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Efeitos da rosiglitazona sobre a função endotelial em indivíduos não-diabéticos com síndrome metabólica

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os efeitos de um sensibilizador de insulina - rosiglitazona (ROSI) sobre a função endotelial e marcadores de ativação endotelial em um grupo de indivíduos com síndrome metabólica não-diabéticos. MÉTODOS: O grupo foi composto de dezoito indivíduos (doze mulheres, seis homens), com 41,2 ± 9,7 anos e IMC de 37,8 ± 6,1 kg/m². A dose de ROSI utilizada foi 8 mg/dia durante doze semanas. Um grupo de nove indivíduos saudáveis, com 26,1 ± 4,4 anos e IMC de 21,7 ± 1,7 kg/m², foi estudado no estado basal para comparação da resposta vasodilatadora. A função endotelial foi avaliada através da pletismografia de oclusão venosa com infusão intra-arterial de acetilcolina (Ach) e nitroprussiato de sódio (SNP). Foram dosados: glicose, insulina, lipídeos, fibrinogênio e proteína C reativa ultra-sensível (PCR). Os índices HOMA e Quicki foram calculados para quantificar a resistência insulínica (RI). RESULTADOS: Houve melhora nos índices de RI com diminuição do HOMA-R e aumento do Quicki, além de diminuição da PCR e do fibrinogênio. A vasodilatação endotélio-dependente melhorou, com aumento no porcentual de incremento do fluxo sangüíneo após Ach e aumento no porcentual de decremento da resistência vascular. Não foi observada diferença na vasodilatação endotélio-independente. CONCLUSÃO: O uso de ROSI induziu uma redução da RI, do fibrinogênio e da PCR e melhorou a função endotelial em indivíduos com SM não-diabéticos. Esses dados sugerem o papel dessa substância na regulação da função endotelial em indivíduos com alto risco cardiovascular.

Endotélio; síndrome metabólica; rosiglitazona


OBJECTIVE: To evaluate the effects of rosiglitazone (ROSI), an insulin-sensitizer, on endothelial function and endothelial activation markers in a group of non-diabetic subjects with metabolic syndrome. METHODS: A group of eighteen subjects (12 women, 6 men), mean age 41.2 ± 9.7 and BMI 37.8 ± 6.1 Kg/m², was treated with rosiglitazone 8 mg/day for 12 weeks. Another group of nine healthy subjects, mean age 26.1 ± 4.4 and BMI 21.7 ± 1.7 Kg/m², was studied at baseline to compare vasodilator response. Endothelial function was evaluated by venous occlusion plethysmography after intra-arterial infusions of acetylcholine (Ach) and sodium nitroprusside (SNP). The following were measured: glucose, insulin, lipids, fibrinogen, and high-sensitivity C-reactive protein (CRP). HOMA and Quicki indexes were calculated to quantify insulin resistance (IR). RESULTS: There was an improvement in insulin resistance, as evidenced by lower HOMA-R and higher QUICKI index, as well as a decrease in CRP and fibrinogen levels. Endothelium-dependent vasodilation also improved, as evidenced by greater increment in blood flow after Ach and greater decrement in vascular resistance. No difference in endothelium-independent vasodilation was noted. CONCLUSION: Rosiglitazone treatment reduced insulin resistance, fibrinogen, and CRP levels and improved endothelial function in non-diabetic subjects with metabolic syndrome. These data suggest that rosiglitazone plays a role in the regulation of endothelial function in patients at high cardiovascular risk.

Endothelium; metabolic syndrome; rosiglitazone


ARTIGO ORIGINAL

Efeitos da rosiglitazona sobre a função endotelial em indivíduos não-diabéticos com síndrome metabólica

Luciana Bahia; Luiz Guilherme K. Aguiar; Nivaldo Villela; Daniel Bottino; Amélio F. Godoy-Matos; Eliete Bouskela

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Laboratório de Pesquisas em Microcirculação e Policlínica Piquet Carneiro - Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência: Luciana Bahia Av. Visconde de Albuquerque, 1400/501 22450-000 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: lucianabahia@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os efeitos de um sensibilizador de insulina – rosiglitazona (ROSI) sobre a função endotelial e marcadores de ativação endotelial em um grupo de indivíduos com síndrome metabólica não-diabéticos.

