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Técnicas de uso mais corrente no planejamento de saúde

The most commonly employed techniques in health planning

Resumos

Foi enfatizado que os administradores de sistemas de serviços de saúde dispõem atualmente de uma série de técnicas metodológicas de programação que lhes permitem atuar com mais segurança na solução dos problemas de saúde pública. Foram relacionadas e descritas sucintamente as técnicas de uso mais comum estabelecendo a distinção entre as micro e macro-dimensionais. Foi estabelecido que os chamados instrumentos de programação - técnicas - dependem de uma série de fatores para sua aplicação, tais como: a informação estatística, o conhecimento epidemiológico e a operacionalização propriamente dita que exige em relação a alguns deles maior ou menor esforço metodológico, tornando portanto, necessária a presença de pessoal capacitado.

Saúde pública; Sistemas de saúde


A series of methodological techniques for programming that allow safer and surer solving of public health problems are available to health service systems managers. The most commonly employed techniques are listed and described to show the differences between those which microdimensional and those which are macrodimensional. The so-called programming instruments-techniques-depend on a whole set of factors for their use, such as: statistical information, knowledge of epidemiology, and the implementation of these instruments, the last demands greater or lesser methodological effort which can only be carried out by properly trained personnel.

Health and welfare planning; Systems analysis


ATUALIZAÇAO CURRENT COMMENTS

Técnicas de uso mais corrente no planejamento de saúde* * Extraído da Tese de Concurso para Professor Livre-Docente, apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP, em 1978, subordinada ao título "Sistemas de saúde e planejamento".

The most commonly employed techniques in health planning

Aldo da Fonseca Tinôco

Do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil

RESUMO

Foi enfatizado que os administradores de sistemas de serviços de saúde dispõem atualmente de uma série de técnicas metodológicas de programação que lhes permitem atuar com mais segurança na solução dos problemas de saúde pública. Foram relacionadas e descritas sucintamente as técnicas de uso mais comum estabelecendo a distinção entre as micro e macro-dimensionais. Foi estabelecido que os chamados instrumentos de programação — técnicas — dependem de uma série de fatores para sua aplicação, tais como: a informação estatística, o conhecimento epidemiológico e a operacionalização propriamente dita que exige em relação a alguns deles maior ou menor esforço metodológico, tornando portanto, necessária a presença de pessoal capacitado.

Unitermos: Saúde pública, planejamento. Sistemas de saúde.

ABSTRACT

A series of methodological techniques for programming that allow safer and surer solving of public health problems are available to health service systems managers. The most commonly employed techniques are listed and described to show the differences between those which microdimensional and those which are macrodimensional. The so-called programming instruments-techniques-depend on a whole set of factors for their use, such as: statistical information, knowledge of epidemiology, and the implementation of these instruments, the last demands greater or lesser methodological effort which can only be carried out by properly trained personnel.

Uniterms: Health and welfare planning. Systems analysis.

1. INTRODUÇÃO

Os administradores de sistemas de serviços de saúde dispõem atualmente de recursos técnico-administrativos que lhes permitem atuar com mais segurança na solução dos problemas de saúde das comunidades onde se inserem as organizações sanitárias que dirigem.

Com o processo de planejamento implantado, podem lançar mão de técnicas existentes no momento que lhes facilitam a tomada de decisões e a consecução de objetivos. Essas técnicas estão na dependência de uma série de fatores para a sua aplicação, em decorrência do que poderão apresentar maior ou menor efetividade.

Entre esse fatores poderemos relacionar os seguintes:

1. A informação estatística disponível deve ser em quantidade e qualidade adequada, o que comumente não ocorre entre nós.

2. O conhecimento epidemiológico, apesar de avançado, não se apresenta em extensão suficiente para abranger todas as doenças e agravos à saúde.

3. O esforço metodológico dispendido na operacionalização das técnicas (umas, mais que as outras) exige pessoal especializado e nem sempre encontrado em nosso meio.

