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Assitência de enfermagem a pacientes com desordem bipolar e sentimentos da estudante de enfermagem: estudo de caso

Nursing care to patient with bipolar disorder and the student nursing feelings: study of case

Resumos

Este trabalho é relato de uma experiência, enquanto aluna de graduação, durante a Disciplina de Enfermagem Psiquiátrica, onde acompanhei uma paciente portadora de Psicose Maníaco Depressiva (PMD) de ciclagem rápida. A interação enfermeira-paciente é muito importante pois é através de um bom relacionamento que firmamos um vínculo de confiança, capaz de ajudar o paciente nas duas fases distintas, com planos de cuidados individualizados. Comento os comportamentos depressivos e maníacos da paciente e as técnicas terapêuticas utilizadas em cada fase. Meus sentimentos durante a interação foram analisados frente aos comportamentos apresentados pela paciente.

Transtorno bipolar; Assistência de Enfermagem; Relações enfermeiro-paciente


This paper is report of an experience, while graduation student during the Psychiatric Nursing Discipline, where I accompanied a patient carrier of Bipolar Disorder of fasting changing. The nurse-patient interaction is very important because it is through a good relationship that we a trust entail, capable to help the patient in the two different phases, with plans of individualized cares. I comment the depressives and maniacs behaviors of the patient in this study and the therapeutic techniques used in each phase. My feelings during the interaction were analyzed front to the behaviors presented by the patient.

Bipolar disorder; Nursing care; Nurse-patient relations


ARTIGO ORIGINAL

Assitência de enfermagem a pacientes com desordem bipolar e sentimentos da estudante de enfermagem: estudo de caso

Nursing care to patient with bipolar disorder and the student nursing feelings: study of case

Luciana Monteiro Mendes Martins

Enfermeira do Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos. Mestranda da Escola de Enfermagem da USP. Email: lmendes@nutecnet.com.br

RESUMO

Este trabalho é relato de uma experiência, enquanto aluna de graduação, durante a Disciplina de Enfermagem Psiquiátrica, onde acompanhei uma paciente portadora de Psicose Maníaco Depressiva (PMD) de ciclagem rápida. A interação enfermeira-paciente é muito importante pois é através de um bom relacionamento que firmamos um vínculo de confiança, capaz de ajudar o paciente nas duas fases distintas, com planos de cuidados individualizados. Comento os comportamentos depressivos e maníacos da paciente e as técnicas terapêuticas utilizadas em cada fase. Meus sentimentos durante a interação foram analisados frente aos comportamentos apresentados pela paciente.

Unitermos: Transtorno bipolar. Assistência de Enfermagem. Relações enfermeiro-paciente.

ABSTRACT

This paper is report of an experience, while graduation student during the Psychiatric Nursing Discipline, where I accompanied a patient carrier of Bipolar Disorder of fasting changing. The nurse-patient interaction is very important because it is through a good relationship that we a trust entail, capable to help the patient in the two different phases, with plans of individualized cares. I comment the depressives and maniacs behaviors of the patient in this study and the therapeutic techniques used in each phase. My feelings during the interaction were analyzed front to the behaviors presented by the patient.

Uniterms: Bipolar disorder. Nursing care. Nurse-patient relations.

1 INTRODUÇÃO

A Psicose Maníaco-Depressiva (PMD) é um distúrbio do humor chamada de perturbação bipolar e é subdividida de acordo com a sintomatologia do episódio presente: maníaco, depressivo ou misto5.

Para que se possa proporcionar uma efetiva assistência de enfermagem a um paciente com diagnóstico de PMD, é necessário que se conheça a doença a fim de entender alguns comportamentos esperados neste quadro.

A fase maníaca da doença é caracterizada por elevação do humor, euforia intensa onde ocorrem idéias e planos grandiosos. Há aumento da atividade, que pode agravar-se para a irritabilidade, acompanhado de insônia (sem queixas de ser incômoda), sentimentos de grandiosidade, aumento da libido, logorréia, gastos excessivos (dão presentes para os amigos e também para quem não conhecem) e evolução para a hostilidade e violência física a quem impor limites e der conselhos6. O paciente em fase maníaca tem pensamento acelerado e sem crítica de seus atos: pensa que é o "Superman", resolve fazer compras às quatro horas de manhã, "esquece" de se alimentar pois possui coisas "mais importantes" para fazer . Em casos mais graves, este tipo de paciente torna-se tipicamente psicótico com fugas de idéias, fala desorganizada, agitação psicomotora, delírios de grandeza e mesmo alucinações2,3,4,5,6,7,12

Os tratamentos mais utilizados nesta fase são os Benzodiazepínicos, Neurolépticos e Eletroconvulsoterapia (ECT)2,3,4,5.

