O presente dossiê tem como finalidade principal contribuir para repensar determinados aspectos do social a partir de questões que se apoiam nos estudos de Pierre Bourdieu e Serge Moscovici. Nesse sentido, este trabalho assume diferentes perspectivas que buscam discutir elementos da teoria de ação de Bourdieu (1972BOURDIEU, P. Esquisse d’une théorie de la pratique. Genève: Droz, 1972., 1997BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1997., 1998aBOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998a., 1998bBOURDIEU, P. O poder simbólico. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertand Russel, 1998b., 2007BOURDIEU, P. El sentido práctico. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007.) e da teoria das representações sociais de Moscovici (1961MOSCOVICI, S. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF, 1961., 1978MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978., 1988MOSCOVICI, S. Notes towards a description of social representations. European Journal of Social Psychology, v. 18, p. 211-250, 1988., 2003MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003., 2011MOSCOVICI, S. Psicologia das minorias ativas. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2011), assim como avaliar as aproximações entre essas duas abordagens teóricas em diferentes campos de conhecimento.
A busca de uma aproximação entre a sociologia de Bourdieu e a psicologia social de Moscovici surge há, aproximadamente, três décadas e responde a um duplo desafio que ambos os autores se colocaram: de um lado, opor-se aos objetivismos deterministas (que já foram moda nos anos 1960 e 1970, nas ciências sociais); e, corolariamente, opor-se aos interacionismos sem medida, nos quais relativismos e subjetivismos de diversas matizes findam por anular o papel das instâncias do social (sociedade, instituições, grupos, classes). Dentre as tentativas mais frutíferas de aproximar essas duas visões do social, de Bourdieu e Moscovici, encontra-se aquela desenvolvida por Doise e colaboradores (cuja forma de estudo é exemplificada aqui no artigo de Poerschl, Ribeiro e Oliveira), também chamada de “abordagem posicional” do estudo das representações sociais, que estabeleceu um modelo consistente de integrar o pensamento social (na forma das representações sociais) na análise das relações sociais existentes em um dado campo. Contudo, o desafio de demonstrar o ponto no qual as interações cotidianas contribuem para promover a transformação das relações (particularmente as que engendram as desigualdades sociais) ainda se encontra longe de ser alcançado.
Os artigos aqui apresentados não se organizam em torno de um “exercício acadêmico” de refinamento conceitual; eles são resultado do trabalho de um grupo1 1 O “Grupo do Rio” foi assim denominado em sequência a três mesas redondas (EDUCERE, 2013; JIRS, 2013; CIRS/ SP, 2014). Constituiu-se, dessa forma, o primeiro núcleo de pesquisadores, formado por Jorge C. Jesuino (Portugal), Maria de Fátima B. Abdalla, Moisés Domingos Sobrinho, Pedro Humberto F. Campos, Rita de Cássia P. Lima e Themistoklis Apostolidis (França). Este grupo realizou dois simpósios e se configura como grupo aberto, incorporando, atualmente, Lúcia Villas Bôas. (com a colaboração especial de Poershl et al., 2017, para este dossiê). Propõe-se o desenvolvimento de um modelo de análise do espaço social, e particularmente, neste momento, pode-se afirmar um enfoque no campo da educação no Brasil. Esse modelo parte de uma teoria consolidada do espaço social, como campo de lutas entre agentes dispondo de níveis diferentes de recursos (as formas do capital e os habitus), ganha em dinamicidade e realidade ao trazer para o centro das cenas as trocas simbólicas e seus efeitos, em sua relação com a ação e a comunicação. Simultaneamente, visa-se, por meio das contribuições da Teoria das Representações Sociais, a encontrar indicadores, sinais das interações que possibilitam a um grupo social, em um dado momento de sua história, construir sua visão de mundo como visão consensual. Nas palavras de Bourdieu: “fazer valer sua visão de mundo” e transformar o campo de lutas e trocas simbólicas, instituindo um novo reconhecimento do seu lugar - seu poder de influência - nesse campo.
