Resumos
OBJETIVO: Avaliar a influência da PET por Sistema de Coincidência, na tomada de decisão terapêutica, em pacientes com cardiopatia isquêmica e disfunção ventricular. MÉTODOS: Trinta e um pacientes realizaram PET com FDG-18F por Sistema de Coincidência entre setembro de 2003 e novembro de 2004. Os médicos assistentes responderam a um questionário sobre a proposta terapêutica do paciente antes da PET e após seu resultado. RESULTADOS: Vinte e sete (87%) pacientes apresentaram viabilidade miocárdica. Vinte e um (68%) médicos concordaram em que a PET modificou a terapêutica proposta para o paciente e 27 (87%) acharam que a PET contribuiu diretamente para a conduta tomada, mesmo quando não modificada. O tratamento atual proposto para o paciente (clínico ou revascularização) correlacionou-se com o achado de viabilidade (p=0,006). CONCLUSÕES: A PET pelo Sistema de Coincidência demonstra ser útil por auxiliar o médico na tomada de decisão quanto ao melhor tratamento de pacientes com cardiopatia isquêmica. A sintomatologia, o eletrocardiograma, a fração de ejeção e a área de fibrose miocárdica não se correlacionam com a viabilidade e, portanto, não servem como guia para indicação ou não da realização da PET.
Cardiopatia isquêmica; viabilidade miocárdica; PET; sistema de coincidência
OBJECTIVE: To evaluate the influence of the myocardium viability study by coincidence imaging using 18F-FDG in the clinical decision-making of patients with ischemic cardiomyopathy and left ventricular dysfunction. METHODS: Thirty-one patients were submitted to myocardial viability study with 18F-FDG by coincidence imaging between September 2003 and November 2004. The physician answered a questionnaire about the choice of therapeutic procedure before and after PET. RESULTS: Twenty-seven patients (87%) had myocardial viability. Twenty-one (68%) physicians thought that PET changed the therapeutic procedure for their patients and 27(87%) considered that PET added to the therapeutic decision. The current treatment decision (clinical or revascularization) correlated with myocardial viability (p=0.006). CONCLUSIONS: Coincidence imaging is a useful tool to help physicians in a difficult decision about the best treatment for patients with ischemic cardiomyopathy. Symptoms, electrocardiogram, ejection fraction and myocardial fibrosis area did not correlate with myocardium viability, so they should not be used to decide whether to perform a myocardial viability study or not.
Ischemic cardiomyopathy; myocardial viability; PET; coincidence system
ARTIGO ORIGINAL
Impacto clínico da Tomografia por Emissão de Pósitrons realizada pelo sistema de coincidência com FDG-18F, na conduta terapêutica de pacientes com cardiopatia isquêmica pós-infarto do miocárdio
Renata Christian Martins Felix; Patrícia Lavatori Correa; Jader Cunha de Azevedo; Hans Fernando da Rocha Dohmann; Evandro Tinoco Mesquita; Cláudio Tinoco Mesquita
Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Pró-Cardíaco, PROCEP - Hospital Pró-Cardíaco e Universidade Federal Fluminense - Rio de Janeiro, RJ
Correspondência Correspondência: Renata Christian Martins Felix Rua General Polidoro, 192 Botafogo 22280-000 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: renatafelix@cardiol.br ou medicina.nuclear@procardiaco.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a influência da PET por Sistema de Coincidência, na tomada de decisão terapêutica, em pacientes com cardiopatia isquêmica e disfunção ventricular.
MÉTODOS: Trinta e um pacientes realizaram PET com FDG-18F por Sistema de Coincidência entre setembro de 2003 e novembro de 2004. Os médicos assistentes responderam a um questionário sobre a proposta terapêutica do paciente antes da PET e após seu resultado.
RESULTADOS: Vinte e sete (87%) pacientes apresentaram viabilidade miocárdica. Vinte e um (68%) médicos concordaram em que a PET modificou a terapêutica proposta para o paciente e 27 (87%) acharam que a PET contribuiu diretamente para a conduta tomada, mesmo quando não modificada. O tratamento atual proposto para o paciente (clínico ou revascularização) correlacionou-se com o achado de viabilidade (p=0,006).
