Resumos
Os tumores primários cardíacos são infreqüentes; entretanto, as neoplasias metastáticas com acometimento do coração são mais comuns. Alguns tumores apresentam, em estudos post-mortem, implantes secundários cardíacos com freqüências que superam 50%. Esse comprometimento deve ser lembrado em pacientes com história de neoplasia, que apresentem distúrbios de condução, sopro, cardiomegalia ou arritmias. Relatar-se-á, a seguir, o caso de um homem de 39 anos, encaminhado por cansaço e dispnéia aos esforços. Ecocardiograma evidenciou grande massa tumoral em ventrículo direito. A história médica pregressa revelou antecedentes de melanoma e a avaliação complementar mostrou doença metastática para pulmões, coração e cérebro, com evolução a óbito. Os aspectos singulares do caso são a presença de uma grande massa no ventrículo direito de origem metastática, ilustrando um quadro clínico raro e de prognóstico reservado.
Tumores; ventrículos cardíacos; melanoma; metástase neoplásica
Primary tumors of the heart are not common. However, metastatic neoplasms affecting the heart are more commonly found. Postmortem studies have shown that some tumors have reported secondary cardiac implants to be over 50%. Such involvement is to be taken into account for patients with a history of neoplasm and who present conduction disorders, murmur, cardiomegaly or arrhythmia. This is to report the case of a 39-year-old man who had been referred due to fatigue and dyspnea on effort. Echocardiogram evidence showed large tumoral mass in right ventricle. Medical history showed previous melanoma; further evaluation showed metastasis to lungs, heart and brain. Outcome was death. The uniqueness in this case relies on the large metastatic mass in right ventricle, thus illustrating a rare clinical condition of guarded prognosis.
Neoplasms; heart ventricles; melanoma; neoplasm, metastasis
RELATO DE CASO
Tumor em ventrículo direito em paciente com melanoma
Vinícius Daudt Morais; Flávio Dalbem; Krás Borges; Vicente Restelli
Instituto de Cardiologia - Fundação Universitária de Cardiologia, Porto Alegre, RS - Brasil
Correspondência Correspondência: Vinícius Daudt Morais Rua Protásio Alves, 1723/11 - Rio Branco 90410-001 - Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: vdaudt@brturbo.com.br
RESUMO
Os tumores primários cardíacos são infreqüentes; entretanto, as neoplasias metastáticas com acometimento do coração são mais comuns. Alguns tumores apresentam, em estudos post-mortem, implantes secundários cardíacos com freqüências que superam 50%. Esse comprometimento deve ser lembrado em pacientes com história de neoplasia, que apresentem distúrbios de condução, sopro, cardiomegalia ou arritmias. Relatar-se-á, a seguir, o caso de um homem de 39 anos, encaminhado por cansaço e dispnéia aos esforços. Ecocardiograma evidenciou grande massa tumoral em ventrículo direito. A história médica pregressa revelou antecedentes de melanoma e a avaliação complementar mostrou doença metastática para pulmões, coração e cérebro, com evolução a óbito. Os aspectos singulares do caso são a presença de uma grande massa no ventrículo direito de origem metastática, ilustrando um quadro clínico raro e de prognóstico reservado.
Palavras-chave: Tumores, ventrículos cardíacos, melanoma, metástase neoplásica.
Introdução
Os tumores primários cardíacos são entidades raras, com incidência aproximada de 0,02% em casuísticas de necropsias, em que 75% deles são benignos. Os mixomas representam 50% dos casos. Comparativamente, as neoplasias secundárias ou metastáticas são freqüentes, apresentando uma incidência 20-100 vezes superior1,2. Uma freqüência particularmente elevada de envolvimento cardíaco metastático tem sido observada em carcinoma epidermóide de pulmão (62%), tumores do trato urinário (60%) e melanomas (45%)3.
Uma das maiores casuísticas de pacientes terminais com câncer mostrou que cerca de 8% dos pacientes apresentavam doença metastática envolvendo o coração3.
Os tumores cardíacos podem ser sintomáticos ou, mais comumente, achados incidentais, observados durante investigação de um problema não-relacionado. A apresentação clínica é eminentemente relacionada à de uma neoplasia disseminada, sendo as metástases cardíacas, via de regra, assintomáticas4.
