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Sustentabilidade da dívida estadual brasileira: uma análise da relação dívida líquida e resultado primário

Sostenibilidad de la deuda de los estados brasileños: un análisis de la deuda neta y del saldo primario

Brazilian State debt sustainability: an analysis of net debt and primary balance

Resumo:

A dívida pública é um importante elemento das finanças públicas e sua sustentabilidade é o indicativo da boa gestão da política fiscal de um governo. Este estudo tem o objetivo de verificar a sustentabilidade da dívida estadual, de forma agregada, a partir da análise de cointegração e da reação fiscal entre o resultado primário e a dívida líquida estadual, usando dados mensais de dezembro/2001 a maio/2014. Os resultados apontam a existência de cointegração entre as séries de resultado primário e de dívida líquida estadual e, além disso, revelam que os governos estaduais geraram superávits primários em face do crescimento da dívida. Assim, tem-se a indicação de que existiu sustentabilidade para a dívida dos estados no período estudado. Contudo, desafios recentes como o afrouxamento fiscal e a redução da atividade econômica colocam em dúvida a sustentabilidade futura.

Palavras-chave:
sustentabilidade; dívida pública estadual; resultado primário; política fiscal; cointegração.

Resumen:

La deuda pública es un elemento importante de las finanzas públicas y su sostenibilidad es indicativo de una buena gestión de la política fiscal. Así, el estudio tiene como objetivo verificar la sostenibilidad de la deuda estatal en forma agregada, con base en el análisis de cointegración y de reacción fiscal entre el saldo primario y la deuda neta, utilizando datos mensuales de Diciembre/2001 a Mayo/2014. Los resultados demuestran la existencia de cointegración entre las series de resultado primario y la deuda neta del estado y muestran que los gobiernos estatales han generado superávits primarios debido al crecimiento de la deuda. Por lo tanto, existe la indicación de que existía la sostenibilidad de la deuda de los estados durante el período de estudio. Sin embargo, los desafíos recientes, como el aflojamiento fiscal y la reducción de la actividad económica ponen en duda la sostenibilidad futura.

Palabras clave:
sostenibilidad; deuda pública; balance primario; política fiscal; cointegración.

Abstract:

Public debt is an important element of governmental finances and its sustainability is an indication of the good management of a government's fiscal policy. This study aims to verify the sustainability of state debt in aggregate form by analyzing the cointegration and fiscal reaction of state primary balance and net debt, using monthly data from December/2001 to May/2014. The results indicate the existence of cointegration between the sets of primary balance and the state net debt, and that state governments have generated primary surpluses in view of state net debt growth. Therefore, there is evidence of debt sustainability concerning state debt during the period under analysis. However, recent challenges such as fiscal slackening and the slowdown in economic activity may make future sustainability uncertain.

Keywords:
sustainability; state public debt; primary balance; fiscal policy; cointegration.

1. Introdução

A situação das finanças públicas condiciona não só o orçamento público, como também pode influenciar a estrutura administrativa e a gestão do Estado. A busca por maior eficiência administrativa está associada à prestação de melhores serviços, em uma situação de restrição de recursos (Grin, 2014GRIN, José E. Trajetória e avaliação dos programas federais brasileiros voltados a promover a eficiência administrativa e fiscal dos municípios. Rev. Adm. Pública, v. 48, n. 2, p. 459-480, mar./abr. 2014.). Abrucio (2007ABRUCIO, Fernando L. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Rev. Adm. Pública, v. 41, n. Edição Especial, p. 67-87, 2007.:82) afirma que "a eficiência, além de reduzir gastos governamentais, pode otimizar os recursos à disposição tanto do Estado quanto dos cidadãos".

Parcerias público-privadas (PPPs) e concessões à iniciativa privada podem ser alternativas para a oferta de serviços públicos, dado o esgotamento da capacidade financeira do Estado (Renzetti, 2015RENZETTI, Bruno P. Concessões e concorrência nos aeroportos brasileiros. Revista de Defesa da Concorrência, v. 3, n. 2, p. 133-155, 2015.; Brito e Silveira, 2005BRITO, Barbara M. B. de; SILVEIRA, Antonio H. P. Parceria público-privada: compreendendo o modelo Brasileiro. Revista do Serviço Público, v. 56, n. 1, p. 7-21, jan./mar. 2005.).

Portanto, questões como déficit orçamentário e dívida pública guardam relação importante com a montagem da estrutura de administração pública e com a própria gestão do Estado.

A dívida pública não é uma questão ultrapassada. Após a crise financeira em 2008, a Europa no ano de 2010 passou a ser o centro das atenções com preocupantes indicadores de suas finanças públicas. A dívida pública bruta da Grécia, que apresentava a pior situação, alcançou o patamar de 148% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano de 2010. Em 2009, os déficits fiscais da Grécia e de Portugal eram, respectivamente, de 15,6% e de 10,2% do PIB (FMI, 2014FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI), Fiscal monitor. abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/fm/2014/01/fmindex.htm >. Acesso em: 16 ago. 2014 2014.
http://www.imf.org/external/pubs/ft/fm/2...
).

No Brasil, o endividamento bruto alcançou 66,3% do PIB em dezembro de 2013, enquanto a dívida líquida ficou em 33,6% do PIB. O resultado nominal passou de -1,6% em 2008 para -3,3% do PIB em 2013. Neste mesmo ano os juros nominais foram de 5,2% do PIB, segundo lugar em uma lista de 59 países (desenvolvidos e emergentes), ficando atrás do Egito (7,4%) (FMI, 2014FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (FMI), Fiscal monitor. abr. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/fm/2014/01/fmindex.htm >. Acesso em: 16 ago. 2014 2014.
http://www.imf.org/external/pubs/ft/fm/2...
).

Na esfera subnacional, os Estados apresentaram uma dívida líquida que alcançou o montante de R$ 533 bilhões no segundo trimestre de 2014, representando 30,9% da dívida líquida total do setor público brasileiro e correspondendo a 10,7% do PIB (Bacen, 2014aBANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN). Economia e finanças. Notas econômico-financeiras para a imprensa. 2014a. Disponível em: <Disponível em: http://www.bcb.gov.br >. Acesso em: 16 ago. 2014.
http://www.bcb.gov.br...
).

Na América Latina e Caribe, o Brasil é um dos países cujos entes subnacionais apresentam maior percentual de endividamento em relação ao PIB. Em 2011, a dívida de governos subnacionais era de 13,2% do PIB no Brasil, 6,4% na Argentina, 0,9% na Bolívia, 1,8% na Colômbia e 0,1% no Uruguai, e, em 2010, de 2,4% no México (Cepal, 2014COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Información estadística. Estadísticas e indicadores. 2014. Disponível em: <http://www.cepal.org>. Acesso em: 16 ago. 2014.
http://www.cepal.org...
).

