Resumos
A introdução de stents farmacológicos em 2002 revolucionou a cardiologia invasiva através da redução de reestenoses. No final de 2006 surgiram relatos de aumento da incidência de trombose tardia de stent com esses stents em comparação com os de metal sem revestimento, provavelmente em decorrência do atraso de endotelização. No entanto, esses estudos continham sérias falhas metodológicas. Meta-análises posteriores mostraram de forma clara um risco apenas discretamente aumentado de trombose tardia de stent entre todos os grupos de pacientes. Um achado importante foi o de que os stents farmacológicos proporcionaram benefício significativo e mantido devido à redução de reestenose e, portanto, de revascularização de repetição. Vários registros obtidos na prática clínica confirmaram esses resultados e sugeriram que o uso de stents farmacológicos em situações mais complexas não está associado a resultados desfavoráveis. A trombose de stent é um problema multifatorial no qual o stent é apenas um dos elementos. Novos estudos serão necessários para determinar a técnica para o procedimento e o esquema antiplaquetário ideais. Os stents farmacológicos são seguros e eficazes em longo prazo, embora estudos intensivos continuem sendo realizados com o propósito de reduzir o risco de trombose de stent na próxima geração.
Stents farmacológicos; reestenose; trombose; intervenção coronariana percutânea
The introduction of drug-eluting stents in 2002 revolutionized interventional cardiology by minimizing restenosis. Reports of increased late stent thrombosis with these stents compared with bare metal stents, probably due to delayed endothelialization, emerged late in 2006. These studies contained serious methodological flaws, however. Subsequent meta-analyses clearly showed only a small incremental risk of late stent thrombosis across all patient groups. Importantly, a significant and sustained benefit of drug-eluting stents due to reduced restenosis and thus repeat revascularization was also shown. Several 'real-world' registries have confirmed these results and suggested that the use of these stents in more complex situations is not associated with adverse outcomes. Stent thrombosis is a multifactorial problem, in which the stent is only one element. Further research is required to determine optimal procedural technique and antiplatelet regimens. Drug-eluting stents are safe and effective in the long-term, though intensive research continues into ways to reduce the risk of stent thrombosis in the next generation.
Drug - eluting stents; restenosis; thrombosis; percutaneous intervention thrombosis
La introducción de stents farmacológicos en 2002 revolucionó la cardiología invasiva a través de la reducción de reestenosis. En el final de 2006 surgieron relatos de aumento de la incidencia de trombosis tardía de stent con esos stents en comparación con los de metal sin revestimientos, probablemente en consecuencia del atraso de endotelización. Mientras tanto, esos estudios contenían serias fallas metodológicas. Metanálisis posteriores mostraron de forma clara un riesgo apenas discretamente aumentado de trombosis tardía de stent entre todos los grupos de pacientes. Un hallazgo importante fue el de que los stents farmacológicos proporcionaron beneficio significativo y mantenido debido a la reducción de reestenosis y, por lo tanto, de revascularización de repetición. Varios registros obtenidos en la práctica clínica confirmaron esos resultados y sugirieron que el uso de stents farmacológicos en situaciones más complejas no está asociado a resultados desfavorables. La trombosis de stent es un problema multifactorial en el cual el stent es apenas uno de los elementos. Nuevos estudios serán necesarios para determinar la técnica para el procedimiento y el esquema antiplaquetario ideales. Los stents farmacológicos son seguros y eficaces a largo plazo, aunque estudios intensivos continúen siendo realizados con el propósito de reducir el riesgo de trombosis de stent en la próxima generación.
Stents farmacológicos; reestenosis; trombosis; intervención coronaria percutánea
ARTIGO DE REVISÃO
Os stents farmacológicos são seguros e eficazes em longo prazo?