Muito se diz acerca do ritmo acelerado da mudança na atualidade, então convidamos Pierre Bourdieu e Serge Moscovici a nos inspirar em busca de um modelo de análise que permita ou nos aproxime de demonstrar novas relações sociais se construindo no espaço social.
Também há de se destacar que as ideias aqui desenvolvidas foram resultados de dois simpósios realizados pelo grupo. O I Simpósio Internacional de Representações Sociais e Praxiologia Social: Diálogos Possíveis no Campo Educacional, que ocorreu na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, de 24 a 25 de outubro de 2014, em Natal (RN). Nesse momento, as discussões se centraram nas relações entre as representações sociais e a praxiologia social, e especialmente discutindo a contribuição do grupo liderado por Willem Doise e a necessidade de um foco no campo educacional. A realização do primeiro simpósio somente foi possível graças à iniciativa, empenho e pioneirismo do Prof. Moisés Domingos Sobrinho, que vem, há mais de 15 anos, através de suas pesquisas e da formação de mestres e doutores, desenvolvendo a aproximação entre “praxiologia social, poder simbólico e representações sociais”, de forma a contribuir para analisar o campo da educação no Brasil, destacando as dinâmicas das desigualdades sociais, seus efeitos simbólicos e efeitos do poder simbólico de legitimação e naturalização do mundo social; bem como apontando o necessário reconhecimento dos envolvidos como sujeitos de construção de significados (e representações sociais) e relações nesse campo de lutas.
Já o II Simpósio foi organizado por Pedro Humberto e Rita de Cássia Pereira Lima, na Universidade Estácio de Sá - Unesa, nos dias 24 e 25 de junho de 2015, no Rio de Janeiro (RJ). Nesse evento, o debate buscou refletir sobre o espaço social e os sujeitos em formação, colocando o acento no “senso prático”, e compreender, ainda, o “campo do objeto” e a visão de cultura em Bourdieu e Moscovici, assim como os efeitos do poder simbólico e a construção das representações sociais. Alguns dos resultados dessas reflexões estão registrados neste dossiê a fim de se abrirem caminhos no sentido de oferecer um novo olhar para se repensar o espaço social como um todo e as questões da educação em particular.
Na esteira dessas considerações, o primeiro artigo, “Um olhar psicossocial para a educação”, de Maria de Fátima Barbosa Abdalla e Lúcia Villas Bôas, possibilita uma discussão a respeito da dimensão simbólica dos fenômenos sociais, a partir das teorias bourdieusiana e moscoviciana, com o intuito de se refletir sobre as atuais problemáticas educacionais. Nessa direção, o texto apresenta três eixos de análise para ressignificar as práticas educativas. Primeiro, aborda o olhar psicossocial enquanto postura epistemológica; segundo, a educação como prática social; e terceiro, a relação entre a educação e mudança social.
A seguir, o texto “Paralelos”, de Jorge Correia Jesuino, propõe uma leitura entrelaçada de Moscovici e de Bourdieu, a fim de identificar possíveis complementaridades no âmbito da filosofia e da sociologia da ciência, que, segundo o autor, são mais convergentes do que divergentes, e destaca, assim, novos desafios para a reflexividade social.
O terceiro texto, “Princípios organizadores, habitus e práticas familiares”, de Gabrielle Anny Poeschl, Rachel Ribeiro e Natércia Oliveira, trata das inserções sociais na perspectiva das representações sociais, como anuncia a abordagem posicional de Willem Doise, mostrando o efeito das posições sociais sobre as representações e práticas sociais. Indica, ainda, que o nível de educação desencadeia variações em relação às crenças, mas sem ameaçar as posições familiares, ou seja, aquelas posições assimétricas entre homens e mulheres de uma mesma sociedade.
