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Metas de desenvolvimento do milênio, educação e igualdade de gênero

Millennium development goals, education and gender equality

Resumos

Na reunião de Cúpula do Milênio, realizada no ano 2000, líderes máximos de países do mundo inteiro comprometeram-se a envidar todo tipo de esforços para atingir oito metas de desenvolvimento até 2015. O Secretário-Geral da ONU, tratando de mobilizar a vontade política necessária para implementar os compromissos assumidos com as metas, criou o Projeto Milênio para dar embasamento técnico às formas mais eficientes de alcançar cada uma delas. Esse projeto possui vários grupos de trabalho, um dos quais está encarregado da meta 2 (acesso universal à educação primária até o ano de 2015) e da meta 3 (promoção da igualdade entre os gêneros e empoderamento das mulheres). Este artigo analisa alguns aspectos da interseção desses dois temas porque, tradicionalmente, de um lado, as questões de gênero têm recebido pouca atenção nos debates educacionais e, de outro, a educação tem tido pouco destaque na agenda da igualdade de gêneros.

EDUCAÇÃO; MULHERES; RELAÇÕES DE GÊNERO; PROJETO MILÊNIO


During the 2000 Millennium Summit, leaders of countries from the entire world committed to devote every effort in order to achieve eight development goals by 2015. Concerned with that possibility, the United Nation's General Secretary, trying to mobilize the political will that is needed for the implementation of the commitments made with the Millennium goals,createdthe Millennium Project to offer a technical backdrop in regards to the most efficient means of reaching each goal. This Project is made of taskforces and one of them is in charge of goal 2 (to ensure universal access to primary education by 2015) and goal 3 (to promote gender equality and the empowerment of women). This article intends to highlight a few aspects regarding the intersection of these two themes, because, on one hand, questions pertaining to gender have generally been receiving little attention in education debates; on the other hand, education has been equally neglected in the gender equality agenda.

EDUCATION; WOMEN; GENDER RELATIONSHIP; MILLENNIUM PROJECT


TEMA EM DESTAQUE

POLÍTICAS INCLUSIVAS E COMPENSATÓRIAS NA AGENDA DA EDUCAÇÃO

Metas de desenvolvimento do milênio, educação e igualdade de gênero

Millennium development goals, education and gender equality

Carmen Barroso

International Planned Parenthood Federation, Western Hemisphere Region cbarroso@ippfwhr.org

RESUMO

Na reunião de Cúpula do Milênio, realizada no ano 2000, líderes máximos de países do mundo inteiro comprometeram-se a envidar todo tipo de esforços para atingir oito metas de desenvolvimento até 2015. O Secretário-Geral da ONU, tratando de mobilizar a vontade política necessária para implementar os compromissos assumidos com as metas, criou o Projeto Milênio para dar embasamento técnico às formas mais eficientes de alcançar cada uma delas. Esse projeto possui vários grupos de trabalho, um dos quais está encarregado da meta 2 (acesso universal à educação primária até o ano de 2015) e da meta 3 (promoção da igualdade entre os gêneros e empoderamento das mulheres). Este artigo analisa alguns aspectos da interseção desses dois temas porque, tradicionalmente, de um lado, as questões de gênero têm recebido pouca atenção nos debates educacionais e, de outro, a educação tem tido pouco destaque na agenda da igualdade de gêneros.

EDUCAÇÃO - MULHERES - RELAÇÕES DE GÊNERO - PROJETO MILÊNIO

ABSTRACT

During the 2000 Millennium Summit, leaders of countries from the entire world committed to devote every effort in order to achieve eight development goals by 2015. Concerned with that possibility, the United Nation's General Secretary, trying to mobilize the political will that is needed for the implementation of the commitments made with the Millennium goals,createdthe Millennium Project to offer a technical backdrop in regards to the most efficient means of reaching each goal. This Project is made of taskforces and one of them is in charge of goal 2 (to ensure universal access to primary education by 2015) and goal 3 (to promote gender equality and the empowerment of women). This article intends to highlight a few aspects regarding the intersection of these two themes, because, on one hand, questions pertaining to gender have generally been receiving little attention in education debates; on the other hand, education has been equally neglected in the gender equality agenda.

