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Regularização fundiária e regimes de conhecimento: notas sobre o sul do estado do Amazonas (Brasil)1 1 Este artigo surgiu a partir de minha experiência em processos de regularização fundiária dos quais participei no sul do estado de Amazonas. O estímulo a desenvolver a reflexão veio da participação em dois eventos: como coordenador da mesa “Ações em Terras: Ocupar, Retomar, Demarcar, Mapear e Caminhar”, durante o II Encontro de Etnologia, História e Política Indígena, em setembro de 2018 na UFSCar e como debatedor na mesa “Políticas e Dinâmicas Territoriais durante o Seminário Conjuntos Multicomunitários nas Terras Baixas Sul-americanas”, em novembro de 2018 na Unicamp. Partes deste trabalho foram apresentadas nos seguintes eventos, ambos em 2019: no XLI Convegno Internazionale di Americanistica, Perugia, Itália e no Canteiro de Antropologia - Jornadas da Caatinga na Universidade Federal do Vale do São Francisco em São Raimundo Nonato, no Piauí. A presente versão é parte de uma reflexão maior que conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP n. 2018/19262-9). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

Regularización de tierras y esquemas de conocimiento: notas sobre el sur del estado de Amazonas (Brasil)

RESUMO

Com o presente artigo, busca-se uma reflexão acerca dos processos de regularização fundiária nos quais diferentes formas de conhecimento entrecruzam-se. O ponto de partida é um conjunto de experiências relativas a estudos de identificação de terras indígenas no sul do estado do Amazonas. A intenção é problematizar a grafia de distintas leituras de contextos. Se de um lado o antropólogo deve redigir um relatório que contenha um mapa com os limites de uma terra indígena, de outro deve compreender a confluência de relações constitutivas de um coletivo e seu lugar. Se a produção de um texto e de um mapa são pensados para futuras leituras (jurídicas e antropológicas), os registros dos lugares, pautados em eventos que conjugam socialidade e sociabilidade, são também uma forma de linguagem.

PALAVRAS-CHAVE
Povos indígenas sul-americanos; Tupi-Kagwahiva; terras indígenas

RESUMEN

Con el presente artículo, se busca una reflexión sobre los procesos de regularización de la tierra en los que se entrecruzan diferentes formas de conocimiento. El punto de partida es un conjunto de experiencias relacionadas con estudios de identificación de tierras indígenas en el sur del estado de Amazonas. La intención es problematizar la grafía de diferentes lecturas de contextos. Si por un lado el antropólogo debe redactar un informe que contenga un mapa con los límites de una tierra indígena, por otro debe comprender la confluencia de relaciones constitutivas de un colectivo y su lugar. Si la producción de un texto y de un mapa están pensados para futuras lecturas (jurídicas y antropológicas), los registros de los lugares, pautados en eventos que conjugan socialidad y sociabilidad, son también una forma de lenguaje.

PALABRAS CLAVE
Pueblos indígenas de Sudamérica; Tupi-Kagwahiva; tierras indígenas

ABSTRACT

The present article seeks a reflection on land regularization processes in which different forms of knowledge intersect. The starting point is a set of experiments related to studies of indigenous land identification in the southern state of Amazonas. The intention is to point at possibilities of different contextual readings. If on the one hand the anthropologist must write a report containing a map that establishes the boundaries of an indigenous land, on the other hand he must understand the confluence of the constitutive relations of a collective and its place. If the production of a text and a map are intended for future readings (legal and anthropological), the registers of places, based on events that combine sociality and sociability, are also a form of language.

KEYWORDS
South American indigenous; Tupi-Kagwahiva; indigenous territory

TERRA E COMPROMISSO

Em 1993, quando estive entre os Tenharin2 2 Em uma reunião com os Tenharin no mês de outubro de 2018, observei que os documentos da Associação estavam sendo grafados com “Tenharin”, com “n” final. Perguntei às lideranças presentes na reunião as razões e me foi dito que haviam acordado que, a partir de agora, seria assim. Neste sentido, passo também a grafar Tenharin e não mais Tenharim. do rio Marmelos como pesquisador de mestrado, fui convidado a participar de uma grande reunião de lideranças. Na ocasião, solicitaram que eu apresentasse minha proposta de pesquisa para que fosse avaliada pelo coletivo. Convém destacar que minha chegada foi facilitada em razão de viagens anteriores ao Amazonas e também pelo fato de ter sido orientado, na graduação, pelo Prof. Miguel Menéndez, pesquisador dos Tenharin e já falecido na época3 3 Miguel Angel Menéndez produziu uma importante reflexão sobre os povos indígenas da região. Além de estudos sobre o contexto etnográfico ou etnohistórico (Menéndez, 1981/1982; 1984/1985), escreveu também sobre questões ligadas às terras (Menéndez, 1984) e uma tese sobre os Tenharin (Menéndez, 1989). . No mestrado, saí de um enfoque sobre a história indígena e fui para o estudo do parentesco. Os Tenharin, denominados Tupi Kagwahiva, possuem um sistema de metades exogâmicas que recebem nomes complexos vinculados a pássaros: uma denomina-se Mutum-Nagwera e a outra Kwandu-Taravé. No momento em que me foi solicitada a apresentação da pesquisa, esse era meu tema principal e sobre o qual escrevi vários textos posteriormente (Peggion, 1996aPEGGION, Edmundo A. 1996a. Forma e Função. Uma Etnografia do sistema de parentesco Tenharim (Kagwahív-AM). Campinas, Dissertação de mestrado, Unicamp., 2004PEGGION, Edmundo A. 2004. “Alianças e Facções. A organização política dos Kagwahiva da Amazônia”. Estúdios Latinoamericanos. Varsovia, Sociedad Polaca de Estúdios Latinoamericanos, v. 23: 109-119. DOI: https://doi.org/10.36447/Estudios2003.v23.art6.
https://doi.org/10.36447/Estudios2003.v2...
, 2011PEGGION, Edmundo A. 2011. Relações em perpétuo desequilíbrio. A organização dualista dos Kagwahiva da Amazônia. São Paulo, ISA/FAPESP/ANNABLUME., 2012PEGGION, Edmundo A. 2012. “O debate sobre o dualismo e algumas questões amazônicas”. In: HOFBAUER, Andreas; LEPINE, Lepine, SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). Manuela Carneiro da Cunha: o lugar da cultura e o papel da antropologia. Rio de Janeiro, Azougue, pp. 173-186.). Durante um bom tempo, na reunião referida acima, fui inquirido sobre as intenções e objetivos da pesquisa. Como estudante de mestrado e por questões pessoais, não tinha condições de efetuar qualquer pagamento como retorno à pesquisa, mas me coloquei inteiramente à disposição para ajudar o grupo politicamente4 4 Na ocasião da viagem para a pesquisa de mestrado eu não tinha certeza de que haveria algum tipo de exigência de retorno. Quando, em campo, notei que os Tenharin não cobrariam um retorno financeiro, pois acabei sendo vinculado ao prof. Miguel Menéndez. De qualquer modo havia uma expectativa de apoio de algum tipo. . Nossa conversa foi intercalada por grandes discursos, na língua indígena, que versavam sobre qual seria a possível contribuição de minha parte caso a pesquisa fosse aceita. Discussões suspensas, cada um seguiu para sua casa e eu fui acomodado em uma delas, ao lado da casa do Tavejara5 5 Entre os Tenharin, Tavejara é o termo usado para chefe. No dicionário do Summer Institute of Linguistics temos: “ta-: indica modo de ação positiva e desejada. / ta-: indica modo de ação negativa desejada ou ordem negativa; / ocorrem juntos a um prefixo e um sufixo. / -ovajar: caça repartida ao meio ou em quatro partes. / -ovajar: matador” (Betts, 1981). Kwahã, que estava vazia por conta de viagem do morador. Para minha surpresa, o assunto da reunião ainda não estava encerrado. Seguiram-se horas de micro reuniões realizadas por Kwahã, que visitou todas as lideranças durante o período noturno. No outro dia, pela manhã, fui novamente chamado para um novo encontro no qual foi anunciado solenemente o aceite do meu trabalho. A condição, conforme acertado, era um apoio efetivo na regularização fundiária das terras indígenas da região e, em particular, nos ajustes necessários para a Terra Indígena Tenharin. Cabe salientar que, em meados dos anos de 1980, havia ocorrido um primeiro estudo de identificação desta Terra Indígena. No entanto, uma região com castanhais havia ficado fora por conta de um acordo, realizado na ocasião, entre os Tenharin, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e alguns invasores. Os anos passaram e o acordo não foi cumprido (Menéndez, 1989MENÉNDEZ, Miguel A. 1989. Os Tenharim. Uma contribuição ao estudo dos Tupi Centrais. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade de São Paulo.).

De volta à minha casa, um tanto perdido sobre como proceder em relação à solicitação que me foi feita, em período anterior ao formato dos meios de comunicação de hoje, comecei a telefonar e escrever cartas para a Funai, em Brasília. Logo em seguida, fui convidado a coordenar o Grupo de Trabalho para realizar os ajustes fundiários da Terra Indígena Tenharin do Igarapé Preto. Daí seguiram-se os estudos fundiários para a Terra Indígena Tenharin do rio Sepoti e Terra Indígena Torá (povo Txapakura) na região do baixo rio Marmelos em 1998, Terra Indígena Jiahui em 2000 e Terra Indígena Tenharin do rio Marmelos – Gleba B em 2002. Escrevi, em distintos momentos, sobre a questão territorial no sul do Amazonas (Peggion, 1996bPEGGION, Edmundo A. 1996b. “Os Tenharim do rio Marmelos querem rever demarcação”. In: Carlos Alberto Ricardo (editor). Povos Indígenas no Brasil: 1991-1995. São Paulo: Instituto Socioambiental, pp. 373-374., 1998PEGGION, Edmundo A. 1998. “Os procedimentos na identificação de terras indígenas: relato de uma experiência”. Boletim da ABA, v. 29: 12-14., 2001).