CONCLUSÕES: A PET pelo Sistema de Coincidência demonstra ser útil por auxiliar o médico na tomada de decisão quanto ao melhor tratamento de pacientes com cardiopatia isquêmica. A sintomatologia, o eletrocardiograma, a fração de ejeção e a área de fibrose miocárdica não se correlacionam com a viabilidade e, portanto, não servem como guia para indicação ou não da realização da PET.
Palavras-chave: Cardiopatia isquêmica, viabilidade miocárdica, PET, sistema de coincidência.
A Tomografia por Emissão de Pósitrons (em inglês, PET Positron Emission Tomography) é uma modalidade de exame em Medicina Nuclear, recentemente introduzida em nosso país. Seu uso na área da Oncologia, da Neurologia/Psiquiatria e da Cardiologia está bem documentado na literatura mundial 1-4. Em nosso país, a experiência é ainda recente, pois a produção da 18fluordesoxiglicose (FDG-18F), radiofármaco utilizado nos exames de PET, teve início no ano de 1999 5.
Como toda nova tecnologia, a introdução de um novo método diagnóstico pode levar a dois extremos: a sua supervalorização, com uma utilização exacerbada e sem adequada avaliação; ou a sua subutilização por não ter alcançado a prática clínica devido a diferentes barreiras, como por exemplo, o conhecimento e a confiança dos médicos clínicos, a liberação dos convênios e o acesso de pacientes ao serviço público. No caso da PET, as limitações ao seu uso incluem o alto custo do exame, a pequena disponibilidade de centros produtores dos radioisótopos e de centros equipados com a aparelhagem adequada. Atualmente, este método de imagem está disponível apenas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (nas cidades metropolitanas) e em relativamente poucos Serviços de Medicina Nuclear.
Entre as aplicações clínicas da PET, destaca-se a pesquisa da viabilidade miocárdica, um tema de extrema relevância, se considerarmos sua estreita relação com a insuficiência cardíaca, que é uma doença de proporções epidêmicas, existindo quase 5 milhões de pessoas com esta morbidade nos Estados Unidos da América, com o surgimento de 550 mil novos casos a cada ano 6.
Entre os pacientes que são internados com diagnóstico primário de insuficiência cardíaca, a doença coronária é o maior fator etiológico, estando presente em até 70% dos casos 7,8. Em estudo realizado pela Mayo Clinic, nos anos de 1979 a 1994, verificou-se que 36% dos sobreviventes de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) desenvolvem insuficiência cardíaca 9.
O sucesso da terapia trombolítica e da angioplastia primária tem reduzido a mortalidade do infarto agudo do miocárdio. No entanto, muitos sobreviventes ao IAM ainda evoluem com disfunção ventricular esquerda 7.
Até 50% das regiões mostrando ondas Q no eletrocardiograma ou disfunção segmentar ao ecocardiograma são passíveis de recuperação após revascularização desta região, pois podem existir áreas viáveis, com miocárdio hibernante ou atordoado, misturadas a tecidos fibróticos 10.
Uma meta-análise em que foram considerados 24 estudos de avaliação de viabilidade miocárdica, com 3088 pacientes, demonstrou que aqueles que apresentavam viabilidade miocárdica, constatada por ecocardiograma de estresse, cintilografia miocárdica com 201Tálio ou PET com FDG-18F e que foram revascularizados, tiveram uma redução na mortalidade anual de 79,6%, em relação aos que apresentavam viabilidade, mas não foram revascularizados. A ausência de viabilidade miocárdica não determinou diferença na sobrevida, em pacientes submetidos a tratamento clínico ou cirúrgico 11,12.
Se considerarmos que em indivíduos com grave disfunção ventricular, tratados clinicamente, a sobrevida é de cerca de 50% em 5 anos 1, esta possibilidade potencial de recuperação funcional pode ser significativa para portadores de Insuficiência Cardíaca, principalmente porque até 50% dos pacientes em espera para realização de transplante cardíaco apresentam cardiopatia isquêmica 7. No entanto, a taxa de mortalidade dentro de trinta dias da cirurgia de revascularização miocárdica, em pacientes com disfunção ventricular esquerda, pode chegar a 20% 1. Por esta razão, é um passo fundamental identificar a presença de miocárdio viável em pacientes com cardiopatia isquêmica e grave disfunção ventricular esquerda, para verificarmos quais, de fato, serão beneficiados pela revascularização miocárdica.