A dívida estadual brasileira, apesar de ter diminuído em proporção do PIB nos últimos anos, continua representando montante expressivo. Considera-se que um eventual descontrole fiscal no nível estadual pode afetar a credibilidade da gestão fiscal do país como um todo e que o histórico de descontrole fiscal estadual demandou sucessivos socorros financeiros por parte do governo federal na história recente do país. Surge o questionamento quanto à sustentabilidade da dívida pública dos estados e Distrito Federal, passados 16 anos de início da nova postura fiscal adotada com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Assim, o presente artigo tem como objetivo avaliar a sustentabilidade da dívida estadual no período de dezembro de 2001 a maio de 2014 por meio da análise de cointegração e da reação fiscal do resultado primário dos governos estaduais, em face da evolução da dívida líquida. Esse período é marcado pela Lei Complementar no 101/2000, a LRF, que evidenciou uma maior preocupação com o equilíbrio fiscal. Por outro lado, a Lei Complementar no 148/2014 alterou o índice de correção da dívida dos estados com a União, sugerindo um afrouxamento fiscal.

Além desta introdução, na seção 2 apresenta-se o referencial teórico. A seção 3 descreve a metodologia e os dados utilizados. A seção 4 apresenta os resultados encontrados. E, por fim, a seção 5 apresenta as considerações finais.

2. Referencial teórico

Nesta seção são discutidos o federalismo fiscal, a dívida pública e o déficit. Em seguida, é feita uma revisão do marco legal e do histórico da dívida pública dos estados. São apresentados alguns estudos empíricos sobre a sustentabilidade da dívida pública, bem como a teoria base para o teste de sustentabilidade empregado. Por fim, comenta-se sobre alguns desafios para a questão da dívida dos estados.

2.1 Federalismo fiscal, dívida pública e déficit

Apesar da necessidade de a presença do Estado não ser algo unânime na evolução do pensamento científico (Rezende, Carneiro e Rezende; 2014REZENDE, Aline M. R. T.; CARNEIRO, Ricardo; REZENDE, João V. S. Federalismo fiscal e crise das finanças públicas no Brasil: uma análise de indicadores fiscais nos estados de 2007 a 2012. In: ENCONTRO DA ANPAD, XXXVIII2014, Rio de Janeiro. Anais... Anpad, 2014.), pode-se interpretar a questão da necessidade do Estado como resposta às falhas de mercado (Giambiagi e Além, 2011GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.).

O sistema de federação fiscal, com a divisão de competências entre um governo central e governos subnacionais, reflete o movimento de descentralização do poder governante. Podem ser identificadas duas abordagens de descentralização, conforme Giambiagi e Além (2011)GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.: a do modelo do principal e agente e a do modelo da eleição pública local.

Oliveira (2007)OLIVEIRA, Fabrício A. Teorias da federação e do federalismo fiscal: o caso brasileiro. Belo Horizonte, Escola de Governo/Fundação João Pinheiro. Texto para Discussão, n. 43, 2007. organiza a discussão de maneira um pouco diferente, identificando na literatura duas subdivisões para a teoria de federalismo fiscal, a de primeira geração e a de segunda. No caso da teoria de federalismo fiscal de primeira geração, o Estado existe para corrigir as falhas de mercado, cabendo aos governos subnacionais a função de alocação, no sentido de ofertar bens e serviços públicos de modo a melhor refletir as características locais. Ao governo central caberia a função redistributiva, reduzindo desigualdades sociais e econômicas.

Já as teorias de federalismo fiscal de segunda geração focam nas falhas de governo e, portanto, evidenciando a questão do equilíbrio orçamentário, na redução do Estado e no controle da atuação deste (Oliveira, 2007OLIVEIRA, Fabrício A. Teorias da federação e do federalismo fiscal: o caso brasileiro. Belo Horizonte, Escola de Governo/Fundação João Pinheiro. Texto para Discussão, n. 43, 2007.; Vargas, 2011VARGAS, Neide C. A descentralização e as teorias do federalismo fiscal. Revista Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 51-76, 2011.).

A discussão sobre a dívida pública e o déficit público coloca em questão a gestão da política fiscal. Sob a abordagem keynesiana, a política fiscal tem papel contracíclico, atenuando recessões e superaquecimentos econômicos extremos, sendo o déficit uma ferramenta de política econômica (Oliveira, 2012OLIVEIRA, Fabrício A. Economia e política das finanças públicas no Brasil. Campinas: Hucitec, 2012.; Hermann, 2006HERMANN, Jennifer. Ascensão e queda da política fiscal: de Keynes ao "autismo fiscal" dos anos 1990-2000. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, XXXIV, 2006, Salvador. Anais... Anpec, 2006.).

A elevação da dívida e dos seus encargos nos anos 1970 e a descentralização exagerada levaram a uma nova postura (Oliveira, 2007). A principal crítica à abordagem keynesiana é sintetizada no modelo de equivalência ricardiana, que estabelece que o financiamento do gasto público por meio da emissão de dívida tem o mesmo efeito que o financiamento por elevação da carga tributária. Logo, o aumento da dívida pública leva à ineficiência alocativa e os déficits orçamentários implicam a ineficácia da política fiscal anticíclica (Hermann, 2006HERMANN, Jennifer. Ascensão e queda da política fiscal: de Keynes ao "autismo fiscal" dos anos 1990-2000. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, XXXIV, 2006, Salvador. Anais... Anpec, 2006.).

Assim, segundo Oliveira (2007) e Vargas (2011VARGAS, Neide C. A descentralização e as teorias do federalismo fiscal. Revista Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 51-76, 2011.), o enfoque adotado a partir de então foi o de descentralização com restrições fiscais e financeiras, com governos subnacionais coordenados pelo governo central. Passam a ser consideradas questões como sustentabilidade da dívida, déficit público, estabelecimento de regras de comportamento fiscal (Oliveira, 2012OLIVEIRA, Fabrício A. Teorias da federação e do federalismo fiscal: o caso brasileiro. Belo Horizonte, Escola de Governo/Fundação João Pinheiro. Texto para Discussão, n. 43, 2007.).

Abrucio (2007ABRUCIO, Fernando L. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Rev. Adm. Pública, v. 41, n. Edição Especial, p. 67-87, 2007.) argumenta que o corporativismo estatal e a crise fiscal levaram nos anos 1990 ao entendimento de que o Estado deveria ser mínimo. E que isso promoveu o "desmantelamento de diversos setores e políticas públicas, além da redução de atividades estatais essenciais" (Abrucio, 2007ABRUCIO, Fernando L. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Rev. Adm. Pública, v. 41, n. Edição Especial, p. 67-87, 2007.:70).

O esgotamento da capacidade de investimento do estado, dadas as restrições fiscais, tem motivado, corretamente ou não, formas alternativas de oferta de bens e serviços públicos, como as parcerias público-privadas (PPPs) (Brito e Silveira, 2005BRITO, Barbara M. B. de; SILVEIRA, Antonio H. P. Parceria público-privada: compreendendo o modelo Brasileiro. Revista do Serviço Público, v. 56, n. 1, p. 7-21, jan./mar. 2005.).