Hoje, quando retorno ao rio Marmelos, alguns velhos Tenharin sempre querem falar comigo sobre as terras, locais de passagem, de moradia, de acontecimentos, rios, nomes e memórias. Nas conversas sempre falamos sobre os eventos que marcam os lugares identificados: as referências a acontecimentos do tempo “dos antigos”, de tempos relativamente recentes e de quando estivemos de passagem pelos referidos locais durante os estudos sobre os limites territoriais. Por motivos diversos, sejam eles políticos e/ou circunstanciais, há também pontos controversos nos limites instituídos, gerando debates sobre as picadas6 6 Picada é uma abertura na mata que estabelece o limite físico da Terra Indígena. Em geral possui cerca de seis metros de largura e é intercalada por marcos e placas indicativas. estarem em alguns lugares e não em outros. No entanto, são registros pontuais que não afetam sobremaneira a garantia territorial gerada a partir do processo de regularização fundiária, que tem como referência o estudo feito pelo antropólogo7 7 Argumento semelhante encontra-se em Sáez (2015: 279): “Para irritação dos antiindígenas, e talvez até para desmaio dos pró-indígenas, o contencioso territorial indígena nunca parece chegar a um final feliz. Não me refiro (só) a situações como as do Nordeste ou do Sul do Brasil, onde a demografia densa e os interesses econômicos fortes opõem sérias resistências ao reconhecimento dos índios e, portanto - como manda a Constituição -, de suas terras, senão mesmo a situações como as dos Yaminawa, onde uma pressão fundiária relativamente fraca facilitou o reconhecimento e a demarcação. A terra demarcada já parece demais para os oponentes da causa indígena, mas a reivindicação continua”. .

Tendo como base um período relativamente longo como profissional que realizou pesquisas acadêmicas, e que esteve presente no apoio à identificação das Terras Indígenas na região, pretendo refletir, de maneira preliminar, sobre algumas questões que remetem ao contexto no qual os processos de regularização fundiária costumam ocorrer. À vista disso, minha intenção é remeter ao encontro entre a perspectiva indígena com relação ao seu território e a perspectiva dada a um estudo, realizado por um antropólogo, e que resulta em um relatório e um mapa. O estudo, nesse caso, deve traduzir os referenciais simbólicos que dão conta de sentidos outros que não são ancorados exclusivamente na geografia.

PANORAMA HISTÓRICO

A presença Kagwahiva na região é inconteste. Além das notas de viajantes, missionários e presidentes de província, há momentos de conjunção entre os registros documentais e esboços etnográficos. As principais referências para a região, já no início do século XX, no que se refere aos povos Kagwahiva são Curt Nimuendajú (1924NIMUENDAJÚ, Curt. 1924. “Os indios Parintintin do rio Madeira”. Journal de la Socièté des Américanistes de Paris, v. 16: 201-278. DOI: https://doi.org/10.3406/jsa.1924.3768.
https://doi.org/10.3406/jsa.1924.3768....
, 1963)NIMUENDAJÚ, Curt. 1963. “The Cawahib, Parintintin and their neighbors”. In: STEWARD, J. (org.). Handbook of South American Indians, v. 3: 283-297, New York: Cooper Square Publishers Inc, 1963., José Garcia de Freitas (1926)FREITAS, José Garcia de. 1926. “Os Índios Parintintin”. Journal de la Socièté des Américanistes de Paris, v. 18: 67-73. DOI: https://doi.org/10.3406/jsa.1926.3604.
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, Joaquim Gondim (1925GONDIM, Joaquim. 1925. A pacificação dos Parintintins - Koró de Iuirapá. Rio de Janeiro, Comissão Rondon., 1938)GONDIM, Joaquim. 1938. Etnografia Indígena. Estudos realizados em várias regiões do Amazonas, no período de 1921 a 1926. Fortaleza, Editora Fortaleza. e Vitor Hugo (1959)HUGO, Vitor. 1959. Desbravadores. Humaitá, Missão Salesiana. (2 volumes), 1959.. Claude Lévi-Strauss também escreveu sobre os povos Kagwahiva da região do rio Machado (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude. 1996. Tristes Trópicos. São Paulo, Companhia das Letras., 1958LÉVI-STRAUSS, Claude. 1958. “Documents Tupi-Kawahib”. In: Miscellanea Paul Rivet, octagenario dicata II. México, pp. 323-338., 1963LÉVI-STRAUSS, Claude. 1963. “The TupiCawahib”. In: STEWARD, J. (org.). Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers Inc., pp. 299-305.).

Nimuendajú participou da chamada “pacificação” dos Parintintin e Lévi-Strauss esteve entre os Tupi-Kagwahiva no atual estado de Rondônia. Ambos escreveram e publicaram sobre suas experiências. Embora Nimuendajú tenha somente dado início aos trabalhos com os Parintintin, acabou publicando um texto que tentava dar conta da organização social dos Kagwahiva. José Garcia de Freitas e Joaquim Gondim trabalharam para o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e Vitor Hugo foi missionário salesiano na região.

Nos registros que antecedem tais autores, em relatórios oficiais produzidos tanto no século XIX quanto no início do século XX, lê-se coisas como “correria de índios”, ataques guerreiros, etc., demonstrando a ocupação efetiva, pelos povos indígenas, de todo território da bacia do rio Madeira, em particular de seus principais afluentes. A cada tentativa de invasão, os povos Kagwahiva respondiam com a defesa de seus territórios. O mapa etnohistórico desenvolvido por Miguel Menéndez (1981/1982)MENÉNDEZ, Miguel A. 1981/1982. “Uma contribuição para a etno-história da área Tapajós-Madeira”. Revista do Museu Paulista v. 28: 289-388. é um exemplo disso. Ao registrar as localizações dos povos indígenas de acordo com as citações nos documentos, Menéndez (1981/1982)MENÉNDEZ, Miguel A. 1981/1982. “Uma contribuição para a etno-história da área Tapajós-Madeira”. Revista do Museu Paulista v. 28: 289-388. nos mostra a ampla ocupação indígena da região.

Os Tupi-Kagwahiva, nesse contexto, talvez sejam os povos mais registrados em diferentes locais do território. Com a saída de Nimuendajú da região, seu sucessor no SPI foi José Garcia de Freitas que, como veremos, consta na documentação como usurpador de terras indígenas. José Garcia de Freitas tinha a incumbência de atrair os povos indígenas da região e “pacificá-los”, utilizando-se da metodologia positivista vigente à época. Após o contato estabelecido, as aldeias indígenas eram configuradas em micro vilas e o território era liberado para a ocupação e extração de seringa. Como consequência, os próprios indígenas, habitantes tradicionais, tornavam-se seringueiros e passavam a trabalhar para os seringalistas que ocupavam suas terras. Tal fenômeno, convém destacar, ocorreu de maneira generalizada em toda a Amazônia.

José Garcia de Freitas realizou extensos registros direcionados aos diretores do SPI. Em tais registros, já conhecedor da língua Kagwahiva, anotava as particularidades de cada grupo. A percepção que Freitas nos passa é a de grupos que se sabiam semelhantes, mas que estabeleciam suas marcas distintivas. Além disso, fica claro que a constituição de tais unidades era algo instável e que dissensões eram frequentes.

O que se nota na documentação histórica é a ampla ocupação dos grupos Kagwahiva pela região de maneira a gerar uma configuração particular e que remete à organização social de tais povos. As alianças e os conflitos que definem os grupos são parte do parentesco e, para além de serem entendidos como decorrentes dos encontros entre grupos inimigos ou por disputas territoriais, fazem parte de processos que são inerentes à organização social. Em artigo anterior (Peggion, 2016PEGGION, E. A. 2016. “Um histórico da organização social tupi-kagwahiva (Rondônia e sul do Amazonas, Brasil)”. Thule. Rivista italiana di studi americanistici, v. 38/39-40/41: 439-448.) esbocei tal questão.

Quando de sua passagem pela região do rio Machado (no atual estado de Rondônia), nos anos de 1930, Claude Lévi-Strauss elaborou uma reflexão sobre a organização social Kagwahiva, tendo como base suas observações etnográficas. De sua experiência em campo resultaram dois artigos (Lévi-Strauss, 1958LÉVI-STRAUSS, Claude. 1958. “Documents Tupi-Kawahib”. In: Miscellanea Paul Rivet, octagenario dicata II. México, pp. 323-338., 1963LÉVI-STRAUSS, Claude. 1963. “The TupiCawahib”. In: STEWARD, J. (org.). Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers Inc., pp. 299-305.) e uma parte do livro Tristes Trópicos (1996). A percepção de Lévi-Strauss (1958)LÉVI-STRAUSS, Claude. 1958. “Documents Tupi-Kawahib”. In: Miscellanea Paul Rivet, octagenario dicata II. México, pp. 323-338. em relação aos grupos Kagwahiva da região do rio Machado (hoje estado de Rondônia) foi certeira e é notável a semelhança aos processos que ocorreram no sul do Amazonas. A questão que se coloca é como ocorreu a passagem de pequenos grupos organizados e nominados pelo sogro/líder do grupo doméstico para a configuração atual como unidades étnicas. Penso que seja esse o foco para se pensar em um contexto em que há o registro de limites e, também, a presença de uma rodovia federal. Pelos territórios Tenharin e Jiauhi passa a rodovia Transamazônica (BR-230) e, que veremos em breve, impacta fortemente sobre a vida dos povos indígenas da região. Gabriel Garcêz Bertolin (2014)BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos. estudou os Tenharin do rio Marmelos e também notou a configuração acima referida, bem como as questões relacionadas à rodovia Transamazônica. Segundo Bertolin, o nome da rodovia é pepuku’hua cujo significado é “caminho comprido”, “caminho longo”:

A expressão “caminho comprido” aponta para a multiplicidade de outros trajetos acessados pelos Tenharim em oposição à extensa picada aberta pelo Estado, uma vereda sem fim, em termos dimensionais comparada somente ao rio Marmelos (Bertolin, 2014BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos.: 57).

Segundo o autor, o “caminho comprido” se opõe à variedade de picadas abertas na mata que conectam aldeias, pontos de caça, castanhais e o rio Marmelos (Bertolin, 2014BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos.: 57). Para além disso, penso que as confluências entre o rio Marmelos e a rodovia Transamazônica podem trazer elementos para se pensar a organização social Kagwahiva. O trabalho de Bertolin é importante por tematizar questões, justamente, sobre a relação entre o rio Marmelos e a rodovia Transamazônica. Da mesma maneira que faremos aqui, o autor remete a um artigo de Fernando Santos-Granero (2005)SANTOS-GRANERO, Fernando. 2005. “Writing history into the landscape: Yanesha notions of space and territoriality”. In: SURRALLÉS, Alexandre & HIERRO, Pedro Garcia (org.). The land whithin. Indigenous territory and the perception of Environment. Copenhagen, IWGIA (International Work Group for Indigenous Affairs), pp. 170-198., para pensar a paisagem Kagwahiva como carregada de agência humana e não humana (Bertolin, 2014BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos.: 68).

