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Situação do ensino das profissões de saúde na Universidade Federal da Bahia

INTRODUÇÃO

É boa norma, no sistema educacional, o emprego da auto-avaliação como forma de corrigir falhas e desvios do método docente.

Com relação ao ensino das profissões de saúde, comprimido entre as demandas exercidas, de um lado pela obrigatoriedade de constante atualização técnica e, do outro, pela crescente exigência na prestação de serviços assistenciais, é onde esse inventário faz-se imperioso, ainda mais quando o processo de reavaliação em curso tem mostrado a inadequação dos propósitos vigentes de formação do profissional de saúde na maioria dos países que adotaram a especialização como norma, do que resulta um apelo ao retorno a padrões até recentemente classificados de arcaicos, tendentes à valorização do generalista, do “médico de família”, do clínico geral, voltado para a assistência primária de saúde de que carece o grosso da população de baixa renda, principalmente nos países em desenvolvimento.

Em nosso país, a par dessas constatações, a incapacidade, de gerar os meios de financiamento imprescindíveis ao ensino na área da saúde põe em evidência a necessidade de melhor utilização dos recursos disponíveis em diferentes setores, ou seja, a integração docente-assistencial, com a dupla finalidade de adequar o sistema formador às necessidades do consumidor e de permitir o uso dos recursos assistenciais, físicos e humanos, para a complementação das carências docentes.

Foi exatamente dentro dessa perspectiva que se procedeu, no âmbito da Universidade Federal da Bahia, a um trabalho multissetorial do qual faz parte o levantamento ora apresentado.

MATERIAL E METODOS

Com a finalidade de avaliar a situação das profissões de saúde três tipos de formulários foram elaborados, destinados às unidades de ensino, às unidades assistenciais e aos usuários dos profissionais formados nas diferentes escolas.

O primeiro foi aplicado nas Escolas de Enfermagem e de Nutrição e nas Faculdades de Medicina e de Odontologia. O segundo foi aplicado no Hospital Prof. Edgard Santos e na Maternidade Climério de Oliveira que servem de campo de treinamento da área de saúde. Por último, de referência aos usuários, foram entrevistados quatro elementos relacionados aos campos de nutrição, medicina, odontologia e enfermagem na Secretaria da Saúde Pública e no INAMPS.

No intuito de verificar as opiniões referentes aos objetivos dos cursos para a formação do profissional, decidimos entrevistar separadamente os diretores das unidades e coordenadores de Colegiado de Curso, a fim de constatar a existência de homogeneidade de pensamento nesse aspecto. A avaliação dos órgãos suplementares foi realizada visando a verificação dos recursos materiais e didáticos que determinam o processo ensino/aprendizagem. Para completar, resolvemos ouvir os usuários das várias profissões, como forma de comparar os objetivos da formação profissional com a demanda real dos serviços da comunidade.

RESULTADOS

Objetivos dos cursos - Na Faculdade de Medicina houve concordância entre o diretor e o coordenador do Colegiado em que toda ênfase deva ser dada na formação de um médico generalista, evitando no possível a especialização precoce, e na abertura da escola para a comunidade, como forma de permitir ao aluno um melhor conhecimento da realidade das condições de saúde do meio onde exercerá a profissão.

Com relação à enfermagem, as entrevistadas foram unânimes em declarar a necessidade de formar enfermeiras generalistas, atuando no ciclo saúde-enfermidade, com vistas a atender às necessidades regionais e nacionais na assistência primária, secundária e terciária.

Na área de nutrição, as opiniões foram consoantes no aspecto relacionado às necessidades de formar nutricionistas capazes de atender à comunidade, atuando em programas de nutrição na área de saúde e doença.

Quanto aos odontólogos, evidenciaram harmonia sobre os objetivos do curso, afirmando ser necessário formar profissionais conscientes do atendimento global ao ser humano e capazes de atuar em qualquer meio sócio-econômico, na prevenção e tratamento dos problemas odontológicos.