EDUCATION - WOMEN - GENDER RELATIONSHIP - MILLENNIUM PROJECT

Na reunião de Cúpula do Milênio no ano 2000, os líderes máximos dos países do mundo inteiro comprometeram-se a envidar todo tipo de esforços para atingir oito metas de desenvolvimento até o ano 2015. Estas metas foram o resultado de complexas negociações que destilaram as principais conclusões de uma série de reuniões internacionais realizadas durante a década de 90, tais como as Conferências do Meio Ambiente no Rio de Janeiro, a Conferência dos Direitos Humanos em Viena, a Cúpula do Desenvolvimento Social em Copenhague, a Conferência de População e Desenvolvimento no Cairo, a Conferência da Mulher em Pequim. Entre as oito metas, figuram proeminentemente a expansão das oportunidades educacionais e a igualdade de gênero.

Passados alguns anos desde a adoção das metas, as análises de organismos internacionais, tais como as do Banco Mundial, começaram a soar o alarme de que as metas não seriam alcançadas se fossem mantidas as tendências históricas. Se de fato houver um fracasso, as conseqüências serão trágicas não só para os países menos desenvolvidos, mas para a comunidade internacional como um todo, que teria de se defrontar com a evidência de sua incapacidade para resolver problemas sociais e econômicos cujas dimensões inumanas são incompatíveis com a própria noção de civilização.

Preocupado com esta possibilidade, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas - ONU -, Kofi Annan, está tratando de mobilizar a vontade política necessária para a implementação dos compromissos assumidos com as metas, e criou o Projeto Milênio para dar embasamento técnico às formas mais eficientes de alcançar cada uma delas. Dirigido pelo economista Jeffrey Sacks, o Projeto Milênio consta de grupos de trabalho compostos de especialistas de diversos países, representantes das agências das Nações Unidas e instituições públicas, não governamentais e privadas. Tenho o privilégio de participar de um destes grupos, o que está encarregado da meta 2 (acesso universal à educação primária até o ano 2015) e da meta 3 (promoção da igualdade entre os gêneros e o empoderamento das mulheres).

A união das metas da educação e da igualdade entre os gêneros em um só grupo de trabalho se deu porque, de um lado, um dos indicadores principais da igualdade de gêneros era a igualdade no acesso à educação, e, de outro lado, um dos indicadores principais da universalização da educação era a paridade entre os sexos na escolarização. Curiosamente, entretanto, o grupo praticamente funcionou como dois subgrupos semi-independentes, uma vez que os problemas educacionais não só incluem, mas também transcendem a desigualdade entre os gêneros e vice-versa, ou seja, as desigualdades educacionais são um componente importante das desigualdades de gênero, mas não as esgotam.

Após um exaustivo processo de revisão das pesquisas de suas respectivas áreas, múltiplas reuniões de consultas e deliberações sobre as medidas necessárias para alcançar as metas, os grupos de trabalho prepararam seus relatórios preliminares, que estão na página da web www.unmillennium.org. Atualmente, as recomendações desses relatórios estão sendo objeto de discussão com amplos setores da sociedade, especialistas e representantes de governos e de organismos intergovernamentais, para a elaboração dos relatórios finais que serão consolidados para a Cúpula do Milênio a ser realizada em setembro de 2005.

Não é minha intenção sumariar todas as recomendações sobre educação e igualdade de gênero. Quero apenas ressaltar alguns aspectos da interseção destes dois temas que já estavam na formulação original das metas e que foram aprofundados nos relatórios do grupo de trabalho. Isso é importante porque, tradicionalmente, de um lado, as questões de gênero têm, de um modo geral, recebido pouca atenção nos debates educacionais, e, de outro lado, a educação tem tido pouco destaque na agenda da igualdade de gênero.