Atualmente, os povos chamados Kagwahiva distribuem-se em duas áreas, a do médio rio Madeira, no estado do Amazonas, e a do alto rio Madeira e rio Machado, em Rondônia (respectivamente, os Kagwahiva setentrionais e os Kagwahiva meridionais, de acordo com Kracke [2004]KRACKE, Waud. 2004. “A posição histórica dos Parintintin na evolução das culturas Tupi-Guarani”. Trabalho apresentado no Encontro Internacional sobre as Línguas e Culturas dos Povos Tupi. Brasília, UNB.). Segundo Nimuendajú (1924NIMUENDAJÚ, Curt. 1924. “Os indios Parintintin do rio Madeira”. Journal de la Socièté des Américanistes de Paris, v. 16: 201-278. DOI: https://doi.org/10.3406/jsa.1924.3768.
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, 1963)NIMUENDAJÚ, Curt. 1963. “The Cawahib, Parintintin and their neighbors”. In: STEWARD, J. (org.). Handbook of South American Indians, v. 3: 283-297, New York: Cooper Square Publishers Inc, 1963., esses grupos seriam descendentes da antiga nação dos “Cabahibas” que, ao migrar do Alto Tapajós para o oeste, acabou dividindo-se em diversos segmentos.

Conforme registrado por esse autor, os grupos locais, territorialmente localizados e politicamente independentes, possuíam uma organização social baseada, conforme vimos, em um dualismo representado por metades clânicas denominadas Mutum e Gavião. Essas duas metades organizavam o sistema matrimonial, que era realizado, preferencialmente, na forma de uma exogamia interna a cada um dos grupos. Segundo Nimuendajú,

A tribu dos Parintintin se divide em dois clans exogamicos e não localisados: Mitú (Crax sp.) e Kwandú. Este ultimo nome provavelmente não désigna o Quandú — porco espinho [Cereolabus sp.) mas sim de uma grande ave de rapina (Thrasaëtus harpyia Linn. ? — Spizaëtus tyrannus Wied. ? — conf. MR 347) (Nimuendajú, 1924NIMUENDAJÚ, Curt. 1924. “Os indios Parintintin do rio Madeira”. Journal de la Socièté des Américanistes de Paris, v. 16: 201-278. DOI: https://doi.org/10.3406/jsa.1924.3768.
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: 225).

Dos grupos registrados no início do século XX temos hoje, no Amazonas, os Tenharin (do rio Marmelos, do igarapé Preto e do rio Sepoti), os Parintintin, os Jiahui e, mais ao norte (na região do rio Purus), os Juma. No atual estado de Rondônia, temos os Karipuna, os Amondawa e os Jupaú (Uru-eu-wau-wau), além de diversos grupos em isolamento voluntário.

Figura 1
Localização das Terras Indígenas habitadas pelos Kagwahiva

Após a chamada “pacificação” dos Parintintin, realizada sob coordenação de Curt Nimuendajú em 1922, apenas esse grupo passou a ter um contato regular com a população regional. Com relação aos outros grupos da região sul do Amazonas, o processo que ocorreu lentamente entre 1922 e 1970 e ganhou intensidade quando se realizou a abertura da Transamazônica, que cortou o território Kagwahiva, permitindo a penetração definitiva das frentes de expansão de base agropecuária e mineradora.

Já com os povos habitantes do atual estado de Rondônia, os Jupaú, Amondawa e Karipuna, o contato efetivo ocorreu nos anos de 1980. Há informações de grupos isolados no entorno da Terra Indígena Jupaú, na região do rio Madeirinha e também nas cabeceiras do rio Marmelos, na Terra Indígena dos Tenharin8 8 Recentemente foi lançado o filme intitulado Piripkura, dirigido por Bruno Jorge, Mariana Oliva e Renata Terra, que relata o drama vivido por dois sobreviventes na região do rio Madeirinha no norte de Mato Grosso e que são provavelmente remanescentes de algum grupo Kagwahiva. .

Assim, tais grupos aparecem na documentação histórica distribuídos por todo o território. Um dos efeitos do contato é a estabilização de alguns destes grupos de modo a constituir unidades estáveis caracterizadas como etnias. No entanto, os movimentos da organização social continuam produzindo suas alianças e conflitos no interior de tais unidades da mesma maneira como ocorria antes do contato, conforme veremos neste trabalho.

O desconhecimento sobre os diversos povos Kagwahiva ficou mais evidente quando Curt Nimuendajú esteve na região, muito embora tenha sido um curto período. Por falta de verbas, após cinco meses, Nimuendajú partiu, delegando as atividades da chamada “pacificação dos Parintintin” a vários auxiliares. Alguns anos mais tarde, o já citado José Garcia de Freitas, chocou-se ante a quantidade de grupos locais chamados por ele de “clans guerreiros”:

“Provisoriamente conhecemos nove grupos, todos inimigos entre si, fazendo a guerra e commettendo a crueldade no mais alto grau com as suas victimas. São os seguintes: “Kuandey” (Gaviãozinhos),“Odiahub”, “Itauéry”, “Tucut”, “Miundê”, “Pain”, “Apairandê”, “KôteApain”, “Boritá”, grupo este hoje em dia composto só de mulheres (Freitas, 1930FREITAS, José Garcia de. 1930. Relatório encaminhado ao Diretor do SPI Sr. Dr. José Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento Pereira de Lemos referente às atividades da IR 1 no exercício de 1930. Filme 33, planilha 396, pp. 02-12), Rio de Janeiro, Museu do Índio.: 7-8).

Anterior a essa constatação, o SPI começou a perceber, logo após a aproximação com os Parintintin, que a guerra contra os seringais persistia, impedindo a instalação definitiva dos não-índios na região. No relatório de 1925 existem projetos de “pacificação” de vários grupos, que são imediatamente relacionados aos Parintintin:

Ao contrário dos Parintintin, que costuma corta os cabellos em torno da cabeça, os Odiarhúebe conservamn´os bantos e compridos, mas a exemplo daquelles, também trazem o pênis envolvido por um tubo de folhas de arumã, em forma cylindrica. As suas akanitaras são feitas de pennas de japu e arára vermelha e os mesmos adornos que se observam nas armas guerreiras dos Parintintins (Lemos, 1925LEMOS, Bento Pereira. 1925/1928/1930/1932. Relatório encaminhado ao Diretor do SPI Sr. Dr. José Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento Pereira de Lemos referente às atividades da IR 1 nos exercícios de 1925 (filme 33, planilha 396, pp. 2-3; 33-44); 1929 (filme 33, planilha 396, pp. 4-24); 1930 (filme 33, planilha 396, pp. 02-12); 1932 (filme 379, fotograma 107). Rio de Janeiro, Museu do Índio.: 20).

Em 1926, José Garcia de Freitas publicou uma estatística, confirmando também que o conhecimento dos outros grupos locais Kagwahiva foi posterior à “pacificação” dos Parintintin.

“O numero da Tribu - No começo da pacificação, calculou-se em 250 cabeças mais ignoravase a existência dos Apairandé e dos Odyahuibé e segundo informação dos Parintintin, os Odyahuibé são mais numerosos do que elles e quanto aos Apairandé calculo em 100 pessoas baseado no numero de canoas destes que foi encontrado no rio Machado (Gy-Paraná) quando uma lancha da casa “Calama” os surprehendeu: portanto calculo em 500 pessoas, porque dos pacificados mais de 120 índios já morreram (Freitas, 1926FREITAS, José Garcia de. 1926. “Os Índios Parintintin”. Journal de la Socièté des Américanistes de Paris, v. 18: 67-73. DOI: https://doi.org/10.3406/jsa.1926.3604.
https://doi.org/10.3406/jsa.1926.3604....
: 72).

Após o processo constituído e consolidado junto aos Parintintin, o objetivo conjunto do SPI, dos particulares e da igreja era estabelecer o contato com os diversos povos Kagwahiva que ainda se mantinham isolados defendendo o território da ocupação não indígena. Além dos Kagwahiva, habitavam a região sul do Amazonas diversos outros povos indígenas, tais como os Torá, Matanawi (falantes da língua Txapakura) e Mura-Pirahã (falantes da língua Mura). Como era um projeto positivista, diversas tentativas eram realizadas com o intuito de estabelecer a convivência entre estes diferentes povos e a população regional. Um dos postos do SPI denominado Antonio Paulo, por exemplo, contava, em 1928, com Parintintin, Torá e Pirahã, todos inimigos tradicionais. A convivência pacífica entre tais povos era um projeto de tornar a região, definida como um “vasto hinterland”, em uma região de progresso.

“Mas a verdade é que devemos encaminhar o serviço de modo a que, feita a pacificação de todas as malocas parintintin, fraternizados todos os tuchauas, possamos fundar na região a Vila Cauahib, em local apropriado, localizando a grande nação brasílica e cercando-a de merecido conforto - com um patronato agrícola - profissional para os rapazes, uma escola profissional para as moças e outros melhoramentos compatíveis com os nossos intuitos civilizadores (Lemos, 1929LEMOS, Bento Pereira. 1925/1928/1930/1932. Relatório encaminhado ao Diretor do SPI Sr. Dr. José Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento Pereira de Lemos referente às atividades da IR 1 nos exercícios de 1925 (filme 33, planilha 396, pp. 2-3; 33-44); 1929 (filme 33, planilha 396, pp. 4-24); 1930 (filme 33, planilha 396, pp. 02-12); 1932 (filme 379, fotograma 107). Rio de Janeiro, Museu do Índio.: 21-22)

Os documentos mostram que, nos anos de 1930, José Garcia de Freitas montou uma equipe para se aproximar dos “Odiahub” tendo como guia um grupo de Parintintin. Seu relatório demonstra que, poucos anos após o contato com os Parintintin, a região estava praticamente tomada por particulares. O castanhal “Quandú-Ogá”, em 1930, chamava-se “Boa Esperança” e era de Manoel Lobo. O primeiro posto de pacificação chamava-se “Paraíso” e era da firma P. Monteiro & Cia. e no Igarapé Traíra abriram um largo varadouro que ia dar no rio Madeira. Mesmo no castanhal central, núcleo importante do território indígena, já havia barracas da firma Monteiro e Freitas reconhece “para assim, talvez, legitimar a posse de suas explorações” (Lemos, 1930LEMOS, Bento Pereira. 1925/1928/1930/1932. Relatório encaminhado ao Diretor do SPI Sr. Dr. José Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento Pereira de Lemos referente às atividades da IR 1 nos exercícios de 1925 (filme 33, planilha 396, pp. 2-3; 33-44); 1929 (filme 33, planilha 396, pp. 4-24); 1930 (filme 33, planilha 396, pp. 02-12); 1932 (filme 379, fotograma 107). Rio de Janeiro, Museu do Índio.: 03).

