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Cardiomiopatia hipertrófica: importância dos eventos arrítmicos em pacientes com risco de morte súbita

Resumos

OBJETIVO: Pretende-se avaliar em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica e risco de MSC, submetidos a implante de cardioversor-desfibrilador implantável (CDI): a) ocorrência de eventos arrítmicos; b) ocorrência de eventos clínicos e correlações com eventos arrítmicos; c) ocorrência de terapia de choque do CDI e correlações clínico-funcionais; d) preditores clínico-funcionais de prognóstico. MÉTODOS: Foram estudados 26 pacientes com cardiomiopatia hipertrófica e fatores de risco de MSC, submetidos a implante de CDI no período de maio de 2000 a janeiro de 2004 (seguimento médio = 20 meses). Quatorze pacientes (53,8%) eram do sexo feminino e a idade média foi de 42,7 anos. Em 16 pacientes (61,5%), a indicação do CDI foi para prevenção primária de morte súbita cardíaca, e em 10 (38,5%), para prevenção secundária. Vinte pacientes (76,9%) apresentavam síncope prévia ao implante de CDI, metade desses relacionados a fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sustentada; 15 (57,7%) tinham história de morte súbita familiar; 12 pacientes (46,2%), taquicardia ventricular não-sustentada ao Holter de 24 horas; e 5 (19,2%) apresentavam o septo interventricular com espessura maior que 30 mm. RESULTADOS: No seguimento foram registrados no CDI 4 terapias de choque em arritmias potencialmente letais (3 pacientes com taquicardia ventricular sustentada e 1 paciente com fibrilação ventricular). Ocorreu um óbito por provável acidente vascular cerebral tromboembólico. Quatro pacientes tiveram recorrência de síncope sem evento arrítmico registrado pelo CDI. A análise estatística demonstrou significância da precocidade do choque do CDI em pacientes cujo septo interventricular tinha espessura maior que 30 mm. CONCLUSÃO: 1- ocorrência de eventos arrítmicos em 50% dos pacientes: a maioria (62%) foi taquicardia ventricular, sustentada (31%) e não-sustentada (31%); nos outros pacientes ocorreu taquicardia paroxística supraventricular; 2- síncopes recorrentes na minoria dos pacientes (16%), que, entretanto, não se associaram à presença de eventos arrítmicos; 3- presença de septo interventricular superior a 30 mm, ao ecocardiograma, se associou à ocorrência de terapia de choque precoce (p = 0,003); 4- ausência de preditores clínicos ou funcionais.

Cardiomiopatia hipertrófica; arritmia; cardiodesfibrilador implantável; fatores de risco; morte súbita cardíaca


OBJECTIVE: It is controversial the correlation between complex ventricular arrhythmia of hypertrophic cardiomyopathy and cardiac sudden death (CSD). In patients with hypertrophic cardiomyopathy and at risk for CSD that have been undergone implantable cardioverter-defibrillator (ICD) implantation, we evaluated: a- occurrence of arrhythmic events; b- clinical event occurrence and its correlation with arrhythmic events; c- ICD shock therapy occurrence and clinical-functional correlation; d- prognosis clinical-functional predictors. METHODS: Twenty-six patients have been studied. They presented hypertrophic cardiomyopathy and risk factors for CSD. These patients underwent ICD implantation, period May, 2000 through January, 2004 (average follow-up - 19 months). Fourteen patients (53.8%) were female and the mean age was 42.7. Sixteen patients (61.5%) ICD was performed due to primary prevention for sudden death and ten (38.5%) secondary prevention. Twenty patients (76.9%) had had syncope, previus to ICD implantation, half of them associated with ventricular fibrillation or sustained ventricular tachycardia; 15 had had family sudden death; 12 patients (46.2%) presented non-sustained ventricular tachycardia at 24-hour Holter and 5 (19.2%) showed the ventricular septum thickness larger than 30 mm. RESULTS: During the follow-up, 4 shocks therapy were recorded by ICD in potentially lethal arrythmias (3 sustained ventricular tachycardia and 1 ventricular fibrillation). There was one death, due to likely stroke. Four patients had syncope recurrence, with no arrhythmic event recorded by ICD. The statistical analysis has showed precocity significance of ICD shock, in patients whose ventricular septum thickness was larger than 30 mm. CONCLUSION: 1- arrhythmic events have occurred in 50% of the patients. Most of those events (62%) were ventricular tachycardia, 31% sustained tachycardia and 31% non-sustained ventricular tachycardia. The remainders had supraventricular tachycardia. 2- recurrent syncope in only 16% of the patients. Nevertheless, they were not related to the presence of arrhythmic events. 3- the presence of ventricular septum larger than 30mm, at Echocardiogram, was associated with early shock therapy occurence (p = 0.003). 4- absence of clinical or functional predictors.