MÉTODOS: O grupo foi composto de dezoito indivíduos (doze mulheres, seis homens), com 41,2 ± 9,7 anos e IMC de 37,8 ± 6,1 kg/m2. A dose de ROSI utilizada foi 8 mg/dia durante doze semanas. Um grupo de nove indivíduos saudáveis, com 26,1 ± 4,4 anos e IMC de 21,7 ± 1,7 kg/m2, foi estudado no estado basal para comparação da resposta vasodilatadora. A função endotelial foi avaliada através da pletismografia de oclusão venosa com infusão intra-arterial de acetilcolina (Ach) e nitroprussiato de sódio (SNP). Foram dosados: glicose, insulina, lipídeos, fibrinogênio e proteína C reativa ultra-sensível (PCR). Os índices HOMA e Quicki foram calculados para quantificar a resistência insulínica (RI).

RESULTADOS: Houve melhora nos índices de RI com diminuição do HOMA-R e aumento do Quicki, além de diminuição da PCR e do fibrinogênio. A vasodilatação endotélio-dependente melhorou, com aumento no porcentual de incremento do fluxo sangüíneo após Ach e aumento no porcentual de decremento da resistência vascular. Não foi observada diferença na vasodilatação endotélio-independente.

CONCLUSÃO: O uso de ROSI induziu uma redução da RI, do fibrinogênio e da PCR e melhorou a função endotelial em indivíduos com SM não-diabéticos. Esses dados sugerem o papel dessa substância na regulação da função endotelial em indivíduos com alto risco cardiovascular.

Palavras-chave: Endotélio, síndrome metabólica, rosiglitazona.

A aterosclerose tem sido reconhecida como doença nos últimos 150 anos, mas a compreensão de como ocorre seu desenvolvimento tem evoluído de modo dramático. O entendimento atual da fisiopatologia da aterosclerose envolve vários fatores que interagem de forma complexa, muito diferente da antiga visão de uma doença decorrente do depósito anormal de lipídios na parede vascular. Dentre esses fatores, destacam-se de forma importante a inflamação e a disfunção endotelial1,2. O termo disfunção endotelial refere-se à alteração da vasodilatação dependente do endotélio e às anormalidades nas interações entre as células endoteliais e células sangüíneas, gerando inflamação localizada e posteriormente lesões vasculares e trombose. A disfunção endotelial ocorre quando os efeitos vasoconstritores se superpõem aos efeitos vasodilatadores, geralmente como resultado de uma diminuição da biodisponibilidade do óxido nítrico (NO), com perda de sua ação vásculo-protetora. A disfunção endotelial tem sido reconhecida como alteração precoce no processo aterosclerótico, estando presente em todos os estágios subseqüentes de sua evolução3,4.

A síndrome metabólica (SM) tem sido definida pela presença de intolerância a glicose e/ou diabete melito tipo 2 (DM2), hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade abdominal. A presença de resistência a insulina é o denominador comum e antecede a instalação das alterações citadas. A SM é atualmente reconhecida como um importante fator de risco para doença aterosclerótica e mortalidade cardiovascular5-7. Sabidamente, os portadores de DM2 apresentam graus variáveis de disfunção endotelial. Existem, entretanto, evidências de disfunção endotelial detectada precocemente, antes mesmo da ocorrência de qualquer nível de intolerância a glicose8,9. Além do mais, pacientes com RI freqüentemente apresentam disfunção endotelial e inflamação vascular10,11. O aumento da oferta de ácidos graxos livres circulantes, o estresse oxidativo, a hipertensão arterial e o aumento de moléculas de LDL pequenas e densas são alguns dos possíveis mecanismos envolvidos na menor oferta de NO decorrentes da insulino-resistência11-13.

Os PPARg (peroxisome-proliferator activated receptor gamma) fazem parte de uma família de receptores nucleares responsáveis pela expressão de vários genes. Esses receptores se expressam em diversos tecidos, principalmente no tecido adiposo, mas também nas células endoteliais vasculares, macrófagos e células beta pancreáticas14,15. As tiazolidinedionas (TZDs) são seus agonistas exógenos e são potentes sensibilizadores da ação da insulina (SI). Dessa forma, essas substâncias têm sido utilizadas no tratamento do DM2 com o objetivo de melhorar a RI por efeitos diretos no tecido adiposo (aumento da captação de ácidos graxos e glicose)16 e indiretos, por alterar a secreção de adipocitocinas (diminuição de TNFa e aumento da adiponectina)17-19, e conseqüente melhora da sensibilidade a insulina em outros tecidos.

