Acessibilidade / Reportar erro

Custo-Efetividade do Emprego do Escore de Cálcio Coronariano na Orientação para a Decisão Terapêutica na Prevenção Primária, na População Brasileira

Resumo

Fundamento:

O emprego do escore de cálcio no auxílio da estratificação de risco cardiovascular pode ser ferramenta com melhor custo-efetividade em comparação à estratégia convencional.

Objetivos:

Avaliação da custo-efetividade do emprego do escore de cálcio na orientação terapêutica para a prevenção primária cardiovascular.

Métodos:

Modelo de microssimulação para avaliar as consequências clínicas e econômicas da doença cardiovascular aterosclerótica, comparando-se a estratégia de prevenção pelo uso do escore de cálcio e a estratégia convencional.

Resultados:

Resultados obtidos demonstram melhor custo-efetividade da estratégia terapêutica guiada pelo escore de cálcio, por meio da redução do custo incremental, e aumento nos anos de vida ajustados por qualidade (QALY), que corresponde, em número, ao benefício incorporado à qualidade de vida do indivíduo.

Conclusões:

O emprego do escore de cálcio mostrou-se mais custo-efetivo que a estratégia convencional tanto em custo como em QALY, na maioria dos cenários estudados.

Palavras-chave:
Análise Custo-Benefício; Prevenção Primária; Técnicas de Imagem Cardíaca; Cálcio Coronariano

Abstract

Background:

The use of the coronary artery calcium score to aid cardiovascular risk stratification may be a more cost-effective tool than the conventional strategy.

Objectives:

Evaluation of the cost-effectiveness of the use of the calcium score in therapeutic guidance for primary cardiovascular prevention.

Methods:

A microsimulation model to assess the clinical and economic consequences of atherosclerotic cardiovascular disease, comparing the prevention strategy using the calcium score and the conventional strategy.

Results:

The results obtained demonstrated a better cost-effectiveness of the therapeutic strategy guided by the calcium score, by reducing incremental costs and increasing quality-adjusted life years (QALY), which corresponds, in number, to improving the quality of life of the individual.

Conclusions:

The use of the coronary artery calcium score proved to be more cost-effective than the conventional strategy, both in terms of cost and QALY, in most of the scenarios studied.

Keywords:
Cost-Benefit Analysis; Primary Prevention; Cardiac Imaging Techniques; Coronary Artery Calcium

Introdução

Graças as novas formas de classificar o risco de eventos cardiovasculares na prevenção primária, que são recomendadas pelas diretrizes das principais sociedades de cardiologia do mundo, observa-se aumento significativo na população elegível para o uso de estatinas.11 Pencina MJ, Navar-Boggan AM, D’Agostino RB Sr, Williams K, Neely B, Sniderman AD, et al. Application of New Cholesterol Guidelines to a Population-Based Sample. N Engl J Med. 2014;370(15):1422-31. doi: 10.1056/NEJMoa1315665.
https://doi.org/10.1056/NEJMoa1315665...
,22 Stone NJ, Robinson JG, Lichtenstein AH, Merz CNB, Blum CB, Eckel RH, et al. 2013 ACC/AHA Guideline on the Treatment of Blood Cholesterol to Reduce Atherosclerotic Cardiovascular Risk in Adults: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(25 Pt B):2889-934. doi: 10.1016/j.jacc.2013.11.002.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2013.11.0...
Como exemplo dessas mudanças, a diretriz de controle de dislipidemias de 2018 e de prevenção cardiovascular de 2019 da American Heart Association (AHA) e do American College of Cardiology (ACC) sugere o uso de um escore de risco cardiovascular (Pooled Cohort Equations — ASCVD) para estimar o risco de eventos cardiovasculares relacionados à aterosclerose em um período de dez anos.33 Arnett DK, Blumenthal RS, Albert MA, Buroker AB, Goldberger ZD, Hahn EJ, et al. 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of Cardiovascular Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2019;74(10):e177-232. doi: 10.1016/j.jacc.2019.03.010.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2019.03.0...
,44 Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2019;139(25):e1082-143. doi: 10.1161/CIR.0000000000000625.
https://doi.org/10.1161/CIR.000000000000...
Esse escore classifica o indivíduo, de acordo com variáveis modificáveis e não modificáveis, em alto risco (>20% de eventos em dez anos); moderado risco (7,5–20% de eventos em dez anos); borderline (5–7,5% de eventos em dez anos) e baixo risco (<5% de eventos em dez anos).33 Arnett DK, Blumenthal RS, Albert MA, Buroker AB, Goldberger ZD, Hahn EJ, et al. 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of Cardiovascular Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2019;74(10):e177-232. doi: 10.1016/j.jacc.2019.03.010.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2019.03.0...
,44 Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2019;139(25):e1082-143. doi: 10.1161/CIR.0000000000000625.
https://doi.org/10.1161/CIR.000000000000...

