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Ocupando o cubo branco: reflexões sobre a entrada da pixação no mundo da arte

Taking the white cube: reflections on the entrance of pixação into the art world

RESUMO

Neste artigo descrevemos e analisamos a entrada da pixação no mundo da arte. Ao reconstituir situações que contribuíram com este trânsito, mostramos que o estigma e criminalização desta prática na esfera pública não impediram a sua gradual entrada em certos circuitos artísticos.Embora o processo de artificação da pixação envolva diferentes eventos e sujeitos, defendemos que ele resulta em grande medida de estratégias desencadeadas pelos próprios pixadores. Tal como ocupam as superfícies da cidade, eles e elas ocuparam o mundo da arte para fundar um lugar próprio. As reflexões apresentadas se baseiam em pesquisa sobre arte urbana realizada entre os anos de 2017 e 2021, que recorreu à análise de documentos e entrevistas em profundidade com um conjunto de atores sociais envolvidos neste contexto.

PALAVRAS CHAVE:
Pixação; arte urbana; artificação; mundo da arte; São Paulo

ABSTRACT

The article describes and analyzes the entrance of pixação into the art world. By reconstructing situations that contributed to this transit, we show that the stigma and criminalization of this practice in the public sphere did not prevent its gradual admission into certain artistic circuits. Although the artification process of pixação involves different events and social actors, we argue that it results largely from strategies triggered by pixadores themselves. As they occupy the city's surfaces, they occupied the art worlds to find their own place. The reflections presented are based on research on urban art carried out between the years 2017 and 2021, which resorted to analyzing documents and in-depth interviews with a set of social actors involved in this context.

KEYWORDS:
Pixação; urban art; ratification; art worlds; São Paulo

INTRODUÇÃO

Desde início deste milênio o número de pesquisas e a bibliografia em torno de diversas intervenções visuais de rua de índole informal tem aumentado. Nesta categoria incluímos o graffiti, a street art e a pixação, como expressões originalmente vinculadas a práticas de natureza informal e/ou ilegal produzidas no espaço público. Alguns autores defendem, inclusive, que estamos perante um campo acadêmico emergente (Ross et al, 2017ROSS, Jeffrey Ian; BENGTSEN, Peter; LENNON, John F.; PHILLIPS, Susan; WILSON, Jacqueline Z. 2017. “In search of academic legitimacy: The current state of scholarship on graffiti and street art”. The Social Science Journal, n. 54: 411-419. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.soscij.2017.08.004
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). Neste âmbito a pixação como fenómeno social e urbano, tem sido examinada por diversos autores (Campos e Leal, 2021CAMPOS, Ricardo; LEAL, Gabriela. 2021. “An Emerging Art World: the desubculturalization and artification process of graffiti and pixação in Sao Paulo”. International Journal of Cultural Studies, 24(6): 974-992. https://doi.org/10.1177/13678779211018481
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; Diógenes, 2017DIÓGENES, Glória. 2017. “Arte, Pixo e Política: dissenso, dissemelhança e desentendimento”. Revista Vazantes, vol. 1, n. 2: 115-134. Recuperado de http://periodicos.ufc.br/vazantes/article/view/20500
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; Diógenes e Pereira, 2020DIÓGENES, Glória; PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2020. “Rasuras, ruídos e tensões no espaço público no Brasil: por onde anda a arte de rua brasileira?”. Dilemas Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 13, n.3:759-779. DOI https://www.doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.25206
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; Franco 2009FRANCO, Sergio. 2009. Iconografias da metrópole: grafiteiros e pixadores representando o contemporâneo. São Paulo, Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo.; Lassala, 2010LASSALA, Gustavo. 2010. Pichação não é pixação. São Paulo, Altamira Editorial., 2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.; Pereira, 2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.; Pizzinato et al, 2017PIZZINATO, Adolfo; TEDESCO, Pedro de Castro; HAMANN, Cristiano. 2017. “Intervenções visuais urbanas: sensibilidade(s) em arte, grafite e pichação”. Psicologia & Sociedade, n.29: e169375. DOI https://www.doi.org/10.1590/1807-0310/2017v29169375
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; Viegas e Saraiva, 2015VIEGAS, Glauce Cristine Ferreira Santos; SARAIVA, Luiz Alex Silva. 2015. “Discursos, práticas organizativas e pichação em belo horizonte”. RAM. Revista de Administração Mackenzie,vol. 16, n. 5: 68-94 DOI 10.1590/167869712015/administracao.v16n5p68-94
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), sendo geralmente entendida como uma forma de transgressão, reprimida pelas autoridades e estigmatizada pelos poderes públicos.

A perspectiva adotada neste artigo aponta noutra direção, procurando explorar uma faceta menos evidente da pixação. O objetivo principal deste texto é o de descrever e analisar o processo de entrada da pixação no mundo da arte. 1 1 Mobilizamos o termo mundo da arte a partir de Howard Becker (1982). Embora existam muitos mundos da arte, esta noção é empregada aqui de maneira ampliada a fim de englobar os diferentes mundos da arte em que a pixação transita, desde aquele relacionado à street art até o da arte contemporânea. O fato desta ser uma manifestação desvalorizada e estigmatizada na esfera pública não a impediu de ser gradualmente acolhida em certos circuitos artísticos. Consequentemente alguns pixadores têm conseguido singrar neste campo, redefinindo estratégias, práticas e identidades. Para analisar este processo baseamo-nos principalmente no conceito de artificação, desenvolvido pela socióloga Roberta Shapiro (2004SHAPIRO, Roberta. 2004. “Qu’est-ce que l’artification?”. Congrès de l’AISLF, tours, juillet 2004 comité de recherche 18 sociologie de l’art 2. https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00010486v2/file/Artific.pdf
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; 2012SHAPIRO, Roberta. 2012. “Avant-Propos”. In: SHAPIRO, Roberta ; HEINICH, Nathalie (orgs.) De l’artification. Enquêtes sur le passage à l’art. Paris, EHESS, pp. 20-21.; 2019SHAPIRO, Roberta. (2019) “Artification as Process”. Cultural Sociology, vol. 13, n. 3: 265-275. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519854955
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). Entendemos a artificação como um processo complexo e não-linear, que se cruza com outros processos sociais que têm vindo a ser descritos na literatura e que remetem para a institucionalização, mercadorização ou patrimonialização das intervenções visuais de rua de índole informal (Bengtsen, 2014BENGTSEN, Peter. 2014. The street art world. Lund, Almendros de Granada Press.; Ross et al. 2020ROSS, Jeffrey Ian; LENNON, John F.; KRAMER, Ronald. 2020. “Moving beyond Banksy and Fairey: Interrogating the cooptation and commodification of modern graffiti and street art”. Visual Inquiry, vol. 9, n.1-2: 5-23. DOI https://www.doi.org/10.1386/vi_00007_2
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; Campos e Barbio, 2020CAMPOS, Ricardo; BARBIO, Leda. 2021. “Public strategies for the promotion of urban art. The Lisbon Metropolitan Area Case”. City and Community, vol. 20, n. 2: 121-140. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1535684121992350
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; Campos e Sequeira, 2018CAMPOS, Ricardo; SEQUEIRA, Ágata. 2018. “O mundo da arte urbana emergente: contextos e atores”. Todas as Artes. Revista Luso-Brasileira de Artes e Cultura, vol. 1, n. 2: 70-93. DOI https://www.doi.org/10.21747/21843805/tav1n2a4
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; 2019CAMPOS, Ricardo; SEQUEIRA, Ágata. 2019. “Entre VHILS e os Jerónimos: Arte Urbana de Lisboa enquanto objecto turístico”. Horizontes Antropológicos, vol. 25, n. 55: 119-151. DOI https://www.doi.org/10.1590/S0104-71832019000300005
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).

No artigo argumentamos que o processo de artificação, que envolve diversos agentes sociais, não tem debatido em profundidade o papel da agência individual - ou coletiva, como no caso da pixação - dos artistas enquanto motores da transformação. No caso em análise, defendemos que a artificação da pixação resulta em grande medida de estratégias desencadeadas pelos próprios pixadores, algumas delas gerando forte impacto e controvérsia, colocando a pixação no centro do debate. Deste modo, a agência dos pixadores foi fundamental para forçar um processo que, de outro modo, dadas as imensas resistências sociais, seria muito mais lento ou mesmo impossível.

As reflexões apresentadas a seguir se baseiam em pesquisa recente sobre arte urbana em São Paulo e Lisboa, realizada entre os anos de 2017 e 2021, que recorreu à análise de diversos documentos e entrevistas em profundidade a um conjunto de atores sociais, tal como pixadores, galeristas, curadores. A seleção dos interlocutores foi feita a partir da identificação de seu protagonismo e relevância no contexto de pesquisa - identificação suportada por pesquisas anteriores dos autores - e também através do método bola de neve, que consiste em indicações sucessivas dos próprios entrevistados. Optamos por preservar o nome de rua2 2 Ao longo do texto o itálico será empregado para destacar categorias e conceitos êmicos, além de termos em língua estrangeira. O nome de rua é aquele pelo qual pixadores são conhecidos no rolê da pixação, alguns destes nomes estão visíveis nas superfícies da cidade. dos pixadores, dada a centralidade do seu protagonismo e agência para a discussão aqui elaborada, escolha autorizada por eles.3 3 Aproveitamos para agradecê-los pelo consentimento, colaboração, comentários e conhecimento compartilhado ao longo da pesquisa. Por outro lado, omitimos o nome de curadores, produtores e galeristas a fim de preservar suas identidades, conforme acordado nas entrevistas. Deve-se pontuar, de partida, que, no que concerne à pixação, o recorte é marcadamente masculino, o que reflete uma característica desta prática. Contudo, embora não esteja contemplado neste artigo, é fundamental enfatizar a recente visibilização do protagonismo de mulheres que começa a repercutir, inclusive, em meios de comunicação.4 4 Ver Mulheres pixadoras quebram a barreira de gênero nas ruas. Disponível em: https://elastica.abril.com.br/especiais/mulheres-pixadoras-rua-arte-feminismo-assedio/. Acesso em: 16 mai. 2021. A pixadora ENERI é um exemplo paradigmático, seja pela pixação ou pelos trânsitos no mundo da arte.

