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Medicina Social no Brasil: antecedentes históricos

No Brasil, como em qualquer outro país industrializado ou "em desenvolvimento" (qualificação diplomática e cortês, inventada para não agastar os subdesenvolvidos), é universalmente reconhecida hoje a especialização de SANITARISTA. Aparentemente, bastaria esse reconhecimento para buscar as recentes origens históricas e a evolução desse novo ramo especializado das ciências da saúde. Isso no que se refere ao "conceito" e às características profissionais do termo SANITARISTA.

Muito mais velha, mais secularmente antiga, é a busca de uma definição de dois termos que, superficialmente, dispensariam definição: MÉDICO e SAÚDE.

Para evitar maiores comentários, bastaria dizer que em todas as Escolas e Cursos de Saúde Pública existe uma carga horária destinada a estudar "definições de saúde", e uma longa e mundial tarefa, patrocinada pela Organização Mundial da Saúde, esgota todos os recursos para encontrar uma definição para a profissão Médico.

Não é de admirar que a recém-nascida expressão SANITARISTA tenha, em curto espaço de tempo, transbordado aos limites de uma especialidade médica de Pós-Graduação, para a abrangência de numerosas áreas não-médicas. Os breves comentários que vêm de ser feitos, se destinam evidentemente, a não limitar o exame de surgimento de conceitos tradicionais dessa atividade, sem antes dar um enfoque geral de como ela deve ser encarada nos dias de hoje.

Um fato não pode ser deixado sem o devido comentário. Desde as mais remotas épocas, o homem compreendeu e reconheceu duas grandes modalidades de agressão ao seu "estado de saúde": as que atingiam apenas o indivíduo e as que se difundiam de forma mais ou menos intensa, mas sempre abrangendo considerável parte das populações. Os males individuais, quaisquer que fossem os conceitos e crenças de suas causas e de seus remédios, eram atribuições dos curandeiros, dos barbeiros ou dos médicos, consoante os diversos períodos históricos e suas características culturais. Os grandes matadores, as catástrofes pestilenciais, os dizimadores em massa de populações de países e até de continentes, esses constituíram o campo dos astrólogos, dos sacerdotes, dos adivinhos e dos profetas, na desesperada busca da explicação e das medidas para sustar a marcha inexorável das pestilências. Desde, pois, perdidas na noite dos tempos, a proteção do indivíduo e o direito da comunidade encontravam, nesse campo, inevitável motivo de choques e de oponências filosóficas, religiosas, políticas e sociais. Em conseqüência, a própria natureza dos métodos de ação e do agrupamento aguerrido dos filiados aos campos opostos, perdurou até um passado próximo e ainda deixa marcas e restos visíveis desses desencontros. A Medicina Curativa, ocupada, por natureza, em concentrar todas as suas forças na cura da doença e a Medicina Preventiva a focalizar a sua ação sobre os problemas das comunidades, alargaram progressivamente as barreiras que, desde as mais remotas eras, diversificavam o tratador dos males individuais dos místicos rezadores, para aplacar a cólera dos deuses ou as emanações mefíticas e telúricas responsáveis pelas dizimações pestilenciais.

Até a segunda metade do Século XIX ou seja, até Pasteur, a saúde do indivíduo ou das coletividades se caracterizava quer num campo, quer no outro, pelo empirismo e, conseqüentemente, pela insegurança e ignorância das causas reais e responsáveis pelos acontecimentos.

Na treva dos tempos surgiram lampejos, como Hipócrates e sua Escola de Cós, marcando as alturas que pode alcançar o gênio do homem, antecedendo, de séculos, o encontro com a verdade. De fato, entre Hipócrates e Pasteur, a humanidade não encontrou o caminho que a conduzisse a libertar-se dos seus implacáveis inimigos: as pestes.

Louis Pasteur não rasgou, porém, apenas as largas avenidas que permitiam a rápida e progressiva vitória contra os microorganismos e seus mecanismos de contágio e transmissão. Ele devolveu ao homem a sua presença no Cosmos, não como o centro supremo das leis biológicas, mas como um humilde participante das mercês e dos riscos do drama da vida na BIOSFERA.