Sanjay Sastry; Marie-Claude Morice
Institut Cardiovasculaire Paris Sud, Massy - France
Correspondência Correspondência: Marie-Claude Morice Institut Cardiovasculaire Paris Sud 6 Avenue du Noyer Lambert 91300, Massy - France E-mail: mc.morice@icps.com.fr
RESUMO
A introdução de stents farmacológicos em 2002 revolucionou a cardiologia invasiva através da redução de reestenoses. No final de 2006 surgiram relatos de aumento da incidência de trombose tardia de stent com esses stents em comparação com os de metal sem revestimento, provavelmente em decorrência do atraso de endotelização. No entanto, esses estudos continham sérias falhas metodológicas. Meta-análises posteriores mostraram de forma clara um risco apenas discretamente aumentado de trombose tardia de stent entre todos os grupos de pacientes. Um achado importante foi o de que os stents farmacológicos proporcionaram benefício significativo e mantido devido à redução de reestenose e, portanto, de revascularização de repetição. Vários registros obtidos na prática clínica confirmaram esses resultados e sugeriram que o uso de stents farmacológicos em situações mais complexas não está associado a resultados desfavoráveis. A trombose de stent é um problema multifatorial no qual o stent é apenas um dos elementos. Novos estudos serão necessários para determinar a técnica para o procedimento e o esquema antiplaquetário ideais. Os stents farmacológicos são seguros e eficazes em longo prazo, embora estudos intensivos continuem sendo realizados com o propósito de reduzir o risco de trombose de stent na próxima geração.
Palavras-chave:Stents farmacológicos, reestenose, trombose, intervenção coronariana percutânea.
Introdução
Os stents farmacológicos (SF) chegaram ao mundo da intervenção coronariana percutânea (ICP) em 2002 e quase imediatamente começaram a mudar a cardiologia moderna. O uso de stents metálicos (SM) convencionais reduziu drasticamente a incidência de revascularização miocárdica (RM) de emergência e de trombose vascular aguda na década de 1990 (Figura 1)1,2.
Estudos randomizados mostraram que os SF conseguiram contornar a falha que persistia nos stents: a ocorrência de reestenose. O seguimento de seis meses do estudo RAVEL confirmou um índice de 0% de reestenose, revascularização do vaso alvo (RVA) e trombose de stent3. O estudo SIRIUS mostrou que os stents revestidos com sirolimus (SRS) estavam associados a uma redução muito significativa de reestenose intra-segmento em comparação com os SM, e que essa diferença era evidente em uma ampla gama de pacientes e lesões com as mais diversas características 4. O estudo TAXUS IV mostrou resultados semelhantes usando stents revestidos com paclitaxel (SRP)5.
O fim dos SF?
Entretanto, as primeiras nuvens despontaram no horizonte no início de 2004, com um relato detalhado de quatro pacientes que haviam sofrido trombose de stent decorridos mais de onze meses do implante do SF após a interrupção da terapia antiplaquetária6. Novas dúvidas surgiram após um estudo histológico de SF meses após sua colocação, no qual o atraso de endotelização era evidente7. Os autores correlacionaram esse atraso com um risco aumentado de trombose de stent em SF quando comparado a SM. A seguir, o estudo BASKET-LATE, que acompanhou pacientes até 18 meses após a colocação de stent, mostrou uma frequência aumentada de trombose tardia de stent e morte cardíaca ou infarto do miocárdio (IM) após a suspensão do clopidogrel em pacientes tratados com SF em comparação com SM (Figura 2)8.
A verdadeira reação contra os SF teve início no Congresso da Sociedade Européia (CSE) em setembro de 2006, quando Camenzind apresentou uma meta-análise de estudos randomizados sobre SF de primeira geração, mostrando uma maior frequência de óbitos e IM com onda Q em pacientes tratados com SF em comparação com SM9. Os resultados não foram estatisticamente significativos, mas de fato mostraram uma tendência clara entre 18 meses e três anos após a colocação do stent, tanto para SRP quanto para SRS. Em outra apresentação que chamou a atenção, Nordmann sugeriu que os SRS estavam associados a um aumento significativo de mortalidade não cardíaca aos dois e três anos de seguimento, em comparação com SM10. Esses relatos geraram manchetes sensacionalistas na mídia leiga, inclusive em jornais como o The New York Times e o The Wall Street Journal. Havia duas limitações metodológicas principais nos estudos de Camenzind e cols.9 e Nordmann e cols.10, no entanto. Em primeiro lugar, nenhum dos dois foi uma meta-análise propriamente dita, uma vez que os dados utilizados foram retirados de outros trabalhos e apresentações, e não de informações diretas dos pacientes. Em segundo lugar, as definições de trombose de stent variaram de tal forma entre os estudos incluídos, que ficou invalidada uma meta-análise coerente. Apesar disso, a penetração dos SF nos EUA caiu em 12% nos seis meses que se seguiram ao CSE, enquanto na Europa, o aumento contínuo que vinha ocorrendo na utilização foi interrompido, e a penetração permaneceu fixa em 50%11,12.