Mas, que vem a ser técnica de planejamento de saúde? Como não podia deixar de ser, para se conhecer situações de saúde em coletividades humanas, teremos de lançar mão da metodologia geral ou método científico, que fornece o embasamento necessário ao conhecimento e compreensão da realidade complexa que é necessariamente a situação de saúde. Assim, poderemos entender técnica metodológica de planejamento de saúde, como um instrumento de trabalho que conta com procedimentos dispostos em ordem seqüencial, que permitem a aplicação do método científico no estudo de situações de saúde coletiva, quer para fins de programação, quer de análise de instituições prestadoras de serviços de saúde.

Ramos8, define técnica metodológica como "procedimentos de ordem seqüencial que, baseados em uma teoria ou refletindo uma teoria, permitem o estudo sistemático e objetivo dos fatores componentes mais significativos de uma realidade complexa, para que possa ser conhecida, compreendida, avaliada e modificada. Os fatores devem ser estudados, não como simples fenômenos, mas como agentes causais de efeitos que caracterizam ou formam a aparência de uma realidade complexa e como elementos de permanente interação". Por esta definição, torna-se desnecessária a atomização da realidade complexa, ou seja, a decomposição de todas as variáveis que a compõem, mas selecionar aquelas mais significativas, conhecidas, dependentes, controláveis e mensuráveis em si mesmas ou em seus efeitos.

Ainda segundo Ramos8, do conceito exposto, derivam algumas considerações:

"a) As técnicas metodológicas são meios instrumentais que orientam um processo intelectual provendo-o de informação, porém, sem substituí-lo. Sua utilidade e valor dependerão mais da capacidade de seus usuários do que de suas características e consistência próprias.

b) Não são necessariamente instrumentos de medição rigorosa dos fatores ou de suas relações. Permitem somente idéias aproximadas, porém objetivas e racionais da realidade complexa e de suas possíveis mudanças.

c) Estão sujeitas a um uso discricionário, pois quem as emprega pode — ante a realidade que enfrenta e de acordo com propósitos pré-determinados — introduzir-lhes modificações, simplificações e ampliações, etc.

d) Operando dentro de um processo circular acumulativo, contribuem para implantá-lo e facilitar seu desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se aperfeiçoam, como resultado desse processo".

Assim, as técnicas metodológicas de planejamento de saúde, apesar de instrumentos valiosos nas mãos dos administradores, não podem ser consideradas como elementos definitivos para a solução dos problemas que envolvem os aspectos operacionais das ações coletivas de saúde. São instrumentos importantes, mas são limitados. Podem ser modificados e pela análise da sua aplicação prática podem servir de ponto de partida para novas técnicas. Por razões dessa ordem, entre outras, o planejamento não garantirá ao administrador a certeza de suas decisões, mas poderá assegurar-lhe a possibilidade de errar menos no exercício do processo decisório, quando tem em mira o desenvolvimento de ações programadas de saúde.

2. TÉCNICAS DE PLANEJAMENTO DE SAÚDE ATUALMENTE EXISTENTES

Até o presente momento, o setor saúde dispõe das seguintes técnicas que podem ser utilizadas no processo de planejamento:

a) Técnica de Programação Local (CENDES/OPS)

b) Técnica de Programação do Setor Público (CEPAL/OPS)

c) Técnica de Elaboração e Avaliação de Projetos de Investimentos em Saúde CEPAL)

d) Técnica de Programação Orçamentária (ONU/OPS)

e) Técnica de Análise de Insumos Críticos (CEPAL/OPS)

f) Técnica de Estudo do Valor Agregado (CEPAL/OPS)

g) Técnica de Programação Integrada de Saúde

h) Técnica de Elaboração e Avaliação de Projetos de Uso Múltiplo.

Destas técnicas, algumas são utilizadas para programação de ações de saúde a nível local, regional e nacional; outras, se destinam à articulação intersetorial nos planos globais de desenvolvimento. Cabe ainda a consideração de que aquelas voltadas para o nível local ou regional ou que abranjam aspectos parciais da problemática de saúde são entendidas como micro-dimensionais e as que permitem análises ou programações de âmbito nacional são consideradas macro-dimensionais. No presente trabalho, procederemos à rápida exposição sobre as características e finalidades das técnicas, com exceção da Técnica CENDES/OPS, que será discutida em outra oportunidade.