ARTIFICAÇÃO: A TRANSFORMAÇÃO DA NÃO-ARTE EM ARTE

Entendemos que os processos que estamos a analisar se podem integrar naquilo que tem sido trabalhado no âmbito da sociologia da arte sob a denominação de artificação (Shapiro, 2004SHAPIRO, Roberta. 2004. “Qu’est-ce que l’artification?”. Congrès de l’AISLF, tours, juillet 2004 comité de recherche 18 sociologie de l’art 2. https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00010486v2/file/Artific.pdf
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; 2012SHAPIRO, Roberta. 2012. “Avant-Propos”. In: SHAPIRO, Roberta ; HEINICH, Nathalie (orgs.) De l’artification. Enquêtes sur le passage à l’art. Paris, EHESS, pp. 20-21.; 2019SHAPIRO, Roberta. (2019) “Artification as Process”. Cultural Sociology, vol. 13, n. 3: 265-275. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519854955
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; Shapiro e Heinich, 2012SHAPIRO, Roberta; HEINICH, Nathalie. 2012. “When is artification?”. Contemporary Aesthetics Special, n. 4. Disponível em Disponível em http://hdl.handle.net/2027/spo.7523862.spec.409 . Acesso em 14/05/2022.
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). O conceito de artificação reflete uma ideia basilar, segundo a qual a arte não é um dado adquirido (Shapiro, 2019SHAPIRO, Roberta. (2019) “Artification as Process”. Cultural Sociology, vol. 13, n. 3: 265-275. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519854955
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: 265). Ou seja, segundo Roberta Shapiro, autora que mais tem trabalhado o conceito, importa compreender os processos sociais por meio dos quais determinados bens (e seus produtores) ascendem ao campo social da arte. Neste sentido, a noção de artificação pretende detalhar as dinâmicas “de transformação da não-arte em arte” que resultam da “combinação de processos -práticos e simbólicos, organizacionais e discursivos - pelos quais as pessoas concordam em identificar um objeto ou uma atividade como arte” (Shapiro, 2012SHAPIRO, Roberta. 2012. “Avant-Propos”. In: SHAPIRO, Roberta ; HEINICH, Nathalie (orgs.) De l’artification. Enquêtes sur le passage à l’art. Paris, EHESS, pp. 20-21.: 20-21 - tradução nossa).

Numa revisão mais recente ao conceito, Shapiro (2019SHAPIRO, Roberta. (2019) “Artification as Process”. Cultural Sociology, vol. 13, n. 3: 265-275. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519854955
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) considera que o processo de artificação tem vindo a acelerar quando comparado há umas dezenas ou centenas de anos. Tal fato encontra-se bem patente num conjunto de expressões que surgiram a partir de meados do século passado, como os casos do graffiti, da street art ou da pixação. Estas situações estão suficientemente detalhadas na literatura, indicando-nos como estas expressões originalmente catalogadas como transgressivas, poluidoras e “fora do lugar” foram adquirindo um espaço particular no mundo da arte (Bengtsen, 2014BENGTSEN, Peter. 2014. The street art world. Lund, Almendros de Granada Press.; Campos e Sequeira, 2018CAMPOS, Ricardo; SEQUEIRA, Ágata. 2018. “O mundo da arte urbana emergente: contextos e atores”. Todas as Artes. Revista Luso-Brasileira de Artes e Cultura, vol. 1, n. 2: 70-93. DOI https://www.doi.org/10.21747/21843805/tav1n2a4
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; Castleman, 1982CASTLEMAN, Craig. 1982. Getting up: subway graffiti in New York. Cambridge, MIT Press.; Lachmann, 1988LACHMANN, Richard. 1988. “Graffiti as Career and Ideology”. American Journal of Sociology, vol. 94, n. 2: 229-250.; Wells, 2016WELLS, Maia Morgan. 2016. “Graffiti, street art, and the evolution of the art market”. In: ROSS, Jeffrey Ian (org.). Routledge Handbook of graffiti and street art. London & New York, Routledge, pp. 464-474.). O caso do graffiti é a este respeito exemplar. Pouco depois do seu surgimento no contexto norte-americano, diversas foram as galerias que acolheram exposições de graffiti-writers (Castleman, 1982CASTLEMAN, Craig. 1982. Getting up: subway graffiti in New York. Cambridge, MIT Press.; Lachmann, 1988LACHMANN, Richard. 1988. “Graffiti as Career and Ideology”. American Journal of Sociology, vol. 94, n. 2: 229-250.). A índole subversiva, inusitada e não-institucionalizada da prática despertou o interesse do mercado da arte. Este foi o início de um processo longo e paradoxal através do qual o estatuto do graffiti foi sendo socialmente questionado, oscilando frequentemente entre o estatuto da arte e o do vandalismo. Este fato reflete aquilo que Shapiro sustenta: este é um processo não linear e que se desenvolve a velocidades distintas, com tensões e paradoxos vários que decorrem de resistências que são impostas por diferentes setores da sociedade.

Este é igualmente um processo complexo e compósito, envolvendo um conjunto interligado de agentes e dinâmicas, entre os quais a autora destaca uma dezena de microprocessos (Shapiro, 2019SHAPIRO, Roberta. (2019) “Artification as Process”. Cultural Sociology, vol. 13, n. 3: 265-275. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519854955
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), a saber: deslocamento, renomeação, mudança de categorias, mudança organizacional e institucional, diferenciação funcional, redefinição do tempo, consolidação legal, patrocínio, formalização estética e intelectualização. De forma geral, podemos concluir que todos estes microprocessos aconteceramou acontecem de maneiraarticuladae em termos planetários no campo do graffiti, da street art e da pixação. Gostaríamos de nos focar nalguns destes, por considerarmos que têm maior relevância no campo em análise.

Em primeiro lugar, é de referir o processo de deslocamento. Uma das formas mais utilizadas para a valorização e reconfiguração dos bens estéticos é a sua retirada do contexto original, colocando-os noutro espaço ou circuito. Esse deslocamento passa, frequentemente, pela transição dos bens e dos seus produtores para os lugares onde se produz/exibe arte (galerias, museus, palcos). Esta é uma situação que ocorreu de forma evidente no caso das expressões informais de rua, que para se converterem em mercadoria artística passaram a figurar em diferentes suportes (tela, papel, esculturas, entre outros), permitindo a sua exibição e aquisição no mercado da arte (Dickens, 2010DICKENS, Luke. 2010. “Pictures on walls? Producing, pricing and collecting the street art screen print”. City, vol. 14, n.1: 63-81. DOI https://www.doi.org/10.1080/13604810903525124
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; Wells, 2016WELLS, Maia Morgan. 2016. “Graffiti, street art, and the evolution of the art market”. In: ROSS, Jeffrey Ian (org.). Routledge Handbook of graffiti and street art. London & New York, Routledge, pp. 464-474.). O seu lugar de origem - a rua e o espaço público - impediam a sua aquisição e privatização, desta forma, negando a possibilidade de conversão em mercadoria. Para além dos casos em que as obras entram de forma pacífica nas galerias e no circuito da arte, há ainda outros episódios curiosos em que obras foram arrancadas e, nalguns casos, roubadas do espaço público, de forma a converterem-se em bens móveis e comercializáveis. Esta situação aconteceu, por exemplo, com trabalhos de BANKSY ou BLU (Bengtsen, 2014BENGTSEN, Peter. 2014. The street art world. Lund, Almendros de Granada Press.).

Um segundo processo fundamental é o de renomeação. Neste caso, a mudança terminológica é crucial para a construção de uma nova representação em torno de certas práticas, objetos e pessoas. Muitas vezes este processo acompanha o deslocamento físico. Ou seja, a partir do momento em que um graffiti-writer ou pixador entra numa galeria ou museu, deixa de ser apelidado (apenas) de vândalo, para se tornar um (potencial) artista. Da mesma forma, a partir do momento em que certas expressões estéticas entram nos espaços consagrados da arte abrem a possibilidade de poderem ser tratadas como legítimas aspirantes à categoria de arte (ou movimento artístico). Verificamos que isto tem ocorrido ao longo de décadas tendo como objetivo as expressões informais de rua. Vários livros de arte foram dedicados ao graffiti, street art e, mais recentemente à pixação, da mesma forma que várias exposições temáticas também o foram. Mais recentemente, como corolário deste processo de renomeação que consagra estas expressões como um movimento artístico legítimo, encontramos diferentes museus especificamente destinados a estas manifestações. Nestecasodestacam-seosseguintes: The Museumfor Graffitiand Street Art-STRAAT (Amsterdam); Street Art Museum Amsterdam - SAMA; Museum of Graffiti (Miami); The Street Museum of Art - SmoA; Urban Nation (Berlin); Street Art Museum - SAM (St Petersburg). Adicionalmente a este movimento, é de se destacar que outros atores sociais também interferem de forma direta neste processo de renomeação, com destaque para os meios de comunicação e para os agentes políticos. Deste modo, a inclusão das expressões informais de rua no movimento genérico definido como Arte Urbana, pode ser entendido como corolário deste processo de renomeação.