Entretanto, é possível notar que essa classificação une uma população de risco cardiovascular heterogênea, já que uma parcela de indivíduos candidatos ao uso de estatina não apresenta sintomas ou sinais de doença aterosclerótica manifesta. Por consequência, muitos dos indivíduos elegíveis à terapia farmacológica poderiam se beneficiar marginalmente dessa terapêutica em longo prazo, uma vez que o benefício acumulado do tratamento é diretamente proporcional ao risco de base.22 Stone NJ, Robinson JG, Lichtenstein AH, Merz CNB, Blum CB, Eckel RH, et al. 2013 ACC/AHA Guideline on the Treatment of Blood Cholesterol to Reduce Atherosclerotic Cardiovascular Risk in Adults: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(25 Pt B):2889-934. doi: 10.1016/j.jacc.2013.11.002.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2013.11.0...
,55 Nasir K, Bittencourt MS, Blaha MJ, Blankstein R, Agatson AS, Rivera JJ, et al. Implications of Coronary Artery Calcium Testing Among Statin Candidates According to American College of Cardiology/American Heart Association Cholesterol Management Guidelines: MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2015;66(15):1657-68. doi: 10.1016/j.jacc.2015.07.066.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2015.07.0...

Nesse cenário, o escore de cálcio coronariano (ECC), realizado por meio da tomografia computadorizada para quantificar a carga aterosclerótica dos indivíduos, pode ser útil para reclassificar o paciente intermediário para baixo ou alto risco de eventos, evitando ou, eventualmente, até intensificando a necessidade da terapia hipolipemiante nessa população.33 Arnett DK, Blumenthal RS, Albert MA, Buroker AB, Goldberger ZD, Hahn EJ, et al. 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of Cardiovascular Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2019;74(10):e177-232. doi: 10.1016/j.jacc.2019.03.010.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2019.03.0...
,44 Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2019;139(25):e1082-143. doi: 10.1161/CIR.0000000000000625.
https://doi.org/10.1161/CIR.000000000000...
,66 Erbel R, Möhlenkamp S, Moebus S, Schmermund A, Lehmann N, Stang A, et al. Coronary Risk Stratification, Discrimination, and Reclassification Improvement Based on Quantification of Subclinical Coronary Atherosclerosis: The Heinz Nixdorf Recall Study. J Am Coll Cardiol. 2010;56(17):1397-406. doi: 10.1016/j.jacc.2010.06.030.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2010.06.0...
,77 Detrano R, Guerci AD, Carr JJ, Bild DE, Burke G, Folsom AR, et al. Coronary Calcium as a Predictor of Coronary Events in Four Racial or Ethnic Groups. N Engl J Med. 2008;358(13):1336-45. doi: 10.1056/NEJMoa072100.
https://doi.org/10.1056/NEJMoa072100...

Dessa forma, é relevante a avaliação da efetividade e da custo-efetividade dessa ferramenta em comparação a outros mecanismos de estratificação de risco da população, com o objetivo de orientar a prática clínica, bem como direcionar estrategicamente os esforços e recursos da saúde.

