria o passo posterior à sua criação. Os exportadores nacionais, então, poderiam fazer parcerias e alianças estratégicas com seus clientes externos, com o governo participando com a infra-estrutura necessária para a criação de novos povoados ou crescimento daqueles já existentes. Esses investimentos seriam amortizados em longo prazo com a riqueza distribuída aos cidadãos, que então pagariam seus impostos ao consumir bens e serviços.

O caso da soja argentina: exemplo de possível industrialização

A Argentina, mesmo com todos os problemas estruturais dos últimos anos, vem evoluindo em relação ao Brasil na produção de soja. Em 1990 produzíamos 86% a mais de soja do que nossos vizinhos, em 2003 esta diferença cai para 48%, conforme a tabela 1.

Isto é explicado, na tabela 2, pelo crescimento da área plantada, já que a produtividade média é praticamente igual entre Argentina e Brasil (2,80 e 2,79 t/ha).

O Brasil, em 2003, tinha uma capacidade de processamento de óleo de soja de 115.270 t/dia e a Argentina de 98.238 t/dia. Na tabela 3 vemos que o Brasil exporta muito pouco óleo de soja, em relação à Argentina, comprovando que existe espaço para instalação de mais unidades processadoras de esmagamento de óleo de soja.

Paula e Faveret (2004) fornecem uma descrição sucinta das atividades de esmagamento e refino na produção do farelo e óleo de soja. O destino do óleo é o refino, e o farelo vai para a alimentação animal, diretamente ou pelas misturas feitas pelas fábricas de ração. O aproveitamento médio do grão é de 79% de farelo e 19,8% de óleo bruto. A operação de esmagamento, a retirada do óleo e seu posterior refino merecem as maiores atenções quando se fala do complexo soja, seja porque a maior parte do produto é farelo ou porque a maior parte do óleo destina-se ao consumo doméstico de óleo refinado e à exportação de óleo bruto. A cadeia não pára nesses dois produtos. O óleo segue seu caminho, sendo transformado em vários produtos, dos quais a margarina se coloca em maior destaque, embora outros subprodutos de uso alimentar e químico façam parte da seqüência de aproveitamento da soja.

Mato Grosso, um provável local para uma ZPEC

Mato Grosso é exemplo de um local adequado para a instalação de uma ZPEC, seu governador Blairo Maggi, o maior produtor individual de soja do mundo, ali comercializa cerca de 22% da produção com o melhor índice brasileiro de produtividade.

Por outro lado, o estado de Mato Grosso enfrenta um grande número de invasões:

em pouco mais de um ano de atuação, o Comitê Estadual de Acompanhamento de Conflitos Fundiários, vinculado ao gabinete do governo do estado, retirou de áreas de conflitos e de forma pacífica 13.010 trabalhadores rurais.6 6 Cf. < www.secom.mt.gov.br>. Acesso em: 10 dez. 2004.

Mesmo num estado onde o agronegócio é uma fonte de riqueza, os trabalhadores rurais estão invadindo propriedades e sendo retirados com ações judiciais. O principal problema, a criação de empregos dignos para essa população de excluídos, ainda não foi resolvido. Mas os plantadores de soja no estado do Mato Grosso quintuplicaram a produção entre 1991 e 2002, e já são os maiores produtores do Brasil, conforme os dados da figura. Mas a sua capacidade de processamento da soja in natura deixa a desejar, indicando espaço para um aumento da industrialização.

O estado de Mato Grosso, em 2002, produzia 12 milhões de toneladas e só tinha capacidade de processar 4,35 milhões de toneladas (a base da indústria é de 300 dias úteis/ano a uma taxa de 14.500 toneladas por dia). Enquanto o Paraná produzindo 8 milhões de toneladas pode processar 8,6 milhões. O Rio Grande do Sul com produção de quase 5 milhões de toneladas pode processar 6 milhões. Essa é a diferença entre os estados mais ricos e aqueles agora emergentes pela expansão das suas fronteiras, trazendo a riqueza da agricultura e pecuária. Falta apenas a intervenção do governo no sentido de incentivar a industrialização e direcionar os incentivos à criação de empregos às populações excluídas.

5. Conclusão

Os casos estudados são de regiões (Bangalore) e pequenos países (Irlanda, Cingapura, Vietnã). Mas considerando que essa política pode ser aplicada em determinadas zonas rurais e algumas delas são compatíveis com o tamanho dos países estudados, não devem ocorrer distorções. E quando falamos em capacidade de processamento, a premissa é de que os preços internacionais sempre se comportam de forma dominantemente racional, isto é, valeria a pena beneficiar produtos internamente.

Um pensar substantivo deve ser aplicado aos problemas do campo ou teremos tensões sociais crescentes devido à falta de uma ocupação digna para os trabalhadores rurais, cujos empregos são sugados pela mecanização da lavoura. A proposta aqui apresentada, baseada em experiências observadas em outros países, identificou dois fatores fundamentais para uma necessária mudança transformadora: a vocação exportadora do agronegócio e o uso do FDI como financiador da mudança.

Esta proposta pode suscitar debates e novas pesquisas sobre a questão do desenvolvimento sustentável das atividades do agronegócio, com a necessária visão humanista, partindo do pressuposto de que uma maior industrialização possa propiciar uma melhor distribuição da renda. Futuros estudos podem confirmar se as populações locais estão sendo marginalizadas do progresso observado em alguns bolsões de industrialização no campo como, por exemplo, o projeto Rio Verde, em Goiás.

Os incentivos do governo, por outro lado, devem ser compreendidos como uma contrapartida à redução na lucratividade das empresas, decorrente de uma maior consideração com o trabalhador rural, prejudicado no atual contexto.

KLEIN, M.; AARON, C.; HADJIMICHAEL, B. Foreign direct investment and poverty reduction. The World Bank 2001. Disponível em: <http://econ.worldbank.org/files/2205_ wps2613.pdf>. Acesso em: 8 dez. 2004.

Artigo recebido em set. 2005 e aceito em jan. 2006.

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  • 1
    Cf. <
    www.portaldoagronegocio.com.br>. Acesso em: 9 dez. 2004.
  • 2
    Cf. <
    www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 9 dez. 2004.
  • 3
    Cf. <
    www.agricultura.gov.br>. Acesso em: 9 dez. 2004.
  • 4
    Ibid.
  • 5
    Cf. <
    www.ipeadata.gov.br>. Acesso em :10 set. 2005.
  • 6
    Cf. <
    www.secom.mt.gov.br>. Acesso em: 10 dez. 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Recebido
      Set 2005
    • Aceito
      Jan 2006
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