A decisão médica quanto a uma conduta a ser implementada deve estar baseada em alguns pilares, tais como o estado clínico do paciente, quando será avaliado o risco deste e o custo-benefício de determinada ação; as preferências do paciente quanto ao seu tratamento; e as evidências relacionadas ao caso, que incluem: dados da história clínica, do exame físico e de exames complementares, além de orientações obtidas através de estudos científicos. A experiência do médico é o fator que irá agregar e pesar todas estas informações, com o objetivo de chegar à conduta final mais adequada para o paciente 11.
Quanto ao papel dos exames complementares, na era dos custos da medicina e da evidência científica cardiologia baseada em evidências o foco tem se deslocado da visão das características operacionais básicas de um exame complementar, tais como: sensibilidade, especificidade, valor preditivo e razão de verossimilhança, e se ampliado para o foco do impacto clínico, fruto da análise do resultado do exame sobre a conduta médica a ser implementada.
Muitas são as evidências do impacto da PET no manejo de pacientes com disfunção ventricular de origem isquêmica; no entanto, o alto custo desta tecnologia, tanto no seu investimento inicial como na sua manutenção, tem diminuído sua possibilidade de uso, não apenas em nosso meio como também em outros centros do mundo 13.
Por esta razão, em tempos mais recentes, a gama-câmara convencional passou a ser utilizada na aquisição de exames com FDG-18F, surgindo o chamado PET-SPECT híbrido com uma plataforma modificada do SPECT e com sistema de detecção em coincidência, utilizando gama-câmara com dois detectores, os quais são configurados a 180º 14,15.
Assim, o objetivo primário deste estudo é avaliar o impacto clínico, ou seja, a influência na tomada de decisão da Tomografia por Emissão de Pósitrons, realizada pelo Sistema de Coincidência com 18fluordesoxiglicose, para identificação de viabilidade miocárdica, em pacientes com história prévia de infarto agudo do miocárdio e disfunção ventricular esquerda. Como objetivos secundários, temos a correlação da presença de viabilidade miocárdica com a sintomatologia, os achados do eletrocardiograma, a fração de ejeção do ventrículo esquerdo pelo Gated SPECT e a área de fibrose pela cintilografia de perfusão miocárdica.
MÉTODOS
Avaliou-se uma série de casos de 31 pacientes consecutivos, de ambos os sexos, encaminhados ao Serviço de Medicina Nuclear e Imagem Molecular do Hospital Pró-Cardíaco, para realização de Tomografia por Emissão de Pósitrons via Sistema de Coincidência, para avaliação de viabilidade miocárdica, utilizando 18fluordesoxiglicose (FDG- 18F) por indicação de seu médico assistente, independente do estudo em questão, no período de setembro de 2003 a novembro de 2004. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Pró-Cardíaco.
Os critérios de inclusão foram: história prévia de infarto agudo do miocárdio com ou sem presença de onda Q no eletrocardiograma, mas com sinais de fibrose segmentar à cintilografia de perfusão miocárdica, quais sejam: hipocaptação do radiofármaco em repouso, associada a alteração da contratilidade e espessamento miocárdicos na mesma região; tempo mínimo de 3 semanas após o infarto agudo do miocárdio; presença de doença aterosclerótica coronária, documentada por cineangiocoronariografia ou presença de fatores de risco para doença aterosclerótica coronária ou história prévia de revascularização miocárdica; presença de pelo menos 12% de fibrose miocárdica quantificada, através de cintilografia de perfusão miocárdica de repouso, utilizando o programa Emory Cardiac Toolbox; e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo com fração de ejeção menor ou igual a 40%, quantificada pelo Gated SPECT (Cedars Quantitative Gated SPECT) ou presença de sinais clínicos de insuficiência cardíaca. Excluíram-se os pacientes com: ausência de infarto agudo do miocárdio no passado; disfunção sistólica do ventrículo esquerdo de etiologia não-isquêmica; área de fibrose segmentar menor que 12% pela cintilografia de repouso; idade inferior a 18 anos; e mulheres em idade fértil com suspeita ou confirmação de gravidez.