Reconheço que o adjetivo "humilde" não é apropriado para quem, controlando vírus, micróbios e parasitas, vai, progressivamente, se transformando no maior predador, poluidor e mais terrível inimigo do próprio homem. O fato de tê­lo usado visou apenas deslocá-lo da sua pretensiosa e falsa posição de centro e dono dos bens da natureza, para alertá-lo sobre a opção entre adaptar-se e conservar esses bens ou caminhar para a sua autodestruição.

Os comentários e reflexões que vêm sendo alinhados, visam justificar as razões e origens que mantiveram no longo passado uma fronteira conceitual e operacional entre Medicina Curativa e Medicina Preventiva, entre Medicina Individual e Medicina Coletiva, entre Assistência Médica e Saúde Pública, entre Prática Médica e Medicina Social e as referências poderiam continuar sem esgotamento. Aqui, no Brasil, uma breve referência merece ser feita em como se encaixam os comentários à nossa realidade. Na área médica, a luta contra os grandes problemas de predominância política e social, e as lideranças das Escolas de Tropicalistas da Bahia e do Rio, determinaram a elevação do Sanitarismo (ainda não batizado com esse nome) a um nível de equilíbrio com o prestigio e o renome dos grandes vultos da Clínica e do Ensino Universitário.

Consolidados os êxitos sobre a Febre Amarela e a Peste Bubônica nos grandes centros, as atividades de saúde pública foram progressivamente sendo envolvidas pela burocratização e pelo empreguismo.

As atividades sanitárias foram decaindo para as mais elementares atividades de polícia, de fiscalização das habitações, dos gêneros alimentícios, das farmácias e do exercício profissional, caracterizando-se o papel do médico à assinatura de papelório burocrático, em forma de "bico" em tempo de curta duração, entre a saída de casa e a chegada ao Hospital ou ao Consultório.

Foi nesse período, que é conhecido por todos os que viveram a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que surgiu a Pandemia de Gripe "Hespanhola", em 1918, e que marcou uma nova fase histórica com a criação, por Carlos Chagas, do Departamento Nacional de Saúde. A gigantesca tarefa a ser enfrentada encontrava, então, o seu maior obstáculo: a completa carência de profissionais especializados. Os primeiros sinais do nascimento da nova carreira de sanitarista consistiram na vinda, para São Paulo, de dois diplomados em Saúde Pública pela Universidade de Harward - os Drs. Geraldo de Paula Souza e Borges Vieira - e da resolução do 1° Congresso Brasileiro de Higiene, reunido no Rio de Janeiro, em 1924 - apresentada e defendida por Carlos Sá - da Criação de um Curso de Saúde Pública, nos moldes dos existentes em Universidades Norte-Americanas.

Essas simples referências marcam, na realidade, a fase Pré-Natal, do que hoje pode ser examinado como a força geradora de uma Política Nacional de Saúde e a efervescência polêmica, porém, sinal de conscientização da importância da avaliação na implantação do Sistema Nacional de Saúde.

O potencial em que repousa a segurança futura da disponibilidade de recursos humanos para a projeção das ações de saúde, já pode ser qualificado e quantificado pelos informes sobre a "Produtividade dos Cursos de Pós-Graduação do Brasil, em 1975", e sobretudo a "Situação atual da Pós-Graduação 1976-1977", em ação conjugada da CAPES e do CNPq.

O desenvolvimento dos cursos de Pós-Graduação reflete, de forma incontestável, o interesse e a compreensão da juventude em ingressar na área das Ciências da Saúde, como complemento indispensável aos cursos de graduação.

Vale notar, por fim, que algumas das características do ensino da Medicina Social no Brasil, estão contidas em um imenso e generalizado esforço na preparação de pessoal de nível médio.

Infelizmente, não se possuem dados sobre a dimensão desse esforço, mas há conhecimento de que em todas as esferas governamentais e de iniciativa privada a preparação de pessoal auxiliar já vai atingindo a meta há tanto desejada.

No que se refere à Saúde, a velha crítica de que possuíamos um exército de generais vai progressivamente desaparecendo, e o efeito multiplicador dos recursos humanos de alto nível nos permite considerar o momento atual como altamente satisfatório, no que tange ao nível da Medicina Social no Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1978
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