A ROSI, uma das TZDs atualmente comercializadas, além dos efeitos no metabolismo da glicose, demonstra uma potente ação antiinflamatória17. Mais ainda, em pacientes diabéticos, foi capaz de melhorar significa­tivamente a função endotelial20. Assim, uma intervenção precoce com esse agente em pacientes não-diabéticos, mas portadores de SM, poderia contribuir para melhorar a função endotelial, e com sua ação antiinflamatória melhoraria o risco cardiovascular desses pacientes.

O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos de um sensibilizador de insulina – rosiglitazona (ROSI) sobre a função endotelial e marcadores de ativação endotelial em um grupo de indivíduos com síndrome metabólica não-diabéticos

MÉTODOS

Foram estudados dezoito indivíduos, seis do sexo masculino e doze do sexo feminino, com idade média de 41,2 ± 9,7 anos, com diagnóstico de SM pelos critérios do NCEP-ATPIII21 (tab.1) antes e após o uso de ROSI 8 mg/dia, por doze semanas. Nove indivíduos saudáveis, cinco do sexo masculino e quatro do sexo feminino, com idade média de 26,1 ± 4,4 anos, foram estudados apenas para comparação da resposta vasodilatadora no estado basal (tab. 2).

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e todos os pacientes assinaram um termo de consentimento informado previamente à sua participação.

Os pacientes foram orientados a manter uma dieta isocalórica e a não modificar o padrão de atividade física habitual durante todo o período do estudo. Os portadores de hipertensão arterial foram orientados a manter o uso dos medicamentos anti-hipertensivos. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado dividindo-se o peso (em kg) pelo quadrado da altura (em metros). A medida da cintura foi obtida medindo-se a menor circunferência na metade da distância entre a crista ilíaca e o rebordo costal inferior, e a medida do quadril foi obtida medindo-se o maior diâmetro ao redor dos glúteos22. A relação cintura-quadril (RCQ) foi obtida dividindo-se a cintura pelo quadril. A medida da pressão arterial foi aferida duas vezes na posição supina após quinze minutos de repouso através de esfigmomanômetro automático (Multiparameter patient monitor - Lifewindow LW6000, USA), e os pacientes foram classificados como hipertensos pelos critérios do JNC 723.

Foram realizadas coletas de sangue, após jejum de doze horas, no período basal e após doze semanas do uso de ROSI. Os seguintes parâmetros foram analisados: glicose, colesterol total, triglicerídeos, LDL e HDL colesterol (em todas utilizando método enzimático automatizado), proteína C-reativa (nefelometria automatizada), fibrinogênio (coagulométrico automatizado) e insulina (quimioluminescência automatizada). Todos os pacientes realizaram o teste de tolerância oral a glicose com 75g glicose anidra. A glicemia de duas horas foi utilizada para classificação da tolerância a glicose24. Os pacientes com DM2 foram excluídos. Para quantificar a resistência insulínica foram calculados os índices HOMA-R (insulina em µUI/ml x glicose em mmol/l / 22,5)25 e Quicki (1/log insulina µUI/ml + log glicose em mg/dl)26.

A função endotelial foi estudada por pletismografia de oclusão venosa em antebraço, realizada sob condições padrão. Todos os pacientes estavam em jejum noturno e foram acomodados em uma sala com ambiente climatizado com temperatura controlada em 22 ± 1ºC, e permaneceram em repouso mínimo de 30 minutos antes do início do procedimento. Os pacientes foram orientados a não fumar, não ingerir bebidas alcoólicas ou com cafeína por doze horas prévias ao teste. Sob anestesia local (1% xilocaína), uma agulha 27G foi inserida na artéria braquial do braço não-dominante para a infusão de agentes. A medida não-invasiva da pressão arterial foi aferida durante todo o estudo no braço contralateral. A mudança do volume do membro foi medida por um sensor, disposto ao redor da parte mais larga do antebraço e conectado ao pletismógrafo (Hokanson E06,Washington,USA).