Relatar-se-á a seguir o caso de um homem de 39 anos encaminhado a hospital de referência por cansaço e dispnéia aos esforços, associados a massa intracardíaca, observada em ecocardiograma transtorácico. A despeito de ocorrerem freqüentemente metástases cardíacas em neoplasias bastante incidentes, tais condições são pouco lembradas na prática clínica. Tal caso se mostra relevante, uma vez que ressalta a importância das causas secundárias na investigação de massas cardíacas e a repercussão que essa terá na terapêutica do paciente.
Relato do Caso
Em dezembro de 2006, um homem de 39 anos referiu que iniciara com sintomas de dispnéia e cansaço aos grandes esforços. Tais sintomas mostraram discreta progressão nos meses subseqüentes, de maneira que ele procurou cardiologista em março de 2007. Ao exame físico, apresentava segunda bulha hiperfonética e sopro sistólico grau 4, com epicentro em quarto espaço intercostal esquerdo, na borda paraesternal esquerda. Foi realizado ecocardiograma em abril de 2007, que evidenciou massa tumoral em via de entrada do ventrículo direito, com extensão até a via de saída desse, causando obstrução importante de fluxo, associada à hipertensão arterial pulmonar de grau moderado a importante (pressão sistólica na artéria pulmonar: 60 mmHg) (fig. 1).
O paciente foi internado em nossa instituição no dia 9/4/2007 por massa em ventrículo direito com vistas à abordagem cirúrgica.
Na história médica pregressa do paciente havia a ressecção de uma lesão cutânea em região cervical esquerda, cujo exame histopatológico mostrou tratar-se de melanoma nodular, nível III de Clark. Além disso, exérese de lesão cutânea de antebraço direito, realizada em 2006, revelou melanoma tipo disseminação superficial, com margens cirúrgicas comprometidas.
O eletrocardiograma apresentava bloqueio de ramo direito, aumento de átrio direito e alterações secundárias da repolarização ventricular.
Em radiografia de tórax, foram observadas múltiplas lesões nodulares bilaterais, compatíveis com implantes secundários.
A tomografia de tórax mostrou volumosa lesão expansiva ocupando a cavidade ventricular direita, com redução da amplitude das vias de entrada e de saída do ventrículo direito, estendendo-se ao tronco da artéria pulmonar e porção proximal dos ramos principais direito e esquerdo. Havia ainda deslocamento do septo interventricular para a esquerda, derrame pericárdico moderado, múltiplos nódulos pulmonares, de dimensões variadas e distribuição randômica bilateral, além de pequenos gânglios axilares bilaterais (figura 2).
A tomografia de crânio evidenciou múltiplas lesões cerebrais, compatíveis com implantes metastáticos.
Considerou-se medida fútil a remoção cirúrgica de tal massa, com fins diagnósticos ou terapêuticos.
Assumiu-se o diagnóstico de melanoma disseminado, com metástases para pulmão, coração e cérebro, sem evidência histopatológica.
O paciente foi encaminhado a serviço de oncologia para realização de terapia sistêmica. Foi programado início de quimioterapia, no entanto houve deterioração clínica significativa, com índice de Karnofski menor que 80%, suspendendo-se tal plano terapêutico.
O paciente evoluiu a óbito em julho de 2007.
Discussão
Os tumores primários cardíacos são raros e a maioria desses é benigna. As neoplasias secundárias são mais comuns.
Embora nenhuma neoplasia se dissemine preferencialmente para o coração, algumas o fazem com freqüência mais elevada. Nesse contexto, mesotelioma, melanoma, adenocarcinoma de pulmão, carcinomas indiferenciados, carcinoma epidermóide de pulmão e carcinoma de mama tinham evidências de metástases cardíacas com uma prevalência, respectivamente, de 48, 27, 21, 18, 19 e 15 por cem pacientes em uma grande série de casos5.
Estudo japonês mostrou que os sítios primários mais freqüentemente implicados em metástases cardíacas foram pulmão, seguido por mediastino, fígado, útero e testículos6.
Cerca de dois terços de todos os casos de metástases cardíacas em determinada casuística envolveram o pericárdio (69,4%); um terço, o epicárdio (34,2%) ou o miocárdio (31,8%), e somente 5%, o endocárdio7.