Avaliação dos usuários - Os usuários, nas várias áreas de atuação (INPS - Secretaria de Saúde), declaram que os profissionais a eles encaminhados, não atendem de modo satisfatório às necessidades dos serviços. Em relação à medicina, foi criticada a formação especializada, com pouco ou nenhum conhecimento de saúde pública. Em relação é enfermagem, os usuários foram unânimes em salientar a necessidade de melhor preparo técnico-científico dos futuros profissionais; foi sugerido a prestação de assistência de enfermagem ao indivíduo, família e comunidade no ciclo saúde-enfermidade, com base em experiências nos diversos serviços de saúde da comunidade, em zonas urbanas e rurais. Outrossim, foi ressaltada a assistência direta ao ser humano, como principal objetivo a ser alcançado na formação dos estudantes, o que irá de encontro à meta desejada para o melhor exercício profissional. Os odontólogos chamam a atenção da formação não voltada para. as necessidades da comunidade, recebendo com freqüência profissionais altamente especializados, mas sem formação básica, deficientes no exercício das práticas mais elementares da profissão, como extrações dentárias, enquanto altamente competentes na execução de práticas sofisticadas.

COMENTÁRIOS

Vê-se, inicialmente, que os objetivos de formação profissional, expressos pelas autoridades responsáveis pelo desenvolvimento curricular nas várias unidades, não correspondem ao produto final obtido nos cursos de graduação na área de saúde.

O descompasso entre considerações teóricas e a realidade das condições do ensino resultam na formação de um profissional com precários conhecimentos objetivos ou de um profissional desvinculado das necessidades básicas do indivíduo, família e comunidade, onde a prevenção da doença e a promoção da saúde são relegadas a segundo plano e a especialidade enfatizada, o que deverá, por todos os meios, ser corrigido.

É possível que a falta de um marco conceituai que norteie a formação do futuro profissional esteja contribuindo para que os objetivos dos cursos não sejam alcançados. Neste sentido, algumas medidas já estão sendo tomadas, com vistas a sanar as deficiências existentes.

Na Faculdade de Medicina, uma reformulação no currículo foi implantada em 1974, a qual sofreu adaptação em 1978, visando voltar o ensino para a formação do médico generalista, com uma compreensão global do homem na comunidade. Além disso, está sendo elaborado um plano de trabalho, a fim de proporcionar estágios em zonas rurais, procurando, deste modo, levar o estudante a participar e vivenciar os problemas regionais de saúde, conscientizando-se do papel que desempenhará como agente de mudança na sociedade.

Na Escola de Enfermagem, um novo currículo está sendo estudado, com ênfase na formação generalista do enfermeiro, capacitando-o a proporcionar ajuda programada e contínua aos indivíduos, em qualquer fase do ciclo vital, visando a satisfação das necessidades indispensáveis para manter e recuperar a saúde.

Os estágios que vêm sendo realizados regularmente na área rural contribuem de modo significativo para o tipo de formação que se deseja atingir, bem como a utilização dos recursos existentes na comunidade, além dos disponíveis no Hospital Prof. Edgard Santos e na Maternidade Climério de Oliveira.

Temos conhecimento de que, recentemente, a Escola de Nutrição replanejou o seu currículo, salientando a Saúde Pública e voltado para o trabalho comunitário.

Por outro lado, além dos motivos já citados, justifica-se a extensão do ensino às zonas rurais pela necessidade de diversificar as fontes de procedência dos pacientes e o tipo de patologia que apresentam, desde quando verifica-se que, no Hospital Prof. Edgard Santos, a maioria dos pacientes (87%) provêm da área metropolitana.

O exame de dados da Tabela I mostra que, do ponto de vista de espaço físico, existe uma desproporção entre as áreas disponíveis e a população de alunos (Tabela VI), sendo a relação aparentemente mais equilibrada na Faculdade de Medicina (3.300,00 m2 para 1.022 alunos) e menos favorecida na Escola de Nutrição (879,27 m2 para 169 alunos), sendo que, para atender às exigências do ensino, esta Escola utiliza para suas aulas outro prédio da UFBa, o antigo Colégio de Aplicação. Na Faculdade de Odontologia parece-nos ocorrer à mais alta proporção (8.371,00 m2 para 424 alunos), vez que na Escola de Enfermagem uma apreciável parcela da sua área acha-se ocupada por outros órgãos da UFBa, (Banco do Brasil, Câmara de Graduação, ETA, Bolsa de Trabalho, Consultoria Jurídica e Projeto Rondon).