IMPACTO DA EDUCAÇÃO NO EMPODERAMENTO DAS MULHERES

O relatório sobre a educação destaca que, em todas as partes do mundo, níveis mais elevados de escolaridade estão associados com o empoderamento das mulheres. Mulheres com níveis educacionais mais altos geralmente têm mais capacidade de melhorar a própria qualidade de vida e a de suas famílias. Estão mais bem preparadas para se beneficiar das oportunidades existentes e dos serviços disponíveis, gerar oportunidades alternativas e estruturas de apoio. Os efeitos da educação no empoderamento da mulher se manifestam de formas variadas, até mesmo pelo aumento do potencial de geração de renda, da autonomia nas decisões pessoais, do controle sobre a própria fertilidade e da maior participação na vida pública.

Mas o relatório acautela que tais efeitos, no entanto, não são automáticos. Dependem muito de circunstâncias individuais e do contexto social, especialmente do nível de desenvolvimento econômico, da situação do mercado de trabalho e, especialmente, do grau de estratificação sexual na cultura predominante.

O relatório avança a hipótese de que o impacto da educação é maior em sociedades que já são relativamente mais igualitárias. Sob tais condições, até nas decisões familiares importantes, de trabalhar em empregos formais e controlar recursos econômicos. Nas sociedades em que a estratificação sexual é maior, a probabilidade de as mulheres terem acesso a recursos é muito menor que a dos homens e o exercício de sua autonomia é vetado; a educação por si só não será necessariamente transformadora, na ausência de outras mudanças nas normas e nas relações de poder. Em tais circunstâncias, um patamar mais alto de educação será necessário para qualquer mudança.

A questão da fecundidade é um exemplo. Em todo o mundo, o aumento da educação da mulher está associado a um declínio na fecundidade. Mas os efeitos variam segundo o contexto. Shireen Jejeebhoy (1996) resenhou 59 pesquisas realizadas em diferentes países que apontaram declínio de fecundidade de mais de 10%, e encontrou grande variação quanto ao aumento do nível educacional associado a este resultado. Nas sociedades mais desiguais (na África subsaariana e no Sul da Ásia), em 16 dos 22 estudos, um declínio de fecundidade de 10% só é conseguido por mulheres com educação secundária. Nas sociedades moderadamente igualitárias, o declínio de 10% é alcançado por mulheres com alguma educação primária, na metade dos casos. Nas sociedades mais igualitárias, na América Latina, o declínio de 10% da fecundidade é alcançado por mulheres com alguma educação primária em 60% dos casos.

O grupo de trabalho preparará para o relatório final outros exemplos nas áreas do acesso à saúde e à água, para demonstrar que o impacto da educação da mulher é resultado de muitos fatores. Na realidade, inúmeros estudos de nível mais restrito confirmam essa tese, mas o grupo de trabalho tem procurado ater-se a estudos que mostram a comparação entre países com indicadores comuns.

IMPACTO DO EMPODERAMENTO DAS MULHERES NA EDUCAÇÃO

A primeira mensagem do grupo de trabalho é: o progresso sustentável em direção à universalização da educação requer o empoderamento das mulheres e das meninas. O relatório menciona, a este respeito, dois indicadores do empoderamento das mães e os efeitos sobre a educação dos filhos: nível educacional e participação no mercado de trabalho.

Inúmeros estudos comparativos incluindo a África, Ásia e América Latina nos últimos 25 anos têm revelado o mesmo padrão: o nível educacional da mãe é um determinante forte e consistente da matrícula e desempenho dos filhos na escola. O efeito é mais forte sobre as filhas e mais forte que o efeito da educação dos pais. Estudos no Peru, México e outros países mostram que as mães com pelo menos um nível básico de educação têm probabilidade muito maior de educar os filhos - e especialmente as filhas -, independentemente da influência de outros fatores. É importante destacar que outros fatores foram controlados para que não se pense que se trata de mero subproduto de outras circunstâncias familiares e sociais.

Um estudo de Filmer (1996), usando dados comparativos de pesquisas de domicílio de 47 países, verificou que a educação da mãe tem efeitos mais fortes que a do pai, embora não em todos os países. O efeito marginal da educação da mãe varia de um a seis por cento de aumento da probabilidade de matrícula.

Além disso, quanto maior o nível educacional da mãe, melhor: um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID - concluiu que, na América Latina, jovens de 15 anos cujas mães têm alguma educação secundária permanecem na escola por dois ou três anos a mais que jovens cujas mães têm menos de quatro anos de escolaridade (Inter-American Development Bank,1998).

