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Determinação de elementos-traço: relatório de dois exercícios interlaboratoriais

Trace elements determination: report on two interlaboratory exercises

Resumo

Results of two intercomparison exercises are reported. In the first one, the participants were asked to determine Cd, Cu, Pb and Zn, at the sub mg mL-1 level, in an acidified aqueous solution. In the second one, the participants were asked to determine mercury (total) in two homogeneous biological samples, hair and fish. The exercises were considered satisfactory and few reported results were discharged (3s criteria).

trace analysis; intercomparison exercise; quality assurance


trace analysis; intercomparison exercise; quality assurance

DIVULGAÇÃO

Determinação de elementos-traço: relatório de dois exercícios interlaboratoriais

Trace elements determination: report on two interlaboratory exercises

Wilson F. JardimI; Antonio C. BarbosaII; Reinaldo C. CamposIII

IDepartamento de Química Analítica - UNICAMP - 13083-000 - Campinas - SP

IIDepartamento de Química - UnB - 70910-900 - Brasília - DF

IIIDepartamento de Química - PUC - Rio - 22453-900 - Rio de Janeiro - RJ

SUMMARY

Results of two intercomparison exercises are reported. In the first one, the participants were asked to determine Cd, Cu, Pb and Zn, at the sub mg mL-1 level, in an acidified aqueous solution. In the second one, the participants were asked to determine mercury (total) in two homogeneous biological samples, hair and fish. The exercises were considered satisfactory and few reported results were discharged (3s criteria).

Keywords: trace analysis; intercomparison exercise; quality assurance.

INTRODUÇÃO

A determinação de elementos-traço implica em uma série de cuidados específicos em função do binômio contaminação e perda. Assim, etapas da análise tais como coleta, estocagem e pré-tratamento da amostra podem envolver dificuldades até maiores que a determinação instrumental em si; aspectos como lavagem do material, pureza dos reagentes, atmosfera do laboratório e composição do material em contato direto ou indireto com a amostra assumem tanto maior relevância quanto menor for a concentração a ser determinada1,2.

A consciência desses problemas e os esforços em superá-los não são suficientes, por si, para garantir a qualidade dos dados analíticos gerados. Assim, a análise de materiais de referência, a análise periódica de amostras de concentrações conhecidas sem conhecimento prévio do analista, e a participação em exercícios interlaboratoriais devem ser consideradas no contexto de garantia de qualidade3.

Alguns resultados de exercícios interlaboratoriais4-6, mesmo envolvendo apenas laboratórios experientes, têm mostrado uma dispersão difícil de ser antevista, o que indica que, apesar dos imensos progressos instrumentais verificados nos últimos anos, o controle de todos os passos do procedimento analítico permanece um desafio. Via de regra, tal desafio é tanto maior quanto menor for o nível de concentração a ser determinado e maior for a complexidade da matriz. Aliás, tal dificuldade de controle tem pressionado o químico analítico na direção de procedimentos com o mínimo de etapas, quando da determinação de traços. Entretanto, esta tendência de se analisar a amostra "tal como recebida" (ou "análise direta"), implica em novas dificuldades, como a maior complexidade da matriz que chega ao equipamento (i.e, maior chance da interferência no ato da leitura instrumental) e o relevo da questão da representatividade, já que leituras diretas necessitam de massas de amostra bastante reduzidas (da ordem do mg)7.

Exercícios interlaboratoriais devem envolver amostras suficientemente homogêneas e estáveis, i.e, de composição constante ao longo tempo. O preparo de tais amostras nem sempre é uma tarefa simples, uma vez que, se amostras líquidas são, por natureza, homogêneas, maiores são os riscos de contaminação durante a estocagem, e o inverso ocorre com materiais sólidos. Amostras utilizadas em exercícios interlaboratoriais devem então seguir critérios de preparo semelhantes aos dos materiais de referência8-11.

Embora consciente da necessidade da participação sistemática em exercícios interlaboratoriais, os químicos analíticos no Brasil não se vêm na possibilidade de realizá-los com a frequência desejável. Alguns grupos terminam por participar de exercícios organizados no exterior9,12, sendo que, em geral, aqueles realizados no país recebem pouca divulgação. Assim, buscando dar início a um processo que, junto com outras iniciativas, leve ao fechamento desta lacuna, foram realizados dois exercícios interlaboratoriais. O primeiro foi organizado a partir do Departamento de Química Analítica da UNICAMP e o segundo a partir dos Departamentos de Química da PUC-Rio e da Universidade de Brasília. O presente trabalho apresenta e discute os resultados obtidos em ambos.

EXPERIMENTAL

No primeiro exercício, a amostra consistiu de uma solução aquosa 1,0% v/v em ácido nítrico suprapuro, preparada com água Milli Q, a partir de diluições adequadas de soluções padrão 1000 mg mL-1 (Sigma) de Cd, Cu, Pb ou Zn. Alíquotas de 100 ml foram seladas em ampolas de borosilicato, previamente descontaminadas. Algumas ampolas foram tomadas durante os 4 meses subsequentes, para a realização de análises mensais, a fim de serem monitorados possíveis perdas ou ganhos. Ao fim deste processo, as amostras foram distribuídas aos laboratórios interessados, que foram oito.