Esta busca por um maior controle das finanças públicas de todos os entes da federação pode ser observada na legislação brasileira nos anos 1990 e 2000, como exposto na próxima seção.

2.2 Marco legal

A norma basilar que trata da dívida pública no Brasil é a Constituição Federal (CF). A ela se subordinam todas as demais normas nacionais e, especificamente sobre a dívida pública, a Lei Complementar no 101/2000, a Lei no 9.496/1997 e as resoluções do Senado Federal no 40/2001 e no 43/2001. Em relação ao orçamento público, a CF dá prioridade ao pagamento do serviço da dívida (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988.).

A Lei no 9.496/1997 vinculou a repactuação da dívida com a definição por parte dos estados de programas de restruturação e de ajuste fiscal (Brasil, 1997BRASIL. Lei no 9.496, de 11 de setembro de 1997. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 set. 1997. p. 20249.). Os refinanciamentos realizados com amparo da Lei no 9.496/1997 foram contratados pelo prazo de 30 anos para amortização, com prestações mensais e sucessivas, com atualização monetária com base no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais juros que variaram de 6% a 7,5% ao ano (TCU, 2013TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da república - exercício de 2012. Brasília: TCU, 2013. p. 187.).

Ampliou-se o esforço da busca por austeridade financeira por meio da Lei Complementar no 101/2000, ou Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Entre outros, essa lei define os conceitos de dívida consolidada, dívida mobiliária, operação de crédito, concessão de garantia e refinanciamento da dívida mobiliária (Brasil, 2000BRASIL. Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 maio 2000. Seção 1, p. 1.).

A LRF reforçou a importância do resultado primário para o controle do endividamento. Estabeleceu que, se o ente da Federação ultrapassar o respectivo limite de endividamento ao final de um quadrimestre, entre outras restrições, deverá obter resultado primário necessário à recondução da dívida ao limite.

A Resolução no 40/2001 trata dos limites globais para a dívida pública consolidada e para a dívida pública mobiliária dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (Brasil, 2002aBRASIL. Senado Federal. Resolução no 40, de 20 de dezembro de 2001., Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF 21 dez. 2001. Seção 1, p. 6. {Republicação:, Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF 10 abr. 2002a. Seção 1, p. 5}.). Essa norma impôs um limite para a dívida consolidada líquida dos estados em duas vezes as respectivas receitas correntes líquidas (RCL). Além disso, essa resolução estabeleceu trajetória de convergência de 15 anos para aqueles entes da Federação que se encontravam acima dos limites exigidos para a DCL.

Já a Resolução no 43/2001 considera as operações de crédito interno e externo dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (Brasil, 2002bBRASIL. Senado Federal. Resolução no 40, de 20 de dezembro de 2001., Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF 21 dez. 2001. Seção 1, p. 6. {Republicação:, Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF 10 abr. 2002a. Seção 1, p. 5}.). Essa resolução estabeleceu, por exemplo, o limite para o montante global das operações de crédito dos estados e Distrito Federal realizadas em um exercício financeiro em 16% da RCL.

Assim, a partir de 2000 o país contou com um marco legal importante para o equilíbrio das finanças públicas.

2.3 Histórico da dívida pública estadual e desafios

Antes da década de 1960, o endividamento público dos governos subnacionais no Brasil não era significativo, em grande medida devido ao teto legal para as taxas de juros nominais (Almeida, 1996ALMEIDA, Anna Ozorio de. Evolução e crise da dívida pública estadual. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Texto para Discussão n. 448, 1996.). As reformas financeira e tributária da década de 1960 estimularam o aumento do endividamento dos estados, dada a necessidade de recursos ante centralização de recursos pela União e dada a correção monetária, que tornou atrativos os instrumentos de dívida para os estados (Rangel, 2003RANGEL, Marcos de A. Resgates financeiros, restrição orçamentária fraca e postura fiscal nos estados brasileiros. BNDES, 25o Prêmio BNDES de Economia, 2003.).

Almeida (1996ALMEIDA, Anna Ozorio de. Evolução e crise da dívida pública estadual. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Texto para Discussão n. 448, 1996.) destaca que a década de 1970 foi marcada pelo sensível crescimento da dívida estadual decorrente do grande fluxo de capital financeiro estrangeiro oriundo dos países exportadores de petróleo. Na década de 1980, a moratória da dívida declarada pelo México em 1982 restringiu as fontes de recursos externos. Além disso, o aumento dos juros no mercado internacional e a desvalorização cambial elevaram os custos de rolagem da dívida e a retração econômica comprimiu a arrecadação orçamentária. Esse ambiente deu início ao processo de substituição da dívida externa por interna (Almeida, 1996; Rangel, 2003RANGEL, Marcos de A. Resgates financeiros, restrição orçamentária fraca e postura fiscal nos estados brasileiros. BNDES, 25o Prêmio BNDES de Economia, 2003.).

Na primeira metade da década de 1990, o setor público apresentou um desequilíbrio fiscal muito inferior ao que vinha apresentando na década anterior. O atraso no pagamento de despesas públicas permitia redução do gasto real em um ambiente de inflação elevada, enquanto as receitais tributárias eram razoavelmente corrigidas (Giambiagi e Além, 2011GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.). Contudo, o gráfico 1 ilustra uma dívida líquida estadual de 7,6% do PIB em 1990, passando a 16,1% do PIB em 1999.

Gráfico 1
Trajetória da dívida líquida estadual: 1982 a 2014

Ainda na década de 1990, os estados brasileiros passaram por uma crise fiscal que estava associada ao aumento do gasto com o funcionalismo e ao peso crescente dos inativos (Giambiagi e Além, 2011GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.). Conforme Almeida (1996ALMEIDA, Anna Ozorio de. Evolução e crise da dívida pública estadual. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Texto para Discussão n. 448, 1996.), esse cenário foi agravado pelos altos custos de rolagem de suas dívidas mobiliárias, decorrente das altas taxas de juros, e também pelo fim da receita inflacionária com a implantação do Plano Real em 1994.

A renegociação da dívida em 1993 ofereceu um alívio momentâneo às finanças subnacionais, mas não foi suficiente por não abranger a totalidade das dívidas e por não exigir contrapartida de ajuste fiscal (Almeida, 1996ALMEIDA, Anna Ozorio de. Evolução e crise da dívida pública estadual. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Texto para Discussão n. 448, 1996.).

A crise da dívida estadual da década de 1990 culminou com a repactuação da dívida estadual entre os estados e a União, nos anos de 1997 e 1998. Essa repactuação foi formalizada por meio da Lei no 9.496/1997 (Brasil, 1997BRASIL. Lei no 9.496, de 11 de setembro de 1997. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 12 set. 1997. p. 20249.), que exigia metas ou compromissos quanto a dívida financeira, resultado primário, despesas com funcionalismo público, entre outros.

