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Reabilitação Cardíaca Baseada em Exercícios (RCBE): Novas Fronteiras no Pós-Novo Coronavírus

Palavras-chave
COVID-19/complicações; Coronavirus; Pandemia; Reabilitação Cardíaca; Recuperação da Função Fisiológica; Atividade Física; Terapia por Exercício

A pandemia da doença de coronavírus 2019 (COVID-19), além de repercussões físicas, emocionais e sociais gerou importantes alterações nas medidas não farmacológicas de auxílio ao tratamento de pacientes com doenças cardíacas, como é o caso da Reabilitação Cardíaca Baseada em Exercícios (RCBE). A incapacidade associada à síndrome pós-COVID-19 parece ter um impacto considerável nos serviços de saúde, pois o tratamento desses pacientes implica uma demanda muito grande de cuidados e um alto custo econômico.11 Valverde-Martínez MA, López-Liria R, Martínez-Cal J, Benzo-Iglesias MJ, Torres-Álamo L, Rocamora-Pérez P. Telerehabilitation, A Viable Option in Patients with Persistent Post-COVID Syndrome: A Systematic Review. Healthcare. 2023; 11(2)187. DOI: 10.3390/healthcare11020187
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Evidências científicas demostraram uma associação estreita do comportamento sedentário com desenvolvimento e agravo de doenças cardiovasculares (DCV), além de mortalidade precoce. Muitas dessas mortes poderiam ser evitadas ou postergadas com cuidados preventivos e medidas terapêuticas, onde a RCBE é um pilar fundamental.22 Ding D. Surveillance of global physical activity: progress, evidence, and future directions. Lancet Glob Health. 2018;6(10): e1046-e. DOI: 10.1016/S2214-109X(18)30381-4
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,33 Guthold R, Stevens GA, Riley LM, Bull FC. Worldwide trends in insufficient physical activity from 2001 to 2016: a pooled analysis of 358 populationbased surveys with 1.9 million participants. Lancet Glob Health. 2018;6(10):e1077-e86. DOI: 10.1016/S2214-109X(18)30357-7
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Os serviços de RCBE foram temporariamente suspensos pela política crescente de distanciamento social que levou a vários bloqueios sucessivos, tentando prevenir a propagação da infecção. Um novo cenário se estabeleceu pela impossibilidade de os pacientes irem de forma presencial aos centros de tratamento, o que já era limitado por vários fatores, incluindo geografia, tempo, finanças e número de centros de reabilitação disponíveis no Brasil. Outras oportunidades sociais para pacientes com DCV praticarem exercícios com quantidade e intensidade recomendadas de atividade física regular também foram interrompidas.44 Kulnik ST, Sareban M, Höppchen I, Droese S, Egger A, Gutenberg J, et al. Outpatient Cardiac Rehabilitation Closure and Home-Based Exercise Training During the First COVID-19 Lockdown in Austria: A Mixed-Methods Study. Front. Psychol. 2022; 13:817912. DOI: 10.3389/fpsyg.2022.817912
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O COVID-19 apresentou um risco duplo para esses indivíduos. Em primeiro lugar, comorbidades cardiovasculares pré-existentes expondo pacientes a alto risco de desfechos adversos em caso de infecção pelo coronavírus. Em segundo lugar, o combate aos fatores de risco modificáveis que podem ser controlados com atividade física regular também ficaram prejudicados.55 Nyenhuis SM, Greiwe J, Zeiger JS, Nanda A, Cooke A. Exercise and fitness in the age of social distancing during the COVID-19 pandemic. J. Allergy Clin Immunol Pract. 2020;8(7):2152-5. DOI: 10.1016/j.jaip.2020.04.039
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Os atendimentos em RCBE requerem transformações que reinventem o modelo de relacionamento paciente-terapeuta, a fim de atender com qualidade as necessidades das pessoas, fazendo com que retornem ao nível da melhor capacidade funcional e independência possível da maneira mais eficaz, eficiente e segura, buscando reduzir as consequências diretas e indiretas do COVID-19.66 Sainz de Murieta E, Supervía M. COVID-19 y cronicidad. Una oportunidad de reinventar los servicios de Medicina Física y Rehabilitación. Rehabilitación (Madr). 2020; 54(4):231-3. DOI: 10.1016/j.rh.2020.05.002
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Essas transformações, no entanto, não são uma tarefa fácil.