Os pacientes foram submetidos à coleta de dados clínicos. Os sintomas de insuficiência cardíaca foram classificados de acordo com a New York Heart Association (NYHA) 16 e a presença de angina foi classificada conforme orientações da Canadian Cardiovascular Society (CCS) 17.
Foi realizada cintilografia de perfusão miocárdica com 99m Tc tetrofosmin (Myoview®) na dose de 740 MBq, com administração intravenosa em repouso. As imagens foram adquiridas entre 45 min e 90 min após a administração do radiofármaco na gama-câmara E.cam Duet® (Siemens) com dois detectores em ângulo de 90º entre si, com matriz 64 x 64, zoom de 1,45 e 32 projeções de 20 segundos cada, sincronizadas com o eletrocardiograma (em inglês, Gated SPECT), para permitir reconstrução tridimensional e medida da fração de ejeção. O processamento das imagens ocorreu através de retroprojeção filtrada com filtro Butterworth, com freqüência de corte 0,5 e ordem de 5. As imagens foram interpretadas através da divisão do ventrículo esquerdo em 17 segmentos 18; a quantificação da área de fibrose se deu através do programa Emory Cardiac Toolbox e a avaliação da função ventricular pelo Gated SPECT, utilizando-se o programa Cedars Quantitative Gated SPECT.
A tomografia por emissão de pósitrons foi realizada em dia separado da cintilografia de perfusão miocárdica. Os pacientes estavam em jejum de, pelo menos, 4 horas e a administração de 370 MBq de FDG-18F por via intravenosa foi empreendida com glicemia capilar inferior a 140 mg%. Em pacientes não-diabéticos, foi ofertada sobrecarga oral de 50-75 mg de glicose, 60 minutos antes da administração do radiofármaco. A glicemia capilar foi acompanhada a cada 15 minutos. Se 45-60 minutos após a sobrecarga de glicose, a glicemia capilar se encontrava elevada, foi feita a administração venosa de insulina regular, conforme descrito no quadro 119.
Quando a glicemia capilar se mantém entre 110 e 140 mg/dL após duas dosagens consecutivas da glicemia capilar, é feita a administração do radiofármaco. Em pacientes diabéticos, são preparadas duas soluções: uma com 100 UI de insulina em 500 ml de salina e outra de 500 ml de glicose a 20%, adicionada de 20 ml de cloreto de potássio a 10%. Cada solução é infundida em um membro superior, na taxa de 4 mU/kg/min de insulina e 6 mg/kg/min de glicose. A glicemia capilar é mensurada a cada 10 minutos e as infusões são ajustadas de acordo com o valor da glicemia, objetivando mantê-la entre 110 e 140 mg/dL. Quando se mantiver nesta faixa por duas aferições da glicemia capilar consecutivas, é feita a administração do radiofármaco 20. Durante esta preparação do exame, o paciente é monitorado pela enfermeira e pelo médico do setor. A aquisição dos dados ocorreu de 30 a 90 minutos após a administração do radiofármaco, em gama-câmara E.cam Duet® (Siemens), pelo sistema de coincidência, com cristal de NaI dopado com Tl e espessura de 1 polegada, tendo os detectores configurados a 180o, sem correção de atenuação. Os dados da aquisição são: matriz 64 x 64, zoom de 1,45 e 32 projeções de 25 segundos cada. As imagens foram reconstruídas em conjunto com os dados da cintilografia de perfusão miocárdica em repouso, com reconstrução iterativa (OSEM) por meio de filtro Gaussiano 12,0, freqüência de corte 10. As imagens foram analisadas quanto à presença de segmentos com metabolismo de glicose presente ou não, em relação aos segmentos com defeito de perfusão miocárdica; e a área de discordância perfusão-metabolismo foi quantificada pelo programa Emory Cardiac Toolbox. As imagens foram interpretadas em conjunto com mais dois médicos nucleares do Serviço de Medicina Nuclear e Imagem Molecular do Hospital Pró-Cardíaco, certificados pela Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear. A presença de viabilidade foi considerada na ocorrência de pelo menos um segmento miocárdico com discordância perfusão-metabolismo.