Nessa busca dos “Odiahub”, a equipe de Freitas acabou por se encontrar com os “Pain”, uma dissensão dos “Odiahub”, que fugia dos mesmos. Freitas consegue prender uma mulher e dois filhos, dizendo que ela seria sua mensageira da paz. No dia seguinte, soltou a mulher (reteve as crianças) e pediu para que os Parintintin “cantassem e dançassem, cada um de per si, tocando nossas harmônicas, dizendo as nossas boas intenções, fallando em terçados, facas, machados e missangas” (Lemos, 1930LEMOS, Bento Pereira. 1925/1928/1930/1932. Relatório encaminhado ao Diretor do SPI Sr. Dr. José Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento Pereira de Lemos referente às atividades da IR 1 nos exercícios de 1925 (filme 33, planilha 396, pp. 2-3; 33-44); 1929 (filme 33, planilha 396, pp. 4-24); 1930 (filme 33, planilha 396, pp. 02-12); 1932 (filme 379, fotograma 107). Rio de Janeiro, Museu do Índio.: 08).

Conseguiram entrar em contato com os “Pain”, mas não com os “Odiahub”. Freitas voltou com sua equipe para buscar mantimentos, mas no retorno à mata não encontrou mais ninguém, apenas armadilhas e indícios de luta. Depois de ter tentado a aproximação, no final do mesmo relatório Freitas concluiu:

A causa principal que os arrasta á guerra é a nefasta superstição, origem de todas as intrigas e que, mesmo actualmente, entre os já há 8 annos pacificados, á custo podemos afastar. Dahi não podermos confiar no concurso do Parintintin pacificado para attrahir outros grupos afastados (Lemos, 1930LEMOS, Bento Pereira. 1925/1928/1930/1932. Relatório encaminhado ao Diretor do SPI Sr. Dr. José Bezerra Cavalcanti, pelo inspetor Bento Pereira de Lemos referente às atividades da IR 1 nos exercícios de 1925 (filme 33, planilha 396, pp. 2-3; 33-44); 1929 (filme 33, planilha 396, pp. 4-24); 1930 (filme 33, planilha 396, pp. 02-12); 1932 (filme 379, fotograma 107). Rio de Janeiro, Museu do Índio.: 08).

Depois de alguns anos vem à tona as reais intenções desse encarregado do SPI. Francisco Pereira Barrancas realizou, em 1941, a Primeira Expedição do Madeira. Encontrou, estrategicamente localizado nas margens do rio Maici, José Garcia de Freitas, tendo, sob seu comando, diversos Kagwahiva. Extraíam lenha em larga escala e produtos florestais para as embarcações que por ali passavam, além de trabalharem na agricultura. Também na região de Três Casas, os indígenas viviam da caça, pesca e agricultura, além de extraírem produtos florestais para o Coronel Manoel Lobo, agora proprietário da região (Barrancas, 1941BARRANCAS, Francisco Pereira. 1941. Relatório da 1a. Expedição ao rio Madeira, realisada de 5 de janeiro á 22 de março de 1941 pelo Snr. ajudante Francisco Pereira Barrancas. Filme 32, planilha 389, Rio de Janeiro, Museu do Índio.).

Dos anos de 1940 em diante, os povos indígenas da região sul do Amazonas viveram sem garantias sobre seus territórios tradicionais. Muitos foram viver nas cidades do entorno, tais como Humaitá e Manicoré. Alguns desses grupos conseguiram manter um relativo isolamento ou estabeleceram contatos mediados por regatões. Foi o caso dos Tenharin, que trabalharam durante muitos anos com um homem que chegou a se casar com uma mulher desse povo indígena. Interessante notar que, mesmo em contato permanente com a população regional, os Tenharin mantiveram em funcionamento sua organização social nos mesmos termos em que ela acontecia antes do contato. Ela caracteriza-se pela constituição de alianças e de conflitos entre diferentes grupos falantes da mesma língua (Peggion, 2016PEGGION, E. A. 2016. “Um histórico da organização social tupi-kagwahiva (Rondônia e sul do Amazonas, Brasil)”. Thule. Rivista italiana di studi americanistici, v. 38/39-40/41: 439-448.). De maneira semelhante à descrita por Lévi-Strauss (1958LÉVI-STRAUSS, Claude. 1958. “Documents Tupi-Kawahib”. In: Miscellanea Paul Rivet, octagenario dicata II. México, pp. 323-338., 1963)LÉVI-STRAUSS, Claude. 1963. “The TupiCawahib”. In: STEWARD, J. (org.). Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers Inc., pp. 299-305. para os povos do rio Machado, as alianças geram uniões entre grupos distintos que, ao longo do tempo, podem passar por processos de ruptura ou de novas alianças, numa característica típica de sistemas multibilaterais. Segundo Viveiros de Castro (1990: 45)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1990. “Princípios e Parâmetros: um comentário a L’Exercice de la parenté”. Comunicação do PPGAS 17. Rio de Janeiro: Museu Nacional., os sistemas multibilaterais são aqueles nos quais um parceiro matrimonial estabelece alianças com um número indeterminado de outros parceiros segundo a combinação de diversas trocas bilaterais localizadas. No caso, os diferentes grupos Kagwahiva estabeleciam vínculos entre grupos pelo casamento de primos cruzados (quando próximos) ou pela aliança (quando distantes).

Nos outros grupos Kagwahiva, tal constituição foi gradativamente sendo suprimida pela ação de regionais que passaram a ocupar o território indígena. O contato definitivo deu-se, no sul do Amazonas, com a abertura da Transamazônica no final dos anos de 1960 e no norte de Rondônia com a intensificação das frentes de expansão que chegaram na região nos anos de 1980. Os processos de regularização fundiária tiveram início nesse contexto.

OS ESTUDOS DE IDENTIFICAÇÃO

A regularização fundiária das Terras Indígenas toma como base a Constituição Federal de 1988, em particular o artigo 231 e seus parágrafos subsequentes (Brasil, 1988BRASIL. Constituição. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, Centro Gráfico.). O Decreto 1775 de 8 de janeiro de 1996 determina:

A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.

Já a Portaria 14 do Ministério da Justiça, de 09 de janeiro de 1996, estabelece regras para a elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e delimitação de Terras Indígenas.

Do ponto de vista do antropólogo, ele se vê como um mediador que vai contribuir com a realização de um estudo que dará a ver os limites de um território indígena de ocupação tradicional, compondo seu conhecimento com o conhecimento indígena (penso, aqui, nos termos de Viveiros de Castro [2002a]VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002a. “O nativo relativo”. Mana, v. 8, n. 1: 113-148. DOI: https://doi.org/10.1590/s0104-93132002000100005.
https://doi.org/10.1590/s0104-9313200200...
) e com os conhecimentos dos demais membros da equipe, tais como cartógrafos e ambientalistas, tornando evidente um direito sobre a terra.

Conforme vimos na abertura deste texto, o processo, certamente, inicia-se em período anterior, quando o antropólogo começa a compreender a organização social do povo estudado. Em geral, a participação em tais processos decorre do compromisso ético assumido com o povo indígena. Antes de partir a campo, em geral, busca-se os arquivos históricos e estudos anteriores sobre o povo que reivindica a regularização fundiária de suas terras.

Quando em campo, embora em uma articulação do chamado Grupo Técnico instituído por portaria da FUNAI, o antropólogo vê-se na condição de pesquisador que tem como objetivo o levantamento de informações etnográficas e registros topográficos que definem um território indígena.

Por meio de entrevistas, observações e notas, o antropólogo pretende levantar as informações necessárias que permitam vislumbrar possíveis limites para a terra indígena. É um estudo circunstanciado e multidisciplinar coordenado por ele, que realiza uma etnografia, mas que tem um sentido muito objetivo de produzir uma peça jurídica muito bem embasada e que justifique a futura demarcação dos limites apontados. Os termos do estudo circunstanciado elaborado pelo antropólogo constam na referida Portaria 14 do Ministério da Justiça que estabelece tópicos que devem constar em todos os relatórios de identificação. Não há dúvidas sobre o apoio necessário para tal trabalho durante a estada no campo, fator que permite um outro tipo de relação do antropólogo com os indígenas no contexto do processo de identificação de limites. Há uma expectativa em relação ao resultado que não é uma tese, mas tampouco espera-se um relatório. O que se espera é que haja a demarcação da terra para dar maior segurança ao povo que nela habita.

Os pontos limites deverão ser justificados e compostos de modo a realizar a conjunção entre eles. Em outras palavras, para a perspectiva ocidental, a terra indígena deve ter limites (naturais ou não), compondo uma configuração organizada e consolidada.

Uma reflexão importante e que apresenta argumentos semelhantes aos aqui desenvolvidos pode ser encontrada em um artigo publicado por Dominique Gallois (2004)GALLOIS, Dominique Tilkin. 2004. “Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?”. In: RICARDO, Fany (org.) Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza. O desafio das sobreposições territoriais. São Paulo, Instituto Socioambiental, pp. 37-41.. A distinção que propõe entre terras ocupadas, territórios e territorialidades faz todo o sentido quando se pensa em processos de regularização fundiária. Para a autora, não há correspondência semântica entre terra e território. Terra Indígena relaciona-se ao processo político-jurídico, enquanto território seria a construção e a vivência culturalmente variável de uma sociedade específica e sua base territorial. Território não é apenas anterior à terra e a terra não é tão somente uma parte de um território. São noções absolutamente distintas. Além disso, “na transformação de um território em terra, passa-se das relações de apropriação (que prescindem de dimensão material) à nova concepção, de posse ou propriedade” (Gallois, 2004GALLOIS, Dominique Tilkin. 2004. “Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?”. In: RICARDO, Fany (org.) Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza. O desafio das sobreposições territoriais. São Paulo, Instituto Socioambiental, pp. 37-41.: 39).

Tomando como referência os Waiãpi, povo com o qual tem uma longa trajetória de convivência, mostra como o enfrentamento do modo de ser alheio levou à reivindicação de uma base territorial exclusiva. Através de um processo de aprendizado de gestão do coletivo, os Waiãpi passaram de uma esparsa rede de sociabilidade para um “nós waiãpi” (Gallois, 2004GALLOIS, Dominique Tilkin. 2004. “Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?”. In: RICARDO, Fany (org.) Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza. O desafio das sobreposições territoriais. São Paulo, Instituto Socioambiental, pp. 37-41.: 39-40). Segundo a autora, os estudos antropológicos realizados evidenciam a ausência da noção de território:

“Análises como esta procuram descrever as concepções indígenas a partir de noções abertas de território e de limites, extremamente variáveis. Esses estudos também mostram que a ideia de um território fechado só surge com as restrições impostas pelo contato, pelos processos de regularização fundiária, contexto que inclusive favorece o surgimento de uma identidade étnica (Gallois, 2004GALLOIS, Dominique Tilkin. 2004. “Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?”. In: RICARDO, Fany (org.) Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza. O desafio das sobreposições territoriais. São Paulo, Instituto Socioambiental, pp. 37-41.: 39).