Diversos estudos de custo-efetividade compararam o emprego do ECC à terapia guiada por escores de risco ou outros métodos de classificação.55 Nasir K, Bittencourt MS, Blaha MJ, Blankstein R, Agatson AS, Rivera JJ, et al. Implications of Coronary Artery Calcium Testing Among Statin Candidates According to American College of Cardiology/American Heart Association Cholesterol Management Guidelines: MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2015;66(15):1657-68. doi: 10.1016/j.jacc.2015.07.066.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2015.07.0...
,88 Ribeiro RA, Duncan BB, Ziegelmann PK, Stella SF, Vieira JL, Restelatto LM, et al. Cost-effectiveness of High, Moderate and Low-dose Statins in the Prevention of Vascular Events in the Brazilian Public Health System. Arq Bras Cardiol. 2015;104(1):32-44. doi: 10.5935/abc.20140173.
https://doi.org/10.5935/abc.20140173...

9 van Kempen BJ, Ferket BS, Steyerberg EW, Max W, Hunink MGM, Fleischmann KE. Comparing the Cost-effectiveness of Four Novel Risk Markers for Screening Asymptomatic Individuals to Prevent Cardiovascular Disease (CVD) in the US Population. Int J Cardiol. 2016;203:422-31. doi: 10.1016/j.ijcard.2015.10.171.
https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2015.10...

10 van Kempen BJ, Spronk S, Koller MT, Elias-Smale SE, Fleischmann KE, Ikram MA, et al. Comparative Effectiveness and Cost-effectiveness of Computed Tomography Screening for Coronary Artery Calcium in Asymptomatic Individuals. J Am Coll Cardiol. 2011;58(16):1690-701. doi: 10.1016/j.jacc.2011.05.056.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2011.05.0...
-1111 Hong JC, Blankstein R, Shaw LJ, Padula WV, Arrieta A, Fialkow JA, et al. Implications of Coronary Artery Calcium Testing for Treatment Decisions Among Statin Candidates According to the ACC/AHA Cholesterol Management Guidelines: A Cost-Effectiveness Analysis. JACC Cardiovasc Imaging. 2017;10(8):938-52. doi: 10.1016/j.jcmg.2017.04.014.
https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2017.04.0...
Entre eles, Nasir et al.55 Nasir K, Bittencourt MS, Blaha MJ, Blankstein R, Agatson AS, Rivera JJ, et al. Implications of Coronary Artery Calcium Testing Among Statin Candidates According to American College of Cardiology/American Heart Association Cholesterol Management Guidelines: MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2015;66(15):1657-68. doi: 10.1016/j.jacc.2015.07.066.
https://doi.org/10.1016/j.jacc.2015.07.0...
estudaram a custo-efetividade do emprego do ECC e compararam-na com a estratificação guiada apenas pelo escore de risco de eventos cardiovasculares. Essa análise utilizou os dados e os custos previstos nos Estados Unidos e teve como base os dados populacionais do Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA), uma coorte composta de 6.814 participantes de diversos centros de estudos do país.1212 Bild DE, Bluemke DA, Burke GL, Detrano R, Roux AVD, Folsom AR, et al. Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis: Objectives and Design. Am J Epidemiol. 2002;156(9):871-81. doi: 10.1093/aje/kwf113.
https://doi.org/10.1093/aje/kwf113...
Neste artigo, usamos como referência o estudo citado anteriormente, com a mesma base populacional citada, adaptando os custos para a realidade brasileira, a fim de verificar a reprodutibilidade do método no Brasil.

Métodos

Nesta análise, a metodologia é replicada do artigo publicado por Nasir et al., sendo realizada por um modelo de microssimulação (TreeAge Pro version 2016 — Williamstown, Massachusetts). O modelo simula as consequências clínicas e econômicas da doença cardiovascular aterosclerótica, no contexto da prevenção primária em paciente de moderado risco cardiovascular. As estratégias comparadas nesta análise são (Figura 1) explicitadas a seguir.

Figura 1
Estratégias para a estratificação do risco em pacientes de risco intermediário.

Estratégia 1 (convencional): pacientes não realizaram ECC e foram submetidos à terapia farmacológica com estatina de moderada potência.

Estratégia 2 (ECC): pacientes realizaram um ECC, e o tratamento foi guiado pelo resultado. Indivíduos com ECC 1–100 foram submetidos ao tratamento com estatina de moderada intensidade.

Com valor de ECC superior a 100, era iniciado tratamento com estatina de alta potência. Contudo, se ECC:0, não era iniciado tratamento medicamentoso.