Hypertrophic cardiomyopathy; arrhythmia; implantable cardioverter-defibrillator; risk factors; sudden cardiac death


ARTIGO ORIGINAL

Cardiomiopatia hipertrófica: importância dos eventos arrítmicos em pacientes com risco de morte súbita

Paulo de Tarso Jorge Medeiros; Martino Martinelli Filho; Edmundo Arteaga; Roberto Costa; Sérgio Siqueira; Charles Mady; Leopoldo Soares Piegas; José Antonio Franchini Ramires

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Paulo de Tarso Jorge Medeiros Rua Dr. José Candido Souza, 526 04518-051 – São Paulo, SP E-mail: paulotjm@cardiol.br, ptjmedeiros@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Pretende-se avaliar em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica e risco de MSC, submetidos a implante de cardioversor-desfibrilador implantável (CDI): a) ocorrência de eventos arrítmicos; b) ocorrência de eventos clínicos e correlações com eventos arrítmicos; c) ocorrência de terapia de choque do CDI e correlações clínico-funcionais; d) preditores clínico-funcionais de prognóstico.

MÉTODOS: Foram estudados 26 pacientes com cardiomiopatia hipertrófica e fatores de risco de MSC, submetidos a implante de CDI no período de maio de 2000 a janeiro de 2004 (seguimento médio = 20 meses). Quatorze pacientes (53,8%) eram do sexo feminino e a idade média foi de 42,7 anos. Em 16 pacientes (61,5%), a indicação do CDI foi para prevenção primária de morte súbita cardíaca, e em 10 (38,5%), para prevenção secundária. Vinte pacientes (76,9%) apresentavam síncope prévia ao implante de CDI, metade desses relacionados a fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sustentada; 15 (57,7%) tinham história de morte súbita familiar; 12 pacientes (46,2%), taquicardia ventricular não-sustentada ao Holter de 24 horas; e 5 (19,2%) apresentavam o septo interventricular com espessura maior que 30 mm.

RESULTADOS: No seguimento foram registrados no CDI 4 terapias de choque em arritmias potencialmente letais (3 pacientes com taquicardia ventricular sustentada e 1 paciente com fibrilação ventricular). Ocorreu um óbito por provável acidente vascular cerebral tromboembólico. Quatro pacientes tiveram recorrência de síncope sem evento arrítmico registrado pelo CDI. A análise estatística demonstrou significância da precocidade do choque do CDI em pacientes cujo septo interventricular tinha espessura maior que 30 mm.

CONCLUSÃO: 1- ocorrência de eventos arrítmicos em 50% dos pacientes: a maioria (62%) foi taquicardia ventricular, sustentada (31%) e não-sustentada (31%); nos outros pacientes ocorreu taquicardia paroxística supraventricular; 2- síncopes recorrentes na minoria dos pacientes (16%), que, entretanto, não se associaram à presença de eventos arrítmicos; 3- presença de septo interventricular superior a 30 mm, ao ecocardiograma, se associou à ocorrência de terapia de choque precoce (p = 0,003); 4- ausência de preditores clínicos ou funcionais.

Palavras-chave: Cardiomiopatia hipertrófica, arritmia, cardiodesfibrilador implantável, fatores de risco, morte súbita cardíaca.