Se a repactuação de 1997-98 exigia uma nova postura na gestão fiscal dos estados, em 2000BRASIL. Senado Federal. Resolução no 43, de 21 de dezembro de 2001., Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF 26 dez. 2001. Seção 1, p. 1. {Republicação: Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 10 abr. 2002b. Seção 1, p. 5}., a Lei Complementar no 101 veio consolidar esse ambiente de disciplina fiscal (Brasil, 2000BRASIL. Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 maio 2000. Seção 1, p. 1.). Segundo Santos (2010SANTOS, Darcy F. C. dos. Situação financeira dos estados em dez anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ministério da Fazenda, XV Prêmio Tesouro Nacional - 2010: Homenagem a Joaquim Nabuco, 2010.), a melhora dos indicadores de endividamento estadual ocorrida a partir da década de 2000 pode ser atribuída às exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal e da repactuação das dívidas.

O gráfico 1 mostra que a dívida líquida estadual atingiu 20% do PIB em 2002 e declinou depois disso, chegando a 10,7% do PIB em 2014. Por outro lado, o endividamento em 2014 ainda é superior ao observado no início dos anos 1980 e ainda era bastante superior ao endividamento subnacional de países latino-americanos (Cepal, 2014COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL). Información estadística. Estadísticas e indicadores. 2014. Disponível em: <http://www.cepal.org>. Acesso em: 16 ago. 2014.
http://www.cepal.org...
).

2.4 Afrouxamento fiscal, federalismo e desafios

Nos anos recentes ficaram evidentes alguns desafios para as finanças públicas dos estados. Entre eles, citam-se o afrouxamento fiscal da LRF, a questão da qualidade do ajuste fiscal, a desaceleração da atividade econômica e a tendência de recentralização da federação.

O afrouxamento fiscal se deu pela Lei Complementar no 148/2014 (Brasil, 2014BRASIL. Lei Complementar no 148, de 25 de novembro de 2014., Diário Oficial {da} República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF 26 nov. 2014. p. 1.), que alterou principalmente o índice de correção da dívida pactuado na negociação da dívida no final da década de 1990. Foi substituído o IGP-DI, que é impactado pelo preço das commodities e pelo câmbio, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que historicamente acumula uma menor inflação.

Essa alteração da correção da dívida daria uma folga fiscal aos entes subnacionais para investimentos, provavelmente por meio de mais endividamento. Ainda mais com a possibilidade de retroatividade da correção (Monteiro, 2015MONTEIRO, Solange. Apertar o cinto - macro fiscal. Conjuntura Econômica, v. 69, n. 2, p. 28, fev. 2015.).

Além disso, essa alteração da estrutura normativa pode resultar em um processo de risco moral no endividamento estadual brasileiro. No modelo principal-agente, o principal delega ao agente a realização de determinada tarefa. Por outro lado, dada a impossibilidade do principal de monitorar com perfeição o comportamento do agente, este último possui o incentivo para agir diferente do que foi contratado (Laffont e Martinort, 2002LAFFONT, Jean-Jacques; MARTIMORT, David. The theory of incentives: the principal-agent model. Princeton University Press, 2002.)

No caso da dívida dos estados, o risco moral está na possibilidade de os estados devedores apresentarem um comportamento fiscal irresponsável, descumprindo o contrato da dívida, já que há a perspectiva de renegociação e de socorro pela União (Heppke-Falk e Wolff, 2008HEPPKE-FALK, Kirsten H.; WOLFF, Guntram B. Moral hazard and bail-out. Fiscal federations: evidence for the German Länder. Kyklos, v. 61, n. 3, p. 425-446, 2008.; TCU, 2014TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Acórdão no 2.186/2013. Relatório de levantamento realizado na Secretaria do Tesouro Nacional, com o objetivo de identificar as ações do Poder Executivo para acompanhamento dos haveres da União com os demais entes da Federação, avaliar o histórico de pagamentos e saldos devedores a fim de estimar eventuais valores residuais a pagar e analisar o risco sistêmico quanto à possível incapacidade de quitação desses saldos. Min. relator Valmir Campelo. Disponível em: <Disponível em: http://www.portal2.tcu.gov.br/TCU >. Acesso em: 16 ago. 2014s.d.
http://www.portal2.tcu.gov.br/TCU...
).

Outra questão discutida é a qualidade do ajuste fiscal dos estados, que permitiu a redução da dívida pública. Rezende, Carneiro e Rezende (2014)REZENDE, Aline M. R. T.; CARNEIRO, Ricardo; REZENDE, João Victor S. A lei de responsabilidade fiscal e as finanças públicas estaduais: do ajuste fiscal aos desafios recentes. In: ENCONTRO DA ANPAD, XXXIX2015, Belo Horizonte. Anais... Anpad, 2015. observam que, no período de 2007 a 2012, as despesas com pessoal têm apresentado crescimento superior às receitas nos estados, com impactos negativos nos investimentos públicos. Gobetti (2010)GOBETTI, Sérgio Wulff. Ajuste fiscal nos estados: uma análise do período 1998-2006. Revista Economia Contemporânea, v. 14, n. 1, p. 113-140, jan./abr. 2010., analisando o período de 1998 a 2006, também aponta para a redução dos investimentos e gastos em infraestrutura.

A retração da atividade econômica do país nos últimos anos também coloca um desafio às finanças públicas dos estados. Mendes (2014)MENDES, Marcos. Por que o Brasil cresce pouco? - Desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro; Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2014. também lista como desafio para as finanças dos estados a redução da atividade econômica, a política de desoneração tributária com vista a estimular a economia, a elevação do custo da dívida externa dos estados devido à desvalorização cambial e à redução dos fundos de participação dos estados e municípios, entre outros.

Por fim, Monteiro Neto (2014)MONTEIRO NETO, Aristides. Federalismo sem pactuação: governos estaduais na antessala da federação. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Texto para Discussão n. 1961, 2014., avaliando o período de 2000 a 2012, aponta para uma recentralização do federalismo brasileiro.

2.5 Restrição orçamentária intertemporal: resultado primário e dívida

O referencial teórico comumente usado em análises sobre sustentabilidade do endividamento tem como base a restrição orçamentária governamental (Tabosa, Ferreira e Simonassi, 2011TABOSA, Francisco J. S.; FERREIRA, R. T.; SIMONASSI, Andrei G. Reação fiscal ao aumento da dívida pública: uma análise para os estados brasileiros. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 39., 2011, Foz do Iguaçu. Anais... Anpec, 2011.; Pereira, 2008PEREIRA, João Gabriel M. A. Sustentabilidade da dívida pública dos estados brasileiros. Dissertação (Mestrado) - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.; Simonassi, 2007SIMONASSI, Andrei G. Função de resposta fiscal, múltiplas quebras estruturais e a sustentabilidade da dívida pública no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, XXXV, 2007, Recife. Anais..., ANPEC, 2007.).

