Paciente do sexo feminino, com 72 anos de idade, apre-do abdome. A paciente estava afebril e não foram relatasentou quadro de dor abdominal no flanco direito há dois dos episódios de diarreia ou vômito. O hemograma revelou dias. O exame físico revelou dor à palpação e descompres-leucocitose (11.900 células/mm3) e foi realizada tomograsão dolorosa, principalmente no quadrante inferior direito fia computadorizada do abdome (Figura 1).
A: Tomografia computadorizada do abdome, reconstrução coronal. B: Corte axial ao nível da pelve.
Descrição da imagem
Figura 1. A: Reconstrução coronal demonstrou extensão do apêndice para o interior de hérnia inguinal à direita (setas), com infiltração dos planos adiposos adjacentes. B: Corte axial identificou apêndice distendido com parede espessada (seta fina), dentro de uma hérnia inguinal à direita, com foco de gás livre adjacente (seta grossa).
COMENTÁRIOS
Uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional tem avaliado o papel da radiologia no estudo do tubo digestivo e das condições abdominais agudas(11 Kierszenbaum ML, von Atzingen AC, Tiferes DA, et al. CT colonography: the value of this method in the view of specialists. Radiol Bras. 2014;47:135–40.–88 Teixeira ACV, Torres US, Westin CEG, et al. Multidetector-row computed tomography in the preoperative diagnosis of intestinal complications caused by clinically unsuspected ingested dietary foreign bodies: a case series emphasizing the use of volume rendering techniques. Radiol Bras. 2013;46:346–50.)
Na paciente deste relato, durante a cirurgia, o apêndice foi encontrado perfurado dentro do canal inguinal direito. A paciente foi submetida a apendicectomia com reparo da hérnia e recebeu alta em quatro dias.
O termo hérnia de Amyand é usado quando o apêndice vermiforme é encontrado no interior de uma hérnia inguinal. A incidência de apêndice dentro de um saco herniário varia entre 0,28% e 1%(99 Keskin S, Simsek C, Keskin Z. The Amyand’s hernia: a rare clinical entity diagnosed by computed tomography. Case Rep Radiol. 2013; 2013:638270.) e em 0,13% ele encontra-se inflamado(1010 D’Alia C, Lo Schiavo MG, Tonante A, et al. Amyand’s hernia: case report and review of the literature. Hernia. 2003;7:89–91.). A hérnia de Amyand é mais prevalente em indivíduos do sexo masculino e apresenta distribuição bimodal em relação à faixa etária, acometendo principalmente neonatos e pacientes com mais de 70 anos(1011 Michalinos A, Moris D, Vernadakis S. Amyand’s hernia: a review. Am J Surg. 2014;207:989–95.).
Na maioria dos casos, o apêndice encontra-se dentro de uma hérnia inguinal indireta, situada no lado direito, refletindo a posição habitual do apêndice vermiforme, sendo raros os casos em que foram encontradas hérnias de Amyand na região inguinal esquerda. A apresentação clínica mais comum é semelhante a um quadro de hérnia encarcerada, por isso o diagnóstico geralmente é feito no momento do procedimento cirúrgico(1111 Michalinos A, Moris D, Vernadakis S. Amyand’s hernia: a review. Am J Surg. 2014;207:989–95.–1515 Inan I, Myers PO, Hagen ME, et al. Amyand’s hernia: 10 years’ experience. Surgeon. 2009;7:198–202.). O paciente, na maioria das vezes, se apresenta com massa dolorosa na região inguinal, podendo estar associada a vômitos, sendo pouco comum o achado de febre e leucocitose, comumente encontradas nos casos de apendicite(1616 Constantine S. Computed tomography appearances of Amyand hernia. J Comput Assist Tomogr. 2009;33:359–62.,1717 Luchs JS, Halpern D, Katz DS. Amyand’s hernia: prospective CT diagnosis. J Comput Assist Tomogr. 2000;24:884–6.).
A utilização da tomografia computadorizada torna fácil a identificação das hérnias inguinais, e as reconstruções nos planos sagital e coronal são particularmente úteis na visualização de uma estrutura tubular em fundo cego, que se estende a partir do ceco e entra no canal inguinal, representando o apêndice vermiforme no interior do saco herniário(1616 Constantine S. Computed tomography appearances of Amyand hernia. J Comput Assist Tomogr. 2009;33:359–62.).
É fundamental a avaliação de sinais de apendicite, como o espessamento da parede do apêndice e a infiltração dos planos adiposos adjacentes, e a avaliação de sinais de perfuração do apêndice, como peritonite e extensão do processo inflamatório para a cavidade abdominal(1818 Montandon Júnior ME, Montandon C, Fiori GR, et al. Acute appendicitis: computed tomography findings – an iconographic essay. Radiol Bras. 2007;40:193–9.,1919 Freire Filho EO, Jesus PEM, D’Ippolito G, et al. When and why use unenhanced computed tomography in patients with acute abdomen. Radiol Bras. 2006;39:51–62.). Além disso, é necessário avaliar a presença de outros processos associados, como tumores e massas abdominais. Diante desses achados, as hérnias de Amyand foram classificadas em quatro tipos, segundo Losanoff et al.(2020 Losanoff JE, Basson MD. Amyand hernia: what lies beneath – a proposed classification scheme to determine management. Am Surg. 2007;73:1288–90.,2121 Losanoff JE, Basson MD. Amyand hernia: a classification to improve management. Hernia. 2008;12:325–6.).
Cada tipo de hérnia de Amyand, segundo essa classificação, requer uma abordagem cirúrgica específica. Na vigência de hérnia de Amyand com apêndice normal (hérnia tipo I), o tratamento cirúrgico é eletivo, visando a redução herniária, com ou sem apendicectomia. A presença de apendicite com sinais inflamatórios localizados no saco herniário (hérnia tipo II), geralmente tem tratamento com reparo da hérnia e apendicectomia, podendo-se utilizar um acesso inguinal. Apendicite com sinais de perfuração, assim como a presença de peritonite e extensão intra-abdominal do processo inflamatório (hérnia tipo III), são abordadas via laparotomia. A associação com outras afecções abdominais, como tumores ou massas abdominais (hérnia tipo IV), requer uma abordagem apropriada para cada situação, sendo muito importante o reconhecimento dessas situações para uma adequada condução dos casos.
Concluindo, as hérnias de Amyand são raras e comumente subdiagnosticadas. A tomografia computadorizada com suas reconstruções é uma ferramenta de grande valia para o correto diagnóstico. O radiologista precisa reconhecer essas situações e identificar os fatores que alteram a classificação e a abordagem dessas hérnias.
REFERÊNCIAS
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8Teixeira ACV, Torres US, Westin CEG, et al. Multidetector-row computed tomography in the preoperative diagnosis of intestinal complications caused by clinically unsuspected ingested dietary foreign bodies: a case series emphasizing the use of volume rendering techniques. Radiol Bras. 2013;46:346–50.
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19Freire Filho EO, Jesus PEM, D’Ippolito G, et al. When and why use unenhanced computed tomography in patients with acute abdomen. Radiol Bras. 2006;39:51–62.
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21Losanoff JE, Basson MD. Amyand hernia: a classification to improve management. Hernia. 2008;12:325–6.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2014