A intensidade do tratamento com estatinas, classificada em baixa, moderada e alta potência, segue os critérios contidos na diretriz da AHA e da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).44 Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2019;139(25):e1082-143. doi: 10.1161/CIR.0000000000000625.
https://doi.org/10.1161/CIR.000000000000...
,1313 Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, Chacra APM, Bianco HT, Afiune A Neto, et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arq Bras Cardiol. 2017;109(2 Supl 1):1-76. doi: 10.5935/abc.20170121.
https://doi.org/10.5935/abc.20170121...
As demais medicações de uso contínuo, caso indicadas, não sofreram modificações após a reclassificação de risco.

A análise comparativa do estudo de custo-efetividade é baseada nos anos de vida ajustados por qualidade (quality-adjusted life years — QALY) como medida de benefício. A QALY é uma medida de resultado de saúde, que combina em um índice numérico a quantidade (mortalidade) e a qualidade (morbidade) de vida da população, sendo útil para comparar e analisar o resultado comparativo entre as estratégias 1 e 2.

A população desta análise, como citado, é baseada no estudo MESA, e a característica populacional e a distribuição do escore de cálcio de acordo com o risco cardiovascular, baseado nos escores da ACC/AHA, estão demonstradas na Tabela 1 e na Tabela 2.

Tabela 1
Característica e distribuição do escore de cálcio coronariano da população do estudo Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis nas categorias de risco cardiovascular
Tabela 2
Distribuição dos valores de escore de cálcio coronariano de acordo com diretrizes do American College of Cardiology e da American Heart Association

Nesta investigação, os pacientes percorreram o modelo até apresentar um evento cardiovascular ou morte por outras causas, e o número de anos de uso de estatina ou evento cardiovascular foi pesquisado para cada paciente. O horizonte temporal foi atualizado com ciclos de um ano. Todos os custos e resultados foram descontados em 3% ao ano.

Como limitação do nosso estudo, ressaltamos que a análise dos pressupostos não foi realizada, já que, neste caso, os resultados são extensões de estudos realizados previamente.

Custos

Como citado anteriormente, houve adaptação dos custos para a realidade brasileira. Os valores estão demonstrados na Tabela 3, em reais (R$) e, em razão da alta variabilidade, estão representados na tabela em três escalas: mediano, mínimo e máximo. Dessa forma, nossa análise foi conduzida com ampla margem de suposições.

Tabela 3
Tabela de custos brasileiros

É importante ressaltar que o custo do ECC é acrescentado ao modelo apenas uma vez, já que a repetição do exame não é frequente. Tem-se na literatura que o warrant time, ou seja, o tempo de garantia do ECC para indivíduos com ECC=0, é relativamente longo além de individualizado, levando-se em consideração diversos elementos, como idade, sexo e presença de fatores de risco como o diabetes. Sendo assim, em caso de EC zero, a indicação de sua repetição é variável e pode estar indicada em intervalos de três a sete anos.1414 Dzaye O, Dardari ZA, Cainzos-Achirica M, Blankstein R, Agatston AS, Duebgen M, et al. Warranty Period of a Calcium Score of Zero: Comprehensive Analysis From MESA. JACC Cardiovasc Imaging. 2021;14(5):990-1002. doi: 10.1016/j.jcmg.2020.06.048.
https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2020.06.0...

O restante dos parâmetros clínicos, incluindo análises de sensibilidade de múltiplos parâmetros realizados de forma probabilística, foi utilizado conforme descrito na publicação anterior.

Resultados

Ao compararmos a custo-efetividade do emprego do ECC na estratificação cardiovascular da prevenção primária do indivíduo de moderado risco cardiovascular entre as estratégias 1 e 2, observamos que, ao se considerar o custo mediano de todas as estatinas e do EC, houve redução estatisticamente significativa de R$ 672,00 nos custos acumulados em favor do grupo que realizou o ECC (Tabela 4 — caso base). Da mesma maneira, ao se reduzir o custo da estatina à mediana das estatinas de moderada intensidade, permanece a diferença de custo acumulado no valor de R$ 423,00, também favorável à realização do ECC. Em outra análise, observamos que além do benefício financeiro se observa maior sobrevida ajustada para QALY, o que corrobora a custo-efetividade do método em relação à estratégia convencional guiada pelas diretrizes.