A restrição orçamentária governamental indica que a dívida no período t + 1 (Dívidat+1) é dada pela dívida no período t (Dívidat) corrigida pela taxa de juros (1 + rt), mais o resultado primário em t (Resultadot), conforme equação (1).

A equação (1) indica que o governo precisa gerar resultados positivos, superávits primários, equivalentes à correção da dívida pela taxa de juros caso queira manter a dívida constante. Lembra-se que se convencionou identificar um resultado negativo como superávit, em acordo com o conceito de Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP). O conceito de sustentabilidade da dívida pública é definido a partir do entendimento de que uma política fiscal é sustentável se a razão entre a dívida líquida e o PIB for constante (Buiter et al., 1985BUITER, Willem H. et al. A guide to public sector debt and deficits. Economic Policy, v. 1, n. 1, p. 13-79, 1985.). No formato intertemporal, tem-se a restrição orçamentária dada pela equação (2):

O termo r(t,t+T)-1 é o fator de desconto do estoque final da dívida e r(t,t+j)-1 é o fator de desconto do resultado primário entre o período t e t+j. Na equação (2), sustentabilidade implica que o valor presente dos superávits primários seja maior do que o valor presente dos déficits futuros, de modo a cobrir a diferença entre a dívida inicial e o valor presente da dívida final.

Se o primeiro termo do lado direito da equação (2) for igual a zero, lim r(t,t+T)-1Dt+T = 0, tem-se condição suficiente para a sustentabilidade da dívida pública. Isto é, não se tem a situação de "jogo de Ponzi" em que o devedor contrai mais dívida para pagar o principal e os juros da dívida antiga (Giambiagi e Além, 2011GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.).

Bohn (1998BOHN, Henning. The behavior of U.S. public debt and deficits. Quartely Journal of Economics, v. 113, n. 3, p. 949-63, 1998.) propõe um novo método no qual uma resposta positiva do superávit primário a aumento da relação dívida/PIB provê informação confiável sobre a sustentabilidade da dívida, independentemente de como a taxa de juros e de crescimento da economia variam. A equação (3) apresenta a denominada identidade orçamentária do governo em qualquer instante no tempo t.

A equação (3) estabelece que a dívida/PIB de hoje (dívidat+1) depende da diferença corrigida entre a dívida/PIB de ontem (dívidat) e o superávit primário (superávitt). Além de deixar explícita a necessidade de superávit para a sustentabilidade, a equação (3) apresenta como novidade o termo Xt+1 = (1 + rt+1) Yt/Yt+1. Assim, na correção da dívida passada considera-se a taxa de juros e desconta-se o crescimento do produto. Esse modelo serve de base para a verificação da sustentabilidade da dívida dos estados brasileiros feita no presente trabalho.

Intuitivamente, se a dívida mantém seu crescimento em relação ao PIB, uma política sustentável deve eventualmente responder via aumento do resultado primário, isto é, com superávit.

2.6 Estudos sobre a dívida pública

O estudo da sustentabilidade da política fiscal via restrição intertemporal do orçamento possui aplicações nos casos de vários países, incluindo o Brasil, e também na análise da dívida dos estados brasileiros.

A aplicação da restrição intertemporal do orçamento para análise da sustentabilidade da dívida pública tem início com o trabalho de Hamilton e Flavin (1985HAMILTON, James D.; FLAVIN, Marjorie. On the limitations of government borrowing: a framework for empirical testing. NBER Working Paper, n. 1632, 1985.), com a análise das finanças públicas norte-americanas no período pós-guerra. Wilcox (1989WILCOX, David W. The sustainability of government deficits: implications of the present-value borrowing constraint. Journal of Money, Credit and Banking, v. 21, n. 3, p. 291-306, 1989.) e Bohn (1998BOHN, Henning. The behavior of U.S. public debt and deficits. Quartely Journal of Economics, v. 113, n. 3, p. 949-63, 1998.) também testaram a sustentabilidade da dívida americana. No caso dos países da zona do Euro, podem-se citar os trabalhos de Afonso (2005AFONSO, António. Fiscal sustainability: the unpleasant European case. Public Finance Analysis, v. 61, n. 1, p. 19-44, 2005.), de Afonso e Rault (2007)AFONSO, António; RAULT, Christophe. What do we really know about fiscal sustainability in the EU? European Central Bank. Working Paper Series, n. 820, out. 2007. e de Afonso e Jalles (2012)AFONSO, António; JALLES, João T. Revisiting fiscal sustainability: panel cointegration and structural breaks in OECD countries. European Central Bank. Working Paper Series, n. 1465, 2012..

Na literatura nacional, vários estudos analisam a sustentabilidade da política fiscal do governo federal. Citam-se os trabalhos de Rocha (1997ROCHA, Fabiana. Long-run limits on the Brazilian government debt. Revista Brasileira de Economia, v. 51, n. 4, p. 447-470, 1997.), Luporini (2000)LUPORINI, Viviane. Sustainability of the Brazilian fiscal policy and central bank independence. Revista Brasileira de Economia, v. 54, n. 2, p. 201-226, 2000., Mendonça e Pinton (2007MENDONÇA, Helder F. de; PINTON, Octavio V. F. Discricionariedade fiscal e sustentabilidade da dívida pública: evidências para o caso brasileiro. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.bnb.com.br >. Acesso em:16 ago. 2014.
http://www.bnb.com.br...
), Simonassi (2007SIMONASSI, Andrei G. Função de resposta fiscal, múltiplas quebras estruturais e a sustentabilidade da dívida pública no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, XXXV, 2007, Recife. Anais..., ANPEC, 2007.), Mello (2008)MELLO, Luiz de. Estimating a fiscal reaction function: the case of debt sustainability in Brazil. Applied Economics, v. 40, n. 3, p. 271-284, 2008. e Mendonça, Santos e Sachsida (2009)MENDONÇA, Mário Jorge C. de; SANTOS, Cláudio Hamilton M. dos; SACHSIDA, Adolfo. Revisitando a função de reação fiscal no Brasil pós-Real: uma abordagem de mudanças de regime. Estudos Econômicos, v. 39, n. 4, p. 873-894, 2009.. Pesquisas recentes testaram a sustentabilidade fiscal no nível estadual. Pereira (2008PEREIRA, João Gabriel M. A. Sustentabilidade da dívida pública dos estados brasileiros. Dissertação (Mestrado) - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.), analisando os dados de 1986 a 2005, concluiu pela solvência do endividamento dos estados das regiões Sudeste e Sul, não obtendo resultados conclusivos para as demais regiões. Mello (2008)MELLO, Luiz de. Estimating a fiscal reaction function: the case of debt sustainability in Brazil. Applied Economics, v. 40, n. 3, p. 271-284, 2008. observou que os estados reagiram fortemente a mudanças de endividamento por meio de ajustes nos respectivos superávits primários no período de 1998 a 2004. Por outro lado, Tabosa, Ferreira e Simonassi (2011TABOSA, Francisco J. S.; FERREIRA, R. T.; SIMONASSI, Andrei G. Reação fiscal ao aumento da dívida pública: uma análise para os estados brasileiros. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 39., 2011, Foz do Iguaçu. Anais... Anpec, 2011.), analisando o período de 2000 a 2008, concluíram que não existe uma resposta positiva dos governos estaduais para gerar superávit primário em resposta ao acúmulo da dívida pública.