Houve seguimento clínico de 2 a 14 meses após a realização do exame por via telefônica e os pacientes foram questionados sobre a realização ou não de procedimentos de revascularização, sobre o seu estado atual de sintomas e sobre o uso de medicações.
Os médicos assistentes dos pacientes responderam a um questionário que incluía os seguintes itens: o tipo de tratamento proposto antes da realização da PET; a situação clínica que motivou a solicitação da PET; o tratamento proposto para o paciente após a realização da PET; se a PET modificou ou não a estratégia terapêutica adotada após a realização do exame, como, por exemplo, modificação de tratamento clínico para tratamento de revascularização miocárdica; e se o resultado da PET contribui para a decisão tomada, mesmo nos casos em que a conduta não tenha sido modificada, mas a impressão inicial do médico tenha sido confirmada pelos achados da PET.
A análise estatística foi realizada pelos seguintes métodos: teste de Mann-Whitney (teste não-paramétrico) para comparação de dados quantitativos entre dois grupos. Teste exato de Fisher para comparação de proporções (dados qualitativos) entre dois grupos. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%, ou seja, existe significância estatística quando o valor de p é menor ou igual a 0,05.
RESULTADOS
Aspectos gerais - Os dados clínicos da amostra estão demonstrados na tabela 1 e os dados cintilográficos são apresentados na tabela 2. Os dados numéricos foram expressos em média ± desvio padrão (mínimo e máximo) e os dados qualitativos em freqüência e percentual.
Avaliação do impacto clínico da PET na tomada de decisão terapêutica - Com relação aos resultados da PET, verificamos que 27 (87%) pacientes apresentaram pelo menos um segmento miocárdico com discordância perfusão-metabolismo, sugestivo de miocárdio viável. O gráfico 1 apresenta a divisão do número de pacientes, de acordo com o número de segmentos viáveis.
Os gráficos 2 e 3 demonstram a influência e a contribuição da PET na tomada de decisão quanto ao tratamento proposto para os pacientes com cardiopatia isquêmica.
Realizando a correlação entre a decisão tomada pelo médico e a presença de viabilidade miocárdica, verificamos que nenhum dos pacientes que não apresentavam viabilidade foi encaminhado a terapêutica invasiva, enquanto entre os 27 que apresentavam viabilidade, houve proposta de revascularização (cirúrgica ou percutânea) em 21 deles (77,8%), com valor de p=0,006, indicando que o grupo de pacientes com miocárdio viável apresentou indicação de revascularização significativamente superior ao grupo sem viabilidade miocárdica.
No entanto, observou-se que a presença de miocárdio viável não teve significância em relação à influência da PET na modificação da opção terapêutica (p=0,086); ou seja, tanto a presença como a ausência de viabilidade foram importantes na tomada de decisão, embora se note uma tendência de associação entre viabilidade e mudança de conduta.Quanto à contribuição direta da PET na decisão, não houve igualmente associação com a presença de viabilidade (p=0,55). A partir destes dados, notamos que ambos os resultados: presença ou ausência de viabilidade são valorizadas pelo médico e têm peso em sua decisão.
Se analisarmos a proposta de conduta atual do médico quanto a tratamento clínico ou de procedimento invasivo, tomando em consideração o número de segmentos viáveis encontrados na PET, constatamos que os pacientes em que houve a opção por revascularização demonstravam, em média, 4,29 ± 2,47 segmentos com viabilidade, enquanto o grupo de tratamento clínico tinha 1,9 ± 2,18 (p=0,011), indicando que o maior número de segmentos viáveis teve significância na opção pelo tratamento invasivo. O mesmo ocorre quanto à área de miocárdio viável, pois temos área média de 16,1% ± 13,58 para os que tiveram opção por tratamento de revascularização e área de 7,4% ± 8,95 para os de tratamento clínico.