3. TÉCNICA DE PROGRAMAÇÃO DO SETOR PÚBLICO

Voltada na sua origem para a programação dos setores econômicos, a técnica de Programação do Setor Público, que foi elaborada pela Comissão Econômica para a América Latina — CEPAL — passou também a ser empregada no setor saúde, tendo aplicação prática em alguns países como o Peru, Bolívia e Nicarágua. A Técnica de Programação do Setor Público vem sendo desenvolvida em alguns cursos de Planejamento do Setor Saúde em nosso país, como os da SUDENE, do Instituto Castelo Branco e da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Definido de forma conceitual e operativa um setor econômico-social, esta técnica delimita a estrutura institucional do setor em estudo, delimitando e definindo também suas funções em relação à produção de bens e serviços 7.

Além destes aspectos, a Técnica de Programação do Setor Público permite, segundo Ramos 7 "Selecionar, com base em critérios objetivos, as instituições mais significativas do setor econômico-social para analisá-las sistematicamente e poder chegar ao conhecimento e projeção de suas capacidades financeira, administrativa, de gasto, de produção, de operatividade, com vistas à determinação de sua capacidade de compromisso futuro".

"O conhecimento destas diversas capacidades — declara ainda Ramos 7 — tanto se refere a cada uma das instituições consideradas significativas, como ao setor como um todo. São estes os elementos objetivos de juízo que permitirão formular proposições de política a longo prazo, políticas de investimentos (que se traduzem em planos a médio prazo) e tetos econômicos para os planos a curto prazo".

Sendo uma técnica "eminentemente analítica, não conduz à construção de um modelo matemático, mas preocupa-se em tratar as informações de sorte a permitir sua análise sistemática pelo planejador".

Do ponto de vista operacional, apesar de necessitar de informação estatística adequada, torna-se mais fácil comparada com as técnicas CENDES/OPS e Programação Integrada, principalmente a primeira. Estas duas técnicas voltadas para o nível local ou regional exigem um número mais variado e detalhado de informações, o que torna muito laboriosa a sua operacionalização, embora depois de treinado no manuseio dos seus quadros, pessoal de nível médio, possa ser utilizado. A técnica do Setor Público, centrada na análise de séries históricas sobre as variáveis acima referidas como o financiamento, o gasto, a produção, entre outras, é de manuseio mais fácil o que permite maior utilização de pessoal auxiliar. É uma técnica macro-dimensial, totalista, globalista e integradora, de fluxo descendente, partindo do nível central para o regional e local.

4. TÉCNICA DE ELABORAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PROJETOS DE INVESTIMENTOS EM SAÚDE

A Técnica de elaboração e Avaliação de Projetos foi desenvolvida pela CEPAL — Comissão Econômica para a América Latina — e se encontra bem detalhada no "Manual de Projetos" que aquele órgão das Nações Unidas elaborou. Segundo esta técnica e como explica Holanda6, projetos podem ser entendidos de vários ângulos.

Do ponto de vista do interesse social o projeto seria "um conjunto de informações sistematicamente ordenadas, que nos permite estimar as vantagens e desvantagens de destinar os recursos de um país à produção de determinados bens e serviços"6.

Do ponto de vista do interesse privado, "o projeto representa nada mais que a justificativa de um programa de produção, o instrumento que permite minimizar os riscos inerentes à decisão de investir"6.

Tanto em relação ao interesse social, como ao interesse privado, a produção de bens e serviços exige a participação de um grande número de fatores, o que determina a administradores e planejadores o estudo sistemático de número expressivo de variáveis relacionadas aos aspectos técnicos, econômicos, financeiros, administrativos, entre outros, envolvendo estudos de mercado, tamanho do projeto, engenharia do projeto, financiamento, localização, custos e receita.

Segundo Salomon9, "o projeto constitui a menor unidade de atividade que se pode planejar, analisar e executar administrativamente".

Do ponto de vista do interesse do setor saúde, o projeto visa basicamente à aplicação de recursos no sentido de instalar ou ampliar a capacidade física do setor. Assim, para ampliação ou construção de um hospital ou centro de saúde, por exemplo, a técnica de elaboração e avaliação de projetos é indicada. O plano baseado na execução de um desses tipos de projetos será certamente a médio prazo, pois não é de se admitir que normalmente se realize aquele tipo de construção no curto espaço de um ano.

Os planos podem ser considerados quanto ao período de sua realização em:

a) plano a curto prazo (um a dois anos)

b) plano a médio prazo (de três a cinco anos)

c) plano a longo prazo (de seis, dez, vinte anos).