Que mecanismos podem explicar esta relação entre a educação materna e a escolaridade dos filhos? Há várias hipóteses. Primeiro, a mãe que atingiu maior nível de escolaridade possivelmente tem maior renda e, portanto, recursos para enviar os filhos à escola. Pode também ter uma posição mais forte dentro da família e a capacidade de decidir em favor da educação dos filhos. É provável também que estas mães exerçam um papel pedagógico, encorajando, supervisionando e ajudando seus filhos com as tarefas escolares. Por último, deve-se considerar o efeito demonstração. Se os filhos, e especialmente as filhas, vêem as mães que freqüentaram e valorizaram a escola, podem querer seguir seu exemplo.

Quanto aos efeitos do trabalho remunerado, em estudo do BID (1998) encontrou que, após controlar vários fatores, a participação da mulher no mercado de trabalho aumenta a probabilidade de matrícula dos filhos na escola. Em 13 dos 15 países para os quais havia dados disponíveis, o efeito é positivo e estatisticamente significativo. Na média, a probabilidade de matrícula dos filhos aumenta 5% se a mãe participa do mercado de trabalho.

A ESPECIFICIDADE DA AMÉRICA LATINA

Uma análise dos dados do Banco Mundial para o ano 2000 mostra uma taxa média mundial de graduação na escola primária (5 a 6 anos) de 81%, ainda bem abaixo da meta de graduação universal1 1 Há muitos indicadores diferentes do número de crianças que completam a escola primária e não há uma medida universalmente aceita. A porcentagem de uma coorte que progride regularmente até o quinto grau só é conhecida para cerca de 40 países. O Banco Mundial tem usado a matrícula no último ano da escola primária como uma proxy. A principal crítica a esta medida é sua falta de comparabilidade internacional, uma vez que o número de anos de duração da escola primária varia de um país para outro. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco - agora utiliza uma transformação dos dados para harmonizá-los com um número fixo de seis anos de escolarização. . A América Latina está ligeiramente acima da média (83%), o que corresponde ao mesmo nível dos países do Oriente Médio e Norte da África, mas bem abaixo da Ásia Central e do Leste da Ásia. Somente os países do Sul da Ásia e da África subsaariana estão abaixo da nossa região. O curioso, no entanto, é que, ao contrário de todas as demais regiões, na América Latina a porcentagem de meninas que completam o curso primário, 85%, é maior que a de meninos, 81% (Bruns, Mingat, Ramahatra Rakotomalala, 2003).

Pareceria, portanto, que não temos problemas quanto à eqüidade de gênero na educação. No entanto, as questões de gênero vão muito além dos indicadores quantitativos de matrícula e conclusão do curso. O relatório do grupo de trabalho indica que um amplo corpo de pesquisas documenta a falta de sensibilidade de gênero no currículo escolar e nos materiais didáticos, e vieses de gênero nas interações de sala de aula que favorecem a participação dos meninos em detrimento da das meninas. Mais recentemente, pesquisas têm apontado os problemas de segurança nas escolas, que afetam particularmente as meninas.

A América Latina é também a região na qual se observam enormes desigualdades dentro de cada país. Na América do Sul, a proporção de crianças que não completam o quinto ano primário varia de 12% a 32%, e mais de 70% delas provêm das famílias que compõem o extrato dos 40% mais pobres da população (Filmer, Pritchett, 1998). As causas principais são a evasão escolar e as múltiplas repetições, ambas mais comuns entre os mais pobres. Há ampla documentação sobre as desvantagens educacionais de crianças negras ou indígenas nos diversos países da região (Meneses, 2003).

Como no caso do Brasil, imensas desigualdades regionais, étnicas e de classe social fazem com que as desigualdades de gênero pareçam relativamente menos importantes, quando de fato todas as desigualdades se reforçam mutuamente, agravando exponencialmente seus efeitos. Por exemplo, a falta de segurança, que pode chegar a extremos de risco de vida para freqüentar escolas noturnas em locais afastados, certamente afeta mais gravemente as meninas pobres e negras.