O paciente com distúrbio misto, após esta fase de mania, pode passar por um período de aparente normalidade, ou seja, com estabilização do humor, ou passar direto para a fase depressiva, no caso de PMD de ciclagem rápida.

A fase de depressão é caracterizada por melancolia importante e com perda do interesse pela vida. O paciente sente-se desanimado e inútil, perde o prazer em qualquer tipo de atividade, com grande desinteresse por tudo o que se passa ao seu redor. Apresenta dificuldades de concentração e, principalmente o idoso, tem a sensação de que a memória não está funcionando bem. O deprimido fica ruminando idéias e pensamentos tristes e pessimistas, tem um caráter de baixa auto-estima, sente-se muito inseguro, possui dificuldades para tomar decisões, sente-se culpado, pensa em suicídio, tem perda de apetite e, como conseqüência emagrece, diminui a libido e apresenta insônia3,4,5,6,7,11.

Os tratamentos mais utilizados nesta fase são os antidepressivos triciclicos e ECT3,4,5.

Durante a assistência de enfermagem ao paciente psiquiátrico, a interação enfermeira-paciente é de vital importância e esta depende das características próprias de cada enfermeiro, o qual deverá usar sua própria personalidade, compreensão e habilidade para desenvolver com o paciente, atitudes mais positivas para lidar com situações difíceis e stress 8. O enfermeiro deve ser útil para o paciente psiquiátrico e ter em mente que este teve uma história anterior em sua vida, de fracasso4.

Para que haja um bom relacionamento enfermeira-paciente, o enfermeiro deve aceitar o paciente, chamando-o pelo nome9, compreendendo seus direitos, não se afastando por causa de seu diagnóstico. Deve ainda, estimular o paciente a expressar seus sentimentos, entendendo também o significado de seus atos. O enfermeiro deve ter uma atitude não crítica, ou seja, os comportamentos do paciente não devem ser julgados, condenados e nem aceitos totalmente; deve ter firmeza no modo de agir, sendo sempre firme e coerente para que o paciente possa se sentir seguro, e toda a equipe deve ter a mesma postura.

O enfermeiro deve utilizar técnicas de comunicação terapêutica a fim de facilitar a interação enfermeira-paciente: ouvir o paciente reflexivamente, permanecendo em silêncio, verbalizando aceitação e interesse; utilizar frases incompletas, repetir comentários feitos pelo paciente ou repetir suas últimas palavras, proporcionando-lhe estímulos para falar e exprimir seus sentimentos; permitir ao paciente que escolha o assunto, colocando em foco a idéia principal; deve estimular comparações e descrever os eventos em seqüência lógica; deve repetir a mensagem do paciente, sumarizando o que foi dito durante a interação10

Como medidas terapêuticas, na assistência de um paciente psiquiátrico, o apoio é muito importante: ficar ao lado do paciente quando este está passando por momentos de tensão emocional ou confusão; saber ouvir e ajudá-lo a tomar decisões e a reconhecer suas próprias limitações; ressaltar suas características sadias, valorizando seus sucessos e progressos9,10. O estabelecimento de limites, além da ajuda na expressão dos pensamentos e sentimentos, também é uma medida terapêutica de grande importância durante esta assistência de enfermagem10, pois irá ajudar o paciente a diminuir seu nível de ansiedade, "proporcionando-lhe condições para testar padrões de comportamento mais adequados; desta forma ele terá aceitação por parte das pessoas com as quais convive. Além disto, o paciente mudará o conceito que tem de si, orientará sua própria vida e terá oportunidade de experimentar sucesso onde não obtivera antes”1.

Ao cuidarmos de pacientes com PMD, nos deparamos com diversos problemas. Durante a fase maníaca, existe a dificuldade de evitar o medo, a rejeição e a irritação que o paciente provoca nos membros da equipe de enfermagem, dada a sua agitação e agressividade12. Na fase depressiva, sentimentos de irritação e impotência, dificuldades de demonstrar aceitação e paciência frente ao comportamento do paciente, são gerados nos membros da equipe, dado o desânimo e a falta de cooperação do paciente. Ocorrem ainda dificuldades em comunicar-se terapeuticamente sem se contaminar pelo desânimo do paciente; uma preocupação constante com idéias e tentativas de suicídio; dificuldade em socializá-lo e ocupá-lo em atividades; o paciente deprimido pode ser "esquecido" devido ao seu comportamento isolado; dificuldade em orientar a família e aliviar possíveis sentimentos de culpa e de rejeição11.