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença genética com padrão de transmissão autossômico dominante1, caracterizada por hipertrofia ventricular esquerda, na ausência de outras causas de aumento da massa miocárdica. A CMH é considerada a principal causa de morte súbita cardíaca (MSC) em jovens, incluindo atletas competitivos2. Por ser uma doença poligênica com heterogeneidade clínica e mutações reconhecidas, tem crescido o interesse na busca de novas mutações mediante estudos clínicos e exames complementares que possam determinar o risco de morte súbita (MS)3,4.

A síncope e a MSC, que são as manifestações clínicas mais dramáticas5,6 da doença, geralmente decorrem da disfunção ventricular.

Os objetivos primordiais do tratamento da CMH são o alívio dos sintomas e a prevenção de MSC. Essa, freqüentemente acomete jovens previamente assintomáticos, ou com sintomas discretos. A MSC incide em cerca de 1% ao ano em adultos com CMH, e 2% a 4% em crianças e adolescentes7-10. A estratificação de risco é muito difícil e a definição de um tratamento profilático eficaz tem representado importante desafio clínico6,11-13. Em publicação recente das causas de MS em 387 jovens atletas, a principal causa, que ocorreu em 102 casos (26,4%) foi a CMH; em outros 29 óbitos (7,5%) havia hipertrofia ventricular esquerda de causa indeterminada2, ficando a dúvida se a causa poderia ser a CMH.

Alguns estudos, entretanto, demonstraram evidências de fatores preditivos de maior risco de MSC na CMH11,13-16. Dentre esses achados, a taquicardia ventricular (TV) parece ser o mecanismo principal de MSC da doença15, estando relacionada com o grau de fibrose entre as fibras miocárdicas. A presença de taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) está associada à evolução desfavorável apenas na presença de sintomas de baixo fluxo sistêmico ou cerebral. Nesse caso, a amiodarona constitui o agente antiarrítmico de escolha, embora o seu impacto sobre a sobrevida desses pacientes seja controverso17. Existem relatos de que pacientes com TVNS apresentam maior risco de MSC do que entre os não portadores de TVNS14.

A presença de síncopes recorrentes, mesmo em situações em que a TV não é documentada, parece ser importante marcador de risco de mortalidade súbita, mas não existem estudos conclusivos a esse respeito.

O tratamento das taquiarritmias ventriculares com cardioversor-desfibrilador implantável (CDI) demonstra que pacientes com CMH recuperados de parada cardíaca, assim como portadores de taquicardia ventricular sustentada (TVS) sincopal apresentam importante melhora do prognóstico e da longevidade após implante do CDI18-20. Esse pode exercer um excelente papel coadjuvante à sua função terapêutica antitaquicardia (mediante estratégias de programação) permitindo monitoração contínua da atividade elétrica do coração por meio de armazenamento de eventos arrítmicos.

Foi demonstrado que fortes preditores de MSC na CMH, como síncopes de etiologia não-identificada, história familiar de MSC, medida ecocardiográfica do septo ou da parede posterior do VE maior que 30 mm, início dos sintomas na infância, presença de fibrilação atrial paroxística ou persistente, e outros pouco estudados como mutações genéticas poderiam ser apropriadamente avaliados por meio do implante do CDI que obviamente proporcionaria, antes de tudo, segurança terapêutica a esses pacientes.

Apesar de a CMH ser uma doença pouco freqüente, raramente responsável por MSC, as evidências clínicas acima relatadas e a disponibilidade recente do CDI em nosso meio motivaram a realização deste estudo.

Objetivos

Em pacientes com CMH e risco de MSC submetidos a implante de CDI, avaliar: a) ocorrência de eventos arrítmicos; b) ocorrência de eventos clínicos e correlações com eventos arrítmicos; c) ocorrência de terapia de choque do CDI e correlações clínico-funcionais; d) preditores clínico-funcionais de prognóstico.