Por outro lado, é inegável que a diminuição dos custos diretos e indiretos, e dos custos - oportunidade da educação podem beneficiar tanto os meninos quanto as meninas mais pobres. Programas como o Bolsa Escola do Brasil, o Progresa do México, e programas de alimentação escolar têm produzido efeitos significativos de ampliação de freqüência à escola para ambos os sexos. Em outras regiões, foi possível aumentar a matrícula das meninas com medidas tais como o estabelecimento de escolas nas comunidades locais, para evitar os riscos de percurso até locais distantes, a construção de banheiros exclusivos para as meninas que deles necessitam especialmente durante o período menstrual etc. Há também uma correlação positiva de matrículas de meninas com a proporção de professoras mulheres, mas, em muitos países, há escassez de professoras qualificadas, principalmente para trabalhar nas escolas rurais. Este é um problema particularmente importante, uma vez que pesquisas têm mostrado altíssimo número de abusos sexuais por parte de professores em relação a suas alunas. Por exemplo, na República de Camarões, uma pesquisa do Fundo das Nações - Unicef - (2002) registrou que professores tiveram relações sexuais com 27% das alunas entrevistadas.

Muitos países estão fazendo treinamentos e sensibilizações do corpo docente para evitar a discriminação sexual nas práticas escolares. Muitos anos depois de o movimento feminista ter denunciado os estereótipos de gênero nos materiais didáticos e na escola de modo geral, eles continuam a existir. De maneiras sutis e menos sutis, a escola ainda colabora para que as meninas evitem as ciências e a matemática e se encaminhem para profissões de menor prestígio e remuneração, que formam tradicionalmente o gueto feminino. Parece também que pouquíssimos programas tentam questionar a divisão sexual do trabalho, que reserva toda a carga do trabalho doméstico para as meninas e suas mães.

O relatório indica como uma das intervenções bem-sucedidas para aumentar a demanda pela educação básica o Progresa, do México, que foi rebatizado como Oportunidades, em 2002. Um de seus objetivos é aumentar a matrícula e a conclusão do curso nas escolas primárias e secundárias de meninos e meninas de famílias pobres da zona rural (atualmente tem-se estendido à zona urbana). As bolsas concedidas começam com 80 pesos para o terceiro ano escolar e vão até 305 pesos para o nono ano, para as meninas. A bolsa dos meninos é menor: 250 pesos no nono ano. Antes do início do programa a matrícula na escola primária era de 93%, mas caía para 55% no sétimo ano escolar para as crianças pobres da zona rural. Em 1999, o Progresa cobria 40% de todas as famílias da zona rural, com uma bolsa média de 238 pesos, o que eqüivalia a quase 20% do valor médio do consumo anterior ao programa. Houve um aumento de 10% da escolarização dos pobres, equivalendo a 0,72 anos de aumento da escolaridade das meninas e 0,64 dos meninos. Trata-se de um programa com alto nível de apoio político e econômico e que tem um componente de avaliação rigoroso, produzindo dados de qualidade (Morley, Coady, 2003).

Outro programa destacado no relatório é o Bolsa Escola, do Brasil, mas tenho certeza de que a maioria dos leitores aos quais me dirijo o conhece melhor do que os autores do relatório e do que eu mesma.

ALÉM DA ESCOLARIZAÇÃO TRADICIONAL: A EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA

Para a meta 3, que se refere ao empoderamento das mulheres, o relatório do grupo de trabalho recomenda seis prioridades estratégicas, uma das quais é a garantia da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos. No documento inicial das metas do milênio, dois aspectos dos direitos sexuais e reprodutivos haviam sido incluídos: a redução da mortalidade materna e o controle da epidemia de Aids. O grupo de trabalho vai mais além, recuperando recomendações das conferências do Cairo e de Pequim e das conferências realizadas cinco anos depois: o Cairo 5 e Pequim 5.

Assim, o relatório recomenda como prioridades não somente a redução das altas taxas de mortalidade materna e o fortalecimento da capacidade de mulheres e meninas se protegerem da infecção do HIV, mas também dar às mulheres, e especialmente às adolescentes, pleno acesso à informação e aos serviços de saúde sexual e reprodutiva. Embora muitas das intervenções recomendadas se refiram ao sistema de serviços de saúde, a educação sexual é principalmente de responsabilidade do sistema educacional.