Um terceiro processo de relevo diz respeito ao patrocínio. O patrocínio por parte de certas instâncias permite reconhecer as atividades como legítimas, mas também significa valorizá-las. Como refere Shapiro (2019SHAPIRO, Roberta. (2019) “Artification as Process”. Cultural Sociology, vol. 13, n. 3: 265-275. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519854955
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: 271 - tradução nossa), isto permite “manter uma percepção de diferença ontológica entre as artes e as outras atividades”, consideradas menores. Isto é especialmente relevante no caso de patrocínio por parte do Estado, quer em nível local, quer em nível nacional. Em diversos países temos práticas em que os poderes públicos têm intervindo patrocinando e acolhendo festivais de graffiti, street art e arte urbana, reconhecendo o seu valor para a dinamização econômica e cultural das cidades (Campos, 2021CAMPOS, Ricardo; LEAL, Gabriela. 2021. “An Emerging Art World: the desubculturalization and artification process of graffiti and pixação in Sao Paulo”. International Journal of Cultural Studies, 24(6): 974-992. https://doi.org/10.1177/13678779211018481
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; Campos e Barbio, 2020CAMPOS, Ricardo; BARBIO, Leda. 2021. “Public strategies for the promotion of urban art. The Lisbon Metropolitan Area Case”. City and Community, vol. 20, n. 2: 121-140. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1535684121992350
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; Grondeau e Pondaven, 2018GRONDEAU, Alexandre ;PONDAVEN, Florence. 2018. “Le street art, outil de valorisation territoriale et touristique: l’exemple de la Galeria de Arte Urbana de Lisbonne”. EchoGéon. 44. DOI https://www.doi.org/10.4000/echogeo.15324
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; Guinard e Margier, 2017GUINARD, Pauline; MARGIER, Antonin. 2017. “Art as a new urban norm: Between normalization of the City through art and normalization of art through the City in Montreal and Johannesburg”.Cities, n. 77: 13-20. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.cities.2017.04.018
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).

Por último, não podemos ignorar o processo de intelectualização da prática. Neste âmbito estamos a falar da produção sustentada de análises e comentários sobre as práticas, a criação de critérios de julgamento estético, a crítica artística, entre outros. Neste contexto um conjunto de agentes intervêm, sendo que não é de excluir o papel que a academia tem desempenhado neste âmbito. Para além disso surgem curadores, críticos de arte e galeristas que contribuem para esta dinâmica.

Uma das consequências das transformações que descrevemos foi a gradual valorização simbólica e pecuniária das obras. A valorização simbólica destas expressões permite que estas se transformem em mercadorias (artísticas) e que, por conseguinte, o criador deixe de ser entendido como um simples amador, passando a ser concebido como um profissional do setor criativo ou artístico. Há, por isso, uma reconversão identitária que passa por uma nova categorização das práticas, sendo que do ponto de vista individual surgem um conjunto de novas expectativas e ambições profissionais. A artificação permite que certos graffiti-writers e pixadores passem a ser qualificados de artistas, sendo as suas obras classificadas como arte urbana ou, simplesmente, arte. Como corolário deste processo muitos artistas com background ligado ao graffiti ou pixação têm adquirido forte prestígio nacional e internacional.

A situação brasileira acompanha as tendências globais, com uma crescente valorização social, primeiro do graffiti e da street art, e mais recentemente, da pixação. Convém, no entanto, sublinhar que estas expressões continuam a ocupar um espaço paradoxal e ambivalente no campo das artes, oscilando entre a rua e a galeria (e museu), entre o vandalismo e arte. Como movimento artístico, ocupam um nicho particular, competindo no campo da arte pública (presente no espaço público) e da arte contemporânea comercial (presente em galerias e museus).

A artificação não ocorre num vácuo, mas em estreita conexão com um conjunto de outros processos sociais que contribuem para ou são influenciados pela artificação destas expressões. Por um lado, temos uma crescente regulação e institucionalização destas expressões estéticas (Bengtsen, 2014BENGTSEN, Peter. 2014. The street art world. Lund, Almendros de Granada Press.; Campos e Barbio, 2020CAMPOS, Ricardo; BARBIO, Leda. 2021. “Public strategies for the promotion of urban art. The Lisbon Metropolitan Area Case”. City and Community, vol. 20, n. 2: 121-140. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1535684121992350
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; Schacter, 2014SCHACTER, Rafael. 2014. “The ugly truth: Street Art, Graffiti and the Creative City”. Art & the Public Sphere, vol. 3, n.2: 161-176. DOI https://www.doi.org/10.1386/aps.3.2.161_1
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; Waclawek, 2011WACLAWEK, Anna. 2011. Graffiti and Street Art. London, Thames & Hudson .; Young, 2014YOUNG, Alison. 2014. Street art, Public City. London & New York, Routledge .) na medida em que são comissionadas e patrocinadas por diferentes agentes públicos e privados. Por outro lado, observamos sua gradual mercantilização (Dickens, 2010DICKENS, Luke. 2010. “Pictures on walls? Producing, pricing and collecting the street art screen print”. City, vol. 14, n.1: 63-81. DOI https://www.doi.org/10.1080/13604810903525124
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; Molnár, 2018MOLNÁR, Virág. 2018. “The business of urban coolness: Emerging markets for street art”. Poetics, n. 71: 43-54. DOI https://www.doi.org/10.1016/j.poetic.2018.09.006
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; Ross et al, 2020ROSS, Jeffrey Ian; LENNON, John F.; KRAMER, Ronald. 2020. “Moving beyond Banksy and Fairey: Interrogating the cooptation and commodification of modern graffiti and street art”. Visual Inquiry, vol. 9, n.1-2: 5-23. DOI https://www.doi.org/10.1386/vi_00007_2
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) que circula pelos meios de comunicação e pelas indústrias culturais, o que contribui para a sua normalização no espaço público. Tudo isto confirma que estamos a falar de bens com valor de mercado, que dinamizam diversos setores da economia, que vão do mercado da arte ao turismo cultural urbano (Campos e Sequeira, 2019CAMPOS, Ricardo; SEQUEIRA, Ágata. 2019. “Entre VHILS e os Jerónimos: Arte Urbana de Lisboa enquanto objecto turístico”. Horizontes Antropológicos, vol. 25, n. 55: 119-151. DOI https://www.doi.org/10.1590/S0104-71832019000300005
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).

BREVE PANORAMA DA PIXAÇÃO DE SÃO PAULO

A emergência da pixação se deu de maneira territorialmente circunscrita - em São Paulo, nos anos 1980 - mas não se limitou a este território. Ao longo dos anos, ela se espraiou e passou a ocupar as superfícies de outras cidades - brasileiras e de outros países - ganhando características locais por onde chegou. O xarpi (anagrama de pixar), do Rio de Janeiro, e a pixação de Salvador, na Bahia, são casos paradigmáticos desta disseminação territorial e adaptação local. Embora não seja raro, especialmente no âmbito internacional, a pixação ser enquadrada como uma variação da tag, elemento constituinte do graffiti, essa definição carece de precisão, sobretudo ao considerar outros aspectos que não somente as características estéticas. Se, de um lado, é possível estabelecer aproximações entre o graffiti e a pixação no contexto brasileiro, como, por exemplo, a origem nas periferias e sujeitos que transitam entre ambas as práticas; de outro lado, é importante ressaltar que estamos a falar de práticas distintas, com dimensões estéticas, políticas, morais e corporais próprias. Isto não implica dizer que são práticas completamente apartadas, ao contrário, graffiti-writers e pixadores compartilham (e disputam) os espaços e superfícies da cidade, trocam saberes, possuem alianças e partilham éticas que asseguram a sua coexistência nesse contexto.