Durante a análise de fluxo foi feito o bloqueio do retorno venoso por um manguito inflado na porção superior do braço a 40 mmHg, utilizando-se um insuflador rápido (Hokanson AG101, USA), e outro manguito insuflado no punho 40 mmHg acima da pressão arterial sistólica um minuto antes do início das medidas para isolamento da circulação da mão. As medidas foram realizadas em condições de repouso e após infusão (bomba de infusão Harvard Apparatus 22, USA) de 7,5, 15 e 30 µg/min de acetilcolina (Ach) a cada 5 minutos e nitroprussiato de sódio (SNP) nas doses de 2, 4 e 8 µg/min. Foi obedecido um intervalo de 30 minutos entre as duas substâncias infundidas. O fluxo sangüíneo de antebraço (FSA) foi medido durante os últimos 2 minutos da infusão de cada dose. Foram analisadas quatro curvas a cada tempo do estudo e a média dessas medidas foi utilizada na análise estatística. O programa Power Lab (8SP-AD Instruments, Austrália) foi utilizado para as análises dos sinais obtidos pelo pletismógrafo.

A análise estatística foi feita pelo programa SPSS versão 8.0 para Windows. Os dados com distribuição normal foram expressos em média ± desvio-padrão, e aqueles com distribuição não-normal em mediana [mínimo-máximo]. Utilizamos o teste t de Student para comparação das variáveis pareadas com distribuição normal e o teste de Wilcoxon para comparação entre variáveis de distribuição não-normal. Para comparação entre variáveis independentes (controles x pacientes), utilizamos o teste de Mann-Whitney. O nível de significância estatístico considerado foi de 5%.

RESULTADOS

A tabela 2 demonstra as características clínicas e metabólicas do grupo-controle e do grupo com SM. Dos dezoito pacientes com SM, nove apresentavam intolerância a glicose (ITG) e oito, hipertensão arterial sistêmica. Dos nove indivíduos-controle, nenhum apresentava alteração na tolerância a glicose, hipertensão arterial ou dislipidemia.

A tabela 3 demonstra as características clínicas e metabólicas antes e após o uso de ROSI. Após doze semanas de tratamento com ROSI, houve diminuição da glicemia de jejum, PCR, fibrinogênio e melhora nos índices de resistência insulínica (HOMA-R e Quicki).

O peso corporal aumentou em todos os pacientes; porém, quando separados por sexo, as mulheres depositaram gordura na região periférica, com aumento da medida do quadril e diminuição da RCQ (tab. 3).

Com relação ao perfil lipídico, observou-se aumento do colesterol total, LDL-colesterol e, apenas no grupo feminino, aumento do HDL-colesterol. Os níveis de triglicerídeos não se alteraram significativamente.

Os níveis de pressão arterial sistólica (151,1 ± 16,3 x 144,9 ± 14,5 mmHg; p = 0,86), diastólica (87 ± 9,8 x 84,4 ± 9,7 mmHg; p = 0,26) e média (104 ± 13,7 x 103,3 ± 15,4 mmHg; p = 0,06) não sofreram alterações estatisticamente significativas.

Nas figuras 1 e 2 (A e B) estão demonstradas as respostas do fluxo sangüíneo e resistência vascular antes e após Ach e SNP. Comparando o grupo com SM com o grupo-controle, no estado basal, foram observadas diferenças significativas no porcentual de incremento do fluxo sangüíneo após Ach (85% [-26/551] x 367%[257/561] na maior dose; p = 0,005) e após SNP (120%[-12/621] x 399%[135/1041] na maior dose; p = 0,005).



No grupo com SM observou-se melhora da vasodilatação endotélio-dependente após doze semanas de ROSI, com aumento no porcentual de incremento do fluxo sangüíneo após Ach (85%[-26/551] x 285,5%[83/546] na maior dose; p = 0,02) e aumento no porcentual de decremento da resistência vascular (-47,5%[-84/33] x -74%[-85/-46] na maior dose; p = 0,003) (fig.1). Não foi observada modificação na resposta vasodilatadora após SNP.

Depois do tratamento, a diferença no porcentual de incremento do fluxo sangüíneo após Ach entre o grupo SM e o grupo-controle desapareceu (285,5%[83/546] x 367%[257/561], na maior dose; p = 0,23), mantendo-se a diferença na vasodilatação endotélio-independente (219,5%[52/466] x 399%[135/1041] na maior dose; p = 0,007) (fig.1).