No segundo exercício, foram preparadas duas amostras, uma de cabelo e uma de peixe. A amostra de cabelo, originária de um mesmo indivíduo, foi finamente dividida com tesoura de aço inox e misturada manualmente. Uma massa de cerca de 10g foi pulverizada durante sete dias, em moinho de bolas de porcelana, até a obtenção de um pó fino, acinzentado. O material foi transferido do moinho para um frasco de polietileno com auxílio de uma espátula de aço inox e homogeneizado manualmente. Alíquotas de cerca de 1 grama foram distribuídas, em frascos de plástico, a 5 laboratórios participantes. A amostra de peixe, obtida do músculo de um mesmo espécime, foi macerada em liquidificador, desagregada e homogeneizada durante 24 horas, em moinho de bola, em presença de nitrogênio líquido, liofilizada e conservada em frasco plástico. Alíquotas de cerca de 1g foram distribuídas aos laboratórios participantes que foram instados a proceder à determinação de mercúrio total. O número total de laboratórios participantes foi nove.

As técnicas de análise empregadas estão especificadas na tabela 1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As figuras 1 a 4 mostram os valores relatados para Cd, Cu, Pb e Zn, respectivamente, no 1º exercício. Os valores fora da faixa ± 3s foram excluídos e novo cálculo realizado. Nas figuras, as linhas pontilhadas mostram as médias obtidas e as linhas cheias o limite ± 2s em torno da média. Deve-se observar que nem todos os laboratórios participantes relataram resultados para todos os elementos.





As figuras 5 e 6 mostram as concentrações de mercúrio relatadas na análise dos materiais biológicos. Os critérios de exclusão e os significados das linhas são os mesmos que para as figuras anteriores.



Em relação à amostra aquosa (primeiro exercício) os valores médios encontrados (µg L-1 ± s) foram 120 ± 8 (Cd), 335 ± 21 (Cu), 693 ± 61 (Pb) e 107 ± 8 (Zn). Para a faixa de concentração escolhida, estes resultados podem ser considerados satisfatórios, tendo havido um baixo índice de rejeição, valendo relembrar que nem todos os metais foram determinados por todos os laboratórios. A técnica mais utilizada foi a espectrometria de absorção atômica, seguido da voltametria, ICP-AES e ativação neutrônica.

Em relação à determinação de mercúrio nos materiais biológicos, os resultados podem ser considerados bons, tendo em vista o nível de concentração e a complexidade das matrizes e ainda a pequena massa distribuída aos participantes. Os laboratórios envolvidos neste segundo exercício realizam determinações rotineiras de mercúrio, em função de pesquisas em andamento nas suas Instituições, devendo ser considerados como um subgrupo especializado neste tipo de análise. Os valores médios (mg g-1 ± s) para cada amostra foram 2,2 ± 0,2 para o cabelo e 6,2 ± 1,1 para a amostra de peixe.

Os resultados encontrados revelam a boa qualidade analítica dos dados gerados em Instituições Acadêmicas e de Pesquisa no país. Infelizmente a abrangência de tal afirmação é limitada, em função do pequeno número de laboratórios participantes. Mas deve-se ter em mente que os exercícios aqui relatados partiram de iniciativas individuais dos autores, sem o apoio financeiro de um projeto específico, o que em muito limitou o seu alcance. Caracterizou-se, de qualquer forma, a capacidade de produzir amostras adequadas a tais exercícios embora, naturalmente, uma produção em maior escala venha a gerar novos desafios. Os resultados encorajam a realização de outros exercícios semelhantes, mais abrangentes, sendo que as Instituicões de Pesquisa do país e seus órgãos financiadores podem ter aqui um papel fundamental , uma vez que não se vislumbra, até o momento, a ação dos órgãos reguladores governamentais neste campo. O esforço de se abranger um maior número de laboratórios deve buscar não só um maior número de instituições governamentais mas, também, alcançar os laboratórios privados envolvidos em determinações de traços.

Recebido em 27/2/96; aceito em 7/3/97

  • 1. Van Loon, J. C.; Selected Methods of Trace Metal Analysis: Biological and Environmental Samples, John Wiley and Sons, N. York 1985.
  • 2. Iyengar, G. V.; Elemental Analysis of Biological Systems CRC Press, Inc.; Boca Raton, Florida 1989.
  • 3. Taylor, J. K.; Quality Assurance of Chemical Measurements Lewis Publishers Inc/CRC Press; Boca Raton, Florida 1987.
  • 4. Rogers, L. B.; J. Chem. Educ. 1986, 63, 3.
  • 5. De Bièvre, P.; Quim. Nova 1993, 16, 491.
  • 6. Topping, G.; Cooperative Report 11, International Council for the Exploration of the Sea, Copenhagen, 1982.
  • 7. Mohl, C.; Groebecker, K. H.; Stoeppler, M.; Fresenius Z.; Anal. Chem. 1987, 328, 413.
  • 8. M'Baku, S. B. e Parr, R. M.; J. Radioanal. Chem. 1982, 69, 171.
  • 9. Bortoli, A.; Muntau, H.; Taccani, F.; Boll. Chim. Igien. 1990, 41, 1.
  • 10. Okamoto, K.; Morita, M.; Quan, H; Uehiro, T. and Fuwa, K.; Clin. Chem. 1985, 31, 1592.
  • 11. Aston, S. R.; Oregioni, B.; Veglia, A.; Atom. Absorp. Newslet. 1987, 8, 155.
  • 12. Moreira, M. F. R.; Curtius, A. J.; Campos, R. C.; Analyst 1995, 120, 947.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 1997

Histórico

  • Aceito
    07 Mar 1997
  • Recebido
    27 Fev 1996
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