Métodos

Dentre os 476 pacientes com CMH de uma coorte, foram selecionados prospectivamente 26 pacientes consecutivos com risco de MSC, no período de maio de 2000 a janeiro de 2004. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram incluídos pacientes de qualquer idade ou sexo com CMH (forma obstrutiva ou não-obstrutiva) e classificados quanto à indicação do CDI em dois grupos: a) grupo de prevenção secundária de MSC, os recuperados de parada cardiorrespiratória (PCR) ou com TVS sincopal; b) grupo de prevenção primária, os pacientes sem arritmia potencialmente documentada, mas com associação de dois ou mais fatores preditivos de risco de MSC: história de MSC em familiares de 1º grau (pais e irmãos com idade inferior a 40 anos); com síncope recorrente de origem não identificada; com espessura da parede do VE > 30 mm e com TVNS ao Holter de 24 horas.

Foram excluídos pacientes com insuficiência cardíaca sistólica, doença valvar, hipertensão arterial sistêmica e gestantes.

Desse modo, 26 pacientes participaram do estudo, com idade média de 42,7 anos, sendo 14 (53,8%) do sexo feminino. Todos apresentavam fração de ejeção normal, ao ecocardiograma, e, na maioria (88,5%), a classe funcional de insuficiência cardíaca, conforme a New York Heart Association (NYHA), foi I ou II. As outras características clínicas e demográficas da casuística estão contidas na tabela 1.

Exames Realizados:

Avaliação clínica - Dirigida para a ocorrência de MSC familiar (pais e irmãos com idade inferior a 40 anos), presença de síncope, tonturas, palpitações, dispnéia e dor torácica. Classificação funcional pelos critérios da NYHA, medicação em uso e dose diária otimizada.

ECO Doppler - Estudo ecocardiográfico bidimensional, modo-M e Doppler (pulsátil, contínuo e mapeamento de fluxo em cores), com a utilização de um aparelho Acuson, modelo Sequoia (Mountain View, California), obtendo-se os cortes paraesternais e apicais padrões. Os registros ecocardiográficos do modo-M e do Doppler foram orientados pelo exame bidimensional e seguiram as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia21.

Critérios para o diagnóstico ecocardiográfico da CMH22 (medidas realizadas em três ciclos cardíacos consecutivos, e valores calculados pela média simples):

1) Medidas básicas do ecocardiograma modo-M:

-

diâmetro atrial esquerdo;

-

espessura diastólica da parede posterior do VE;

-

espessura diastólica do septo interventricular;

-

diâmetros sistólico e diastólico final do VE.

2) Valores calculados a partir das medidas básicas do modo-M:

-

fração de ejeção pela fórmula de Teicholz23: Vd = D3 x (7/2,4 + D);

-

Vs = S3 x (7/2,4 + S) FE = Vd - Vs / Vd

3) Medidas básicas ao bidimensional:

-

espessura diastólica da parede com maior espessura.

4) Medidas básicas ao Doppler:

-

onda-E = pico de velocidade do fluxo protodiastólico transmitral;

-

onda-A = pico de velocidade do fluxo telediastólico transmitral;

-

relação E/A = relação entre as velocidades da onda-E e onda-A;

-

tempo de relaxamento isovolumétrico do VE;

-

tempo de desaceleração da onda-E.

Eletrocardiografia dinâmica de 24 horas pelo sistema Holter - Uso de gravadores portáteis Marquette 8000, com calibração fixada em 1 mV: 10 mm e registro de ondas com amplitude modulada (AM), contendo fita cassete para gravação contínua, para posterior análise em equipamento Holter GE-Marquette, MARS-versão 4.0ª, revisado por técnico e um médico responsável. As variáveis analisadas foram: freqüência cardíaca média, número de extra-sístoles supraventriculares por hora, presença ou não de TPSV sustentada e não-sustentada e ocorrência de fibrilação atrial; número e tipo de extra-sístoles ventriculares e presença ou não de TVNS (três ou mais batimentos consecutivos com freqüência cardíaca maior que 100 bpm).

Estudo eletrofisiológico - Indicado em 16 pacientes como coadjuvante do esclarecimento de sintomas (síncopes), mediante um protocolo de estimulação ventricular programada que consistia de: indução de arritmia ventricular com dois ciclos de estimulação e três extra-estímulos em ápice e via de saída de ventrículo direito, estimulação atrial programada com dois ciclos e dois extra-estímulos para avaliação de arritmias atriais, além de medida de intervalos básicos do sistema de condução intracardíaco.