DISCUSSÃO

A síndrome metabólica é um fator de risco estabelecido para doença cardiovascular5-7, mesmo na ausência de diabete melito. Além de ser o elo comum entre os membros da SM, a RI está presente antecedendo o aparecimento das alterações metabólicas27. Mais importante, a RI, avaliada pelo HOMA-R, é um fator de risco independente para doença cardiovascular28 e está associada à disfunção endotelial e inflamação10,11. Assim, um grupo de pacientes não-diabéticos, portadores de SM e, portanto, em risco de desenvolver doença cardiovascular, foi estudado para avaliar se o uso de ROSI seria capaz de melhorar a função endotelial e a inflamação. Para isso, foi utilizada a pletismografia de oclusão venosa, com infusão de acetilcolina e nitroprussiato de sódio, método ainda considerado padrão de referência na avaliação in vivo da função endotelial3.

A resposta vasodilatadora após Ach dos pacientes com SM foi significativamente menor que no grupo-controle no tempo basal (fig.1). Após o tratamento com ROSI, entretanto, essa diferença significativa entre esses dois grupos desapareceu. Mais ainda, a recuperação da capacidade vasodilatadora restringiu-se àquela dependente do endotélio. Como esperado, a vasodilatação endotélio-independente não mudou. Após doze semanas de tratamento com 8 mg de ROSI, o HOMA-R diminuiu significativamente, enquanto o Quicki aumentou, caracterizando melhora na RI.

Os marcadores de inflamação como a PCR e o fibrinogênio diminuíram 52,4% e 18%, respectivamente. Interessante, houve aumento do colesterol total, do LDL-colesterol e do peso corporal, fatores sabidamente relacionados à disfunção endotelial. Isso sugere que o principal mecanismo de melhora da resposta vasodilatadora endotelial tenha sido a diminuição da resistência insulínica e a melhora da inflamação vascular. A diminuição da PCR observada neste estudo já foi demonstrada por outros autores após o uso de TZDS em pacientes com ou sem diabetes29-31, confirmando o efeito antiinflamatório dessa classe terapêutica.

Wang e cols.31 demonstraram resultados semelhantes em cinqüenta indivíduos com SM que utilizaram ROSI por oito semanas. Através do estudo com Doppler da artéria braquial, observaram melhora da vasodilatação mediada pelo aumento do fluxo sangüíneo após isquemia, concomitante ao aumento do colesterol LDL e apolipoproteína B. Entretanto, observaram também melhora da vasodilatação após nitroglicerina (endotélio-independente). Pistrosch e cols.20 demonstraram melhora da função endotelial em indivíduos diabéticos tipo 2, insulino-resistentes, após uso de ROSI por doze semanas. Neste estudo, a melhora da função endotelial foi independente do controle glicêmico, como demonstrado em comparação com um grupo que usou nateglinida. Os autores sugerem, assim, que a melhora da insulino-resistência é mais importante para a melhora da função endotelial que a diminuição da glicemia.

Caballero e cols.32 também demonstraram melhora da função endotelial em diabéticos tipo 2, recém-diagnosticados, após o uso de troglitazona. Esse efeito benéfico, todavia, não foi demonstrado em diabéticos com doença macrovascular estabelecida. Sidhu e cols.30 estudaram indivíduos com doença arterial coronariana, sem diabetes, e observaram melhora dos marcadores da ativação endotelial (PCR, moléculas de adesão circulantes e fator de Von Willebrand). Não observaram, porém, melhora da vasodilatação mediada pelo fluxo. Natali e cols.33 compararam os efeitos da metformina e rosiglitazona em 74 diabéticos tipo 2 e concluíram que apenas o grupo que usou rosiglitazona apresentou melhora na vasodilatação endotélio-dependente e sensibilidade a insulina, embora os dois grupos tenham atingido controle metabólico similar.