A elevação do nível de saúde de uma comunidade é um processo a longo prazo no qual muitas atividades são desenvolvidas, quer seja nos setores sociais quer seja nos setores econômicos. O setor saúde, como um setor social, certamente contribuirá de forma específica para esse desenvolvimento e, sendo a seleção do projeto uma medida de caráter estratégico9, todo esforço no sentido do acerto deve ser empenhado, pois o projeto tem efeitos para diante e a sua repercussão deve ser no sentido de contribuir para a elevação do nível de saúde da área onde será implantado.

5. TÉCNICA DE PROGRAMAÇÃO ORÇAMENTÁRIA

O orçamento é um plano de ação expresso em termos financeiros11. Não é de agora a vinculação do orçamento à idéia de plano. Pelo chamado orçamento tradicional, a classificação dos itens da despesa, quando não era feita à base de organismos, seria à base de objetos de despesas, como por exemplo, pessoal e material. Posteriormente surgiu a classificação funcional, com base em funções e os gastos eram relacionados aos diversos setores da Administração Pública, como Educação, Saúde Pública, Assistência Social, Agricultura.

Depois dessa etapa se seguiu a classificação baseada em programas, em que estes surgem como conjunto de atividades, que, executadas, levarão à consecução de objetivos pré-determinados.

Pelo orçamento-programa é possível ao analista o estudo da eficiência dos gastos do governo, a avaliação dos resultados e a fixação do custo das atividades. A reforma administrativa federal, fundamentada no Decreto-Lei no 200, de 25 de fevereiro de 19674, estabelece que o acompanhamento e verificação do orçamento-programa são considerados controle programático, por se tratar de controle de programa de trabalho. O artigo 16 do Decreto-Lei no 200, acima citado, estabelece: "Em cada ano, será elaborado um orçamento-programa que pormenorizará a etapa do programa plurianual a ser realizada no exercício seguinte e que servirá de roteiro à execução coordenada do programa anual".

O Decreto n° 3.883, de 21 de junho de 1974, do Governo do Estado de São Paulo5, estabelece que o orçamento-programa compor-se-á de orçamento-programa anual e orçamento plurianual de investimentos.

O orçamento-programa anual é um plano a curto prazo e deverá ser parte de planos médios ou longos. Para a sua aplicação no campo da saúde, muitos conceitos em uso na Saúde Pública e integrantes da técnica CENDES/OPS são empregados. Assim, atividades como consulta médica, consulta odontológica, visita domicilária, inspeção de saneamento entre outras, bem como rendimento dos instrumentos, cobertura da população, são do interesse dos administradores quando da elaboração do orçamento-programa.

6. TÉCNICA DE ANÁLISE DE INSUMOS CRÍTICOS

Do ponto de vista da economia, todo elemento que integre um produto que sofreu um processo de transformação-produção — é considerado insumo. Dependendo do produto, o insumo pode ser indispensável ou não para a sua elaboração. Esse elemento indispensável, pode ainda ser fortemente procurado por outros sistemas produtores de bens ou serviços, ou apresentar um alto custo.

Toda vez que o elemento é indispensável à produção de outros sistemas ou setores, tornando-se assim, um produto estratégico ao desempenho de mais de um setor, caracteriza-se aquilo que se denomina de insumo crítico. Assim, havendo uma "concorrência" entre setores na busca de um produto de interesse comum, esse produto poderá ser cotejado em termos de sua contribuição para a produto de um ou outro setor. Esse cotejo leva à análise da importância que o insumo tem para o processo de produção.

A "Análise dos Insumos Críticos", técnica desenvolvida pela CEPAL para os setores:, econômicos, passou a interessar à Organização Panamericana de Saúde" pela constatação de que produtos, como, por exemplo, o cimento, têm importância comum a praticamente todos os setores, quer sejam econômicos ou sociais, quando se propõem à implantação da capacidade física ou ampliação da existente. A análise da contribuição do insumo para a produção de um ou de outro setor favorece a articulação intersetorial.