A grafia pixação, com “x”, adotada pelos pixadores, marca uma diferença em relação à grafia pichação, com “ch”, reconhecida pelas regras oficiais da ortografia da língua portuguesa. Conforme registrado por diferentes pesquisadores (Franco, 2009FRANCO, Sergio. 2009. Iconografias da metrópole: grafiteiros e pixadores representando o contemporâneo. São Paulo, Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo.; Lassala, 2010LASSALA, Gustavo. 2010. Pichação não é pixação. São Paulo, Altamira Editorial.; Pereira, 2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.) para os pixadores, a grafia com “x” nomeia não apenas a prática de fazer inscrições, mas também maneiras de ser e fazer; já a grafia com “ch” tem um caráter coletivizador e homogeneizador, visto que abarca um conjunto diverso de intervenções visuais urbanas, como aquelas de cunho poético e político. As inscrições da pixação - os pixos - se caracterizam pelos traços retos, longilíneos, angulosos e monocromáticos, estética elaborada em diálogo com os encartes de CDs de bandas punk e heavy metal dos anos 1980 (Pereira, 2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.). As letras dos pixos são personalizadas por cada pixador ou grupo de pixadores com o objetivo de criar uma identidade própria e se destacar nas superfícies da cidade. A compreensão desta tipografia exige uma iniciação que permite a sua leitura e possibilita a apreensão de elementos que evidenciam uma esfera de competição, desafio e conquista de status - o ibope. De forma geral, esta escrita é composta por três elementos: a grife, símbolo que indica a aliança entre grupos de pixadores; a marca ou pixo, nome de um grupo ou de um indivíduo que pixa de forma independente; e a abreviação do nome ou apelido daqueles presentes no momento da ação (Lassala, 2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.; Pereira, 2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.). Outro aspecto que caracteriza a pixação é a escolha das superfícies a serem pintadas: geralmente (mas não somente) localizadas nas fachadas e topo de prédios, o que demanda técnicas do corpo 5 5 Referência ao conceito clássico de Marcel Mauss (2003) específicas para invadir edifícios e realizar escaladas sem o auxílio de equipamentos. A seleção do local a ser pixado se dá em diálogo com a conquista de ibope, uma vez que quem pinta mais alto e em lugares de difícil acesso conquista maior respeito e admiração entre os pixadores. Como bem nos lembra Alexandre Pereira (2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.), no meio da pixação quem não é visto não é lembrado. Não por acaso, é possível identificar entre os pixadores um esforço em contornar a efemeridade inerente às inscrições no espaço urbano, o que levou a produção de artefatos. A composição de álbuns que congregam registros fotográficos e recortes de revistas e jornais é uma prática bastante disseminada. Além disso, deve-se destacar as folhinhas - folhas de papel onde os pixos são reproduzidos pelos seus autores e são trocadas e colecionadas - fundamentais para conhecer e se fazer conhecer, bem como para preservar a memória da pixação, conferindo perenidade das inscrições no tempo. 6 6 Deve-se notar que a composição de álbuns fotográficos e a prática de recolha de assinaturas em suportes de papel também estão presentes, em dinâmica semelhante, no graffiti (Castleman, 1982; Cooper e Chalfant, 2016 [1984]).

Figura 1
Prédio pixado na região central de São Paulo.

A emergência da pixação em São Paulo foi prontamente acompanhada por reações do poder público e das forças policiais. Desde os anos 1980, a repressão e a postura punitivista se fazem presentes, ganhando maior ou menor ênfase em função dos interesses dos grupos políticos e econômicos que ocupam a gestão municipal. Esta abordagem ganhou o apoio dos grandes meios de comunicação e de parcelas significativas da população, resultando em discursos que advogam contra a pixação a partir de noções como sujeira, feiura, vandalismo e crime. De maneira sintética, pode-se afirmar que tais narrativas são elaboradas a partir de duas características principais da pixação. A primeira diz respeito à dificuldade de ler os pixos e assimilar sua estética, o que resulta na não apreciação e no não reconhecimento de sentido. O outro aspecto refere-se às superfícies escolhidas para serem pintadas, cuja feitura muitas vezes implica na invasão dos edifícios, o que, sob esta perspectiva, representaria uma ameaça à segurança de moradores e proprietários.

A estética, os modos de fazer e as superfícies ocupam, pois, a centralidade dos discursos contrários à pixação e seus protagonistas. Nestas narrativas, o esforço em aproximá-los do universo do crime é evidente e se apoia em uma equação que posiciona uma certa ideia de vandalismo num polo diametralmente oposto a uma concepção de arte ligada a uma norma visual e estética específica e a uma preocupação com a propriedade privada. Trata-se de uma postura que difere daquela geralmente adotada diante de intervenções da street art que se aproximam desta norma e, por conseguinte, enfrentam menor estigma e repressão por parte das forças policiais e da opinião pública. O pânico moral (Cohen, 2002COHEN, Stanley. 2002. Folk Devils and Moral Panics: The creation of the Mods and Rockers. London and New York, Routledge.) que envolve a pixação identifica esta prática e seus protagonistas como estando deslocados (out of place), isto é, como sendo uma fonte de perigo e um problema a ser resolvido, o que se assemelha a descrições registradas em pesquisas sobre o graffiti (Austin, 2001AUSTIN, Joe. 2001. Taking the train: how graffiti art became an urban crisis in New York City. New York, Columbia University Press.; Cresswell, 1992CRESSWELL, Tim. 1992. “The Crucial ‘Where’ of Graffiti: A Geographical Analysis of Reactions to Graffiti in New York”. Environment and Planning D: Society and Space, vol. 10, n. 3: 329-344. DOI https://www.doi.org/10.1068%2Fd100329
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; Ferrell, 1996FERREL, Jeff. 1996. Crimes of Style: urban graffiti and the politics of criminality. Boston, Northeastern University Press.; Leal, 2018LEAL, Gabriela. 2018. Cidade: modos de ler, usar e se apropriar Uma etnografia das práticas de graffiti de São Paulo. São Paulo, Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo.).

Este pânico moral, deve-se ressaltar, não tem somente consequências simbólicas, mas também de ordem jurídica. Esta representação e postura diante das intervenções visuais urbanas de São Paulo - especialmente em relação à pixação -resultou na criação de dispositivos jurídicos que visam assegurar a sua repressão e punição. Esta é uma discussão complexa e que não caberá desenvolver aqui, mas que vem sendo registrada em outras pesquisas (Leal, 2018LEAL, Gabriela. 2018. Cidade: modos de ler, usar e se apropriar Uma etnografia das práticas de graffiti de São Paulo. São Paulo, Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo.; Pereira, 2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.). Para a presente discussão, é importante ressaltar que a pixação é uma prática considerada ilegal e, portanto, crime em São Paulo.

PIXAÇÃO E ARTE: RECONSTITUINDO TRÂNSITOS E TRAJETÓRIAS

OCUPANDO O CUBO BRANCO

A despeito do estigma e da criminalização, a pixação não somente resistiu ao longo dos anos, como vem alçando novos voos. Nas últimas duas décadas, assistimos a uma aproximação com o mundo da arte, movimento este que se tornou um ponto de inflexão e iniciou uma nova fase da pixação de São Paulo (Franco, 2009FRANCO, Sergio. 2009. Iconografias da metrópole: grafiteiros e pixadores representando o contemporâneo. São Paulo, Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo.; Lassala, 2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.; Pereira, 2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.). Embora os primeiros trânsitos em espaços institucionais de arte tenham se dado nas últimas duas décadas, para compreender este movimento é necessário lançar um olhar para suas ancestralidades, responsáveis por construir as bases para essa posterior aproximação. Conforme veremos, trata-se de um percurso construído ao longo do tempo e por diferentes situações e sujeitos. A reconstituição que apresentamos a seguir não tem como objetivo dar conta da totalidade de acontecimentos desencadeados nesse percurso de artificação, mas de chamar atenção para eventos que, segundo avaliação dos interlocutores da pesquisa, foram decisivos para delinear os contornos atuais da relação entre a pixação e o mundo da arte.

Nos anos 1990, ainda que de maneira circunscrita, surgiram dentro da pixação as primeiras reivindicações do seu estatuto de arte, período em que esta prática ocupava somente as seções policiais dos meios de comunicação. A este respeito, pode-se destacar a figura de DI, considerado um dos melhores pixadores de todos os tempos entre seus pares. Em 1992, quando tinha 17 anos, ele produziu uma escultura de concreto de cerca de 2 metros de altura a partir de seu pixo e a expôs na região do Parque Ibirapuera, local marcado pela presença de monumentos. Em seguida, escreveu uma carta ao governador, com o intuito de requerer o reconhecimento e a valorização da sua arte. 7 7 A carta pode ser lida na íntegra no portal Beside Colors: http://besidecolors.com/carta-di-1992/. Acesso em: 13 mai. 2021. Em entrevista à pesquisa, DINO, amigo próximo de DI, disse que na carta ele era contundente e o argumento da reivindicação baseava-se no fato de já ter feito muita arte na cidade: a pixação. O pioneirismo das ações e ideias de DI deixaram resíduos e lançaram questões para a geração seguinte pensar e elaborar. 8 8 Infelizmente DI não pode presenciar os desdobramentos destes movimentos iniciais. Em 1997, aos 22 anos, ele foi assassinado em decorrência de uma briga de bar, conforme matéria da Revista Vaidapé. Disponível em: http://vaidape.com.br/2016/09/di-o-homem-que-arranhou-o-ceu/. Acesso em: 13 mai. 2021.

Resolvi tentar fazer da pixação uma arte, construindo com as minhas próprias mão um tipo de monumento e a coloquei no Ibirapuera, mas ninguém se interessou, é por esse motivo que escrevo essa carta e mando esta foto que é do monumento que fiz para ver se tinha algum jeito de vocês publicá-la, para todos tomarem o conhecimento que a pixação não é tão assim como eles acham.(Trecho retirado da carta de DI para o governador)

Figura 2
Exposição “DI” Pixar é Humano, A7MA Galeria, em 2016.

Os desdobramentos destes primeiros pensamentos e movimentos aconteceriam na primeira década dos anos 2000, período que ficou marcado por um conjunto diverso de aproximações entre a pixação e o mundo da arte. Em 2006, foi lançado um dos primeiros livros dedicado à pixação, Ttssss... A grande arte da pixação em São Paulo (2006BOLETA (org.). 2006. Ttsss... A grande arte da pixação em São Paulo. São Paulo, Ed. do Bispo.), uma edição bilíngue organizada por BOLETA - pixador, graffiti-writer e artista - e que reuniu registros do fotógrafo João Wainer e textos do mesmo, de Pinky Wainer e Xico Sá. Para Gustavo Lassala (2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.), a publicação foi pioneira em abordar a pixação como expressão artística, algo ainda inédito no debate público, embora isso tenha sido feito de forma ensaística e sem a elaboração de um argumento, o que limitou seus efeitos. No ano seguinte, outro livro foi lançado, Pixação: São Paulo Signature (2007CHASTANET, François. 2007. Pixação: São Paulo Signature. Paris, XGpress.), de François Chastanet, primeira obra dedicada à pixação no âmbito internacional. Ambas publicações foram importantes para ampliar a circulação de outras representações e interpretações a respeito da pixação.