Correlações entre a presença de viabilidade e variáveis clínicas, eletrocardiográficas e cintilográficas - A presença ou não de sintomas (de insuficiência cardíaca ou de insuficiência coronariana) não teve correlação com a detecção de miocárdio viável, pois dos 23 pacientes sintomáticos, 21 apresentaram miocárdio viável; no entanto, entre os 8 assintomáticos, 6 deles também demonstraram viabilidade (p=0,26).
Obtivemos informações sobre o eletrocardiograma de repouso em 19 pacientes, sendo que apenas um destes apresentava eletrocardiograma normal; os demais 18 pacientes se distribuíram da seguinte forma: 10 (55,5%) deles demonstravam ondas Q no eletrocardiograma, enquanto 8 (44,5%) apresentavam bloqueio de ramo (esquerdo ou direito). A análise da presença de onda Q em relação à presença de viabilidade foi prejudicada pelo pequeno número da amostra; no entanto, ressaltamos o fato de que 9 pacientes que tinham ondas Q no eletrocardiograma demonstraram viabilidade na PET.
Quando analisamos a diferença entre os dois grupos (com e sem viabilidade miocárdica) com relação à fração de ejeção pelo Gated SPECT e com a área de fibrose avaliada pelo Emory Cardiac Toolbox, verificamos que não há diferença significativa entre os grupos quanto a estas duas variáveis, apresentando, cada grupo, p=0,59 e p=0,90, respectivamente. Com respeito à fração de ejeção, o grupo que apresentava viabilidade demonstrou fração de ejeção média de 29,7%, enquanto o grupo sem viabilidade tinha fração de ejeção de 26,75%. Quanto à área de fibrose, há grande semelhança entre ambos, observando-se 38,04% de área miocárdica com fibrose, na cintilografia miocárdica de repouso, para o grupo com viabilidade e 38,75% no outro.
Seguimento - Nenhum dos 4 pacientes com ausência de viabilidade se submeteu a procedimento invasivo, enquanto que, entre os 27 que apresentavam viabilidade, 13 realizaram revascularização miocárdica (7 angioplastias e 6 procedimentos cirúrgicos). Em oito casos, havia a intenção de tratar, mas o tratamento não foi realizado, pelos seguintes motivos: em 3 casos, a anatomia coronariana era de difícil abordagem; em um caso, a paciente evoluiu para o óbito enquanto aguardava a revascularização, já internada em pré-operatório; 2 pacientes não conseguiram revascularização cirúrgica: um por estar em insuficiência cardíaca refratária e outro, por restrições estruturais da unidade hospitalar de origem; em um caso, o médico tinha a intenção de realizar revascularização cirúrgica; no entanto, a pequena área viável pesou contra a decisão, em discussão com a equipe cirúrgica, que considerou o risco-benefício do procedimento, e o paciente está em reabilitação cardíaca. Assim, 62% dos pacientes em que havia a intenção de tratar com revascularização miocárdica, de fato, foram submetidos ao procedimento. A análise estatística destas informações não foi possível devido ao reduzido número de casos em um dos grupos.
DISCUSSÃO
No mundo real, além da presença de viabilidade, o médico deve considerar outros fatores relacionados ao seu paciente, no momento de estabelecer a conduta mais adequada; entre eles incluem-se a anatomia coronariana, o estado clínico e a associação de co-morbidades.
Alguns estudos demonstram que entre 31 e 39% dos pacientes têm decisão de terapia de revascularização, independente dos achados da PET 21-24. Auerbach et al25 nos mostra que 68% dos pacientes com viabilidade em 5 ou mais segmentos miocárdicos foram revascularizados (conduta diferente do resultado da PET em 32% dos casos); naqueles com menor número de segmentos (1 a 4), o percentual de revascularização foi de 52%; e entre aqueles em que não havia qualquer viabilidade, 36% foram revascularizados. No entanto, estas conclusões vieram da observação do seguimento clínico dos pacientes e não do questionamento direto aos médicos sobre sua intenção de tratar.