7. TÉCNICA DO ESTUDO DO VALOR AGREGADO

Esta técnica, como a anterior, também considerada de articulação intersetorial, é igualmente macro-dimensional. É empregada principalmente pelos setores econômicos quando utilizam a relação PRODUTO/CAPITAL como indicador de produtividade social dos investimentos, segundo Sayeg 10.

O Ministério da Saúde Pública do Peru conseguiu, com a colaboração do economista brasileiro Ney Marques, "integrar o Estudo do Valor Agregado do Setor Saúde no conteúdo dos Planos Nacionais de Saúde propostos a partir de 1965"10.

O valor agregado é representado pelos salários, aluguéis, renda, juros e lucro, isto é, tudo aquilo que não sendo insumo, participa, no entanto, como fator produtivo da elaboração de produtos do setor. Ainda de acordo com Sayeg 10, a Técnica do Estudo do Valor Agregado do Setor "avalia o setor em sua totalidade e é um dos caminhos metodológicos para a articulação entre o plano do setor e o plano global de desenvolvimento."

Como fórmula geral pode-se apresentar a seguinte, como expressão do valor agregado:

VA = VBP — SI

VA = Valor Agregado do Setor

VBP = Valor Bruto da Produção

SI = Valor dos Insumos do Setor

Como é sabido, os setores sociais públicos preocupam-se com o bem estar da população e não com o lucro. A contabilidade do setor público segue procedimento menos completo, se comparada com a contabilidade do setor privado. O fato por si só seria suficiente para mostrar a dificuldade que o setor saúde terá de superar para subtrair do valor bruto de sua produção, as despesas com a compra de insumos, além da dificuldade em conhecer o setor, o valor de produção. Em relação ao setor saúde, o valor agregado é representado pelos gastos com os recursos humanos somados à depreciação do capital social básico e a fórmula seria a seguinte: VA = RH + Ka.

8. TÉCNICA DE PROGRAMAÇÃO INTEGRADA DE SAÚDE

O Serviço de Saúde Pública do Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar dos Estados Unidos, por intermédio da Divisão de Saúde de Indiana, aplicou em relação a uma população indígena, uma técnica de programação de saúde cujos fundamentos são expressos através do "The Principles of Program Packaging". Esta técnica, voltada para o nível local e regional foi introduzida em nosso país por Alvim 1,2 e Alvim e Costa 3, sob a denominação de Técnica de Programação integrada de Saúde.

Esta técnica apresenta pontos em comum com a técnica CENDES/OPS como os relacionados a seguir:

a) Exige previamente um diagnóstico da situação de saúde como condição para a elaboração de um plano na área local respectiva.

b) Parte da consideração de que o nível e a estrutura de saúde variam de uma área local para outra, o que determina a elaboração de planos diferentes.

c) Pressupõe que a situação de saúde em uma área programática qualquer depende dos fatores condicionantes e que, variando estes, conseqüentemente variará aquela.

d) Determina a estrutura da morbidade e através de dados de mortalidade, a escala de prioridades1,2 e Alvim e Costa3, utilizando os dados de hospitalização e consulta médica — demanda satisfeita.

e) A programação é dirigida para a população acessível, sendo que o critério de acessibilidade é mais amplo que o recomendado pela técnica CENDES/ OPS, pois, enquanto esta estabelece o período de 2 hs, a Técnica de Programação Integrada admite o prazo de 8 hs para a população alcançar as unidades sanitárias, utilizando os meios de transporte usuais na área programática. A população também é estudada do ponto de vista de sua estrutura etária e distribuição urbana e rural.

f) Estuda a produtividade do setor na área objeto de estudo e promove o inventário dos recursos humanos e materiais.

g) Exige um modelo para a avaliação da situação de saúde e para a elaboração de planos, e o custo das atividades e do programa é utilizado para o estudo de eficiência.

Apesar da existência de muitos pontos em comum com a técnica CENDES/OPS, a Técnica de Programação Integrada apresenta aspectos diferentes:

a) As doenças são reunidas nos XVII grandes grupos da Classificação Internacional de Doenças, enquanto que, na técnica CENDES/OPS, as doenças são agrupadas em um eixo programático de danos e demanda, podendo ser variável o número de grupos de doenças. Nos modelos que a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo apresenta nos cursos de Planejamento do Setor Saúde, o "eixo programático" consta de 27 danos e 3 causas de demanda como adultos sadios, crianças sadias e gestantes sadias.

b) As doenças são agrupadas em função de sua etiologia na Técnica de Programação Integrada, enquanto na técnica CENDES/OPS o agrupamento se processa em função de uma similitude de respostas às mesmas ações de saúde.

c) As prioridades são estabelecidas mediante o cálculo do fator "Q" quando se emprega a Técnica de Programação Integrada, e por intermédio dos critérios de magnitude, transcendência e vulnerabilidade quando o instrumento utilizado é a técnica CENDES/OPS2.