No caso Kagwahiva, a ampla ocupação regional de tais grupos levou à constituição de distintos territórios e, consequentemente, diferentes identidades étnicas. Ainda que haja a noção de um “nós Kagwahiva”, ela estabelece-se como uma identidade ampla constituída de diversos povos que habitam seus próprios territórios e possuem seus próprios modos de ser. Por outro lado, ainda hoje, dada a pressão da frente de expansão, tem-se informações sobre povos em isolamento voluntário. Em alguns casos, há a possibilidade de serem falantes da língua Tupi-Kagwahiva.

Como antropólogo que trabalhou na região e que realizou estudos de identificação penso que nos compete, para além da peça jurídica, compreender os sentidos relacionais interpostos nas percepções indígenas acerca de seu próprio território9 9 Convém destacar que os Kagwahiva, como diversos povos na Amazônia e alhures, possuem como característica a necessidade de desenhar mapas no chão de terra para explicar ao interlocutor sobre lugares ou acontecimentos que marcam a paisagem (Bertolin, 2014: 69). . Essa percepção articula múltiplas imagens, camadas, lugares com recorte geográfico (rios, igarapés, encontros de águas, montanhas) e lugares de memória (locais de acontecimentos, lutas, conflitos, aldeias velhas, roçados antigos). No limite, algo como traduzir uma dimensão vivida da terra para um registro jurídico e antropológico denominado Terra Indígena. De uma perspectiva que dialoga com Dominque Gallois (2004)GALLOIS, Dominique Tilkin. 2004. “Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?”. In: RICARDO, Fany (org.) Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Natureza. O desafio das sobreposições territoriais. São Paulo, Instituto Socioambiental, pp. 37-41., Marcela Coelho de Souza tem desenvolvido um interessante e importante trabalho coletivo na Universidade de Brasília e que tem como foco a passagem, também tematizada aqui, entre território (a dimensão vivida) e Terra Indígena (registro político-jurídico):

Todavia, se todo o procedimento de identificação dirige-se a traduzir a primeira na segunda, e depende assim deste apagamento (caso contrário, o conceito não funcionaria como dobradiça capaz de articular um direito que antecede ao Direito à ordem jurídica instituída por este último), sabemos — etnograficamente — que esta tradução e esse apagamento sempre deixarão escapar algo. Pois há entre essas duas terras uma diferença de mundos” (Coelho de Souza et al., 2017COELHO DE SOUZA, Marcela et al. 2017. T/terras indígenas e territórios conceituais: incursões etnográficas e controvérsias públicas. Projeto de pesquisa. Entreterras, [S.l.], v. 1, n. 1: 1-61.: 19)

No final, é preciso apresentar um relatório que fundamente os limites territoriais e que será lido por diversos profissionais, mas que tem, principalmente, uma dimensão jurídica. O fator determinante, talvez, seja o relatório apresentar evidências daquilo que constitui uma relação. No caso, a relação de um coletivo com seu território.

Essa conjunção entre um coletivo e sua territorialidade (e posteriormente seus territórios) foi o que acabou me vinculando ética e politicamente com os povos indígenas do sul do estado do Amazonas. Muito embora não tenha sido, inicialmente, meu tema de pesquisa, ele chegou a mim por uma necessidade premente do momento em que vivíamos (e que vivemos). Para além da devolução de meus estudos, o que se pedia era um compromisso que veio a se configurar como elemento marcador de nossas relações.

A ESCRITA NO CAMPO

Muito embora a zona de ocupação dos povos Kagwahiva seja o espaço entre os rios Madeira e Tapajós, internamente as definições entre grupos distintos sempre foram bem demarcadas. No caso, os registros mostram que os povos eram referidos de duas maneiras: pelo nome do líder ou por um registro topográfico das proximidades do local de habitação. Ainda que diversos nomes tenham ficado registrados na documentação histórica (como os Parintintin, por exemplo), os próprios Kagwahiva referem-se uns aos outros por nomes de antigos líderes ou de lugares e que podem remeter também a grupos que já não existem mais. Assim, há entre os Tenharin diversos homens que descendem de antigos parentes dos Parintintin, mas que se casaram com mulheres Tenharin e nunca mais retornaram a viver com seu grupo. O subgrupo desses homens Parintintin provavelmente não existe mais. Vimos acima o registro de Freitas que relata um alto índice de mortalidade dos povos indígenas na região. Em outra ocasião, escrevi sobre a constituição múltipla de tais grupos, distribuídos ao longo de todo o território (Peggion, 2016PEGGION, E. A. 2016. “Um histórico da organização social tupi-kagwahiva (Rondônia e sul do Amazonas, Brasil)”. Thule. Rivista italiana di studi americanistici, v. 38/39-40/41: 439-448.). Entre os Tenharin do rio Marmelos (Ytyngyhu) habitavam também, até final dos anos de 1990, os Jiahui.

Os Jiahui sofreram profundamente as agruras do contato com a sociedade brasileira, em particular com a ditadura militar. Acossados pela chegada do maquinário que abria a Transamazônica, não viram outra alternativa que não aceitar o contato. Como solução dada, na época, foram levados para viver junto aos Tenharin do rio Marmelos. Antes disso, provavelmente diversos membros dos Jiahui já estavam dispersos pela região. Tratados como escravos por José Garcia de Freitas do SPI, foram obrigados a trabalhar na própria terra em troca da sobrevivência durante largos anos. É bem provável que os Jiahui levados a viver com os Tenharin tenham sido os últimos remanescentes que tinham pouquíssimo contato com a sociedade nacional.

A chegada da estrada ganhou contornos de acontecimento mítico nas narrativas dos Jiahui, como se fosse (e efetivamente foi) o prenúncio de uma tragédia. Os tratores abrindo o solo da estrada causaram forte impressão nos Jiahui:

Nosso caminho... até hoje tá marcado. Então depois que a estrada varou nós ficamos lá onde eu vou te mostrar cemitério. Aí nos escutamos - uma hora dessa - nós escutamos zoada. Aí: - Será que é avião? Nós chama avião evytevaé. Será que é evytevaé que tá engatado num pau? Por que até agora vira de dia de noite, tudo...Aí marcamos pra olhar, né? (Ñagwea’i & Irá, 1999).

Aí avisaram todo mundo... aí varou lá... a estrada, falar com o pessoal, naquele tempo a Paranapanema... aí o Kari ficou aqui, aí outro de responsabilidade do Tenharin, levaram nós lá pro Marmelos... Aí agarraram nós pelo braço, minha irmã tudo, minha mãe, aí nós queria escapulir, mas não tinha condições mais não. (Ñagwea’i & Irá, 1999).

Entre os Tenharin, os remanescentes Jiahui casaram-se e passaram a viver, mas nunca abandonaram a ideia de retomar seu território tradicional. Por volta dos anos de 1990, em reuniões realizadas entre os Tenharin e os Jiahui, acordou-se que haveria um apoio aos segundos para a retomada de seu território. O local vizinho aos Tenharin do rio Marmelos, sempre foi reconhecido como terra dos Jiahui.

Nessa condição realizei os estudos de identificação da Terra Indígena em questão. Os Jiahui já haviam mudado para ocupar seu território tradicional extensamente registrado e documentado. Conforme pudemos notar, os relatórios do SPI e mapas davam conta da localização deste povo. Em 1999, estive entre eles para realizar o estudo de identificação da terra. Partimos em uma equipe composta por mim, como antropólogo coordenador, uma ambientalista, um cartógrafo, um representante do Instituto de Terras do Amazonas e dois técnicos da FUNAI para o levantamento fundiário. Acompanhados dos representantes Jiahui realizamos diversas expedições no interior do território para registrar pontos importantes que depois seriam transportados para as cartas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

A transposição, com o recurso do GPS10 10 Instrumento fundamental em processos de identificação territorial, o GPS (Global Positioning System) hoje encontra-se disseminado. e o conhecimento técnico do cartógrafo, causavam impressão em todos nós. Como compreender a referência e a passagem entre contextos simbólicos distintos? De uma paisagem específica para uma folha de papel? Na medida em que os dias passavam, o mapa provisório ganhava novos contornos, constituindo, aos poucos e de maneira muito meticulosa, o que compreendemos como Terra Indígena. Mas a transposição entre símbolos não parecia se pautar, exclusivamente, em pontos geográficos11 11 Tomo como referência para pensar os símbolos a perspectiva de Lévi-Strauss: “Sem dúvida, tais símbolos podem ser homogêneos, como acontece na oposição entre verão e inverno, terra e água, terra e céu, alto e baixo, esquerda e direita, vermelho e preto (ou outras cores), nobre e plebeu, forte e fraco, primogênito e caçula etc. Mas às vezes se observa uma simbolização diferente, em que a oposição se dá entre termos logicamente heterogêneos, como estabilidade e mudança, estado (ou ato) e processo, ser e devir, sincronia e diacronia, simples e ambíguo, unívoco e equívoco, todas elas formas de oposições que, ao que parece, podem ser subsumidas numa única, a oposição entre contínuo e descontínuo” (LéviStrauss, 2008: 168). É possível pensar, também, na perspectiva de Roy Wagner (2010) e na relação dos símbolos com a convenção e a invenção. . Ao contrário, o que se catalogava durante as viagens eram eventos e lugares de memória. Além disso, cada viagem tinha seu próprio percurso catalogado, tornando o território um mapa e os registros uma forma de escrita. Para ilustrar meu argumento, apresento a seguir alguns registros realizados entre os Jiahui. Em meu diário de campo tomei algumas notas que foram convertidas nas observações que seguem:

Saímos bem cedo naquele dia por conta do percurso a ser realizado. Ñagwea’i havia, no dia anterior, relatado sobre um caminho que levava a um grande castanhal, no interior do território. Ao compreender os sentidos dados aos mapas, Ñagwea’i resolveu atender meu pedido e desenhar, ele próprio, um mapa parcial do território que daria conta da viagem do dia seguinte. Seu mapa não era constituído de limites, mas de caminhos. E tais caminhos eram marcados por locais antigos, locais de caça e de retirada de castanha.