Implante do CDI - O tipo de indicação definiu o grupo (prevenção primária e secundária) e correspondeu aos critérios de inclusão do estudo, que estão contidos nas Diretrizes dos Departamentos de Arritmia e Eletrofisiologia Clínica da Sociedade Brasileira de Cardiologia e de Estimulação Cardíaca Artificial da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular24.

Os sistemas de estimulação utilizados foram de dupla-câmara, obedecendo-se à técnica convencional de implante de marcapasso cardíaco (MP) endocárdico com utilização de radioscopia. Foram implantados dois cabos-eletrodos bipolares endocárdicos, um posicionado na região do apêndice atrial direito, e um na região da ponta do ventrículo direito.

A programação do CDI foi protocolar: freqüência de estimulação 40 bpm para a zona de bradicardia (função de MP), com três zonas de detecção de taquicardia: Zona 1- freqüência entre 140 e 160 bpm; Zona 2- freqüência entre 160 e 180 bpm; Zona 3- freqüência superior a 180 bpm.

Para as duas primeiras, as funções de terapia foram desativadas e o CDI funcionava como monitor de registros para todo evento que ocorresse entre essas faixas de freqüência, que foi chamada de Zona de Holter.

Na Zona 3, foi ativada a função de terapia com choque (cardioversão e/ou desfibrilação). A energia dos choques foi programada de acordo com o limiar de desfibrilação obtido na cirurgia.

Seguimento - Constou de avaliação clínica e eletrônica do CDI a cada 90 dias, ou sempre que o paciente manifestasse síncope ou referisse choque do CDI. Os parâmetros avaliados foram: limiares de estimulação, limiares de sensibilidade, impedância dos cabos-eletrodos e as condições da bateria. Os eventos registrados e armazenados pelo CDI foram resgatados na forma de eletrograma intracardíaco, incluindo o registro do canal de marcas. Considerou-se choque apropriado à arritmia potencialmente letal (TVS ou FV detectada pelo CDI), que foi revertida por uma terapia de choque de cardioversão ou de desfibrilação.

A seqüência desses procedimentos e a periodicidade das avaliações pós-implante do CDI estão contidas na figura 1.


Metodologia estatística - Foram utilizadas as freqüências relativas (percentuais) e absolutas (N) das classes de cada variável qualitativa. Para as variáveis quantitativas foram utilizadas médias e medianas para resumir as informações, seguidas de desvios-padrão mínimo e máximo para indicar a variabilidade dos dados.

Para comparar as distribuições de freqüência das variáveis qualitativas foi utilizado o teste Qui Quadrado de Pearson25. O teste exato de Fisher foi utilizado nas situações em que os valores esperados foram inferiores a 5. Considerou-se associação estatisticamente significativa entre as variáveis para valores de p < 0,05.

Utilizamos também a abordagem de análise de sobrevivência, considerando como evento de interesse o choque do CDI. Calculamos as probabilidades de sobrevivência para o total de pacientes utilizando o método de Kaplan-Meier26. Para avaliar a influência de variáveis como MS familiar, síncope, espessura do septo interventricular, foram construídas curvas de Kaplan-Meier para as categorias de cada variável. Para a comparação das curvas utilizamos o teste de Log-Rank26.

Os achados da avaliação clínica (recorrência de síncope), exames complementares não-invasivos e do EEF foram submetidos a tratamento estatístico comparativo com as informações armazenadas pelo CDI.

Para as variáveis quantitativas, foram aplicados os testes T de Student e para amostras independentes os testes não-paramétricos de Mann Whitney, quando não ocorreu variabilidade dos dados. Para as variáveis qualitativas, foram aplicados os testes Qui quadrado e Exato de Fisher.

Foram considerados estatisticamente significantes os resultados cujos níveis descritivos (valores de p) foram inferiores a 0,05. Para os cálculos estatísticos, foi utilizado o software SPSS (Statistical Pachage for the Social Science) para Windows versão 10.0.