Assim, de modo geral, observa-se que não há unicidade quanto à sustentabilidade da dívida pública dos estados. Esse fato reforça a importância em se avançar na mensuração da sustentabilidade ou não da dívida pública dos estados.

3. Metodologia

O presente artigo tem como objetivo avaliar a sustentabilidade da dívida estadual no período de dezembro de 2001 a maio de 2014 por meio da análise de cointegração e da reação do resultado primário dos governos estaduais, em face da evolução da dívida líquida.

A escolha do período de estudo, iniciando em 2001, reflete a disponibilidade dos dados e contempla a Lei de Responsabilidade Fiscal promulgada em 2000. A escolha do período final, 2014, reflete o afrouxamento fiscal promovido pela Lei no 148/2014, como já comentado.

3.1 Dados

As séries temporais de resultado primário dos estados, dívida líquida dos estados, PIB anualizado e PIB mensal foram obtidas na página de internet do Banco Central do Brasil (Bacen, 2014bBANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN). Economia e Finanças. Séries temporais. 2014b. Disponível em: <Disponível em: http://www.bcb.gov.br >. Acesso em: 16 ago. 2014.
http://www.bcb.gov.br...
). Estavam disponíveis nos seguintes arquivos: i) "Necessidades de Financiamento do Setor Público" para os dados de resultado primário estadual; ii) "Composição da DLSP" para os dados de dívida líquida estadual; iii) "4382 - PIB acumulado dos últimos 12 meses - valores correntes" para os dados do PIB anualizado, e; iv) "4380 - PIB mensal - valores correntes" para os dados do PIB mensal.

O resultado primário estadual abrange os governos estaduais e as empresas estatais estaduais. A dívida líquida estadual refere-se à dívida interna e externa e abrange os governos estaduais e as empresas estatais estaduais. A variável dívida líquida corresponde ao saldo observado mês a mês em proporção do PIB anualizado. A variável resultado primário, também disposta em base mensal, é uma variável de fluxo mensal em proporção do PIB mensal.

Importante ressaltar que a série resultado primário disponibilizada por Bacen (2014b)BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN). Economia e Finanças. Séries temporais. 2014b. Disponível em: <Disponível em: http://www.bcb.gov.br >. Acesso em: 16 ago. 2014.
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é resultado de despesas primárias menos receitas primárias. Valores negativos referem-se a superávit e valores positivos referem-se a déficit (Giambiagi e Além, 2011GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.).

3.2 Métodos

Em um primeiro momento, fez-se uso da estatística descritiva para elaborar um panorama da dívida pública dos estados, apresentando-se a evolução da dívida, do resultado e do PIB ao longo do período estudado. Complementou-se este panorama com a subdivisão em dois subperíodos, dezembro/2001 a dezembro/2008 e janeiro/2009 a maio/2014, a fim de analisar o comportamento das finanças estaduais nos períodos pré e pós-crise financeira global de 2008.

A avaliação da sustentabilidade da dívida pública estadual foi feita de três maneiras: a) testando-se a cointegração das séries de dívida pública e resultado primário; b) fazendo-se a regressão do resultado primário sobre a dívida pública a fim de avaliar a existência ou não de reação estabilizadora. Os procedimentos econométricos deste estudo foram feitos no programa computacional Eviews 4.1.

3.2.1 Estacionariedade e cointegração

Testes de raiz unitária de Dickey-Fuller e testes de cointegração com vetores autorregressivos (VAR) têm sido utilizados para análise da sustentabilidade da dívida pública na literatura mundial (Afonso, 2005AFONSO, António. Fiscal sustainability: the unpleasant European case. Public Finance Analysis, v. 61, n. 1, p. 19-44, 2005.; Afonso e Jalles, 2012AFONSO, António; JALLES, João T. Revisiting fiscal sustainability: panel cointegration and structural breaks in OECD countries. European Central Bank. Working Paper Series, n. 1465, 2012.; Djeutem e Nguimkeu, 2013DJEUTEM, Edouard T.; NGUIMKEU, Pierre E. On the sustainability of current account deficits in Cameroon. International Journal of Economics and Financial Issues, v. 3, n. 2, p. 486-495, 2013.). Em relação à dívida pública brasileira, tais testes também já foram empregados (Rocha, 1997ROCHA, Fabiana. Long-run limits on the Brazilian government debt. Revista Brasileira de Economia, v. 51, n. 4, p. 447-470, 1997.; Mendonça e Pinton, 2007MENDONÇA, Helder F. de; PINTON, Octavio V. F. Discricionariedade fiscal e sustentabilidade da dívida pública: evidências para o caso brasileiro. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.bnb.com.br >. Acesso em:16 ago. 2014.
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; Pereira, 2008PEREIRA, João Gabriel M. A. Sustentabilidade da dívida pública dos estados brasileiros. Dissertação (Mestrado) - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.).

Neste trabalho utilizou-se do teste Augmented Dickey-Fuller (ADF) para avaliar a estacionariedade das séries resultado primário/PIB e dívida líquida/PIB.

Mesmo que as séries temporais não sejam estacionárias em nível, é possível que duas séries não estacionárias sejam cointegradas. A cointegração entre séries de tempo implica a existência de relação estável de longo prazo entre elas (Gujarati, 2000GUJARATI, Damodar N. Econometria básica. 3. ed. São Paulo: Pearson Makron Books, 2000.).

Segundo modelo desenvolvido por Johansen (1991)JOHANSEN, Soren. Estimation and hypothesis testing of cointegration vectors in Gaussian vector autoregressive models. Econometrica, v. 59, n. 6, p. 1551-1580, 1991. e Johansen e Juselius (1990)JOHANSEN, Soren; JUSELIUS, K. Maximum likelihood estimation and inference on cointegration - with application to the demand for money. Oxford Bulletin of Economics and Statistics, v. 52, n. 2, p. 169-210, 1990., que possibilita testar a existência de cointegração e estimar seu respectivo vetor, utiliza-se de vetores autorregressivos (VAR) para estimar os coeficientes de cointegração. O coeficiente de cointegração foi estimado para avaliar a relação de longo prazo das variáveis resultado primário/PIB e dívida líquida/PIB.