Tomamos o rumo sugerido por Ñagwea’i e adentramos na densa floresta. Em tais situações é importante que se prepare equipamentos, tais como máquina fotográfica, GPS, lanternas, pilhas, cadernos. Além disso, é importante também que se leve alguma comida. Nada disso, no entanto, pode atrapalhar o longo trajeto com obstáculos que se enfrentará.

Um bom recurso para o que é conhecido como “merenda” no Amazonas é portar um saco plástico no qual veio acondicionado originalmente arroz (há uma preferência por tais sacos plásticos dada a sua resistência). No interior deste saco verte-se cerca de meio quilo de farinha d’água. Leva-se conjuntamente uma lata de sardinha que será misturada à farinha no momento da refeição.

Após muitas horas de caminhada e muitos pontos registrados, sugeriu-se uma parada para a refeição. O local escolhido era o leito seco de um igarapé (o trabalho foi feito no verão amazônico, quando pequenos igarapés secam). Imediatamente preparamos a nossa mistura. Ao chacoalhar a sardinha, o óleo e a farinha, tem-se uma ótima farofa que pode ser consumida com as mãos. Enquanto descansávamos e conversávamos sobre o território, Irá, que nos acompanhava sempre atento às informações importantes, disse que, embora conhecesse de longa data aquele pequeno igarapé no interior do território, o fato de ser intermitente deixou-o sem um registro definido. Pediu que registrássemos aquele ponto no GPS e disse que a partir daquele dia o igarapé chamaria “Igarapé da Sardinha”. Ato contínuo, apontou para o local onde estava a latinha vazia, mas que já havia sido devidamente recolhida por algum membro da equipe, cujos princípios ecológicos não permitiriam que a lata ficasse como lixo no interior da terra indígena. A lata certamente seria recolhida, mas não a memória do evento do qual havíamos participado...

Uma outra presença constante em caminhadas como as de cima é Mbahíra. Segundo tais povos, Mbahira, herói central da cosmologia, ainda vive entre nós. No entanto, ele vive no interior das pedras, e a pedra é o símbolo de seu registro. Antigamente, os Kagwahiva tinham a prática de encabar machados de pedra encontrados no território. Tais machados são considerados vestígios deixados por Mbahíra (Mbahira tagwera, bosta de Mbahira). Gabriel Garcêz Bertolin, em sua dissertação de mestrado também notou que

os principais pontos de referência desta espacialidade kagwahiva são as aldeias antigas, os locais onde há terra preta - local que aponta para roçado dos antigos -, local onde se encontra a cobra grande, aldeia do herói cultural Mbahira, locais bons para se caçar ou pescar e diversos outros pontos de referência que constituem esta paisagem (Bertolin, 2014BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos.: 68).

Em percursos realizados no interior da terra indígena, sempre que encontrávamos pedrais, diziam ser elementos ligados a Mbahíra. Em roçados antigos, mandiocas petrificadas eram o alimento de Mbahira e serras e montanhas são as suas moradas. Uma conexão entre a socialidade e a sociabilidade sempre foi evidente para mim12 12 Compreendo socialidade e sociabilidade a partir de uma leitura de Eduardo Viveiros de Castro (2002b). Em seu texto “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco” (Viveiros de Castro, 2002b), o tema é tratado de várias formas: a vida ritual (socialidade) e a vida cotidiana (sociabilidade), a linha que desce e a linha que sobe, atualização e contraefetuação (com inspiração em Deleuze). Entendo, pelos seus argumentos, que o tempo da constituição do mundo, no qual humanos e não humanos conviviam, é o tempo da socialidade. Nele vigoraria a afinidade plena que precisa ser atualizada permanentemente para tornar-se sociabilidade e, consequentemente, produzir a consanguinidade. Nesse caso, a vida cotidiana, o mundo atual, seria o da sociabilidade mantida pelas trocas matrimoniais e pela dádiva. Há, segundo o autor, uma tensão permanente, e essa sociabilidade pode contraefetuar-se. Além disso, entendo que ambas podem estar no tempo presente, podem coexistir, pois são processos. . Embora as pedras tenham vínculo direto com o principal herói mítico que, dentre outras coisas, deu o fogo para os Kagwahiva, nada impedia o uso delas. As Mbahira tagwera, por exemplo, ganhavam novos cabos de madeira e as regiões chamadas de Itaky (“pedra de amolar”) eram apreciadas, pois as pedras são ótimas amoladoras de facas. Assim, em quase todos os contextos em que estivemos conjuntamente discutindo sobre o território, os elementos que os Kagwahiva mobilizaram diziam mais respeito aos caminhos (varadouros, locais de eventos importantes em tempos remotos ou recentes) do que aos limites, propriamente.

SOBRE OS CAMINHOS

Fernando Santos-Granero (2005)SANTOS-GRANERO, Fernando. 2005. “Writing history into the landscape: Yanesha notions of space and territoriality”. In: SURRALLÉS, Alexandre & HIERRO, Pedro Garcia (org.). The land whithin. Indigenous territory and the perception of Environment. Copenhagen, IWGIA (International Work Group for Indigenous Affairs), pp. 170-198. chama as marcas na paisagem entre os Yanesha de topographic writing, produtos da ação de humanos ou de super-humanos. Os “topogramas” são elementos da paisagem que adquirem sua configuração no presente como resultado da ação de tais seres no passado (Santos-Granero, 2005SANTOS-GRANERO, Fernando. 2005. “Writing history into the landscape: Yanesha notions of space and territoriality”. In: SURRALLÉS, Alexandre & HIERRO, Pedro Garcia (org.). The land whithin. Indigenous territory and the perception of Environment. Copenhagen, IWGIA (International Work Group for Indigenous Affairs), pp. 170-198.: 186-187); como signos, evocam coisas, eventos, deuses e podem ser combinados e recombinados como se fossem mitemas. Eles contribuem para preservar a memória de importantes eventos históricos (Santos-Granero, 2005SANTOS-GRANERO, Fernando. 2005. “Writing history into the landscape: Yanesha notions of space and territoriality”. In: SURRALLÉS, Alexandre & HIERRO, Pedro Garcia (org.). The land whithin. Indigenous territory and the perception of Environment. Copenhagen, IWGIA (International Work Group for Indigenous Affairs), pp. 170-198.: 190).

No caso Kagwahiva, sempre foi notável o referencial ligado a eventos importantes, tanto aqueles míticos quanto os eventos históricos, cuja narrativa é feita, inclusive, por pessoas que vivenciaram o acontecimento. Há os lugares que pertencem a alguns líderes e cuja “propriedade” remete a alguém que fundou o lugar (parente ascendente), tirou a primeira castanha, fez o primeiro roçado. As aldeias Tenharin não possuem uma fundação aleatória. Embora quase todas estejam localizadas ao longo da Transamazônica, há nelas um recurso de memória que efetiva o direito do grupo de viver no local. Até mesmo os castanhais são parte dessa autoridade. No entanto, diferentemente de nossa noção de propriedade, quando eu perguntava sobre os usos dos locais, não havia restrição, desde que o “dono” fosse informado13 13 Os termos utilizados como “propriedade” e “dono”, embora tenham ressonâncias com o tema tratado, por exemplo, em Fausto (2008), aqui são categorias nativas que parecem remeter mais aos tempos em que existiam os seringais. Em geral, castanhais ou lugares de antigas aldeias têm um dono e seu uso por outros está implicado na comunicação ao proprietário do lugar, mas não a um impedimento absoluto. Sobre donos de castanhais, ver Araújo (2019:134). . Um outro contexto no qual a palavra dono reaparece é na realização do ritual Mboatawa, um ritual que acontece anualmente por volta de julho-agosto e que mobiliza todas as aldeias. Há sempre um dono da festa, que vai designar uma série de auxiliares que irão caçar, pescar, moquear as carnes, preparar a farinha e organizar todo o processo ritual (Bertolin, 2014BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos.). É importante destacar que o fluxo de caçadores e pescadores segue, em geral, pelo rio Marmelos. Voltarei ao assunto. Além disso, durante a realização do ritual parece ocorrer um achatamento espaço-temporal, no qual o tempo presente e o passado tornam-se únicos e há uma viva experiência de alteridade.

Da mesma maneira, nos processos de identificação das terras indígenas, sempre houve esse descompasso: diante de uma preocupação em definir um limite para um determinado espaço que seria, a partir de então, reconhecido como uma Terra Indígena, os interlocutores devolviam vida. Tudo era muito presente, muito atual. As explicações sobre os acontecimentos, em lugares específicos, eram sempre marcadas por ênfases e admiração.

Ao contrário de pensar em limites, sempre se buscava articular os referenciais por meio dos caminhos. E os caminhos não são, necessariamente, os limites. Os caminhos criam relações, através da paisagem, de humanos entre si e de humanos com não humanos. Mais do que instituir um território enquanto espaço delimitado, há sempre uma percepção de um emaranhado relacional cujas referências partem sempre da aldeia na qual se habita no momento. E há mais. Há acampamentos de pesca, acampamentos de retirada de castanha, acampamentos de caça. Todos interconectados, por via fluvial ou trilhas.

Andar na floresta com os Kagwahiva é uma experiência que remete à escrita, pois há uma leitura da paisagem que reporta tanto ao mito (morada de Mbahira) quanto a acontecimentos históricos (conflitos, contatos, eventos). Como Stephen Hugh-Jones mostra para o Alto rio Negro, é como se o mito aparecesse sob uma variedade de formas (Hugh-Jones, 2012HUGH-JONES, Stephen. 2012. “Escrever na pedra, escrever no papel”. In: ANDRELLO, Geraldo (org.). Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do Rio Negro. São Paulo, Instituto Socioambiental/FOIRN.: 148) e, como no caso dos Yanesha, aquele que lê tais registros não necessariamente vivenciou os acontecimentos, fazendo da paisagem algo que remete à memória (Santos-Granero, 2005SANTOS-GRANERO, Fernando. 2005. “Writing history into the landscape: Yanesha notions of space and territoriality”. In: SURRALLÉS, Alexandre & HIERRO, Pedro Garcia (org.). The land whithin. Indigenous territory and the perception of Environment. Copenhagen, IWGIA (International Work Group for Indigenous Affairs), pp. 170-198.). Para além de uma experiência exclusivamente pessoal, a paisagem Kagwahiva é um conhecimento que, em contextos de definição de territórios e regularização fundiária, passou a ser fundamental.

Voltando ao relato do ano de 1999, estávamos organizando diversos percursos, munidos de GPS para registrar os locais importantes para os Jiahui. Estimulado por mim e interessado na caracterização do mapa que estava em curso durante o trabalho, Ñagwea’i resolveu desenhar o território em folhas de sulfite que eu havia levado.