Resultados

O tempo médio de seguimento foi de 19±11,1 meses, variando entre 2,6 e 42,1 meses.

Em 14 (53,8%) pacientes foram registradas arritmias ao Holter de 24 horas, antes do implante do CDI. Doze pacientes (46,2%) apresentaram TVNS, sendo 6 do grupo de prevenção secundária e 6 do grupo de prevenção primária; TPSV ocorreu em 6 pacientes (23%). Quatro pacientes (15,4%) apresentaram os dois tipos de arritmia e não houve casos de taquiarritmia sustentada.

O EEF documentou arritmia ventricular hemodinamicamente instável em 9 (56,2%) pacientes. Dentre esses, TVS em 4 (25%), FV em 4 (25%) e flutter ventricular em 1 (6,2%).

A indicação do CDI para prevenção secundária ocorreu em 10 (38,5%) pacientes: 5 (19,2%) sobreviventes de PCR e 5 (19,2%) com TVS sincopal documentada, e em 16 (61,5%) para prevenção primária (associação de dois fatores preditivos de MSC): em 5 (19,2%) MSC familiar e síncope, em 4 (15,4%) MSC familiar e septo interventricular em espessura > 30 mm, em 2 (7,7%) MSC familiar e TVNS ao Holter de 24 horas, e em 5 (19,2%) síncope e TVNS ao Holter de 24 horas. Dentre as indicações do CDI para prevenção primária, o critério mais freqüente foi a MSC familiar, que ocorreu em 11 (42,3%) pacientes.

O tempo decorrido entre a seleção dos pacientes (após avaliação clínica, estudo ecocardiográfico, Holter de 24 horas e EEF) e o implante do CDI foi, em média, de aproximadamente 15 dias.

Durante o seguimento, os registros dos eletrogramas endocavitários do CDI não documentaram nenhuma arritmia em 13 (50,0%) pacientes. Em 5 (19,2%) pacientes foi registrada TPSV; em 4 (15,4%), episódios de TVNS. Em 4 (15,4%) pacientes, arritmias potencialmente letais (3 TVS e 1 FV) foram revertidas por terapia de choque do CDI, e em 3 desses o CDI foi indicado para prevenção secundária e somente em 1 paciente para prevenção primária (tab. 2).

Recorrência de síncope, sem registro eletrocardiográfico endocavitário de arritmia no CDI, ocorreu em 4 (15,4%) pacientes (tab. 2). Esses pacientes realizaram o teste de inclinação ortostática com protocolo passivo prolongado24, cujo resultado foi negativo.

Apenas um óbito foi registrado durante todo o seguimento da casuística, 24 meses pós-implante do CDI por PCR (tab. 2). Nesse paciente, havia sido documentada terapia de choque do CDI para reversão de FV três meses antes do óbito. Além disso, tinha história pregressa de acidente vascular cerebral isquêmico, com seqüela neurológica discreta, e estava em uso de anticoagulante oral por fibrilação atrial permanente.

A curva de sobrevivência livre de eventos choque do CDI, pelo método de Kaplan-Meier, demonstrou que, ao final de 30,9 meses, não ocorreu terapia de choque do CDI em 22 pacientes (fig. 2A). A ocorrência das terapias de choque não diferiu entre os pacientes com indicações primária ou secundária do CDI (p = 0,517).


A análise comparativa dos eventos, conforme a presença ou não de história de MS familiar, demonstrou (teste de Log-Rank) que não houve diferença de comportamento (fig. 2B).

Quando se comparou a ocorrência de eventos (choque do CDI) em relação à ocorrência de síncope prévia ao implante do CDI, também não houve diferença significante, conforme demonstra a figura 2C.

Com relação à curva livre de evento (choque do CDI), comparada a espessura do septo interventricular ao ecocardiograma, foi demonstrado que os choques do CDI ocorreram mais precocemente, nos pacientes que apresentavam septo interventricular com mais de 30 mm de espessura (p = 0,03), conforme mostra a figura 2D.