A assistência de enfermagem ao paciente que apresenta a fase maníaca deve ser coerente entre todos os membros da equipe. Deve-se ter uma observação constante e relato das manifestações de comportamento do paciente, tendo sempre em mente de que é um suicida em potencial; o maníaco deve permanecer em local com poucos pacientes e o ambiente deve ser o mais tranqüilo possível, com o mínimo de estímulos e, de preferência, separá-lo dos pacientes deprimidos (o comportamento destes o irrita) e com o mesmo tipo de manifestações (aumento de excitação); deve-se usar tom baixo de voz, frases curtas e linguagem clara, em vista da sua dificuldade em fixar a atenção; tentar manter seu discurso coerente; impor limites; ajudá-lo em sua higiene; evitar que seja alvo de zombaria7,12.

Segundo TEIXEIRA12, durante a fase depressiva, a assistência de enfermagem consiste em assumir responsabilidades pela segurança do paciente, dado o risco de suicídio e para isto, o enfermeiro deve estimulá-lo a falar, para que possa verbalizar seus sentimentos e idéias de auto-depreciação, ruína e inutilidade e assim, avaliar seu nível de perspectiva e de esperança. O enfermeiro deve usar frases curtas e claras e lembrar da demora que o paciente depressivo possui para elaborar respostas. O uso do silêncio, ouvir reflexivamente e imposição de limites são também técnicas terapêuticas de comunicação importantes. Ocupar e socializar o paciente são formas de elevar a auto-estima na fase depressiva, desde que sejam dadas atividades fáceis e importantes para que o paciente se sinta útil, para que ele veja resultados rapidamente, não esquecendo de comentar positivamente suas conquistas. O enfermeiro deve estar atento ao auto-cuidado com a higiene e aparência do paciente, verificando seu grau de dependência; verificar e estimular alimentação, hidratação, eliminações; observar sono e verificar problemas somáticos7.

2 RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

R. L., sexo feminino, 61 anos, procedente de Minas Gerais, semi-alfabetizada, crente, viúva há 20 anos, dona de casa, classe econômica baixa. Mede cerca de 1,55m de altura e pesa aproximadamente 42kg. Cabelos grisalhos e compridos, presos (coque), porém despenteados, olhos castanhos , tez clara, sem deformidade física, aparentando mais idade do que tem. Apresenta-se limpa, vestida com uma blusa de mangas compridas, cobrindo parte de suas mãos, saia, chinelos.

Esta paciente tem o diagnóstico de Psicose Maníaco-Depressiva crônica, de ciclagem rápida, isto é, não possui períodos de normalidade, com grande labilidade de humor, detectada há um ano e meio. Esta é sua terceira internação e está há cerca de 60 dias no hospital.

Morava com um filho desquitado até a internação, porém refere que este saiu de casa para morar com a nova namorada; cuidava de seus netos até há alguns meses, mas tiraram-lhe as crianças quando começou a apresentar sintomas da doença. Foi internada pelo genro, na fase maníaca, pois a paciente vagava à noite, por uma grande rodovia, batendo nas janelas das casas que encontrava pelo caminho .

Meu primeiro contato com a paciente foi num período depressivo: encontrei-a no sofá da sala de estar, em sua ala, num ambiente escuro e silencioso. Estava com os pés apoiados no chão e com a parte superior de seu corpo deitada sobre o sofá. Seus olhos estavam fechados e seu corpo inerte, permanecendo cerca de 30 minutos nesta posição. Foi acordada pela faxineira e conduzida até o seu quarto, andando cabisbaixa, passos lentos e pesados . Ao chegar, deitou-se em sua cama, decúbito lateral esquerdo (DLE) e pernas flexionadas, com olhar triste em direção à janela, muda. Permaneceu por 20 minutos nesta mesma posição. Sentei-me a sua frente; R. permaneceu na mesma posição, sem olhar para mim. Ao abordá-la, respondeu murmurando as perguntas que lhe fiz, sem me encarar. Tinha o olhar triste e não encarava as pessoas.