As manifestações clínicas, quando presentes, são extremamente variáveis. O cenário mais típico é o paciente com uma neoplasia de pulmão ou de mama que inicia com dispnéia progressiva, hipotensão e taquicardia. Outras apresentações características incluem arritmias, como flutter atrial, fibrilação atrial, batimentos prematuros, arritmias ventriculares, distúrbios de condução e bloqueio atrioventricular, especialmente se houver acometimento miocárdico.
Quando o diagnóstico é provável e a intervenção cirúrgica terapêutica é indicada, toracotomia é uma abordagem razoável. Alternativamente, pode-se obter evidência histológica para o diagnóstico por meio de biópsia transvenosa, guiada por ecocardiograma. Esse procedimento é mais seguro, mas não isento de riscos. Há relato de desfecho fatal na literatura com essa abordagem7. No referido caso, considerando a doença disseminada, os antecedentes de neoplasia e a ausência de benefício de intervenção cirúrgica, prescindiu-se de tais métodos. Contudo, na ausência de história de melanoma, buscar-se-ia evidência histopatológica para a confirmação do diagnóstico.
O melanoma é uma neoplasia cujo prognóstico é reservado, especialmente pela sua propensão a metástases precoces, oligossintomáticas. O melanoma primário é predominantemente cutâneo, e o tumor primário raramente é a causa de morbidade e mortalidade. Aproximadamente 30% dos pacientes com essa neoplasia desenvolverão doença metastática com necessidade de terapia sistêmica. Os sítios mais comuns de acometimento visceral secundário são pulmões, fígado, cérebro e ossos. A despeito de 50% dos pacientes com melanoma mostrarem envolvimento cardíaco em estudos post-mortem, somente em 2% dos casos esse é observado ante-mortem. Tal neoplasia é considerada com a maior propensão a acometimento cardíaco secundário4.
Em uma casuística de 70 pacientes com melanoma metastático, foram observados implantes tumorais no coração em 45 casos. Apenas em 11 casos tais implantes associaram-se a disfunção cardíaca importante, não havendo, portanto, uma correlação bem-definida entre a extensão do envolvimento e a repercussão clínica8.
O envolvimento cardíaco pode ocorrer por disseminação hematogênica, invasão direta do mediastino, crescimento dentro da veia cava com extensão para o átrio direito, sendo o primeiro mais freqüente.
As metástases cardíacas ou pericárdicas devem ser consideradas sempre que um paciente com uma malignidade desenvolve sintomas cardiovasculares, particularmente se esses ocorrerem em conjunção com cardiomegalia, sopro, distúrbios de condução ou arritmias.
Determinados centros consideram a ressecção cirúrgica desses pacientes se o índice de Karnofsky pré-operatório for maior que 80%, se houver mínima doença extracardíaca ou se ocorrer deterioração clínica significativa por sintomas cardíacos9,10.
O envolvimento cardíaco raramente é isolado; geralmente é parte da doença disseminada. Essa costuma ser multifocal e inadequada à abordagem cirúrgica. Essa forma de tratamento é, via de regra, paliativa e tem por finalidade o controle dos sintomas.
Pacientes com tumores cardíacos malignos, primários ou secundários, apresentam um prognóstico reservado. Estudo mostrou que apenas 23% tiveram uma sobrevida superior a seis meses após o diagnóstico6.
São limitadas as opções terapêuticas dessas metástases, uma vez que há envolvimento difuso e questionável benefício da quimioterapia. Entretanto, para uma parcela reduzida de pacientes - envolvimento cardíaco isolado ou função cardíaca comprometida pelo tumor -, a cirurgia pode ser uma opção, considerando-se o risco cirúrgico e a sobrevida esperada11.
Em conclusão, para pacientes com história de melanoma que se apresentam com possíveis sintomas cardíacos, o médico deve estar atento para a possibilidade de metástases cardíacas. Esse diagnóstico terá implicações fundamentais no tratamento e no prognóstico de tais casos.
Artigo recebido em 09/05/07; revisado recebido em 03/09/07; aceito em 01/10/07.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Out 2008 -
Data do Fascículo
Set 2008
Histórico
-
Revisado
03 Set 2007 -
Recebido
09 Maio 2007 -
Aceito
01 Out 2007