O estudo de Ghisi et al.,77 Jardim ISC, Milani M, Castro I, Hansen D, Karsten M, Cahalin LP, et al. mpact of COVID-19's on Cardiovascular Rehabilitation Programs in Brazil: An Online Survey-Based Cross: Sectional Study. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(3):e20220135 publicado nos ABC Cardiol, apesar de ter uma amostra pequena e utilizado um questionário online desenvolvido pelos autores, mostrou como as ameaças econômicas experimentadas pelos profissionais de saúde e seus programas, e a incapacidade de muitos pacientes de ter acesso e poder navegar no mundo virtual afetou sobremaneira os participantes da RCBE. Os autores avaliaram participantes de programas de RCBE sobre alfabetização em saúde, uso de tecnologia e acesso à internet e como eles perceberam sua saúde durante a pandemia, dentre outras coisas, 26% relataram agravo em sua condição cardíaca e sintomas como dor no peito, falta de ar, palpitações cardíacas, ansiedade e depressão. Indo além, também alertaram para o fato de que as instituições e os profissionais de RCBE devem trabalhar para desenvolver uma melhor abordagem prática para monitorar os pacientes cardiopatas virtualmente e personalizar os cuidados de prevenção, ajudando esses indivíduos em sua recuperação e na prevenção de eventos.77 Jardim ISC, Milani M, Castro I, Hansen D, Karsten M, Cahalin LP, et al. mpact of COVID-19's on Cardiovascular Rehabilitation Programs in Brazil: An Online Survey-Based Cross: Sectional Study. Arq Bras Cardiol. 2023; 120(3):e20220135 Haskiah et al. também encontraram redução na capacidade de exercício e aumento no percentual de gordura em participantes que suspenderam seus tratamentos durante a pandemia de COVID-19. Sugerem que a reabilitação cardíaca remota possa ser uma alternativa eficaz à reabilitação cardíaca ambulatorial em períodos como a pandemia de COVID-19 e mesmo para pacientes que optem por essa abordagem.88 Haskiah F, Jbara R, Minha S, Assali A, Sela Y, Pereg C. The impact of COVID-19 pandemic on cardiac rehabilitation of patients following acute coronary syndrome. PLOS ONE. 2022;17(12):e0276106. DOI: 10.1371/journal.pone.0276106
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Apesar do encaminhamento ser recomendação Classe I, apenas entre 30-50% dos pacientes elegíveis são encaminhados para RCBE por seu cardiologista; e menos ainda, conseguem concluir um programa.99 Smith SC, Benjamin EJ, Bonow RO, Braun LT, Creager MA, Franklin B A et al. AHA/ACCF secondary prevention and risk reduction therapy for patients with coronary and other atherosclerotic vascular disease: 2011 update: A guideline from the American heart association and American college of cardiology foundation endorsed by the world heart federation and the preventive cardiovascular nurses association. J Am Coll Cardiol.2011;58(23):2432-46. DOI: 10.1161/CIR.0b013e318235eb4d
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,1010 Carvalho T, Milani M, Ferraz AS, Silveira AD, Herdy AH, Hossri CAC, et al. Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;114(5):943-87. DOI: 10.36660/abc.20200407
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Nakayama et al. identificaram no Japão, o que ocorre também no Brasil: o principal impedimento para frequentar programas de RCBE é a distância de casa para o local do programa e escassez de serviços estruturados.1010 Carvalho T, Milani M, Ferraz AS, Silveira AD, Herdy AH, Hossri CAC, et al. Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;114(5):943-87. DOI: 10.36660/abc.20200407
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,1111 Nakayama A, Takayama N, Kobayashi M, Hyodo K, Maeshima N, Takayuki F, et al. Remote cardiac rehabilitation is a good alternative of outpatient cardiac rehabilitation in the COVID-19 era. Environmental Health and Preventative Medicine. 2020; 25(1):48. DOI: 10.1186/s12199-020-00885-2
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Um fator positivo deste novo cenário da RCBE supervisionada à distância é a implementação da chamada fase 4 de reabilitação com exercícios. Esta fase caracteriza-se pelo paciente não mais estando vinculado aos centros de tratamento de forma presencial e sim remota. Ownbey et al.,1212 Ownbey N, Soukup J, Fugate-Whitlock E, Newsham TMK. Evaluation of Telephone-Based Cardiac Rehabilitation Services Delivered to Adults 65 and Older During the Early Months of the COVID-19 Pandemic. Journal of Applied Gerontology 2022; 41(10): 2226–34. DOI: 10.1177/07334648221104380
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mostraram que não há diferenças significativas nos resultados dos pacientes, entre híbridos e presenciais, e indicam que a RCBE remota é uma adição viável ao atendimento presencial.1212 Ownbey N, Soukup J, Fugate-Whitlock E, Newsham TMK. Evaluation of Telephone-Based Cardiac Rehabilitation Services Delivered to Adults 65 and Older During the Early Months of the COVID-19 Pandemic. Journal of Applied Gerontology 2022; 41(10): 2226–34. DOI: 10.1177/07334648221104380
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No entanto, no Brasil, assim como em outros países,1313 Thomas R, Beatty A, Beckie T, Brewer L, Brown, T, Forman D et al. Home-based cardiac rehabilitation: A scientific statement from the American association of cardiovascular and pulmonar rehabilitation, the American heart association, and the American college of cardiology. Circulation. 2019;140(1):e69-e89. DOI: 10.1161/CIR.0000000000000663
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a maioria dos profissionais de saúde tem pouca ou nenhuma experiência na implementação de RCBE domiciliar e remota, além disso os convênios médicos e o próprio sistema único de saúde (SUS) normalmente não cobrem essa modalidade de atendimento. São necessários maiores investimentos em treinamento de profissionais e implementação de formas de monitoramento de exercícios à distância, educação para uma vida saudável e modificação de comportamento para melhorar a saúde geral.

A RCBE encontra-se numa fronteira, necessitando novas pesquisas na área, maiores investimentos que permitam manter um maior número de pacientes em atendimento tanto presencial quanto remoto, onde o maior impedimento se encontra no investimento financeiro, educação do paciente para sua automonitorização, permitindo assim uma maior segurança em relação à prescrição do exercício físico à distância.

  • Minieditorial referente ao artigo: Impacto da COVID-19 nos Programas de Reabilitação Cardiovascular no Brasil: Um Estudo Transversal Baseado em uma Pesquisa Online

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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