Não houve relação significante entre os eventos arrítmicos (TPSV, TVNS, TVS e FV) recuperados dos eletrogramas do CDI, assim como síncope recorrente após o implante, com as variáveis clínicas (sexo, idade, antecedentes de MSC familiar, síncope prévia ao implante do CDI), variáveis ecocardiográficas (medida do septo interventricular maior ou menor que 30 mm), presença de TVNS ao Holter de 24 horas e presença de arritmias ao EEF (TPSV, TVNS, TVS e FV).

A idade, considerada para análise estatística, inferior ou superior a 40 anos, também não discriminou maior ou menor incidência de eventos arrítmicos registrados nos eletrogramas do CDI, ou de recorrência de síncope. A análise comparativa dos eventos arrítmicos registrados pelo CDI e da recorrência de síncope, em pacientes que apresentavam síncope prévia ao implante, revelou que os 4 pacientes que tiveram recorrência de síncope após o implante do CDI apresentavam síncope prévia (tab. 3).

Comparando-se os pacientes com antecedentes de MSC familiar, em relação aos eventos arrítmicos registrados pelo CDI e a recorrência de síncope pós-implante, não houve diferença estatisticamente significativa. Também, a análise dos eventos arrítmicos recuperados dos eletrogramas registrados pelo CDI ou recorrência de síncope, em relação à indução de arritmia potencialmente letal como TVS ou FV ao EEF, não discriminou maior incidência de ocorrências (tab. 3).

A medida do septo interventricular, superior ou inferior a 30 mm (ecocardiograma), e a presença de TVNS ao Holter de 24 horas não discriminaram maior ou menor incidência de eventos arrítmicos registrados pelo CDI ou recorrência de síncope (tab. 3).

Discussão

Nos dias atuais, o maior foco de interesse para investigação prognóstica da CMH está voltado para o subgrupo de pacientes com alto risco de morte súbita. Este estudo prospectivo é o primeiro realizado, em nosso meio, com portadores de CMH e CDI indicado por risco de MSC. Trata-se de uma população muito selecionada, com baixa prevalência, para a qual a interpretação dos achados exige cautela.

Begley e cols.18 documentaram a importância do CDI em sobreviventes de MSC com CMH, porém com ressalvas na indicação para prevenção primária. Nosso estudo incluiu: a) pacientes de prevenção secundária de MSC, em 3 (12%) dos quais ocorreu terapia de choque apropriado (TV/FV) em curto período de seguimento, todos com arritmias potencialmente letais antes do implante do CDI; b) pacientes de prevenção primária, dos quais somente um apresentou choque apropriado seis meses após o implante. O baixo número de ocorrência de choque no grupo de prevenção primária possivelmente se deve ao curto tempo de seguimento dos pacientes de nosso estudo.

Corroborando os achados de Maron13 e Maron e cols.14, em nossa casuística a história de MSC entre pais e irmãos também não foi preditor isolado de maior ocorrência de terapia de choque do CDI ou registro de eventos arrítmicos. Elliott e McKenna7, entretanto, relataram maior incidência desses eventos em pacientes com MS familiar, que pode estar relacionada às características genotípica / fenotípica da CMH.

Diferente de alguns estudos com seguimento mais longo, em que a taquiarritmia ventricular foi considerada responsável pelos quadros sincopais18-20, síncope prévia ao implante do CDI, que esteve presente em 20 dos nossos pacientes, não se associou à maior ocorrência de eventos arrítmicos. A recorrência de síncopes após implante do CDI, sem registro de evento arrítmico, assim como ocorreu em 4 pacientes de nossa casuística não deve desvalorizar essa manifestação clínica, ainda que isolada, na indicação do CDI. Esses 4 pacientes foram submetidos ao teste de inclinação ortostática, cujo resultado foi negativo (protocolo passivo prolongado)24, descartando o mecanismo neurocardiogênico como causa da síncope. Então, para esses casos, o esclarecimento etiológico dos quadros sincopais parece depender do tempo de seguimento e da observação criteriosa de futuras abordagens diagnósticas.