Houve dois desdobramentos positivos imediatos da histeria descabida em relação à trombose de SF. O primeiro foi a elaboração de definições, para trombose de stent, aceitas pelo Consórcio de Pesquisa Acadêmica (CPA) por solicitação da FDA, que antecedeu uma reunião especial de seu conselho sobre segurança de SF realizada em dezembro de 200613. O segundo desdobramento positivo foi a realização de meta-análises independentes dos muitos estudos sobre SF e SM, a partir de dados obtidos diretamente dos pacientes para se conseguir uma resposta mais clara a esta questão.
O risco real de trombose de stent com SF
Uma edição do New England Journal of Medicine de fevereiro de 2007 continha vários desses estudos. Uma meta-análise da incidência de trombose de stent em oito importantes estudos randomizados não encontrou diferença significativa entre pacientes tratados com SF e SM usando as definições do CPA (trombose de stent definitiva ou provável em SRS 1,5% contra SM 1,7%, p=0.70; e SRP 1,8% contra SM 1,4%, p=0,52%) (Figura 3)14. Outra meta-análise de nove estudos randomizados concluiu que a trombose de stent após um ano era mais comum com SRP e SRS do que com SM, embora ambos os SF estivessem associados a uma redução acentuada de revascularização da lesão alvo (RLA)15. Aos quatro anos não houve diferenças significativas nas taxas de eventos cumulativos de óbitos ou IM (Figura 4). Da mesma forma, uma meta-análise de quatro estudos comparando SRS e SM não mostrou diferenças significativas entre os dois tratamentos em termos de óbito, IM ou trombose de stent até quatro após a colocação do stent16.
Na mesma edição, entretanto, o Registro Sueco de Angioplastia e Coronariografia (SCAAR) encontrou uma taxa aumentada de óbitos em pacientes tratados com SF em comparação com SM aos três anos (risco relativo (RR) ajustado 1,18, intervalo de confiança (IC) de 95% 1,05 a 1,37)17. De forma interessante, após mais um ano de seguimento, o que gerou um total de 13.786 pacientes com SF e 21.480 com SM, não foi observada diferença significativa quanto à mortalidade entre os dois grupos (RR 1,03, IC 95% 0,94 to 1,14)18. Outros registros de "casos reais" em larga escala igualmente mostraram mortalidade comparável ou inferior entre os dois grupos19-22. Esses registros da prática clínica também sugeriram que o uso de SF em situações mais complexas não está associado a resultados adversos.
Talvez o estudo mais importante que se seguiu à "crise" dos SF tenha sido a meta-análise em rede que incluiu todos os estudos relevantes de SF de primeira geração23. Os autores incluíram 38 estudos com um total de 18.023 pacientes e acompanhamento de até quatro anos. A mortalidade foi semelhante entre SRS, SRP e SM (Figura 5). Não foram observadas diferenças significativas quanto ao risco de trombose de stent definitiva (0 dias a quatro anos). Com base na redução mais acentuada de RLA em pacientes tratados com SRS do que nos tratados com SRP, e na menor frequência de IM nos pacientes tratados com SRS, os autores concluíram que os SRS pareciam clinicamente melhores.
As preocupações acerca do risco de trombose de stent em pacientes diabéticos que surgiram em estudos anteriores também foram abordadas em uma recente meta-análise de pacientes diabéticos e não diabéticos em cinco estudos randomizados comparando SRP e SM24. Aos quatro anos de seguimento, os autores não encontraram diferenças significativas entre SRP e SM em relação a óbito (8,4% contra 10,3%, p=0,61), IM (6,9% contra 8,9%, p=0,17) ou trombose de stent (1,4% contra 1,2%, p=0,92) , mas encontraram uma redução significativa em relação a RLA nos pacientes tratados com SRP (12,5% contra 24,7%, p<0,0001).
Como resultado de todos esses estudos, ficou comprovada a segurança dos SF. O risco aumentado de trombose de stent tardia pode ser decorrente do revestimento de droga que reduz a isquemia decorrente de reestenose por um prazo mais longo. De fato, demonstrou-se que o risco de trombose de stent com SF em uma pequena proporção de pacientes é compensado pelo benefício da redução de RLA numa proporção muito maior de casos tratados, apesar da maior frequência de óbito ou IM após trombose de stent25.