Tabela 4
Parâmetros iniciais para o modelo de microssimulação comparando estratégias de terapia com estatina para indivíduos com risco intermediário de evento cardiovascular

Considerando-se as múltiplas variáveis apresentadas, também foram realizadas 10 mil simulações de Monte Carlo para ilustrar a análise de sensibilidade probabilística dos múltiplos parâmetros incluídos no modelo (Figura 2). O gráfico em questão analisa a utilização da estratégia convencional, ou seja, a não utilização do EC na estratificação, por meio de um ganho incremental de QALY no eixo X e os custos incrementais ($ — em moeda local de reais) no eixo Y. Cada ponto no gráfico representa um cruzamento das 10 mil simulações possíveis. Logo, é possível inferir que, utilizando a estratégia convencional de estratificação desses indivíduos, mais de 95% das combinações estão associadas a um ganho incremental de custo sem um ganho incremental de QALY, ou seja, são favoráveis à utilização do EC. Assim, há benefício financeiro ao se comparar a estratégia convencional à estratégia que utiliza o ECC. Entretanto, ao se analisar o QALY, nota-se maior dispersão das simulações, o que não demonstra diferença clara entre as estratégias utilizadas na análise de sensibilidade, apesar de discreta tendência de favorecimento ao grupo que foi submetido ao ECC.

Figura 2
Simulações de Monte Carlo, com 10 mil análises multivariáveis.

Discussão

Temos, portanto, com base nos resultados desta análise ajustados para os custos brasileiros, dados que se demonstram favoráveis à utilização da estratégia 2, ou seja, o uso do ECC no auxílio à estratificação cardiovascular e na indicação de estatina, com melhor custo-efetividade em comparação à estratégia 1 (conservadora).

Ao compararmos a custo-efetividade do emprego do ECC como ferramenta de auxílio na estratificação do risco em pacientes em prevenção primária e risco moderado de eventos cardiovasculares, compreendemos os seus reais benefícios e sua aplicabilidade na prática clínica. Os fatores que respaldam esta análise são: 1) a redução do custo incremental de cada estratégia; e 2) o aumento no QALY, que corresponde, em número, ao benefício incorporado à qualidade de vida do indivíduo.

O resultado encontrado nesta pesquisa está de acordo com a literatura, mesmo após o ajuste dos custos para a realidade brasileira. Dessa maneira, estratificar indivíduos de risco moderado para eventos cardiovasculares com o ECC e, com base no resultado obtido, decidir entre o uso ou não da estatina comprova ser vantajoso se comparado à estratégia conservadora.

Dessa forma, restringe-se o número de indivíduos elegíveis ao tratamento medicamentoso e, por consequência, a possibilidade de efeitos adversos relacionados à droga. Ao mesmo tempo, inicia-se o tratamento do indivíduo com real benefício de seu uso e, portanto, podem-se prevenir eventos cardiovasculares associados à aterosclerose. Fica, portanto, evidente a custo-efetividade da estratégia que inclui a utilização do ECC na estratificação desses indivíduos, como ferramenta de extrema importância quando implementada em larga escala.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.