Dentre os achados anatomofuncionais que caracterizam a CMH, o mais expressivo do presente estudo foi a associação de espessura do septo interventricular superior a 30 mm, ao ecocardiograma, com ocorrência precoce (seis ou sete meses) de terapia de choque do CDI (p = 0,003).

Em nosso estudo, a TVNS (Holter 24 horas) foi o evento arrítmico mais prevalente (46,2%), mas não foi marcador de mau prognóstico. Entretanto, a ausência de arritmias não se associou à evolução favorável da doença. Maron e cols.14 relataram a importância da TVNS como preditor de maior ocorrência de MSC (8% de risco em três anos) e que a ausência dessa arritmia proporciona redução dessas taxas a cerca de 1%. No presente estudo, o sistema de armazenamento de eletrogramas do CDI foi essencial para a documentação dos eventos arrítmicos: a maior prevalência foi de taquiarritmias ventriculares (TVS e FV), corroborando os achados da literatura.

Favale e cols.27 relataram o papel da fibrilação atrial (incidência 20%) como precursor de taquiarritmia fatal na CMH. Dois outros ensaios controlados não-randomizados18,19 estudaram a documentação de eventos arrítmicos por eletrogramas endocavitários (maioria com dispositivos câmara única-ventricular). Apesar de as arritmias supraventriculares não terem representado ameaça aos nossos pacientes, todos receberam dispositivos dupla câmara (atrioventriculares). Essa é uma recomendação importante nessa doença, pois, diferentemente dos dispositivos câmara única, os dispositivos atrioventriculares têm capacidade funcional avançada para discriminação algorítmica e armazenamento dos eventos arrítmicos reduzindo significativamente a taxa de choques inapropriados.

O EEF, na estratificação de risco da CMH, é controverso na literatura28,29; e os achados, em nosso estudo, também foram inconclusivos. Dois pacientes com TVS induzida não manifestaram arritmia clínica em dois anos de seguimento e em 1 paciente com TVS revertida por terapia de choque do CDI não foi induzida nenhuma arritmia ao EEF.

Begley e cols.18 estimaram em cerca de 90% a taxa de sobrevida de portadores de CDI e CMH sob risco de MSC, em dez anos de seguimento. Ocorreu um único óbito em nossa série (24 meses pós-implante do CDI) em portadora de fibrilação atrial permanente e ocorrência de choque apropriado (FV) três meses antes do óbito.

A ocorrência de eventos arrítmicos e as terapias de choques apropriados documentados, em nosso estudo, demonstraram que a indicação do CDI em recuperados de PCR ou com TVS sincopal (prevenção secundária) é inquestionável. Entretanto, para pacientes com risco potencial de MSC sem arritmias letais documentadas (prevenção primária), após seguimento médio de vinte meses, não foi possível definir o papel do CDI. Para essas situações recomenda-se obedecer aos critérios da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas–SBC.

Infelizmente, o presente estudo não avaliou as características genotípicas dos pacientes incluídos, que devem representar, em futuro breve, as ferramentas decisivas para estabelecer preditores concretos do prognóstico na CMH.

Conclusões

Em pacientes com CMH e risco de MSC submetidos a implante de CDI, após seguimento médio de vinte meses, observaram-se: 1- ocorrência de eventos arrítmicos em 50% dos pacientes (TV em 62%, sendo TVS em 31% e TVNS em 31%); 2- síncopes recorrentes na minoria dos pacientes (16%), que não se associaram à presença de eventos arrítmicos; 3- presença de septo interventricular superior a 30 mm, ao ecocardiograma, que se associou à ocorrência de terapia de choque precoce (p = 0,003); 4- ausência de preditores clínicos ou funcionais.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 22/10/04, revisado recebido em 11/06/06; aceito em 02/08/06.

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  • Correspondência:
    Paulo de Tarso Jorge Medeiros
    Rua Dr. José Candido Souza, 526
    04518-051 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2006

    Histórico

    • Aceito
      02 Ago 2006
    • Revisado
      11 Jun 2006
    • Recebido
      22 Out 2004
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