Em 2007, a Pinacoteca do Estado de São Paulo recebeu a intervenção Pixo, Logo existo!. 10 10 Ver Pixo, Logo Existo! em ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, disponível em:http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra71023/pixo-logo-existo. Acesso em: 17 mar. 2021. O projeto foi coordenado por Celso Gitahy, um dos pioneiros do stencil e da street art na cidade. A intervenção aconteceu nas grades externas da Pinacoteca, onde foram pendurados rostos de personalidades, feitos em stencil, acompanhados por balões de HQ com inscrições feitas por pixadores convidados. Neste episódio, alguns elementos são significativos, pois ao mesmo tempo que indicam uma aproximação dos pixadores com o campo da arte, também sinalizam que isso não foi feito sem restrições por parte das instituições artísticas. O evento não recebeu o nome de exposição, mas de intervenção, e aconteceu nas grades, do lado de fora do museu. Apesar disso, ao relembrar o episódio, DINO avalia sua importância:

Foi a primeira vez que a gente não ia só ter essa inserção na arte; o que a gente teve, naquele momento, foi um marco, porque a gente teve voz para falar. Vieram as curadoras da Pinacoteca, veio um curador de Nova Iorque, vieram escutar a gente, ninguém nunca tinha escutado. Acho que esse foi o maior ponto, de abertura .

(DINO, pixador, artista e empreendedor, agosto de 2019)

Ainda no ano de 2007, os diretores João Wainer e Roberto Oliveira iniciaram as gravações do documentário Pixo, que seria lançado em 2009 e seria responsável por ampliar a escala de visibilidade da pixação de São Paulo, revelando aos olhos do mundo as dinâmicas e modos de fazer desta prática. Conforme avaliaram os pixadores entrevistados na pesquisa, o Pixo foi um divisor de águas importante na história da pixação como um todo, mas especialmente na sua interação com o mundo da arte. A equipe de produção do documentário contava com um pixador, CRIPTA DJAN, elemento fundamental para a pesquisa, seleção e engajamentos dos pixadores presentes no documentário. À época, CRIPTA DJAN dedicava-se, já há alguns anos, a documentar a cena da pixação de São Paulo em filmes independentes e começava a se destacar como um militante da pixação no debate público, tendo dado entrevistas para grandes meios de comunicação (Lassala, 2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.), algo raro, visto que muitos pixadores optam por não revelar suas identidades por conta da criminalização e estigma. Os produtores do documentário não selecionaram CRIPTA DJAN de maneira aleatória, tendo já no início identificado sua capacidade de mobilização dentro da pixação e também de mediação fora deste ambiente.

Sob o estímulo dos diretores, a produção do documentário Pixo se tornou um espaço reflexivo para os próprios pixadores. Neste contexto, os pensamentos de outro pixador, PIXOBOMB, chamaram a atenção de Wainer e Oliveira, que passaram a incentivar CRIPTA DJAN a prestar atenção nas ideias do amigo. À época, PIXOBOMB cursava Artes Visuais em uma faculdade de referência em São Paulo e, a partir desse contato, ampliava suas reflexões a respeito da relação da pixação com o mundo da arte.

O [PIXOBOMB] é [...] da minha geração, [...] mas ele sempre foi artista, né, ele começou pelo aerógrafo, depois graffiti e depois o pixo, ele fez o caminho inverso. [...] Nesses quatro anos que ele foi estudar [...], ele começou a descobrir qual era o papel do pixo no campo da arte. Só que a gente não conseguia entender o que ele estava falando. [...] [Os diretores do filme] falaram: meu, se você apoiar as ideias do [PIXOBOMB] - porque eles sabiam do meu protagonismo na cena - vocês vão mudar a história do pixo, vocês vão levar o pixo pro lugar devido que ele tem que ser discutido, que é o campo da arte. [...] E… eu não sabia nem o que era o conceito de arte nessa época, tá ligado, então eu comecei a passar a me interessar, a entender um pouco.

(CRIPTA DJAN, pixador e artista, abril de 2019)

A parceria entre as ideias de PIXOBOMB e a capacidade de liderança, mediação e mobilização de CRIPTA DJAN culminaria nos eventos que marcaram a aproximação definitiva da pixação com espaços institucionais do mundo da arte: a série Ataques, planejada pela dupla em 2008. O primeiro Ataque aconteceu no Centro Universitário Belas Artes, como parte do trabalho de conclusão de curso de PIXOBOMB, disposto a sacrificar o seu diploma em prol de um bem maior: a defesa da pixação como uma linguagem da arte contemporânea (Lassala, 2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.). PIXOBOMB contou à CRIPTA DJAN seu plano e juntos elaboraram um convite que foi distribuído em diferentes points11 11 Os points, como explica Alexandre Pereira (2018), constituem uma forma particular de ocupar o espaço urbano, onde acontecem encontros regulares em espaços específicos da cidade para a troca de folhinhas, atualização de notícias e articulação de rolês. da cidade para mobilizar a participação de outros pixadores. A iniciativa era inédita também no âmbito da pixação: era a primeira vez que uma ação conjunta era proposta, incentivando os pixadores a deixarem de lado suas rivalidades, pelo menos naquela situação. Além disso, CRIPTA DJAN convidou jornalistas e fotógrafos para registrar a ação em primeira mão. O convite feito aos pixadores foi eficaz: cerca de 40 pixadores compareceram ao Ataque que, a partir desse episódio, recebeu o subtítulo Além do bem e do mal. A cobertura jornalística também produziu efeitos: os meios de comunicação divulgaram amplamente o ocorrido a partir de uma perspectiva até então inédita: a relação da pixação com a arte. O título da matéria da Folha de São Paulo, um dos principais jornais do país, é significativo: Pichadores vandalizam escola para discutir conceito de arte.12 12 Ver Pichadores vandalizam escola para discutir conceito de arte. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1306200820.htm#:~:text=Levou%20 um%20jato%20de%20 spray,pontudas%20e%20 de%20dif%C3%ADcil%20 decifra%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 17 mar. 2021. Contudo, é preciso também notar que, apesar do termo arte aparecer articulado à pixação, a noção de vandalismo não desaparece.

Poucos meses depois, aconteceu o segundo Ataque - Além do bem e do mal, na Galeria Choque Cultural, uma das primeiras especializadas em street art de São Paulo, escolhida justamente para questionar a comercialização deste tipo de arte (Lassala, 2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.). A ação seguiu a mesma estrutura da anterior: convite a outros pixadores e mobilização da imprensa. No dia, 30 pixadores compareceram ao local, onde atropelaram13 13 O atropelo é o ato de fazer uma inscrição sobre outra já existente na superfície, o que configura um desrespeito nas éticas e moralidades compartilhadas por pixadores e writers. De maneira geral, quando isso acontece, é justamente para desafiar ou insultar o/a autor/a da inscrição atropelada. as obras que eram expostas na galeria. No jornal Folha de São Paulo, o evento foi registrado da seguinte maneira: Cerca de 30 pichadores invadem galeria de arte e danificam obras expostas.14 14 Ver Cerca de 30 pichadores invadem galeria de arte e danificam obras expostas. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0909200835.htm. Acesso em: 17 mar. 2021. Novamente, o título nos lembra do estigma da pixação na cidade, agora mobilizando outro termo comumente associado à prática: a invasão.

Apesar das repercussões dos dois primeiros Ataques, nenhuma se aproximou da visibilidade e desdobramentos que viriam após o terceiro. Em entrevista, CRIPTA DJAN nos contou como que foi a organização deste que seria o último Ataque:

Em seguida teve a Bienal, [o PIXOBOMB] teve a jogada também de sacar que a proposta curatorial caía pra nós como uma luva, porque o curador na época foi declarar que a Bienal daquele ano [...] ia ter um andar vazio, aberta para intervenções urbanas. [...] O problema é que [ele] chegou e falou assim: nós estamos convidados pra Bienal. [...] Eu nem sabia o que era Bienal. Eu falei: meu, o que é a Bienal? [o PIXOBOMB falou]: A Bienal é tipo a Copa do Mundo das Artes, tá ligado? [...] Aí eu falei: você é louco, véi, tá bom. [...] A gente [...] ia no point convidar a galera, foi legal porque também, desde do TCC dele, [...] foi o primeiro momento em que os pixadores se juntaram politicamente para defender o pixo, tá ligado?