As adolescentes casadas e solteiras são particularmente vulneráveis a riscos relacionados à atividade sexual. É nesta faixa etária que se encontram as mais altas taxas de demandas insatisfeitas de anticoncepção e a maior vulnerabilidade à gravidez indesejada. Além disso, as taxas de infecção de HIV entre as jovens são aproximadamente duas vezes maiores do que entre os jovens. Muitas adolescentes sexualmente ativas não usam nenhum tipo de contracepção. As estimativas são de que há no mundo 29 milhões de mulheres jovens de 15 a 19 anos que são sexualmente ativas, não querem engravidar e não estão usando nenhum método moderno de anticoncepção. Estima-se que, a cada ano, um a quatro milhões de jovens nesta faixa etária provocam o aborto, na maioria das vezes em condições inseguras (Barroso, Girard, 2003).

O relatório salienta pesquisas que indicam como a saúde sexual e reprodutiva está ligada a vários outros domínios da igualdade de gênero: à educação, às oportunidades de acesso a emprego e a recursos econômicos de um modo geral, à proteção contra a violência sexual e doméstica e ao empoderamento. Decidir sobre o curso de sua vida é fundamental para a dignidade de uma mulher. A falta de controle sobre sua reprodução e sexualidade tem conseqüências severas para as mulheres e limita grandemente seu potencial. É por isso que as convenções internacionais de direitos humanos garantem às mulheres o direito de controlar sua fecundidade e sexualidade. Por todas estas razões, para atingir a meta da igualdade de gênero é fundamental que os direitos sexuais e reprodutivos sejam garantidos.

No que se refere à escola, idealmente o currículo com informação e desenvolvimento de habilidades (life skills) relativos à sexualidade - até mesmo com uma perspectiva de gênero, isto é, que questione as relações tradicionais de poder entre os sexos - deveria ser introduzido na escola primária e continuar na escola secundária. Inúmeras experiências têm sido realizadas em muitas partes do mundo. É necessário ampliar sua cobertura e avaliar rigorosamente que elementos contribuem para o sucesso de tais programas.

Atualmente, tais programas têm sido alvo de ataques por parte da extrema direita religiosa e conservadora, que alega que a educação sexual deveria somente promover a abstinência até o casamento e sonegar a informação e o acesso a métodos anticoncepcionais. Tais ataques são orquestrados a partir dos Estados Unidos, onde têm recebido respaldo da administração Bush. É preciso resistir a estes ataques porque a vida e o futuro de toda uma geração de jovens estão em risco.

CONCLUSÃO

As idéias aqui apresentadas não têm nenhuma pretensão de ser exaustivas sobre o tema. São apenas propostas de discussão de alguns aspectos que, acredito, tenham sido negligenciados tanto pelos que se preocupam com a igualdade de gênero quanto pelos que se ocupam das questões educacionais.

Acredito que a circunstância feliz de que estas duas metas do milênio tenham uma significativa interseção oferece uma oportunidade para examinar com mais cuidado o potencial de sinergia dessas duas áreas.

Recebido em: agosto 2004

Aprovado para publicação em: agosto 2004

Texto apresentado no Seminário: Políticas Inclusivas e Políticas Compensatórias na Agenda de Educação, comemorativo dos 40 anos da Fundação Carlos Chagas, realizado em 30.9 e 1º.10.2004, em São Paulo.

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    Há muitos indicadores diferentes do número de crianças que completam a escola primária e não há uma medida universalmente aceita. A porcentagem de uma coorte que progride regularmente até o quinto grau só é conhecida para cerca de 40 países. O Banco Mundial tem usado a matrícula no último ano da escola primária como uma
    proxy. A principal crítica a esta medida é sua falta de comparabilidade internacional, uma vez que o número de anos de duração da escola primária varia de um país para outro. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco - agora utiliza uma transformação dos dados para harmonizá-los com um número fixo de seis anos de escolarização.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2004
    • Aceito
      Ago 2004
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