Apesar de estar na fase depressiva, alimentava-se sem ajuda durante as refeições; mantinha sua higiene diária, apesar de tê-la encontrado, algumas vezes, com seus cabelos sujos; tomava seus medicamentos e obedecia a rotina seguida no hospital, apesar de não freqüentar a Terapia Ocupacional e Atividades em Grupo .

A - ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM DURANTE A FASE DEPRESSIVA

Com relação aos comportamentos depressivos, o isolamento social era bastante característico, pois não interagia com as companheiras: além de conversar com R. e oferecer-lhe apoio, sempre que podia apresentava-lhe a outra paciente e iniciava um assunto que julgava interessante para as duas. R. limitava-se a responder as perguntas feitas, geralmente monossilabicamente, dificultando sua interação com outras pacientes.

Outro comportamento característico desta fase era sua postura cabisbaixa, sobre a qual informei que poderia dar-lhe dores nas costas e solicitei que levantasse o rosto para que pudéssemos conversar melhor, tentativa esta praticamente em vão.

Com relação à sua comunicação, murmurava palavras, então pedia-lhe para que falasse mais alto pois não conseguia escutá-la, tendo obtido bons resultados; com relação ao fato de limitar-se a responder apenas as perguntas que lhe fazia, procurei incentivá-la a falar mais, fazendo-lhe perguntas mais abertas, repetindo suas últimas palavras para que pudesse continuar o assunto, mostrando interesse em seu discurso.

Problemas somáticos como turgor diminuído, emagrecimento e obstipação estavam sendo minimizados da seguinte forma: ao invés de somente oferecer-lhe água o tempo todo e orientá-la quanto a importância da ingestão hídrica para que melhorasse seu turgor , colocava um copo com água em suas mãos, aconselhando-a a bebê-lo ; além de beber água, incentivava-a a andar comigo, porém somente obtive êxito quando peguei-a pelo braço e comecei a caminhar pelo corredor de sua ala. Esta movimentação melhorou sua obstipação. Seu emagrecimento consistia num processo mais lento para que eu pudesse perceber sucesso a curto prazo, contudo, ao final desta fase ela já estava se alimentando em maior quantidade.

As medidas terapêuticas que utilizei neste período foram principalmente, silêncio terapêutico, apoio, verbalização de interesse e aceitação, clarificação, repetição das últimas palavras ditas pela paciente.

a) silêncio terapêutico - geralmente utilizei o silêncio quando sentia que a paciente não queria mais conversar sobre o assunto, ou quando ela fechava o os olhos fingindo dormir. Exemplo:

b) apoio - utilizei o toque terapêutico e algumas vezes tentativa elevar sua auto-estima. Exemplo:

c) verbalização de aceitação – sempre chamava-a pelo nome; tentei fazer com que a paciente expressasse seus sentimentos, compreendi seus direitos. Exemplo:”Por quê a sra está triste?”, Estou vendo que a sra quer descansar... Amanhã eu volto e a gente conversa mais um pouco.” (após a paciente ter bocejado e fechado os olhos).

d) verbalização de interesse – várias foram as vezes em que utilizei este recuso: quando orientei-a sobre a importância da ingestão da ingestão hídrica, em razão de seus problemas de turgor diminuído e obstipação, ,demonstrei interesse e disposição para ajudá-la; quando lhe disse que iria cuidar dela enquanto estivesse fazendo estágio; quando perguntei-lhe se estava sentindo alguma coisa; quando perguntava-lhes se sua família havia lhe visitado no fim de semana; etc.

e) clarificação – quando o assunto que a paciente falava não estava claro. Exemplo:

f) repetia as últimas palavras ditas pela paciente - utiliza este recurso quando R. demorava muito para continuar o assunto que estávamos conversando, e assim conseguia dar continuidade ao mesmo. Exemplo:

Após três sessões de ECT, a paciente passou para o quadro de euforia: enquanto conversava com outras pacientes, R. me abordou muito alegre e falante, perguntando-me onde estavam as outras duas estagiárias que estiveram comigo em sua casa; enlaçou seu braço no meu, começamos a caminhar e quando lhe perguntei onde estávamos indo, respondeu-me que gostaria de ir até o pátio porque era mais animado. No percurso, além de não parar de falar, abordava todas as pacientes que encontrava pelo caminho. Seu discurso era incoerente, não dando pausa entre um assunto e outro. Falava várias vezes que iria ao banco para pegar seu dinheiro, sempre frisando que depois voltaria para o hospital.