(CRIPTA DJAN, pixador e artista, abril de 2019)

A 28ª Bienal de São Paulo, Em vivo contato, de 2008, teve como proposta manter um andar inteiro vazio como metáfora da crise conceitual nos ambientes tradicionais do mundo da arte15 15 Ver 28ª Bienal de São Paulo - “Em vivo contato”. Disponível em: http://www.bienal.org.br/exposicoes/28bienal. Acesso em: 17 mar. 2021. , o que, na leitura de PIXOBOMB, era um convite para intervenções, especialmente da pixação. O Ataque foi feito no dia da abertura e durante a ação uma pixadora, CAROL SUSTOS, foi presa, o que aumentou a visibilidade, tensões e controvérsias em torno do acontecimento. Neste episódio, a imprensa teve um papel fundamental - antes, durante e depois. Nos dias que antecederam o Ataque à Bienal, foram veiculados rumores de que ela seria o novo alvo dos pixadores, o que também não era negado por eles (Lassala, 2014LASSALA, Gustavo. 2014. Em nome do pixo: a experiência social e estética do pichador e artista Djan Ivson. São Paulo, Tese de doutorado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.). Além disso, houve ampla cobertura do dia do evento e de seus desdobramentos.16 16 O episódio foi, inclusive, filmado e veiculado em grandes meios de comunicação. Alguns destes registros estão disponíveis no YouTube, como este divulgado no canal do usuário marcosmac77: https://youtu.be/AzNtWBOcGWU. Acesso em: 17 mar. 2021. Logo após o Ataque, a Folha de São Paulo publicou: Grupo invade prédio da Bienal e picha “andar vazio”17 17 Ver Grupo invade prédio da Bienal e picha “andar vazio”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2710200812.htm. Acesso em: 17 mar. 2020. . Aqui, é importante notar, como o termo arte está ausente desta última reportagem da Folha de São Paulo, o que reafirma as ambivalências e resistências que circundam os trânsitos da pixação no mundo da arte.

Figura 3:
Funcionária da 28ª Bienal de São Paulo tenta impedir pixador.

DESDOBRAMENTOS IMEDIATOS

O último Ataque - na 28ª Bienal de São Paulo - alcançou grande repercussão, especialmente por conta da prisão da pixadora CAROL SUSTOS. Diante dos acontecimentos e da condenação da pixadora a 4 anos de prisão em regime semiaberto, os então Ministros da Cultura, Juca Ferreira, e dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, se pronunciaram publicamente em defesa da sua soltura e da legitimidade da ação dos pixadores. 18 18 Ver Justiça condena pichadora da Bienal. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2609200908.htm. Acesso em: 13 mai. 2021. Este posicionamento foi decisivo para um dos principais desdobramentos do último ato da série Ataque - Além do bem e do mal: os pixadores foram convidados a participar da edição seguinte da Bienal com uma instalação que reconstituía parte da trajetória da pixação de São Paulo19 19 Novamente o acontecimento foi veiculado em grandes meios de comunicação nacionais. Ver, por exemplo, matéria do G1 São Paulo, Após invasão em 2008, pichadores são convidados a voltar à Bienal, disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/09/apos-invasao-em-2008-pichadores-sao-convidados-voltar-bienal.html. Acesso em: 17 mar. 2021. . Ao ser entrevistado para a pesquisa, ao final do relato destes acontecimentos, CRIPTA DJAN avaliou:

O objetivo, não que fosse, assim, uma intenção de buscar o pedestal no campo da arte, mas de reivindicar a sua existência, o seu reconhecimento existencial. E foi de forma totalmente legítima como o pixo é, invadindo, a gente chegou lá e fez a nossa ação. E isso é… mostrou pra eles a dimensão. Nesses dois anos entre uma Bienal e outra, a gente pôde apresentar pra eles a dimensão cultural que o pixo tinha, através dos registros que a gente fazia: fotos, coleção de assinatura, convites de festa… eles viam que o pixo era um movimento que tinha uma organização cultural, que podia ter uma representação na Bienal, não foi simplesmente um pedido de desculpas, foi um aprendizado, foi uma troca.

(CRIPTA DJAN, pixador e artista, abril de 2019)

Esta avaliação, ao mesmo tempo que revela uma incerteza em relação aos desdobramentos das ações, impossíveis de serem previstos de antemão, também sinaliza uma reflexividade: elas não tinham como objetivo uma mera assimilação ao mundo da arte e seus cânones, ao contrário, visavam desestabilizá-los ao inserir novos elementos neste ambiente caracterizado por múltiplos dispositivos de distinção e hierarquização. A este respeito, o episódio da Bienal é paradigmático, tendo em vista que a sua proposta era justamente trazer questionamentos às tradições do mundo da arte, mas a reação da organização diante do Ataque evidenciou o oposto: a manutenção deste ambiente e os limites do conceito. A entrada da pixação no mundo da arte foi fundamentada, portanto, pelas tensões constituintes desta prática, quer dizer, não se pretendeu negar o caráter subversivo e agressivo existente no espaço urbano. Tal como ocupam as superfícies da cidade, os pixadores ocuparam o mundo da arte para fundar um lugar próprio.

A reconstituição desta série de acontecimentos, desde o Monumento DI, mostra, ainda, que os Ataques não foram elaborados em um vácuo, mas em um contexto construído aos poucos pelos pixadores, principais protagonistas, em colaboração com outros agentes. Os livros, meios de comunicação e, sobretudo, o documentário Pixo contribuíram para criar e disseminar outras representações entorno da pixação, para além do estigma e criminalização. Foi através dos textos, dos materiais visuais e documentais produzidos por pesquisadores, jornalistas e diretores que a pixação passou a ocupar as seções de cultura dos grandes meios de comunicação. Como resultado, a pixação de São Paulo alcançou uma visibilidade até então inédita no mundo da arte, com resultados importantes. Além da já mencionada participação na edição seguinte da Bienal, surgiram outros convites para exposições individuais e coletivas. A este respeito, dois episódios podem ser considerados paradigmáticos, dado o envolvimento de grandes instituições internacionais do mundo da arte: a participação de CRIPTA DJAN na exposição Né dans la rue (Fundação Cartier, Paris, 2009) e a participação de um grupo de pixadores - dentre eles CRIPTA DJAN - na 7ª Bienal de Berlim - Forget Fear (Berlin, 2012). Estas exposições marcaram a entrada da pixação no mundo da arte “pela porta da frente”, como descreveu um dos interlocutores da pesquisa.

Embora a Fundação Bienal de São Paulo tenha sido, em alguma medida, pioneira neste movimento, é notável, neste primeiro momento, uma maior abertura por parte de instituições internacionais do Norte Global. No âmbito nacional, a hesitação em desenvolver curadorias e projetos que envolviam a pixação denota a profunda influência do estigma e criminalização que esta prática enfrenta, especialmente no contexto de São Paulo. No âmbito internacional, a dimensão da performance, isto é, das maneiras de arriscar a vida para riscar os prédios, amplamente visibilizadas pelo documentário Pixo, despertaram particular interesse, muitas vezes maior do que a própria dimensão visual. Além disso, o fato desta prática ter suas origens nas periferias - da cidade e do mundo - também parece ter sido outro fator valorizado neste processo de abertura das instituições internacionais. É significativo, por exemplo, que no site da programação da 7ª Bienal de Berlim - Forget Fear a página dedicada aos Pixadores esteja associada à categoria Politics of the Poor. 20 20 Ver Pixadores. Disponível em: https://www.berlinbiennale.de/en/personen/693/pixadores. Acesso em: 14 mai. 2021. Neste sentido, podemos ensaiar aproximações com os anos iniciais da entrada do graffiti nas galerias, no final dos anos 1980, em Nova Iorque. Richard Lachmann (1988LACHMANN, Richard. 1988. “Graffiti as Career and Ideology”. American Journal of Sociology, vol. 94, n. 2: 229-250.), ao analisar esses trânsitos, chamou atenção para a supervalorização, por parte das galerias, da trajetória de vida dos artistas, com ênfase em estigmas relacionados à pobreza e ao crime, como estratégia para a venda de obras. Trata-se de um aspecto que merece ser aprofundado.

Figura 4
Participação dos pixadores na 29ª Bienal de São Paulo.

DESENVOLVIMENTOS RECENTES

Apesar dos desdobramentos imediatos terem se concentrado no contexto internacional, não demorou muito para que este movimento de abertura para a pixação no mundo da arte também começasse a ter lugar no circuito nacional. Sob influência das movimentações das instituições do Norte Global, que conferiam legitimidade e valorizavam a pixação enquanto expressão artística, inclusive em termos monetários, galeristas, produtores e marchands atuantes no contexto nacional começaram a integrar a pixação em suas curadorias e projetos. Conforme nos contaram interlocutores ligados ao mercado da arte, de partida ficou evidente que os colecionadores interessados em trabalhos produzidos por artistas vindos da pixação não eram necessariamente os mesmos interessados nos trabalhos de artistas da street art, com os quais já estavam habituados a trabalhar. Na leitura de alguns, o caráter subversivo da pixação e a maneira como ela se aproximou do mundo da arte vem chamando a atenção de outro perfil de colecionadores, especialmente daqueles interessados em arte contemporânea. Outros afirmam que os trabalhos de artistas vindos da pixação são mais bem aceitos por colecionadores internacionais do que por colecionadores nacionais, o que estaria relacionado ao estigma e criminalização. Os produtores, por sua vez, habituados a fazer projetos para o mercado publicitário, chamam atenção para um interesse específico em relação à pixação: é uma linguagem comumente associada a conceitos “radicais” e “subversivos”, algo que já não é mais entregue pela linguagem da street art. Isto, ao mesmo tempo que abre a possibilidade de realizar trabalhos com pixadores neste mercado, também acaba por restringir as opções de projetos. As falas destes agentes evidenciam, pois, os limites, ambivalências e desafios colocados à pixação no mercado da arte e em projetos patrocinados, o que muitas vezes exige um esforço adicional para a formação de um novo público e para a construção de um olhar renovado para esta prática enquanto expressão artística. Ademais, alguns também ressaltam a dificuldade de trabalhar profissionalmente com pixadores, visto que muitos se mostram resistentes às lógicas e exigências dos trabalhos para o mercado da arte ou para o mercado publicitário.