No campo da oncologia, o impacto clínico da PET no manejo dos pacientes tem sido demonstrado por estudos em que o médico assistente responde a questionários sobre a conduta tomada a partir dos dados da PET 26-33.
Na área da cardiologia, após busca na Internet, não foi encontrado nenhum artigo que descreva este modelo de estudo. Nosso trabalho é original por fazer este tipo de avaliação do impacto clínico na viabilidade miocárdica, utilizando a PET em gama-câmara pelo sistema de coincidência.
A literatura demonstra que quanto à pesquisa de viabilidade miocárdica existe uma importante concordância entre os achados da PET com sistema dedicado e a PET em gama-câmara via sistema de coincidência. No trabalho de Tian et al.34, a concordância geral foi de 93% e a sensibilidade da PET por sistema de coincidência foi de 92%. Hasegawa et al 35 demonstraram que o sistema de coincidência apresenta resolução espacial, sensibilidade de contagem e qualidade de imagem superior às gama-câmaras equipadas com colimadores de alta energia, mas para se tornar equivalente ao PET dedicado, a correção de atenuação é um fator importante. Uma das limitações de nosso trabalho é que nosso aparelho não é equipado com correção de atenuação; no entanto, as características do cristal de 1 polegada garantem uma excelente qualidade de imagem.
Os médicos participantes de nosso trabalho responderam a um questionário em que indicavam o tratamento proposto antes da realização da PET, qual a indicação do exame e, após a realização deste, qual a proposta adotada, se houve mudança devido ao resultado da PET e se houve influência direta desta na tomada de decisão.
Observamos uma importante aderência ao resultado da PET por parte destes médicos, havendo concordância entre a viabilidade miocárdica e a proposta de tratamento. No entanto, tanto a presença como a ausência de viabilidade miocárdica foram úteis para os médicos e tiveram influência em sua decisão, independente do número de segmentos viáveis e da área de miocárdio viável. Da mesma forma, houve influência do número de segmentos miocárdicos e da área de miocárdio viável na opção terapêutica.
Entre os 21 médicos que indicaram revascularização miocárdica, apenas 13 pacientes, de fato, tiveram efetivação, o que corresponde a 62% dos pacientes. Isto significa que 38% tiveram desfecho final de conduta diversa do resultado da PET e da intenção de tratar, o que é concordante com os trabalhos anteriormente citados25,36-39
Isto significa que a presença de viabilidade miocárdica não é o único determinante que conduz à revascularização miocárdica, porque nem todos os pacientes com miocárdio viável são candidatos à revascularização, por uma série de motivos, como já citamos anteriormente: a anatomia coronariana difícil, a decisão do paciente e a associação de comorbidades 40. Em nosso país, temos a acrescentar outras questões, como a falta de estrutura de alguns hospitais para a realização de procedimentos complexos, como a cirurgia cardíaca, ou o prolongado tempo de espera a que muitos pacientes são submetidos enquanto aguardam pela revascularização, fazendo com que muitos dos procedimentos planejados não sejam executados. Em nossa casuística, tivemos todas estas situações, mas o número de casos é ainda pequeno para chegarmos a conclusões mais definitivas sobre este tema 40.
Nesta população, é possível inferir que a PET teve impacto no manejo dos pacientes com cardiopatia isquêmica; obviamente, é necessário ampliar o número de casos e da população de médicos assistentes, para que possamos fazer esta afirmativa com maior precisão.
Em nosso estudo, não encontramos relação significativa entre a presença de sintomas de insuficiência cardíaca ou de angina com a presença de viabilidade miocárdica, em concordância com os estudos de Di Carli et al 43 Assim, não é necessário apresentar sintomatologia para se buscar a presença de viabilidade miocárdica.
Infelizmente, tivemos acesso ao eletrocardiograma (ECG) de apenas 19 pacientes, mas observamos que na sua quase totalidade estes se mostravam alterados (18/19 - 94,7%). Apesar de não ser possível uma análise estatística mais acurada destes dados, notamos que a onda Q no eletrocardiograma não inviabilizou o achado de discordância perfusão-metabolismo.