Referências

  • 1
    Pencina MJ, Navar-Boggan AM, D’Agostino RB Sr, Williams K, Neely B, Sniderman AD, et al. Application of New Cholesterol Guidelines to a Population-Based Sample. N Engl J Med. 2014;370(15):1422-31. doi: 10.1056/NEJMoa1315665.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa1315665
  • 2
    Stone NJ, Robinson JG, Lichtenstein AH, Merz CNB, Blum CB, Eckel RH, et al. 2013 ACC/AHA Guideline on the Treatment of Blood Cholesterol to Reduce Atherosclerotic Cardiovascular Risk in Adults: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(25 Pt B):2889-934. doi: 10.1016/j.jacc.2013.11.002.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2013.11.002
  • 3
    Arnett DK, Blumenthal RS, Albert MA, Buroker AB, Goldberger ZD, Hahn EJ, et al. 2019 ACC/AHA Guideline on the Primary Prevention of Cardiovascular Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2019;74(10):e177-232. doi: 10.1016/j.jacc.2019.03.010.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2019.03.010
  • 4
    Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2019;139(25):e1082-143. doi: 10.1161/CIR.0000000000000625.
    » https://doi.org/10.1161/CIR.0000000000000625
  • 5
    Nasir K, Bittencourt MS, Blaha MJ, Blankstein R, Agatson AS, Rivera JJ, et al. Implications of Coronary Artery Calcium Testing Among Statin Candidates According to American College of Cardiology/American Heart Association Cholesterol Management Guidelines: MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis). J Am Coll Cardiol. 2015;66(15):1657-68. doi: 10.1016/j.jacc.2015.07.066.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2015.07.066
  • 6
    Erbel R, Möhlenkamp S, Moebus S, Schmermund A, Lehmann N, Stang A, et al. Coronary Risk Stratification, Discrimination, and Reclassification Improvement Based on Quantification of Subclinical Coronary Atherosclerosis: The Heinz Nixdorf Recall Study. J Am Coll Cardiol. 2010;56(17):1397-406. doi: 10.1016/j.jacc.2010.06.030.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2010.06.030
  • 7
    Detrano R, Guerci AD, Carr JJ, Bild DE, Burke G, Folsom AR, et al. Coronary Calcium as a Predictor of Coronary Events in Four Racial or Ethnic Groups. N Engl J Med. 2008;358(13):1336-45. doi: 10.1056/NEJMoa072100.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMoa072100
  • 8
    Ribeiro RA, Duncan BB, Ziegelmann PK, Stella SF, Vieira JL, Restelatto LM, et al. Cost-effectiveness of High, Moderate and Low-dose Statins in the Prevention of Vascular Events in the Brazilian Public Health System. Arq Bras Cardiol. 2015;104(1):32-44. doi: 10.5935/abc.20140173.
    » https://doi.org/10.5935/abc.20140173
  • 9
    van Kempen BJ, Ferket BS, Steyerberg EW, Max W, Hunink MGM, Fleischmann KE. Comparing the Cost-effectiveness of Four Novel Risk Markers for Screening Asymptomatic Individuals to Prevent Cardiovascular Disease (CVD) in the US Population. Int J Cardiol. 2016;203:422-31. doi: 10.1016/j.ijcard.2015.10.171.
    » https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2015.10.171
  • 10
    van Kempen BJ, Spronk S, Koller MT, Elias-Smale SE, Fleischmann KE, Ikram MA, et al. Comparative Effectiveness and Cost-effectiveness of Computed Tomography Screening for Coronary Artery Calcium in Asymptomatic Individuals. J Am Coll Cardiol. 2011;58(16):1690-701. doi: 10.1016/j.jacc.2011.05.056.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2011.05.056
  • 11
    Hong JC, Blankstein R, Shaw LJ, Padula WV, Arrieta A, Fialkow JA, et al. Implications of Coronary Artery Calcium Testing for Treatment Decisions Among Statin Candidates According to the ACC/AHA Cholesterol Management Guidelines: A Cost-Effectiveness Analysis. JACC Cardiovasc Imaging. 2017;10(8):938-52. doi: 10.1016/j.jcmg.2017.04.014.
    » https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2017.04.014
  • 12
    Bild DE, Bluemke DA, Burke GL, Detrano R, Roux AVD, Folsom AR, et al. Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis: Objectives and Design. Am J Epidemiol. 2002;156(9):871-81. doi: 10.1093/aje/kwf113.
    » https://doi.org/10.1093/aje/kwf113
  • 13
    Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, Chacra APM, Bianco HT, Afiune A Neto, et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arq Bras Cardiol. 2017;109(2 Supl 1):1-76. doi: 10.5935/abc.20170121.
    » https://doi.org/10.5935/abc.20170121
  • 14
    Dzaye O, Dardari ZA, Cainzos-Achirica M, Blankstein R, Agatston AS, Duebgen M, et al. Warranty Period of a Calcium Score of Zero: Comprehensive Analysis From MESA. JACC Cardiovasc Imaging. 2021;14(5):990-1002. doi: 10.1016/j.jcmg.2020.06.048.
    » https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2020.06.048

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2021
  • Revisado
    09 Jul 2021
  • Aceito
    01 Set 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br