Figura 2
Mapa do Território Jiahui feito em 1999 por Ñagwea’i

Para além de uma preocupação com a definição de limites, Ñagwea’i demarcou caminhos e trajetos realizados por ele e pelos outros membros do grupo. O segundo traço do lado esquerdo, de onde saem diversos caminhos, é a rodovia Transamazônica e o círculo duplicado à direita é o castanhal Tañoapina. Não há limites, mas caminhos que conectam lugares fundamentais para a sobrevivência dos Jiahui.

O foco em torno da noção de limites sempre teve uma perspectiva de conhecimento que operou em outros campos nos quais o caminho foi a referência que caracterizou um outro tipo de mapa. De vários mapas feitos de caminhos na floresta, todos eles marcados por eventos míticos e históricos, para um mapa cartograficamente definido e registrado em papel. Tais reflexões nos aproximaram, posteriormente, das proposições do antropólogo inglês Tim Ingold. Em particular de suas reflexões sobre a relação entre movimento, conhecimento e descrição (Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar Vivo. Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes.). Meu argumento, aqui, relaciona-se à ideia do autor de que as vidas não são vividas dentro de lugares, mas através e em torno de lugares (Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar Vivo. Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes.: 219)

Ao contrário de parecer que os limites são desnecessários, é importante ressaltar que eles se fundam justamente na relação com um tipo de evento que age sobre ele. As invasões em locais carregados de sentidos topográficos e, muitas vezes, a perda de tais lugares, foram definidas, para o caso Yanesha como “dessacralização” (Santos-Granero, 2005SANTOS-GRANERO, Fernando. 2005. “Writing history into the landscape: Yanesha notions of space and territoriality”. In: SURRALLÉS, Alexandre & HIERRO, Pedro Garcia (org.). The land whithin. Indigenous territory and the perception of Environment. Copenhagen, IWGIA (International Work Group for Indigenous Affairs), pp. 170-198.: 182). É o que ocorre, muito provavelmente, em todos os contextos nos quais os registros de memória têm também uma dimensão topográfica.

Pois as coisas que os habitantes conhecem não são fatos. Um fato simplesmente existe. Mas para os habitantes as coisas não tanto existem quanto ocorrem. Repousando na confluência de ações e respostas, elas são identificadas não pelos seus atributos intrínsecos, mas pelas memórias que evocam. Assim, as coisas não são classificadas como fatos, ou tabuladas como dados, mas narradas como histórias. E todos os lugares, como um conjunto de coisas, é um nó de histórias (Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar Vivo. Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes.: 227).

Cada caminhante deixa, ao longo da vida, uma trilha e diversos nós, que perfazem uma grande malha (Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar Vivo. Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes.). Tais malhas, muitas vezes podem ultrapassar contextos delimitados, constituindo mapas não definíveis pela geografia convencional.

As linhas conectando estas destinações compreendem uma rede que está espalhada por toda a superfície, e “fixada” em cada um de seus nós. Para o peregrino, no entanto, o mundo não é apresentado como uma superfície a ser atravessada. Em seus movimentos, ele costura o seu caminho por este mundo, ao invés de atravessá-lo de um ponto a outro (Ingold, 2015INGOLD, Tim. 2015. Estar Vivo. Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis, Vozes.: 223).

No sul do Amazonas, a visão da distribuição espacial Kagwahiva é de uma multiplicação de nós que se espraiam pela região (Peggion, 2017PEGGION, Edmundo A. 2017. “Os povos Kagwahiva do sul do Amazonas: de multiplicidades a múltiplas unidades”. Comunicação apresentada no Seminário 25 anos de “História dos índios no Brasil”. CEstA/USP.). Conforme vimos, os diversos grupos e muitos outros que já não existem mais distribuíam-se ao longo de toda a faixa que se estende entre os rios Madeira e Tapajós. Havia conhecimento dos coletivos entre si, que viviam entre a aliança e o conflito (Peggion, 2016PEGGION, E. A. 2016. “Um histórico da organização social tupi-kagwahiva (Rondônia e sul do Amazonas, Brasil)”. Thule. Rivista italiana di studi americanistici, v. 38/39-40/41: 439-448.). No entanto, como se dava esse conhecimento? Pelas informações dos Tenharin cada grupo Kagwahiva era referido pelo nome de seu líder ou de alguma referência geográfica (rios, serras). Na documentação, os Tenharin aparecem como Apairandê, que eu suponho seja uma referência onomástica a Nhaparundi, tido como um dos primeiros do grupo. Tempos atrás, alteraram para Ytingyhu, em referência ao rio Marmelos e, recentemente, passaram a se autodenominar como Pyri. Os Tenharin do Igarapé Preto, por sua vez, autodenominam-se Yvytytyruhu em referência à serra do entorno, mas são chamados pelos Tenharin do rio Marmelos como Tenondé em razão da localização (em referência a eles próprios). Em geral, os chamados líderes eram sogros que conduziam seus grupos domésticos entre a aliança e o conflito, ocupando lugares específicos do território. Tais conexões entre grupos ficaram registradas em diversos locais: são os pontos de malha que constituem as memórias de todos os Kagwahiva da região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O percurso realizado neste texto procurou mostrar como, em uma determinada região, o processo de ocupação indígena respondia a uma dinâmica inerente às formas de organização social. Em um primeiro momento, as referências aos povos indígenas davam conta de uma ampla ocupação territorial constituída por pequenas unidades como grupos domésticos. Com a presença não indígena mais efetiva, documentos começaram a indicar grupos localizados e nominados etnicamente, mas ainda difusos. No começo do século XX, com o SPI efetivando uma ação direta sobre os povos indígenas, as múltiplas unidades vão ganhando contorno com nomes específicos e uma configuração étnica mais efetiva. No sul do Amazonas, tais grupos deram início à luta pelas suas terras, que somente tiveram seus limites levantados na década de 1980. Ainda assim, muitas delas ficaram sem regularização até os anos de 1990 e 2000.

Nesse período — entre 1990 e 2000 — foi possível participar de processos de regularização fundiária na região. Com base na nova legislação vigente à época, que estabelecia um conjunto de elementos fundamentais para a identificação de uma Terra Indígena (Constituição Federal de 1988, Decreto 1775/96 e Portaria 14/96 do Ministério da Justiça), vários estudos foram realizados. Nesse contexto, o presente artigo foi uma tentativa de elaborar uma reflexão inspirada nas circunstâncias nas quais o antropólogo vê-se como responsável pela definição de limites nos quais habita um povo indígena.

A experiência mostrou que o laudo antropológico deve conjugar a experiência de campo e a escrita para, substancialmente, criar um mapa. E os registros do mapa devem ser entendidos, também, em parâmetros outros que os nossos. Uma terra indígena deve ser pensada na confluência de relações que entrecruzam socialidade e sociabilidade, como uma articulação entre fluxos, caminhos e malhas mais do que um espaço delimitado com fronteiras.

No sul do Amazonas, por exemplo, foi possível notar que a passagem do território para a Terra Indígena articulou, em outros termos, os fluxos relacionais que já existiam antes. Pode-se mesmo imaginar uma apropriação ontológica em um contexto no qual há a disputa entre distintas ontologias (Almeida, 2013ALMEIDA, Mauro W. Barbosa de. 2013. “Caipora e outros conflitos ontológicos”. R@u - Revista de Antropologia da UFSCar, v. 5, n. 1: 7-28. DOI: https://doi.org/10.52426/rau.v5i1.85.
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).

No caso dos Tenharin do rio Marmelos, há duas referências geográficas fundamentais nos dias atuais: o rio Marmelos e a rodovia Transamazônica (BR-230). Em artigos anteriores tentei mostrar como os ciclos matrimoniais dos povos Kagwahiva de Rondônia, registrados por Lévi-Strauss (1958LÉVI-STRAUSS, Claude. 1958. “Documents Tupi-Kawahib”. In: Miscellanea Paul Rivet, octagenario dicata II. México, pp. 323-338., 1963LÉVI-STRAUSS, Claude. 1963. “The TupiCawahib”. In: STEWARD, J. (org.). Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers Inc., pp. 299-305.), continuam a ocorrer no sul do Amazonas, mas de uma outra forma (Peggion, 2016PEGGION, E. A. 2016. “Um histórico da organização social tupi-kagwahiva (Rondônia e sul do Amazonas, Brasil)”. Thule. Rivista italiana di studi americanistici, v. 38/39-40/41: 439-448., 2017PEGGION, Edmundo A. 2017. “Os povos Kagwahiva do sul do Amazonas: de multiplicidades a múltiplas unidades”. Comunicação apresentada no Seminário 25 anos de “História dos índios no Brasil”. CEstA/USP.). Conforme vimos, o autor chamava a atenção para matrimônios realizados através da aliança com grupos vizinhos (também falantes do Tupi Kagwahiva) que replicavam, nas gerações posteriores, casamentos com primos cruzados bilaterais. Com o tempo, os ciclos de casamento de primos tendiam a restringir as possibilidades matrimoniais no interior do grupo local, levando a novos ciclos de aliança.

Com a abertura da rodovia Transamazônica, no final dos anos de 1960, a presença não indígena intensificou-se. Muitos Tenharin chegaram a trabalhar para as empresas que estavam abrindo as estradas e participaram da aproximação com os remanescentes Jiahui referidos neste texto. Para além disso, a estrada tornou-se um referencial geográfico novo e permanente no contexto Kagwahiva. Em 1993, a aldeia Marmelos era dividida em quatro setores que agregavam grupos domésticos aliados entre si. Os marcos divisores eram a estrada e o rio. Ao longo dos anos, a estrada foi se configurando, efetivamente, como um referencial de ocupação para a constituição de novas aldeias. Conforme nos mostrou Bertolin (2014)BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos., a rodovia é reconhecida como “caminho comprido” e, em sua opinião, opõe-se às diversas trilhas na mata. Muito embora tenha estabelecido um estado de tensão permanente, hoje praticamente todas as novas aldeias são à margem da BR-230. E tais aldeias surgem justamente na ruptura dos grupos domésticos e na constituição de novas alianças, nos mesmos moldes já apontados por Lévi-Strauss (1958LÉVI-STRAUSS, Claude. 1958. “Documents Tupi-Kawahib”. In: Miscellanea Paul Rivet, octagenario dicata II. México, pp. 323-338., 1963LÉVI-STRAUSS, Claude. 1963. “The TupiCawahib”. In: STEWARD, J. (org.). Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers Inc., pp. 299-305.) para os Kagwahiva do rio Machado.