Schinkel et al.40, utilizando ecocardiograma de estresse com dobutamina em 150 pacientes, encontraram viabilidade miocárdica em 58% dos segmentos disfuncionantes que demonstravam ondas Q no eletrocardiograma. Comparando com os segmentos que eram disfuncionantes, mas não demonstravam ondas Q no eletrocardiograma, não houve diferença significativa quanto ao achado de viabilidade (p=0,2). Assim, viabilidade miocárdica pode ser encontrada, ou não, independente do resultado do eletrocardiograma.
A fração de ejeção (FE) média encontrada em nossa população foi baixa (29,3%), configurando uma população de disfunção ventricular esquerda de maior gravidade.
Os estudos que abordam a viabilidade miocárdica utilizam pacientes com fração de ejeção inferior a 40% e muitos deles encontram fração de ejeção média semelhante à nossa 23,41,42.
Quando comparamos a fração de ejeção entre os pacientes com e sem viabilidade miocárdica, não encontramos diferença significativa entre os dois grupos (p=0,59). Isto traduz o fato de que a viabilidade miocárdica pode ser encontrada ou não, independente do grau de disfunção ventricular. Estes achados têm congruência com os de Di Carli et al.43, que sugere que a avaliação de viabilidade miocárdica é benéfica, mesmo em pacientes com grave disfunção ventricular.
Consideramos que a avaliação de viabilidade miocárdica deve ser empreendida, mesmo em pacientes com FE muito baixa, pois estes podem ter benefício. Citamos o exemplo de uma paciente da nossa amostra que demonstrava FE, em repouso, de 13% e o estudo com FDG-18F demonstrou miocárdio viável com área de 19%.
O estudo de Hurrell et al 44, utilizando 1224 pacientes, demonstrou, num seguimento de 2 anos, que pacientes com área de fibrose miocárdica de repouso, medida pela cintilografia superior a 12%, do miocárdio após IAM, têm um pior prognóstico do que os que ficaram com área residual de fibrose < 12% (p=0,003).
Na nossa população, encontramos uma área de fibrose média de 38,1%. Isto significa que a população estudada é de ainda mais alto risco para eventos cardíacos. A possibilidade de encontrar viabilidade miocárdica pode oferecer-lhe a chance de modificar a história natural da cardiomiopatia isquêmica neste cenário.
Quando correlacionamos a área de fibrose com a detecção de viabilidade miocárdica, não encontramos diferença entre os grupos com e sem viabilidade quanto à quantidade de fibrose (p=0,9). Ambos os grupos apresentavam área média de fibrose acima de 38%; portanto, bastante extensa. Este achado aponta que é possível encontrar miocárdio viável, mesmo em pacientes com grandes áreas de fibrose.
Face aos resultados obtidos, podemos concluir que a Tomografia por Emissão de Pósitrons, realizada pelo Sistema de Coincidência, demonstrou ter impacto clínico na tomada de decisão terapêutica, neste grupo de pacientes com cardiopatia isquêmica após infarto do miocárdio. A sintomatologia, o eletrocardiograma, a fração de ejeção e a área de fibrose miocárdica não se correlacionaram com a presença de viabilidade da PET na população estudada.
Este estudo apresenta como limitações o número reduzido da amostra, não permitindo trazer afirmações conclusivas sobre os resultados encontrados. O número de pacientes necessita ser ampliado ou outros trabalhos executados, para confirmar os achados obtidos. O estudo não avaliou as expectativas e valores dos pacientes, fatores que podem influenciar na conduta adotada pelos médicos. Este trabalho contou com a participação de médicos de alto nível de especialização na área da cardiologia, o que pode ter influenciado os resultados obtidos.
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
5. Cyclotron Accelerators Center.[web site on the Internet].São Paulo:IPEN;1999.[cited 2004 Nov 10].Available from:http://www.ipen.br/biblioteca/progress/cyclotron.htm
Recebido em 23/02/05
Aceito em 25/07/05
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Maio 2006 -
Data do Fascículo
Maio 2006
Histórico
-
Aceito
25 Jul 2005 -
Recebido
23 Fev 2005