O teste de cointegração, conforme proposto por Johansen e Juselius (1990)JOHANSEN, Soren; JUSELIUS, K. Maximum likelihood estimation and inference on cointegration - with application to the demand for money. Oxford Bulletin of Economics and Statistics, v. 52, n. 2, p. 169-210, 1990., foi realizado pelo método de máximo verossimilhança, e o número de defasagens incluídas baseou-se nos critérios Akaike Information Criterion (AIC) e Schwarz Information Criterion (SIC) (Akaike, 1974AKAIKE, Hirotugu. A new look at the statistical model identification. IEEE Transactions on Automatic Control, v. 19, n. 6, p. 716-723, 1974.; Schwarz, 1978SCHWARZ, Gideon. Estimating the dimension of a model. Hebrew University. The Annals of Statistics, v. 6, n. 2, p. 461-464, 1978.). Segundo Johansen e Juselius (1990)JOHANSEN, Soren; JUSELIUS, K. Maximum likelihood estimation and inference on cointegration - with application to the demand for money. Oxford Bulletin of Economics and Statistics, v. 52, n. 2, p. 169-210, 1990., a hipótese de existência de vetores de cointegração é formulada como a hipótese de posto reduzido da matriz de impacto de longo prazo e a isso é dada uma forma paramétrica simples que permite a aplicação do método de máxima verossimilhança

Para determinar os números de vetores de cointegração, Johansen e Juselius (1990)JOHANSEN, Soren; JUSELIUS, K. Maximum likelihood estimation and inference on cointegration - with application to the demand for money. Oxford Bulletin of Economics and Statistics, v. 52, n. 2, p. 169-210, 1990. apresentaram os testes do λtrace e do λmax conforme as equações (5) e (6).

A variável λi representa os valores estimados para as raízes características e T é o número de observações. A hipótese nula do teste λtrace é de que o número de vetores de cointegração é menor ou igual a r, enquanto a hipótese alternativa é de que o número de vetores de cointegração é maior do que r. Para o teste λmax, a hipótese nula é de que o número de vetores de cointegração é igual a r, contra a alternativa é de que existe r+1 vetores de cointegração.

Para a estimação do VAR com variáveis não estacionárias, é necessário verificar a existência de combinação linear de variáveis integradas de mesma ordem, de modo a se obter a estacionariedade. Nesse caso, essas variáveis são cointegradas e apresentam uma relação de longo prazo. Caso as variáveis sejam não estacionárias em nível, é necessário incluir um desvio de longo prazo, tornando o VAR um modelo submetido à correção de erros. O sistema VAR com correção de erros é chamado de Modelo de Correção de Erros (MCE).

3.2.2 Regressão do resultado primário sobre a dívida pública

Bohn (1998BOHN, Henning. The behavior of U.S. public debt and deficits. Quartely Journal of Economics, v. 113, n. 3, p. 949-63, 1998.) argumenta que, se o superávit primário e a dívida forem ambos variáveis não estacionárias, poder-se-ia realizar uma regressão simples do resultado primário em relação à dívida como uma regressão de cointegração, sem ter que modelar o processo do termo de erro explicitamente.

Assim, foi utilizado o método VAR/MCE com o intuito de analisar a resposta do resultado primário/PIB em relação às variações de dívida líquida/PIB (equação 9).

A variável Trend é uma tendência linear temporal e µt é um termo de erro. Chalk e Hemming (2000CHALK, Nigel; HEMMING, Richard. Assessing Fiscal Sustainability in Theory and Practice. Fundo Monetário Internacional. Texto para Discussão, n. WP/00/81, 2000.) observam que, se resultadot e dívidat são não estacionárias, enquanto µt é estacionária, a equação é equivalente ao teste de cointegração sugerido por Trehan e Walsh (1988TREHAN, Bharat; WALSH, Carl E. Common trends, the government's budget constraints, and revenue smoothing. Journal of Economic Dynamics and Control, v. 12, p. 425-444, 1988.). Entretanto, se as variáveis explicada e explicativa forem estacionárias, então a omissão de outras determinantes resulta em estimativas de coeficientes enviesadas.

4. Resultados

Primeiro é apresentado um panorama da dívida pública dos estados por meio de estatística descritiva. Na segunda parte são apresentados os resultados quanto à avaliação da sustentabilidade da dívida.

4.1 Panorama

A tabela 1 apresenta a média e o desvio-padrão das séries razão do resultado primário sobre o PIB (RP/PIB) e razão da dívida líquida estadual sobre o PIB (DIV/PIB). Observa-se que no período de dez./2001 a maio/2014 os estados tiveram um superávit primário médio de 0,8% do PIB e uma dívida média de 13,9% do PIB.

Na tabela 1 também são observados os resultados para a subdivisão do período. De dez./2001 a dez./2008 obteve-se um superávit médio igual a 0,9% do PIB, enquanto no período subsequente, de jan./2009 a maio/2014, o superávit médio foi de 0,5% do PIB. Essa redução do superávit médio pode ser reflexo da crise global de 2008-09, conforme sugere Canuto e Liu (2010CANUTO, Otaviano; LIU, Lili. Subnational debt finance and the global financial crisis. The World Bank - Economic Premise, n. 13, maio 2010.), e discussão quanto aos desafios para as finanças públicas dos estados (Seção 2.4).

Tabela 1
Média e desvio-padrão: RP/PIB e DIV/PIB dez. 2001/maio 2014

O gráfico 2 deixa evidente que a maioria dos valores da série razão resultado primário sobre o PIB representa superávit primário. Observa-se que a partir de 2012 o resultado primário diminui, o que reforça o que foi observado na tabela 1.

Gráfico 2
Superávit primário/PIB

O gráfico 3 ilustra o comportamento de redução da dívida líquida estadual em razão do PIB no período de 2003 até 2010. Deste então, esse indicador tem se mantido estável em torno de 10%.

Gráfico 3
Dívida líquida estadual/PIB

O gráfico 4mostra o crescimento nominal do PIB e da dívida líquida estadual (DLE). No período de fevereiro de 2003, quando a dívida líquida sobre o PIB atingiu sua maior marca e iniciou o declínio, até abril de 2012, quando atingiu sua menor marca, o PIB cresceu quatro vezes mais. Isso sugere que a parte da queda da razão dívida líquida/PIB deveu-se ao crescimento nominal do PIB. Esse fato coloca em dúvida a sustentabilidade futura da dívida dos estados, dada a retração da economia nos últimos anos, que tem implicado a diminuição das receitas dos estados (Mendes, 2014MENDES, Marcos. Por que o Brasil cresce pouco? - Desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro; Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2014.), conforme discutido anteriormente.

4.2 Sustentabilidade

Na tabela 2 são apresentados os resultados para o teste de estacionariedade ADF para as séries resultado primário/PIB e dívida líquida/PIB. Apesar de o gráfico 2 sugerir estacionariedade da série resultado primário/PIB, o teste de raiz unitária indica resultado oposto. Segundo os resultados dos testes de raiz unitária, com constante e tendência, as estatísticas teste para a série resultado primário/PIB e para a série dívida pública/PIB foram superiores aos valores críticos (tabela 2). Assim, não foram rejeitadas as hipóteses nulas de presença de raiz unitária nas séries.