Como poderia ser entendida a Técnica de Programação Integrada de Saúde? Alvim2 responde: "Entende-se por Programação Integrada de Saúde a programação de todas as ações indicadas para a prevenção e o controle de problemas específicos de saúde, cuja ordem de prioridade é determinada segundo metodologia própria e que tem como finalidade mais ampla a aplicação racional de recursos. Além de ser determinada a magnitude dos problemas de saúde, é analisada a possibilidade de eles serem modificados com as práticas de saúde conhecidas, é estudada sua importância com relação ao potencial de produtividade da comunidade e é determinado o custo das melhorias objetivadas".

A abrangência de todas as doenças e condições, o agrupamento das doenças semelhantes como um mesmo problema de saúde, são vantagens apresentadas por Alvim1, quando analisa essa técnica.

Em termos práticos não vemos como abarcar simultaneamente todas as doenças e condições. As doenças semelhantes de que fala Alvim1 não apresentam a mesma estrutura epidemiológica, o que nos parece seria fator limitativo das ações propostas para atuar em relação a grupo numeroso de doença, embora o ataque a doenças isoladas possa ser desenvolvido a partir dos dados levantados por essa técnica.

Quanto ao modelo normativo, essa técnica se baseia em médias nacionais na parte referente a alguns eventos como as taxas de mortalidade, por exemplo, Alvim1,2 e Alvim e Costa 3, constatando a inexistência em nosso país de dados confiáveis e completos, que estabelecessem médias nacionais em relação a certos fatos vitais, sugere que se utilize como modelo normativo a comunidade da região onde se situa a área de programação, que apresente o nível de saúde mais elevado. É um artifício que leva à modificação da técnica original. A comparação da área objeto do diagnóstico e do plano com outra de nível de saúde mais elevado, permite algumas pressuposições. Até que ponto a situação de saúde de determinada comunidade está na dependência direta das ações do sistema de serviços de saúde? Até que ponto a situação de saúde reflete fatores condicionantes que se localizam fora do âmbito do setor saúde? E neste caso, por exemplo, como poderá o sistema de saúde modificar uma situação que foge à sua área de controle?

A escala de prioridades será estabelecida de acordo com a Técnica de Programação Integrada, mediante a combinação de certo número de fatores. O problema de saúde será tanto maior quanto mais elevado for o indicador "Q". A fórmula para se encontrar esse indicador é a seguinte:

Pela fórmula acima exposta:

M = Razão do problema de saúde (taxa do Estado de Indiana/taxa dos Estados Unidos). Alvim 2 sugere, para o caso brasileiro, a taxa de mortalidade da área objeto de estudo, dividida pela taxa de mortalidade do modelo normativo, que seria, no caso, a comunidade da mesma região com melhor nível de saúde, pela inexistência de dados que permitissem a elaboração de taxa para o país como um todo.

Os cálculos são efetuados considerando cada grande grupo da Classificação Internacional de Doenças.

D = Taxa bruta de mortalidade em Indiana por 100.000 habitantes. Alvim2 refere-se à taxa bruta da área objeto de estudo.

quando a idade média ao morrer está entre 15 e 65 anos (1,0 quando a idade média ao morrer é menor do que 15 ou 0,1 quando a idade média ao morrer é maior do que 65).

L = Razão de tempo de permanência no hospital (Indiana/ não Indiana) ou segundo Alvim2.