O quarto texto, “Capital simbólico, representações sociais, grupos e o campo do reconhecimento”, de Pedro Humberto Faria Campos e Rita de Cássia Pereira Lima, traz, como proposta, as “representações sociais” (Moscovici), como formações simbólicas condensadoras do “capital simbólico” (Bourdieu). Apreende-se que as representações sociais podem ser entendidas como conceito que ampara uma análise interacionista e posicional do mundo social, tornando-se útil e aplicável ao campo do reconhecimento.
Os textos em questão abrem um diálogo com Bourdieu e Moscovici, mas também com outros autores, na tentativa de instigar novas fronteiras para o conhecimento, levando-nos a uma compreensão mais rica e abrangente para se repensar o social e os fenômenos que o rodeiam, principalmente aqueles que se referem à Educação.
REFERÊNCIAS
- ABDALLA, M. F. B. Um mapa de relações entre Bourdieu e Moscovici para refletir sobre a formação de professores. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – EDUCERE. SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE- SIPD, 4.; SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO – SIRSSE, 2. 11, 23-26 de setembro 2013, Curitiba. Anais... Curitiba: Cátedra UNESCO; PUC-PR, 2013. ISSN: 2176-1396. Mesa redonda. Disponível em: <http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2013/7087_5656.pdf%3e>.
» http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2013/7087_5656.pdf%3e - ABDALLA, M. F. B.; LIMA, R. C. P.; CAMPOS, P. H. F.; DOMINGOS SOBRINHO, M. Desenvolvimento da Teoria das Representações Sociais: viagens euro-americanas. In: JORNADA INTERNACIONALDE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - JIRS, 3.; CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - CBRS, 6., 27-30 de agosto 2013, Recife. Anais... Recife: JIRS/CBRS, Mar Hotel, 2013. Mesa redonda: Aproximações entre Bourdieu e Moscovici: um mapa mutante de relações e representações sociais, CD-Caderno de resumos, ISBN 978-85-415-0305-1.
- BOURDIEU, P. Esquisse d’une théorie de la pratique Genève: Droz, 1972.
- BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação Campinas, SP: Papirus, 1997.
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- BOURDIEU, P. O poder simbólico 2. ed. Rio de Janeiro: Bertand Russel, 1998b.
- BOURDIEU, P. El sentido práctico Buenos Aires: Siglo XXI, 2007.
- LIMA, R. C. P.; ABDALLA, M. F. B; CAMPOS, P. H. F.; LIMA, R. C. P.; DOMINGOS SOBRINHO, M. A escola e o simbólico na Teoria das Representações Sociais e em Pierre Bourdieu. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, 4.; COLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO SOBRE SAÚDE, EDUCAÇÃO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, 12., 20-23 de julho 2014, São Paulo. Anais... São Paulo: CIRS, Hotel Renaissance, 2014. p. 589-609, ISBN: 978-85060876-01-3. Mesa redonda. Disponível em: <http://cirs2014.fcc.org.br>.
» http://cirs2014.fcc.org.br - MOSCOVICI, S. La psychanalyse, son image et son public Paris: PUF, 1961.
- MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
- MOSCOVICI, S. Notes towards a description of social representations. European Journal of Social Psychology, v. 18, p. 211-250, 1988.
- MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
- MOSCOVICI, S. Psicologia das minorias ativas 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes , 2011
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O “Grupo do Rio” foi assim denominado em sequência a três mesas redondas (EDUCERE, 2013; JIRS, 2013; CIRS/ SP, 2014). Constituiu-se, dessa forma, o primeiro núcleo de pesquisadores, formado por Jorge C. Jesuino (Portugal), Maria de Fátima B. Abdalla, Moisés Domingos Sobrinho, Pedro Humberto F. Campos, Rita de Cássia P. Lima e Themistoklis Apostolidis (França). Este grupo realizou dois simpósios e se configura como grupo aberto, incorporando, atualmente, Lúcia Villas Bôas.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2018