Quem gosta de arte urbana, geralmente gosta de arte urbana, mas não está a fim de pixação. Quem gosta de pixação, normalmente tem mais um estudo antropológico, tem mais uma, é mais punk, assim, entendeu? [...] O pixo é difícil de explicar e de ver, que nem a arte contemporânea.

(Galerista, maio de 2019).

Ainda é muito… tá começando, acho, agora, sabe? Porque é isso, algumas marcas que têm no seu DNA ser transgressoras, a arte de rua, o graffiti já não é mais transgressor, pelo menos nos grandes centros. Pixo ainda é essa coisa, sabe? E eu sinto o pixo uma resistência muito maior de ir pro lado comercial, do que a arte de rua.

(Produtor, junho de 2019).

A visão de que a entrada da pixação no mundo da arte não está consolidada, mas encontra-se em construção, é compartilhada pelos pixadores. De sua parte, a criação deste novo campo é feita com muito trabalho e dedicação. Os pixadores mobilizam diferentes recursos - especialmente simbólicos e relacionados às suas redes de contato - e investem seu tempo em estudos que os ajudem a desenvolver diferentes dimensões de seus projetos - desde a construção de um conceito consistente a ser comunicado para os agentes do mundo da arte até a criação de linguagens próprias, enquanto artistas. Mesmo os pixadores com trajetórias mais consistentes no mundo da arte consideram que ainda há muito o que fazer: reconhecem que as oportunidades são restritas e que poucos pixadores conseguiram efetivamente fazer esse trânsito. Deve-se notar também que, do ponto de vista dos pixadores, a oportunidade de desenvolver uma carreira como artista abre um novo horizonte de possibilidades para seus projetos pessoais e meios de subsistência.

Eu ainda vejo que, assim, a gente tá começando a desbravar esse campo agora, tipo, os pixadores vão ter outro campo pra atuar. [...] Tá muito prematuro ainda, sabe. Eu mesmo tô buscando estabilidade, ainda não atingi a minha pretensão dentro desse campo da arte, eu acho que, assim, eu tenho essa preocupação conceitual e essa orientação conceitual de ver qual é o nosso papel.

(CRIPTA DJAN, pixador e artista, abril de 2019).

Eu estou entrando no mercado da arte, então eu tenho que apresentar um trabalho [...] contextualizado para o que eu faço. [...] Estudando, vendo outras paradas, vendo que rumo que vai tomar.. [...] Pra mim pixação é arte contemporânea, tá ligado? [...] Contemporâneo é o que a gente vive agora, não é o que aconteceu há sei lá quantos anos atrás, sabe. [...] Eu tô estudando pra fazer umas pinturas, fazer [...] uma parada crítica, foda, mas com uma estética digamos assim que agrada aos olhos e a pessoa pelo menos para pra olhar. Porque a pixação muita gente passa e nem olha.

(MIA, pixador e artista, novembro de 2019).

Apesar desta leitura disseminada dos desafios e restrições colocadas ao desenvolvimento da pixação como expressão artística, é notório o aumento de exposições individuais e coletivas, especialmente na segunda década dos anos 2000. Em São Paulo, galerias que até então dedicavam-se exclusivamente a produções da street art e de artistas com origem no graffiti, começaram a paulatinamente se abrir para as produções dos pixadores. Estes, por seu turno, também começam a se aventurar em experimentações estéticas que vão desde a pintura à performance, passando pela escultura. É possível destacar algumas exposições: Em nome do Pixo, individual de CRIPTA DJAN (Humanar, São Paulo, 2016); Caligrapixo: da rua ao ateliê, individual de CALIGRAPIXO (Galeria Luis Maluf, São Paulo, 2016); Cuidado ao atravessar, individual do grupo PIXOAÇÃO (Galeria Alma da Rua, São Paulo, 2019); Vivências, individual GG SUSTOS (Galeria E, São Paulo, 2019); Babilônia (Blaze House, São Paulo, 2019) e Resistência ou sorte (Espaço Apis, Rio de Janeiro, 2019), ambas individuais de MIA; Trajetos e trajetórias de um escritor de muros, individual de DINO (Galeria Alma da Rua, São Paulo, 2019). Além disso, as exposições internacionais também continuam a acontecer, destaque para a recente participação de LIXOMANIA e GUEDES, dos CURURU, na exposição coletiva Up (Martinez Gallery, Nova Iorque, 2018) e do grupo PIXOAÇÃO na exposição coletiva Corners of(f) Society (Colab Gallery, Weil Am Rhein, 2018). Adicionalmente, em decorrência desse desenvolvimento, pixadores também conquistaram espaço em projetos de pintura de murais de grandes dimensões, comissionados pela iniciativa privada ou pública. A este respeito, pode-se destacar o mural de GG SUSTOS na Rua Augusta, região central da cidade, e a participação de CRIPTA DJAN no projeto que inaugurou um grande corredor de murais em Itapevi, na Grande São Paulo.

O trânsito crescente em espaços institucionalizados do mundo da arte não levou, necessariamente, à inibição da dimensão subversiva e agressiva que caracteriza a pixação dentro e fora destes ambientes, ao contrário. As intervenções do pixador e artista MIA são um caso exemplar e se assemelham em alguma medida aos Ataques - Além do bem e do mal. As ações de MIA possuem uma estética singular - geralmente utiliza extintores de incêndio para pintar - e chamam atenção pela dimensão performática, pela transgressão e pelo caráter político. Como nos contou em entrevista, estas intervenções começaram como atos de protesto frente às injustiças sociais, especialmente relacionadas à população em situação de rua e ao racismo. Tal como no caso de DI, uma das intervenções que alcançou maior visibilidade foi feita na região do Parque do Ibirapuera, no Monumento às Bandeiras, que homenageia a figura dos bandeirantes - símbolo do genocídio de quilombolas e povos indígenas e da promoção do trabalho escravo de negros e indígenas.21 21 Para uma análise mais aprofundada sobre a presença bandeirante encarnada em monumentos e símbolos no espaço urbano de São Paulo, ver Thais Waldman (2018). A intervenção repercutiu nos grandes meios de comunicação22 22 Ver, por exemplo, Por que nos importamos com símbolos escravagistas dos EUA e ignoramos os do Brasil?, matéria do El País. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/02/politica/1504310652_774711.html. Acesso em: 16 de mai. 2021. e trouxe novamente ao debate público as tensões entre arte e vandalismo, só que desta vez de maneira renovada: contrastando a criminalização da pixação com a aceitação da presença deste e de outros símbolos muito mais problemáticos no espaço público. A partir dessa e de outras intervenções, MIA criou suportes e linguagens para registrar e conferir maior perenidade às ações, os quais, por sua vez, possibilitaram a elaboração de artefatos artísticos - tal como prints e fotografias. Ao chamar atenção de agentes do mundo da arte e adentrar feiras e galerias, as intervenções de MIA, agora com o reconhecido estatuto de performances, deixaram de se restringir ao espaço público: mantendo o caráter político e contestatário, o artista e pixador passou a realizar performances também nos espaços institucionalizados do mundo da arte com o objetivo de colocar em evidência a ausência de artistas negros e a maneira como suas obras são exploradas por esse mercado. Um exemplo foi a intervenção feita no dia da abertura da 15ª edição da SPArte, considerada a maior feira de arte contemporânea da América Latina, episódio em que MIA pintou a palavra Negro na fotografia de uma de suas ações que estava à venda sem sua autorização e espalhou reproduções de notas de real com expressões como arte da elite23 23 Ver Foto que retrata obra de artista negro é vendida sem autorização do autor. Disponível em: https://ponte.org/foto-queretrata-obra-de-artista-negroe-vendida-sem-autorizacaodo-autor/. Acesso em: 16 mai.2021.

Estes trânsitos no mundo da arte e a visibilidade da pixação por um viés outro que não o estigma e a criminalização, também culminaram na abertura de canais de diálogo com o poder público. A este respeito, um acontecimento recente representa um marco inédito. No início de 2021, o Coletivo ArdePixo, formado por pixadores e pesquisadores, conseguiu que o projeto Placas de Memória Paulistana, do Departamentodo Patrimônio Histórico(DPH), da Secretaria Municipalda Cultura, incluísse 8 placas relacionadas a espaços de memórias e histórias da pixação. Para o coletivo, tratou-se do “reconhecimento da pixação enquanto narrativa que constitui umareferênciaculturalparaacidade,sendoassimpartedeseupatrimôniocultural”. 24 24 Excerto do texto publicado pelo Coletico ArdePixo em sua página do Facebook na ocasião da divulgação desta importante conquista. Disponível em: https://www.facebook.com/ardepixo. Acesso em: 16 mai. 2021. Ainda que os efeitos deste reconhecimento sejam restritos e não tenham cessado as repressões violentas feita contra pixadores e pixadoras, seus desdobramentos merecem ser acompanhados futuramente. Este parece ser um primeiro passo para que a pixação seja considerada pela Secretaria Municipal da Cultura - enquanto expressão artística e cultural - e não somente seja um assunto a ser tratado - um problema a ser resolvido - pela Secretaria Municipal de Segurança.

Figura 5
Obra Díptico, série Manuscrito Urbano, do pixador e artista CRIPTA DJAN.