Gráfico 4
Crescimento nominal acumulado do PIB e da DLE: fev. 2003/abr. 2012

Tabela 2
Estimativas do teste de raiz unitária Dickey-Fuller aumentado para as séries analisadas no período de dez. 2001/maio 2014

Constatada a não estacionariedade das séries, passou-se à estimação VAR/MCE, em cujo processo de estimação deve-se selecionar o número de defasagens que deverão ser utilizadas. Conforme os critérios de informação de Akaike (AIC) e de Schwarz (SIC), selecionou-se a ordem de quatro defasagens para as duas séries, conforme tabela 3.

Tabela 3
Seleção VAR - número de defasagens

Os resultados do teste de cointegração entre as séries de resultado primário/PIB e dívida pública/PIB são apresentados na tabela 4. Tanto o teste do traço (λtraço) quanto o teste do máximo autovalor (λmax) rejeitam a hipótese nula de não cointegração, isto é, as estatísticas teste foram maiores do que o valor crítico ao nível de 5% de significância. Em outras palavras, os testes indicam que as variáveis resultado primário/PIB e dívida líquida/PIB possuem uma relação de longo prazo, indicando a existência de sustentabilidade da dívida pública estadual no período.

Tabela 4
Teste de cointegração

Complementando o resultado obtido pelo teste de cointegração das séries, uma vez que elas são não estacionárias, foi feita a regressão conforme a equação (9), baseada no modelo de Bohn (1998BOHN, Henning. The behavior of U.S. public debt and deficits. Quartely Journal of Economics, v. 113, n. 3, p. 949-63, 1998.). Os resultados são apresentados na tabela 5.

Tabela 5
Coeficientes para a equação de cointegração VAR/MCE

O parâmetro que relaciona a dívida líquida/PIB, defasada em um período, ao resultado primário/PIB é estatisticamente significante e menor que zero. Portanto, confirma-se uma relação direta entre dívida e resultado primário, isto é, no caso de elevação da dívida líquida dos estados, os dados mostram que o resultado primário é, estatisticamente, superavitário. A regressão indica que a longo prazo a política de dívida estadual foi sustentável no período estudado. Esse resultado corrobora com os estudos de Mello (2008)MELLO, Luiz de. Estimating a fiscal reaction function: the case of debt sustainability in Brazil. Applied Economics, v. 40, n. 3, p. 271-284, 2008. e Pereira (2008PEREIRA, João Gabriel M. A. Sustentabilidade da dívida pública dos estados brasileiros. Dissertação (Mestrado) - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.).

Assim, tanto o teste de cointegração como a regressão de teste da reação do resultado primário em relação à dívida sugerem a sustentabilidade da dívida líquida dos estados brasileiros, pelo menos no período de 2001 a 2014.

5. Considerações finais

O presente artigo avaliou a sustentabilidade da dívida estadual no período de dezembro de 2001 a maio de 2014 por meio da análise de cointegração e da reação do resultado primário dos governos estaduais, em face da evolução da dívida líquida.

A literatura aponta que o federalismo fiscal recente do Brasil reflete uma preocupação com o equilíbrio orçamentário e com o controle da atuação do Estado. Além disso, a questão da equivalência ricardiana contribuiu para o estabelecimento de regras de comportamento fiscal e para que fosse dada atenção para sustentabilidade da dívida pública.

Esses fatos refletiram na legislação brasileira, pois, a partir da repactuação da dívida dos estados com a União, observou-se um esforço no âmbito da legislação em promover um maior controle fiscal, como por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Assim, nesse período pós-Lei de Responsabilidade Fiscal, observando-se os dados da dívida líquida dos estados, em termos agregados, constata-se a redução da proporção da dívida em relação ao PIB.

Apesar da redução da relação dívida/PIB, conforme os estudos empíricos consultados sobre sustentabilidade da dívida, em que pesem os diferentes períodos estudados e técnicas utilizadas, não se observa unanimidade quanto a existência ou não de sustentabilidade da dívida dos estados. Esse fato reforça a importância em se buscar avaliar a sustentabilidade da dívida pública.

No presente estudo, foi constatada cointegração entre as séries de resultado primário e dívida líquida, sugerindo uma relação de longo prazo e de sustentabilidade da dívida. Complementarmente, o teste da reação do resultado primário em relação à dívida líquida também indica a sustentabilidade da dívida. Isto é, observou-se que o resultado primário e a dívida possuem uma relação direta, de modo que, quando a dívida se eleva, o resultado primário do período posterior também aumenta.

Assim, por meio das duas técnicas utilizadas, obteve-se o resultado de que a dívida pública agregada dos estados apresentou comportamento sustentável no período de 2001 a 2014.

Contudo, se apresentam alguns desafios para as finanças públicas dos estados. O afrouxamento fiscal em 2014, promovido pela alteração do índice de correção da dívida dos estados com a União, leva ao questionamento quanto à possibilidade de ampliação de endividamento e ao estímulo de um comportamento fiscal irresponsável, dada a possibilidade de socorro por parte da União.

Outro questionamento presente na literatura é quanto à qualidade do ajuste fiscal realizado pelos estados, de modo a se obter a redução da dívida/PIB. Argumenta-se que parte desse ajuste fiscal ocorreu por meio da redução dos investimentos.

Outro aspecto importante está relacionado com a recente desaceleração da economia. Após a crise financeira internacional de 2008-09, o superávit primário dos estados como proporção do PIB diminuiu. E, além disso, esse comportamento de redução do superávit foi acentuado a partir de 2012. Esse fato é importante porque no período estudado o crescimento do PIB foi superior ao da dívida líquida, de modo que uma parte da redução da relação dívida/PIB deveu-se ao aquecimento da economia nos anos inicias. Assim, a recente redução da atividade econômica pode afetar a relação dívida/PIB de duas formas: pela redução do denominador e pela consequente redução da arrecadação tributária.

O presente estudo usou dados agregados da dívida líquida estadual, o que implica que alguns estados podem não apresentar sustentabilidade da dívida líquida no longo prazo, se analisados individualmente. Assim, sugere-se para futuros trabalhos: análise individualizada de cada estado brasileiro; análise por subperíodos; e inclusão no modelo econométrico da variável indicativa do nível de atividade econômica. Considera-se importante o acompanhamento das finanças públicas dos estados nos próximos anos, dado o afrouxamento fiscal em 2014 e em função dos desafios comentados.

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    Alessandro Aurélio Caldeira é auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU). Especialista em auditoria financeira pelo Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: alessandroac@tcu.gov.br.
  • 2
    Marcelo Driemeyer Wilbert é professor adjunto do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da UnB. E-mail: marcelodw@unb.br.
  • 3
    Tito Belchior Silva Moreira é professor do Departamento de Economia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Doutor em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: titoSM@TCU.gov.br.
  • 4
    André Luiz Marques Serrano é professor adjunto do Departamento de Administração e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da UnB. E-mail: andrelms@unb.br.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2015
  • Aceito
    19 Fev 2016
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