Diversos mecanismos são descritos para explicar a melhora da função endotelial com o uso de agonistas dos PPARg. A diminuição da resistência insulínica é capaz de aumentar a oferta de NO, já que fisiologicamente a insulina aumenta a expressão da enzima NO-sintase endotelial34. Recentemente, Goya e cols.35 demonstraram a capacidade desses agonistas de estimular diretamente a expressão da enzima NO-sintase endotelial in vitro. A diminuição dos ácidos graxos livres circulantes, observada com o uso das TZDs, também é capaz de melhorar a função endotelial33. Os efeitos antiinflamatórios das TZDs já foram bem demonstrados em animais e humanos36,37, com diminuição da ativação do NFkB38, da liberação de citocinas e das moléculas de adesão vascular38. Outro possível mecanismo de melhora da função endotelial seria através do efeito antioxidante com diminuição da geração de radicais livres pelos monócitos e polimorfonucleares39, diminuição da formação de peroxinitrito e da expressão da enzima NO-sintase induzida40.

O uso da ROSI nesses indivíduos com RI sem diabetes foi capaz de melhorar a sensibilidade a insulina, efeito já demonstrado em outros grupos de indivíduos com RI, tais como mulheres portadoras de ovários policísticos41, pacientes com Sida em uso de agentes retrovirais causadores de lipodistrofia e insulino-resistência42 e intolerantes a glicose43.

Normalmente, o uso das TZDs acarreta aumento do peso corporal por seus efeitos sobre vários genes ligados à adipogênese. Ocorre aumento da diferenciação dos adipócitos (pré-adipócitos ! adipócitos maduros), principalmente aqueles localizados na região subcutânea, que são metabolicamente mais eficientes; isto é, capazes de captar ácidos graxos e glicose com maior facilidade44. Neste estudo, o aumento médio de peso de 2,2 kg em doze semanas não foi acompanhado por aumento na medida da cintura, sugerindo uma redistribuição mais periférica da gordura (diminuição da RCQ no grupo feminino). Alguns estudos demonstram que as TZDs são capazes de redistribuir a quantidade de gordura corporal com diminuição da gordura visceral, hepática e intramiocelular45-47, locais de deposição anormal de gordura e relacionados a maior insulino-resistência. No presente estudo não foi utilizada uma técnica mais acurada de determinação de gordura corporal, o que constitui uma limitação para maiores conclusões.

Os efeitos das TZDs sobre o perfil lipídico são controversos. Alguns estudos demonstram aumento do colesterol total e LDL-colesterol31, conforme observado nesse grupo. A ativação dos receptores PPAR em macrófagos parece acarretar diferentes efeitos. Ocorre estímulo para aumento da expressão dos receptores CD36, o que facilitaria a captação das moléculas de LDL oxidadas48, ao mesmo tempo que haveria um aumento no transporte reverso de colesterol pela indução de uma proteína de transporte ABCA149. Quando se analisa a morfologia das partículas de LDL, observa-se que o uso das TZDs modifica o padrão morfológico dessas partículas, diminuindo as moléculas de LDL pequenas e densas, conseqüentemente a captação pelo endotélio50. Não há consenso na literatura em relação aos efeitos das TZDs sobre triglicerídeos, havendo relatos de diminuição50 ou efeitos nulos51,52. Neste estudo não foi demonstrada modificação significativa nos níveis de triglicerídeos.

Não foi possível parear os grupos controle e com SM por idade, porém essa diferença serviu para demonstrar que o uso da ROSI foi capaz de melhorar a resposta vasodilatadora em níveis equivalentes a um grupo de indivíduos saudáveis mais jovens. A falta de um grupo com SM tratado com placebo traz algumas limitações às conclusões do estudo.

Concluímos que o uso de ROSI induziu uma redução da RI, do fibrinogênio e da PCR e melhorou a função endotelial em indivíduos com SM. Esses dados sugerem um possível papel dessa substância na regulação da função endotelial. O uso profilático das TZDs em indivíduos com elevado risco para desenvolvimento de diabetes e doença cardiovascular (portadores de síndrome metabólica e intolerantes a glicose) ainda não está estabelecido. Aguardamos os resultados de estudos clínicos controlados e prospectivos, que já estão em andamento, para determinar se essa abordagem é capaz de diminuir os eventos cardiovasculares isquêmicos a longo prazo.

Potencial Conflito de Interesses

Amélio F. Godoy-Matos

• Palestrante em eventos patrocinados pela indústria: GSK

Os demais co-autores não declararam qualquer potencial conflito de interesses.

Recebido em 01/03/05

Aceito em 08/06/05

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  • Correspondência:

    Luciana Bahia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Maio 2006
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