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O papel da pós-graduação na formação do químico

EDITORIAL

O papel da pós-graduação na formação do químico

Solange CadoreI; Vitor F. FerreiraII

IIQ/Unicamp

IIEditor de QN

A Química Nova publica neste número o artigo "A Formação do Químico", documento elaborado e amplamente discutido em todo o país, tendo sido tema de pauta de várias reuniões com a comunidade, inclusive com representantes do governo federal. Nessas discussões verificou-se a preocupação em formar profissionais competentes, com conhecimento e iniciativa, que possam ser absorvidos pelo mercado de trabalho1.

No caso da Química, por exemplo, sabe-se que somente cerca de 25% dos Mestres e 5% dos Doutores são absorvidos pela indústria, mostrando que a grande maioria dos pós-graduados busca a Docência como destino profissional.

Os Coordenadores de Pós-graduação em Química, cientes do papel de seus Cursos na formação de novos profissionais, têm se reunido periodicamente com o presidente do Comitê da área junto à Capes e membros da comunidade para discutir assuntos relativos aos Cursos e, também, sobre o futuro da Pós-graduação, abordando temas como financiamento, avaliação, gargalos institucionais, entre outros.

Em dezembro de 2002, foi realizado na Universidade Federal da Bahia, o I Workshop de Pós-Graduação em Química com o tema "A Química no Brasil: Situação Atual e Perspectivas". Na ocasião, procurou-se contextualizar a situação da pesquisa em Química, identificando alguns dos problemas e desafios da área, discutindo "Os Eixos Mobilizadores em Química" no país, que resultou em um documento publicado em Química Nova2. Em continuidade, em dezembro de 2003, na Universidade Federal Fluminense, os coordenadores de cursos de pós-graduação em Química e outros pesquisadores da área reuniram-se no II Workshop, cujo tema foi "O Papel da Pós-graduação na Formação do Químico", dando prosseguimento às discussões relacionadas com a Formação do Químico3, além de outros assuntos referentes à pós-graduação.

Todos esses eventos contaram com a iniciativa e o apoio da Sociedade Brasileira de Química, além da participação de membros dos Comitês de Química da Capes, do CNPq e do MCT.

É reconhecido o fato que existe um campo bastante amplo para absorver mestres e doutores na Academia, uma vez que o Brasil é um país extremamente grande e o ensino de Química está presente em toda a sua extensão. Mas será esta realmente a vocação dos nossos doutores ou é a opção mais favorável dentro do atual contexto sócio-econômico? O setor não-acadêmico não necessita do profissional mais qualificado, como os doutores? Existe algo que a Academia possa fazer para que a distribuição da oferta de oportunidades dentro dos diferentes setores se torne mais eqüitativa? Este é um desafio para os professores e pesquisadores da área, que passa por diversos aspectos, incluindo o tipo de formação que é enfatizado na pós-graduação e a interlocução do setor acadêmico com o setor industrial.

As discussões do II Workshop concentraram-se nos currículos de pós-graduação, na interdisciplinaridade e no perfil do profissional desejado, mostrando que o aluno de PG, além do conhecimento diferenciado em relação ao tema de sua Dissertação ou Tese, deve possuir um conhecimento mais abrangente e interdisciplinar, cursando disciplinas que não se restrinjam ao tema de seu trabalho. Neste caso, é necessário buscar a convalidação pelo Programa do aluno, sem maiores dificuldades burocráticas, de disciplinas mais especializadas oferecidas por uma IES diferente daquela onde o aluno está matriculado. É importante, para a formação mais ampla, assistir e ministrar seminários, além de participar de eventos científicos. Ao final do curso, os alunos de Doutorado, especialmente, devem ser capazes de elaborar um projeto de pesquisa, um pedido de patente e de escrever um artigo científico. Além disso, como muitos dos pós-graduandos trabalharão na área de ensino, devem ter a oportunidade e ser incentivados a participar de tarefas didáticas, porém, sempre com a orientação, o acompanhamento e a avaliação de um docente. Por outro lado, visando ampliar as possibilidades profissionais, é necessário estabelecer estratégias buscando maior aproximação com o setor não-acadêmico.

É claro que essa discussão e essas conclusões não são novas e, certamente, não será fácil superar as dificuldades que fazem com que sejam sempre um tema atual. Afinal, não depende só da vontade dos alunos ou dos docentes criar profissionais com uma formação sólida e ampla, com uma visão crítica, que saibam tomar decisões e, principalmente, que aprendam a aprender para saber ensinar. Estas características são fundamentais em qualquer setor de atividade, acadêmico ou industrial. A difícil arte de conversar com o aluno ingressante, com o formando, com o futuro pesquisador, com o funcionário menos qualificado ou com o dirigente responsável pelo emprego de centenas de trabalhadores exige esforço e dedicação constantes, além de bom senso. E tudo isso passa pela realidade social, política e econômica do país. Se, por um lado, temos a esperança de que o valor e o número das bolsas de pós-graduação aumentem, que novos concursos sejam abertos, que novas oportunidades sejam oferecidas, por outro, temos dificuldades para adquirir reagentes imprescindíveis para a pesquisa, seja em função dos poucos recursos destinados à pesquisa, dos elevados preços dos reagentes importados (além das dificuldades de importação) ou dos próprios controles dos órgãos externos à Universidade.

Desta forma, é necessário estar atento aos aspectos práticos do ofício de ser Químico, sem esquecer de refletir sobre questões mais profundas, como aquelas levantadas em Niterói: O que o pesquisador do futuro vai pesquisar? Quais são as lacunas existentes na área de Química? Como fazer para estimular a pesquisa na interface com algumas áreas? Como fazer para introduzir o conceito de patente nos cursos de Pós-Graduação? Como identificar as patentes depositadas ou concedidas e incluir essas informações nos projetos? Como implementar a interação com o setor não-acadêmico? Qual é o perfil do profissional que a empresa deseja?

É importante ressaltar a importância dos cursos de Mestrado e Doutorado em Química na solução de alguns desses pontos, mas isso depende de um conjunto de variáveis, como a filosofia do curso, infra-estrutura, recursos humanos, vontade política, dedicação de alunos e docentes, entre outras.

A Capes tem cumprido seu papel no que tange à avaliação dos cursos de Pós-graduação, apontando aspectos positivos e outros que necessitam de ajustes, sem interferir na individualidade de cada um deles. Evidentemente, esse foi também um assunto de pauta da reunião de dezembro/2003, especialmente pela proximidade do final de mais um triênio da avaliação, quando os novos conceitos dos cursos serão divulgados pela Capes. Certamente, não existe unanimidade em relação aos critérios da avaliação, mas as discussões mantidas com os Coordenadores têm se mostrado úteis no sentido de esclarecer dúvidas e levantar sugestões, visando aperfeiçoar este processo.

Sem dúvida, os assuntos relacionados à Pós-graduação são inúmeros e haverá ocasião para muitos workshops, numa tentativa de avançar essas discussões, visando aprimorar cada vez mais essa importante fonte de recursos humanos qualificados. Para 2004, já está agendado o III Workshop, na Universidade Federal de Sergipe.

REFERÊNCIAS

1. Andrade, J. B. de; Cadore, S.; Vieira, P. C.; Zucco, C.; Pinto, A. C. Quim. Nova 2004, 27, 358.

2. Andrade, J. B. de; Cadore, S.; Vieira, P. C.; Zucco, C.; Pinto, A. C.; Quim. Nova 2003, 26, 445.

3. Andrade, J. B. de, Editorial, Quim. Nova 2004, 27, 3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 2004
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