Durante as refeições, auxiliava as companheiras que estavam sentadas à sua mesa, enchendo seus copos d'água, pegando talheres que caíam no chão, pedia mais salada para a companheira. Comia sua comida rapidamente, levantando da mesa e andando com passos rápidos pelos corredores, sempre abordando as pessoas que encontrava e contando-lhes sua idéia de ir ao banco. A noite tinha insônia, referindo que conversava com outras pacientes até elas dormirem e que depois ficava deitada, acordada na cama. Estava desorientada quanto ao tempo, pois dizia que seus familiares não a visitavam nunca e estes estavam presentes todos os domingos para visita, e quanto ao espaço, pois sempre me convidava para conversarmos em "sua casa", e me conduzia para seu quarto ou para o pátio.

Nesta fase maníaca, manteve um relacionamento social com outras pacientes, participou da Terapia Ocupacional e do Grupo de Atividades. Alimentava-se bem e mantinha sua higiene. Porém, possuía comportamentos bem característicos desta fase: idéia de fuga, desorientação no tempo e espaço, discurso incoerente, inquietação, abordava todas as pessoas que encontrava, comia rapidamente, insônia.

B - ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM DURANTE A FASE MANÍACA

A pessoa com alterações no humor, na fase maníaca, apresenta sintomas característicos, como os referidos na introdução deste trabalho, os quais se manifestaram visivelmente em R., no decorrer da sua assistência.

Com freqüência ela manifestava o seu desejo de fuga, sendo necessário explicar-lhe diversas vezes que não poderia sair sem a autorização de seu médico e a importância de continuar o seu tratamento. Ao mesmo tempo, procurava dar-lhe opções para resolver questões prementes, como busca de possíveis substitutos para receberem o dinheiro da paciente no seu lugar. Mesmo assim ela continuou com estas idéias e foi transferida para uma ala onde não teria como sair do hospital.

Em alguns contatos, mostrava desorientação no tempo e espaço, havendo a necessidade de informá-la a respeito de onde e como nos conhecemos. Tentava fazer com que a paciente se lembrasse da visita que tivera no último domingo, mostrava-lhe que estava no hospital e orientava-lhe quanto ao tempo . A paciente insistia no fato de que em hospital não é permitida a entrada de crianças, então estava em sua casa, pois seus netos a haviam visitado. Tentava esclarece-la a esse respeito, informando que naquele hospital as crianças podiam participar das visitas.

Quando o seu discurso parecia incoerente, relatava, francamente, que não conseguia entendê-la, pois falava vários assuntos ao mesmo tempo. Quando R. mudava de assunto, eu o retomava para que pudesse ter um fim, e aí sim poderíamos conversar sobre outro tema.

Nesta fase utilizei técnicas de imposição de limites, clarificação, ouvir reflexivamente , dizer "não", durante minha interação com a paciente, direcionando a conversa e tornando o discurso coerente.

a) clarificação - fazia com que a paciente descrevesse os eventos em seqüência lógica. Exemplo:

b) ouvir reflexivamente - não poderia deixar de utilizar esta técnica, pois precisava entender os pensamentos de minha paciente, para que pudesse ajudá-la a clareá-los e colocá-los em uma forma lógica, como foi exemplificado acima.

c) imposição de limites - foi uma técnica que tive que utilizar durante esta fase, principalmente no que dizia respeito ao tempo das entrevistas. Exemplo: "R., nosso tempo está terminando. Temos mais cinco minutos para acabarmos esta entrevista ." .

d) dizer "não" - com relação à sua idéia de fuga, tive que ser firme: "R., a sra não pode sair do hospital sem a autorização do seu médico."

Após estas implementações de assistência de enfermagem, para que elas tivessem continuidade, conversei com a própria paciente, dando-lhe orientações sobre a importância da não interrupção de seu tratamento, enquanto estivesse em casa, não esquecendo de solicitar seus remédios ao Posto de Saúde mais perto, antes mesmo de terminarem. Alertei a equipe de enfermagem de sua ala, frisando o perigo de fuga. Infelizmente não tive contato com a família, a qual deveria ser orientada quanto a não interrupção do tratamento, quanto a importância de dar tarefas a R. para que não se sentisse inútil e não discriminá-la e magoá-la chamando-a de "louca". Alertei a enfermeira da ala também, que a paciente estava entrando em um novo quadro depressivo, porém ainda continuava com as idéias de fuga.