O foco na trombose de stent, suas causas e como reduzi-la
O maior benefício da controvérsia sobre SF foi, no entanto, a atenção resultante sobre a trombose de stent e como preveni-la. A natureza multifatorial da trombose de stent é reconhecida há muito tempo (Figura 6)26. Na realidade, a trombose tardia de stent não é um problema limitado aos SF27. Fatores de risco reconhecidos para trombose de stent em SF incluem insuficiência renal, diabete melito insulino-dependente, lesões calcificadas, função ventricular comprometida, expansão inadequada do stent e estenose residual do segmento de referência28,29.
Recentemente, tem havido um interesse crescente quanto à resposta à terapia antiplaquetária com clopidogrel e aspirina. A alta reatividade plaquetária pós-tratamento é um dos melhores meios de avaliar a não-resposta ao clopidogrel, e mostrou-se um fator de risco independente para trombose de stent em pacientes que receberam SF em uma análise multivariada30. A resposta individual ao clopidogrel pode ser influenciada por fatores genéticos e celulares, bem como por fatores clínicos tais como adesão do paciente ou dose do clopidogrel (Figura 7)31. Pacientes portadores de diabete melito podem ser particularmente suscetíveis a problemas de não resposta ao tratamento antiplaquetário. Em um estudo com 54 pacientes diabéticos que vinham recebendo terapia antiplaquetária dupla prolongada, a suspensão do clopidogrel mostrou-se associada tanto a efeitos pró-inflamatórios, como pró-trombóticos32. Em outro estudo, comparando-se a resposta à aspirina em diferentes doses em diabéticos e não diabéticos, os diabéticos apresentaram maior prevalência de resistência à aspirina na dose de 81 mg por dia (27% contra 4%; p=0,001)33. Doses maiores de aspirina reduziram significativamente a resistência à aspirina em diabéticos. Em um estudo com 135 pacientes portadores de doença coronariana, fazendo uso de terapia antiplaquetária dupla prolongada, encontrou-se resistência à aspirina em 44% dos pacientes, com maior frequência em diabéticos do que em não diabéticos (Figura 8)34. A conduta ideal em pacientes com resistência ao clopidogrel e/ou à aspirina permanece indefinida, sendo a terapia antiplaquetária dupla por tempo indeterminado claramente impraticável. A realização de exames para detecção de resistência à aspirina antes da interrupção do clopidogrel pode fornecer informações importantes, e a suspensão gradual do tratamento com clopidogrel também requer novas investigações.
Futuros avanços em SF
O foco nas deficiências dos SF de primeira geração também acelerou o desenvolvimento dos da próxima geração. Já está disponível um stent revestido por anticorpo, cujo objetivo é acelerar a cicatrização vascular após ICP, e a duração recomendada da terapia antiplaquetária dupla é de apenas um mês35. Stents bioabsorvíveis também representam um interesse considerável em termos de redução de risco de trombose de stent. Um estudo recente com 30 pacientes que receberam stent bioabsorvível revestido por everolimus mostrou resultados promissores sem que houvesse trombose de stent tardia, e com uma taxa de eventos cardíacos adversos principais de 3,3% após um ano36. Outros stents em fase de desenvolvimento que podem reduzir a trombose de stent incluem SF sem polímeros, sendo que uma nova geração de SF com um polímero biodegradável está chegando ao mercado.
Conclusões
Os SF de primeira geração estão associados a um risco levemente aumentado de trombose tardia de stent em comparação com SM, em grande parte devido ao atraso de endotelização, o que não se traduz em aumento do risco de óbito ou IM até quatro anos de seguimento. O risco levemente aumentado é compensado por uma grande redução na reestenose e na necessidade de revascularização de repetição em comparação com SM. Igualmente tranquilizador é o fato de que muitos registros com grande número de casos da prática clínica mostraram baixos índices de trombose tardia de stent mesmo nos grupos de pacientes mais complexos.
Tem havido vários desdobramentos benéficos da reação aos SF ocorrida em 2006-2007: o surgimento de uma definição uniforme de eventos de trombose de stent em estudos de pesquisa, melhor seguimento em estudos de pesquisa e mais colaboração e transparência entre os institutos de pesquisa e o setor. Indubitavelmente, os SF já beneficiaram muitos pacientes, e a próxima geração provavelmente estenderá esses benefícios a muitos outros.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Artigo recebido em 20/05/08; revisado recebido em 17/06/08; aceito em 10/07/08.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Abr 2011 -
Data do Fascículo
Out 2010
Histórico
-
Revisado
17 Jun 2008 -
Recebido
20 Maio 2008 -
Aceito
10 Jul 2008