A dispersão continua sendo elemento central para os Kagwahiva e os pontos de tensão são nas relações entre sogros e genros. A diferença é que as novas unidades, atualmente, recebem o nome de aldeias e cada uma delas pode conter diversos grupos domésticos. No entanto, a abertura ainda ocorre na intersecção entre grupos domésticos e a iniciativa de partir cabe sempre a alguém que tenha algum prestígio. Esse sogro, de acordo com sua influência, poderá constituir uma nova aldeia e poderá contar com o apoio de outros grupos domésticos em sua iniciativa.

A parte importante é que se percebe que, mesmo com todo o impacto e a pressão do entorno das terras indígenas, é forte o funcionamento de formas tradicionais que vinculam parentesco e território. O movimento nunca ocorre de maneira aleatória, mas no retorno a antigos locais de habitação de onde partiu alguém que manteve, no passado recente, algum vínculo com o grupo doméstico, aqueles que são reconhecidos como “donos” do lugar. Esse movimento, por sua vez, pode funcionar como medida de proteção contra ações de invasão ao território agora delimitado, mas que há bem pouco tempo era totalmente indígena.

Se por um lado a rodovia Transamazônica constituiu-se um marco na ocupação por aldeias, o eixo constituído pelo rio Marmelos tornou-se determinante para a realização do ritual Mboatwa. É justamente seguindo seu fluxo que seguem os familiares e que permanecem na mata por um período caçando e pescando para a realização da festa. A estrada é tensão, é fluxo de humanos, de afinidade e de consanguinidade. O rio, por sua vez, é o caminho dos antigos, dos não humanos, para onde se parte em busca de fartura para a realização do ritual Mboatawa. É nas grandes pedras do rio Marmelos que habita Mbahira.

Assim, ainda que os limites marquem um outro regime de conhecimento, os Kagwahiva sabem que eles tornaram-se fundamentais, dada a frente de expansão que tomou o sul do Amazonas nos últimos anos. Além disso, os marcadores topográficos onde assentam as memórias de cada um dos coletivos estão vivos. E são continuamente renovados.

  • 1
    Este artigo surgiu a partir de minha experiência em processos de regularização fundiária dos quais participei no sul do estado de Amazonas. O estímulo a desenvolver a reflexão veio da participação em dois eventos: como coordenador da mesa “Ações em Terras: Ocupar, Retomar, Demarcar, Mapear e Caminhar”, durante o II Encontro de Etnologia, História e Política Indígena, em setembro de 2018 na UFSCar e como debatedor na mesa “Políticas e Dinâmicas Territoriais durante o Seminário Conjuntos Multicomunitários nas Terras Baixas Sul-americanas”, em novembro de 2018 na Unicamp. Partes deste trabalho foram apresentadas nos seguintes eventos, ambos em 2019: no XLI Convegno Internazionale di Americanistica, Perugia, Itália e no Canteiro de Antropologia - Jornadas da Caatinga na Universidade Federal do Vale do São Francisco em São Raimundo Nonato, no Piauí. A presente versão é parte de uma reflexão maior que conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP n. 2018/19262-9). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.
  • 2
    Em uma reunião com os Tenharin no mês de outubro de 2018, observei que os documentos da Associação estavam sendo grafados com “Tenharin”, com “n” final. Perguntei às lideranças presentes na reunião as razões e me foi dito que haviam acordado que, a partir de agora, seria assim. Neste sentido, passo também a grafar Tenharin e não mais Tenharim.
  • 3
    Miguel Angel Menéndez produziu uma importante reflexão sobre os povos indígenas da região. Além de estudos sobre o contexto etnográfico ou etnohistórico (Menéndez, 1981/1982MENÉNDEZ, Miguel A. 1981/1982. “Uma contribuição para a etno-história da área Tapajós-Madeira”. Revista do Museu Paulista v. 28: 289-388.; 1984/1985MENÉNDEZ, Miguel A. 1984/1985. “Contribuição ao estudo das relações tribais na Área Tapajós-Madeira”. Revista de Antropologia. v. 27-28: 271-286. https://www.jstor.org/stable/41618578
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    ), escreveu também sobre questões ligadas às terras (Menéndez, 1984MENÉNDEZ, Miguel A. 1984. Avaliação da situação dos Tenharim (Kawahiwa) do rio Marmelos, Estado do Amazonas. Brasília, FIPE/POLONOROESTE.) e uma tese sobre os Tenharin (Menéndez, 1989MENÉNDEZ, Miguel A. 1989. Os Tenharim. Uma contribuição ao estudo dos Tupi Centrais. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade de São Paulo.).
  • 4
    Na ocasião da viagem para a pesquisa de mestrado eu não tinha certeza de que haveria algum tipo de exigência de retorno. Quando, em campo, notei que os Tenharin não cobrariam um retorno financeiro, pois acabei sendo vinculado ao prof. Miguel Menéndez. De qualquer modo havia uma expectativa de apoio de algum tipo.
  • 5
    Entre os Tenharin, Tavejara é o termo usado para chefe. No dicionário do Summer Institute of Linguistics temos: “ta-: indica modo de ação positiva e desejada. / ta-: indica modo de ação negativa desejada ou ordem negativa; / ocorrem juntos a um prefixo e um sufixo. / -ovajar: caça repartida ao meio ou em quatro partes. / -ovajar: matador” (Betts, 1981BETTS, LaVera. 1981. Dicionário ParintintinPortuguês Português-Parintintin. Brasília: Summer Institute of Linguistics.).
  • 6
    Picada é uma abertura na mata que estabelece o limite físico da Terra Indígena. Em geral possui cerca de seis metros de largura e é intercalada por marcos e placas indicativas.
  • 7
    Argumento semelhante encontra-se em Sáez (2015: 279)SÁEZ, Oscar Calávia. 2015. “O território, visto por outros olhos”. Revista de Antropologia, v. 58, n. 1: 258-284. DOI: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2015.102108.
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    : “Para irritação dos antiindígenas, e talvez até para desmaio dos pró-indígenas, o contencioso territorial indígena nunca parece chegar a um final feliz. Não me refiro (só) a situações como as do Nordeste ou do Sul do Brasil, onde a demografia densa e os interesses econômicos fortes opõem sérias resistências ao reconhecimento dos índios e, portanto - como manda a Constituição -, de suas terras, senão mesmo a situações como as dos Yaminawa, onde uma pressão fundiária relativamente fraca facilitou o reconhecimento e a demarcação. A terra demarcada já parece demais para os oponentes da causa indígena, mas a reivindicação continua”.
  • 8
    Recentemente foi lançado o filme intitulado Piripkura, dirigido por Bruno Jorge, Mariana Oliva e Renata Terra, que relata o drama vivido por dois sobreviventes na região do rio Madeirinha no norte de Mato Grosso e que são provavelmente remanescentes de algum grupo Kagwahiva.
  • 9
    Convém destacar que os Kagwahiva, como diversos povos na Amazônia e alhures, possuem como característica a necessidade de desenhar mapas no chão de terra para explicar ao interlocutor sobre lugares ou acontecimentos que marcam a paisagem (Bertolin, 2014BERTOLIN, Gabriel Garcêz. 2014. Entre Outros: uma Análise da Transformação Ritual entre os Kagwahiva. São Carlos, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de São Carlos.: 69).
  • 10
    Instrumento fundamental em processos de identificação territorial, o GPS (Global Positioning System) hoje encontra-se disseminado.
  • 11
    Tomo como referência para pensar os símbolos a perspectiva de Lévi-Strauss: “Sem dúvida, tais símbolos podem ser homogêneos, como acontece na oposição entre verão e inverno, terra e água, terra e céu, alto e baixo, esquerda e direita, vermelho e preto (ou outras cores), nobre e plebeu, forte e fraco, primogênito e caçula etc. Mas às vezes se observa uma simbolização diferente, em que a oposição se dá entre termos logicamente heterogêneos, como estabilidade e mudança, estado (ou ato) e processo, ser e devir, sincronia e diacronia, simples e ambíguo, unívoco e equívoco, todas elas formas de oposições que, ao que parece, podem ser subsumidas numa única, a oposição entre contínuo e descontínuo” (LéviStrauss, 2008LÉVI-STRAUSS, Claude. 2008. “As organizações dualistas existem?” In: LÉVISTRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo, Cosac Naify, pp. 147-178.: 168). É possível pensar, também, na perspectiva de Roy Wagner (2010)WAGNER, Roy, 2010. A invenção da cultura. São Paulo, Cosac Naify. e na relação dos símbolos com a convenção e a invenção.
  • 12
    Compreendo socialidade e sociabilidade a partir de uma leitura de Eduardo Viveiros de Castro (2002b)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002b. “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco”. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify.. Em seu texto “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco” (Viveiros de Castro, 2002bVIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002b. “Atualização e contraefetuação do virtual: o processo do parentesco”. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac Naify.), o tema é tratado de várias formas: a vida ritual (socialidade) e a vida cotidiana (sociabilidade), a linha que desce e a linha que sobe, atualização e contraefetuação (com inspiração em Deleuze). Entendo, pelos seus argumentos, que o tempo da constituição do mundo, no qual humanos e não humanos conviviam, é o tempo da socialidade. Nele vigoraria a afinidade plena que precisa ser atualizada permanentemente para tornar-se sociabilidade e, consequentemente, produzir a consanguinidade. Nesse caso, a vida cotidiana, o mundo atual, seria o da sociabilidade mantida pelas trocas matrimoniais e pela dádiva. Há, segundo o autor, uma tensão permanente, e essa sociabilidade pode contraefetuar-se. Além disso, entendo que ambas podem estar no tempo presente, podem coexistir, pois são processos.
  • 13
    Os termos utilizados como “propriedade” e “dono”, embora tenham ressonâncias com o tema tratado, por exemplo, em Fausto (2008)FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos demais: maestria e domínio na Amazônia”. Mana, v. 14, n. 2: 329-366. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200003.
    https://doi.org/10.1590...
    , aqui são categorias nativas que parecem remeter mais aos tempos em que existiam os seringais. Em geral, castanhais ou lugares de antigas aldeias têm um dono e seu uso por outros está implicado na comunicação ao proprietário do lugar, mas não a um impedimento absoluto. Sobre donos de castanhais, ver Araújo (2019:134)ARAÚJO, Jordeanes do Nascimento. 2019. O Fenômeno da Liderança Tupi Kagwahiva : Trajetórias sociais, Resistências e Movimento Indígena no Sul do Amazonas. Araraquara, Tese de Doutorado. Universidade Estadual Paulista..
  • FINANCIAMENTO: FAPESP

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    » https://doi.org/10.52426/rau.v5i1.85
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Depoimentos:

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2020
  • Aceito
    05 Ago 2021
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