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS VIVÊNCIAS EXPERIMENTADAS DURANTE A ASSISTÊNCIA A PACIENTE

Várias foram as dificuldades sentidas por mim durante esta fase de depressão da paciente. Nos primeiros contatos, senti muita dificuldade em ouvi-la - a paciente murmurava as palavras, estava sempre cabisbaixa e não olhava para mim, o que dificultava bastante. Ao final das entrevistas, sentia-me muito triste, parecia que a depressão havia me contagiado; ao final de uma das entrevistas, ao carregar uma cadeira de volta para o lugar, parecia que esta estava pesando uns 25 quilos, tamanho era meu cansaço, tristeza e desestímulo. Tive um sentimento de inutilidade e cheguei a achar que não conseguiria continuar com a mesma paciente. Sentia-me impotente para ajudá-la. Porém, percebi algum sucesso ao final de nossa quarta entrevista quando cantarolei uma música e R. olhou para mim. Esse movimento demonstrou-me que estava conseguindo estabelecer algum vínculo com a paciente.

Em outras entrevistas cheguei a sentir irritabilidade, principalmente quando R. estava sentada ao lado do bebedouro e não tomou água, isto depois de ter-lhe mostrado a necessidade de sua hidratação. Também cheguei a ficar impaciente pois a paciente só respondia monossilabicamente e apenas ao que lhe era perguntado. Então percebi que R. não tinha estímulo para nada e assim, fui tomando atitudes mais apropriadas para o seu caso: colocava o copo d'água em suas mãos e a estimulava a bebê-lo; pegava pelo seu braço para caminharmos; fazia perguntas mais abertas, que a estimulassem a falar mais; retomava assuntos por ela interrompidos; sempre que possível, buscava proporcionar a sua interação com outras pacientes. Conversava bastante sobre minhas dificuldades com colegas e professoras, as quais sempre me estimulavam positivamente.

Durante a fase maníaca da paciente, fiquei um pouco desanimada quando a encontrei, depois de uma semana sem vê-la, na fase maníaca, pois já havia traçado todo um plano de assistência de enfermagem voltado ao paciente deprimido, e já estava sentindo uma certa facilidade para lidar com R. naquele estágio. Confesso que senti um certo desânimo em "começar tudo de novo". Fiquei um pouco perdida em como proceder com ela durante sua euforia, e não consegui lembrar-me nem da metade de nossa primeira entrevista nesta fase. Senti que a paciente olhava para mim, como se estivesse pensando: "Eu falo, falo, falo com esta estagiária e ela não diz nada... só fica me olhando...". Porém, no dia seguinte, consegui voltar ao ritmo normal, implementando uma assistência ao paciente maníaco. Cuidar de um paciente maníaco foi mais fácil, pois não tinha aquela tristeza contagiante, aquela falta de estímulos e as entrevistas fluíam bem, com vários assuntos.

3 CONCLUSÃO

Após ter prestado a Assistência de Enfermagem a uma pessoa com alterações no humor, no caso de uma portadora de psicose maníaco depressiva, pude perceber que os cuidadores passam por diversas dificuldades. Sentimos desânimo, tristeza, impaciência, irritação, raiva, cansaço, desestímulo, impotência e inutilidade. Porém, conhecendo a teoria, pude perceber que estes sentimentos fariam parte do processo de cuidar. A interação enfermeira-paciente é de fundamental importância pois com um bom relacionamento podemos conhecer melhor o paciente, a fim de que ele tenha confiança para expressar seus sentimentos e, a partir daí, possamos traçar um plano de cuidados individualizado, objetivando sempre a melhora do paciente.

  • 1 - ARANTES, E.C.; STEFANELLI, M.C.; FUKUDA, I.M.K. Estabelecimento de limites como medida terapêutica de relacionamento enfermeira-paciente. Rev. Esc. Enf. USP, v. 15, n. 2, p. 155-60, 1981.
  • 2 - EY, H.; BERNARD, P.; BRISSET, E. As crises maníacas. In: EY, H. Manual de psiquiatria. 5. ed. Rio de Janeiro, Masson, 1981. cap. 16, p.316-33.
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  • 12 - TEIXEIRA, M.B.; STEFANELLI, M.C.; ARANTES, E.C. Assistência de enfermagem a pacientes com comportamentos caracterizado por manifestações de agitação e agressividade. Rev.Esc.Enf.USP, v. 15, n. 2, p.141-6, 1981.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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