A = Número total de pacientes/dia (internados)

B = Número total de pacientes/dia (não internados, ou seja, de consultas médicas)

N = População da área objeto do estudo

274 = Constante de conversão

91 = Constante de conversão

Como se verifica, para o cálculo do indicador "Q", são utilizados muitos fatores heterogêneos, inclusive constantes de conversão, onde por exemplo, a de número 91 que se obtém pelo emprego da fórmula (100.000/365) x (1/3) que tenta estabelecer uma relação com o número de dias perdidos por consultas médicas. Por esse raciocínio, 3 consultas eqüivaleriam a um dia perdido, pelo fato de o paciente gastar 8 horas saindo da aldeia indígena para alcançar a unidade de saúde.

9. TÉCNICA DE ELABORAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PROJETOS DE USO MÚLTIPLO

É uma aplicação em maior extensão da Técnica de Elaboração e Avaliação de Projetos.

Pode ocorrer que vários setores estejam interessados em desenvolver, conjuntamente, atividades em determinada região ou que o produto de determinado projeto, seja de interesse de vários outros setores. Nesse caso, lançar-se-á mão da técnica de projetos de uso múltiplo, que segue basicamente os mesmos procedimentos da técnica original de elaboração e avaliação de projetos.

Nos dias que correm já não padecem dúvidas de que as ações planejadas de saúde, em termos de prestação direta de serviços, devem ser desenvolvidas em nível local e regional, pelo fato de se comportarem diferentemente as realidades locais e regionais de saúde. Sendo diversas as realidades, diversas devem ser também as soluções para os problemas de saúde. Assim, as técnicas que permitam o desenvolvimento de ações voltadas para a solução dos problemas em áreas ou regiões programáticas devem merecer consideração especial de administradores e planejadores de saúde.

No entanto, apesar de constatada a validade da afirmação supra, as técnicas voltadas para o nível local apresentam o grande inconveniente de não poder superar problemas administrativos, pois, o centro de decisão encontra-se a nível central. Com o interesse crescente de descentralização administrativa das grandes organizações sanitárias existentes nas Unidades Federativas, é de se supor, passem a existir condições favoráveis ao exercício de técnicas voltadas para o planejamento de ações de saúde a nível local e regional.

Recebido para publicação em 16/05/1980

Aprovado para publicação em 12/09/1980

  • 1. ALVIM, E. F. Análise de duas técnicas de planejamento do Setor Saúde. [Trabalho apresentado ao XVIII Congresso Brasileiro de Higiene, São Paulo, 1970 mimeografado].
  • 2. ALVIM, E. F. Técnica de programação integrada de saúde. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1973.
  • 3. ALVIM, E. F. & COSTA, L. T. Técnica de planejamento como instrumento de diagnóstico de saúde. Belo Horizonte, Fundação Serviço de Saúde Pública, 1970.
  • 4. DECRETO-LEI No 200 de 25 de fevereiro de 1967: dispõe sobre a organização administrativa federal, estabelece diretrizes para a reforma administrativa e dá outras providências. In: Ministério da Saúde. Legislação federal do setor saúde. Brasília, 1977. v. 1, p. 231-2.
  • 5. DECRETO-LEI No 3.885, de 21.06.74: fixa diretrizes para o orçamento programa do Estado de São Paulo. Leis e Decretos do Estado de São Paulo, (3o trimestre) : 1151-4, 1974.
  • 6. HOLANDA, N. Elaboração e avaliação de projetos. Rio de Janeiro, APEC Ed., 1969.
  • 7. RAMOS, R. Técnica de programação do setor público. Sao Paulo, Faculdade de Saúde Pública da USP, 1974. [Curso de Especialização em Planejamento do Setor Saúde. Trabalho docente, 51].
  • 8. RAMOS, R. Temas de planejamento de saúde. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública da USP, 1974. [Curso de Especialização em Planejamento do Setor Saúde. Trabalho docente, 49].
  • 9. SALOMON, M. J. Análise de projetos para o crescimento econômico. Rio de Janeiro, APEC Ed., 1972.
  • 10. SAYEG, M. Técnicas de articulação intersetorial: estudo do valor agregado do setor. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1973.
  • 11. TINÔCO, A. da F. Uma iniciação à administração dos sistemas de saúde. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública da USP, 1976. [Trabalho docente].
  • *
    Extraído da Tese de Concurso para Professor Livre-Docente, apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP, em 1978, subordinada ao título "Sistemas de saúde e planejamento".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1980

    Histórico

    • Recebido
      16 Maio 1980
    • Aceito
      12 Set 1980
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