Figura 6
Obra Chuva de Tinta em São Paulo, Exposição Babilônia na Galeria Alma da Rua, do pixador e artista MIA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao apresentar situações e agentes que contribuíram com os trânsitos da pixação no mundo da arte esperamos ter mostrado, nos limites deste artigo, processos sociais que colaboraram com a (ainda em curso) artificação da pixação. Nesta descrição demos ênfase a alguns dos microprocessos destacados na conceituação de Roberta Shapiro (2019SHAPIRO, Roberta. (2019) “Artification as Process”. Cultural Sociology, vol. 13, n. 3: 265-275. DOI https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519854955
https://www.doi.org/10.1177%2F1749975519...
), identificados em pesquisa dedicada a esta problemática. Conforme mostramos, desde os anos 2000 os deslocamentos (entrada em galerias, museus e outros espaços institucionalizados), a renomeação (reconhecimento da pixação enquanto expressão artística e dos pixadores como artistas), o patrocínio (projetos e pinturas realizados com financiamento da iniciativa pública ou privada) e a intelectualização (aproximação da pixação com a arte através de uma narrativa que se contrapõe ao discurso do vandalismo e do crime) vem se intensificando e colaborando com o desenvolvimento da nova fase da pixação na cidade de São Paulo.

Como vimos, estes trânsitos são resultado de um processo continuado no tempo e que contou com uma série de acontecimentos e agentes, com um protagonismo notório dos pixadores. Podemos reconhecer características similares em suas atuações no campo da arte, que remetem a procederes da pixação no espaço público.

Existe uma maneira de fazer informada por saberes acumulados ao longo dos anos de pinturas na rua, invasões e escaladas. A escolha dos lugares em que fazem suas intervenções e performances é estratégica, feita com o objetivo de alcançar visibilidade e apresenta uma noção renovada da conquista do ibope, com novas escalas e dimensões. A documentação, própria ou através dos meios de comunicação, é fundamental para pautar narrativas e influenciar a formação da opinião, outro aprendizado que vem de anos de estigma e criminalização. Além disso, os pixadores vem mobilizando diferentes linguagens para a construção da representação da pixação como expressão artística, que configuram, tal como na rua, vestígios de ações complexas e reflexivas. É preciso, ainda, sublinhar o caráter subversivo que provoca tensões e conflitos, traçando uma continuidade entre a pixação enquanto prática urbana e a sua expressão artística.

Se DI, como vimos, teve uma importância na elaboração das primeiras ideias sobre a pixação enquanto expressão artística, nos anos 1990; nos anos 2000, são as figuras de PIXOBOMB e CRIPTA DJAN que exerceram um papel central neste movimento, amparados por um repertório alargado e alianças com agentes estratégicos. Nos últimos anos, também podemos chamar atenção para a emergência de outros protagonistas, como DINO, MIA, o Coletivo ArdePixo e, mais recentemente, ENERI. Estes nomes, conforme os pixadores enfatizaram nas conversas e entrevistas, devem ser lidos como representantes de esforços coletivos, resultado de um acúmulo compartilhado pelo movimento da pixação.

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  • 1
    Mobilizamos o termo mundo da arte a partir de Howard Becker (1982BECKER, Howard. Art Worlds. Berkeley, Los Angeles and London, University of California Press.). Embora existam muitos mundos da arte, esta noção é empregada aqui de maneira ampliada a fim de englobar os diferentes mundos da arte em que a pixação transita, desde aquele relacionado à street art até o da arte contemporânea.
  • 2
    Ao longo do texto o itálico será empregado para destacar categorias e conceitos êmicos, além de termos em língua estrangeira. O nome de rua é aquele pelo qual pixadores são conhecidos no rolê da pixação, alguns destes nomes estão visíveis nas superfícies da cidade.
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    Aproveitamos para agradecê-los pelo consentimento, colaboração, comentários e conhecimento compartilhado ao longo da pesquisa.
  • 4
    Ver Mulheres pixadoras quebram a barreira de gênero nas ruas. Disponível em: https://elastica.abril.com.br/especiais/mulheres-pixadoras-rua-arte-feminismo-assedio/. Acesso em: 16 mai. 2021.
  • 5
    Referência ao conceito clássico de Marcel Mauss (2003MAUSS, Marcel. 2003. “As técnicas do corpo”. In: Sociologia e antropologia. São Paulo, Cosac e Naify, pp. 399-422.)
  • 6
    Deve-se notar que a composição de álbuns fotográficos e a prática de recolha de assinaturas em suportes de papel também estão presentes, em dinâmica semelhante, no graffiti (Castleman, 1982CASTLEMAN, Craig. 1982. Getting up: subway graffiti in New York. Cambridge, MIT Press.; Cooper e Chalfant, 2016 [1984]COOPER, Martha; CHALFANT, Henry. 2016 [1984]. Subway art. London, Thames & Hudson.).
  • 7
    A carta pode ser lida na íntegra no portal Beside Colors: http://besidecolors.com/carta-di-1992/. Acesso em: 13 mai. 2021.
  • 8
    Infelizmente DI não pode presenciar os desdobramentos destes movimentos iniciais. Em 1997, aos 22 anos, ele foi assassinado em decorrência de uma briga de bar, conforme matéria da Revista Vaidapé. Disponível em: http://vaidape.com.br/2016/09/di-o-homem-que-arranhou-o-ceu/. Acesso em: 13 mai. 2021.
  • 9
    Disponível na reportagem referenciada na nota anterior.
  • 10
    Ver Pixo, Logo Existo! em ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, disponível em:http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra71023/pixo-logo-existo. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 11
    Os points, como explica Alexandre Pereira (2018PEREIRA, Alexandre Barbosa. 2018. Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. São Carlos, EDUFscar.), constituem uma forma particular de ocupar o espaço urbano, onde acontecem encontros regulares em espaços específicos da cidade para a troca de folhinhas, atualização de notícias e articulação de rolês.
  • 12
    Ver Pichadores vandalizam escola para discutir conceito de arte. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1306200820.htm#:~:text=Levou%20 um%20jato%20de%20 spray,pontudas%20e%20 de%20dif%C3%ADcil%20 decifra%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 13
    O atropelo é o ato de fazer uma inscrição sobre outra já existente na superfície, o que configura um desrespeito nas éticas e moralidades compartilhadas por pixadores e writers. De maneira geral, quando isso acontece, é justamente para desafiar ou insultar o/a autor/a da inscrição atropelada.
  • 14
    Ver Cerca de 30 pichadores invadem galeria de arte e danificam obras expostas. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0909200835.htm. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 15
    Ver 28ª Bienal de São Paulo - “Em vivo contato”. Disponível em: http://www.bienal.org.br/exposicoes/28bienal. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 16
    O episódio foi, inclusive, filmado e veiculado em grandes meios de comunicação. Alguns destes registros estão disponíveis no YouTube, como este divulgado no canal do usuário marcosmac77: https://youtu.be/AzNtWBOcGWU. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 17
    Ver Grupo invade prédio da Bienal e picha “andar vazio”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2710200812.htm. Acesso em: 17 mar. 2020.
  • 18
    Ver Justiça condena pichadora da Bienal. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2609200908.htm. Acesso em: 13 mai. 2021.
  • 19
    Novamente o acontecimento foi veiculado em grandes meios de comunicação nacionais. Ver, por exemplo, matéria do G1 São Paulo, Após invasão em 2008, pichadores são convidados a voltar à Bienal, disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/09/apos-invasao-em-2008-pichadores-sao-convidados-voltar-bienal.html. Acesso em: 17 mar. 2021.
  • 20
    Ver Pixadores. Disponível em: https://www.berlinbiennale.de/en/personen/693/pixadores. Acesso em: 14 mai. 2021.
  • 21
    Para uma análise mais aprofundada sobre a presença bandeirante encarnada em monumentos e símbolos no espaço urbano de São Paulo, ver Thais Waldman (2018WALDMAN, Thais. 2018. Entre batismos e degolas: a presença bandeirante em São Paulo. São Paulo, Teses de doutorado, Universidade de São Paulo.).
  • 22
    Ver, por exemplo, Por que nos importamos com símbolos escravagistas dos EUA e ignoramos os do Brasil?, matéria do El País. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/02/politica/1504310652_774711.html. Acesso em: 16 de mai. 2021.
  • 23
    Ver Foto que retrata obra de artista negro é vendida sem autorização do autor. Disponível em: https://ponte.org/foto-queretrata-obra-de-artista-negroe-vendida-sem-autorizacaodo-autor/. Acesso em: 16 mai.2021.
  • 24
    Excerto do texto publicado pelo Coletico ArdePixo em sua página do Facebook na ocasião da divulgação desta importante conquista. Disponível em: https://www.facebook.com/ardepixo. Acesso em: 16 mai. 2021.
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:

    Este artigo baseia-se nos resultados e reflexões do projeto TransUrbArts - Emergent Urban Arts is Lisbon and São Paulo (2016-2020), coordenado por Ricardo Campos. Gabriela Leal foi responsável pelo trabalho de campo em São Paulo e pela realização das entrevistas aqui destacadas. Ambos os autores contribuíram para a concepção, análise e escrita do presente artigo.
  • FINANCIAMENTO: O projeto TransUrbArts - Emergent Urban Arts is Lisbon and São Paulo (2016-2020) foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) referência IF/01592/2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2021
  • Aceito
    18 Out 2021
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