Na Tabela II estão discriminados os recursos docentes das diversas unidades em estudo. Verifica-se que, na Faculdade de Medicina, em que pese o aparentemente grande número de professores, é onde existe o maior desvio de docentes para outras atividades (assistenciais e administrativas), além do apreciável número de disponibilidades, por várias razões, o que reduziu o contingente especificamente disponível para o ensino em quase um quarto.

Os recursos auxiliares didáticos (Tabela III) mostram-se aparentemente suficientes à execução dos cursos, ainda mais quando se deve considerar paciente como arma mais importante para o aprendizado na área de saúde.

Contudo, as instalações para campo de estágio e atividades práticas mostram-se altamente deficientes, tanto no Hospital Prof. Edgard Santos como na Maternidade Climério de Oliveira, seja pela carência de recursos materiais (deficiente número de leitos, de salas de aula, de espaço ambulatorial, de serviços complementares) ou de pessoal de apoio (técnico e administrativo).

No momento, além desses órgãos suplementares, utilizados como laboratório de prática no ensino de graduação das profissões de saúde, a Faculdade de Medicina realiza estágios nas seguintes instituições: Hospital Getúlio Vargas Maternidade Tsylla Balbino, Hospital Couto Maia e, para internato, eventual mente utiliza zonas urbanas, fora da área metropolitana.

A Escola de Enfermagem usa a Maternidade Tsylla Balbino, Hospital Ana Nery, Hospital Getúlio Vargas, 5o Centro de Saúde, Hospital Couto Maia e Ambulatório Mario Leal. A Escola de Nutrição realiza seus estágios também no Hospital Getúlio Vargas, IPERBA e Hospital Santa Therezinha. A faculdade de Odontologia não utiliza o Hospital Prof. Edgard Santos valendo-se de outros recursos da comunidade tais como: Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Social do Comércio (SESC), Centros de Saúde do Estado e consultórios particulares.

Embora estas unidades da UFBa tenham como campo de prática os locais acima citados, eles não atendem plenamente às exigências do ensino, de modo quantitativo e qualitativo.

O fato é ainda mais agravado pela inexistência de instalações apropriadas para algumas dessas atividades práticas no novo prédio da Faculdade de Medicina somente dotado de salas destinadas aulas teóricas, o que provoca a dispersão do ensino, com algumas delas mal localizadas, como é o caso do ensino da Anatomia Patológica, precariamente instalada no anexo (1).

Na Tabela IV, onde está apresentada a qualificação docente nas quatro unidades estudadas, percebe-se que o número de pessoal com algum tipo de qualificação é superior, de forma absoluta, na escola mais tradicional, a Faculdade de Medicina, sendo o mais baixo na unidade mais recente, a Escola de Nutrição. Se considerados esses números, entretanto com relação ao total de docentes em cada escola, verificamos que na Escola de Nutrição o percentual é o mais baixo de 1/3 (4 para 12), logo seguido da Faculdade de Medicina, com pouco mais de1/3 (87 para 246), sendo igual, de cerca de 50%, na Escola de Enfermagem e Faculdade de Odontologia (25 para 50 e 26 para 51, respectivamente). As vantagens e desvantagens para o ensino e as dificuldades para a aquisição da qualificação mereceriam uma análise especial que, todavia, achamos fugir ao escopo do presente trabalho. É de ressaltar, contudo que, nas escolas com o maior grau de qualificação do pessoal docente, foi onde as críticas se fizeram mais contundentes, de referência à formação profissional, o que nos leva, talvez, a

Na Faculdade de Medicina a situação é semelhante à de Enfermagem, com o agravante de que a maioria dos docentes encontra-se à disposição dos órgãos suplementares (Hospital Prof. Edgard Santos e Maternidade Climério de Oliveira), onde ao lado das atividades docentes, assumem todo o encargo assistencial, do ambulatório ao centro cirúrgico, situação, em outras partes, obviada pela existência de um corpo clínico próprio da instituição hospitalar utilizada para o ensino, o que não é o nosso caso.

CONCLUSÕES

Os dados levantados no presente trabalho permitem elaborar as seguintes conclusões:

1 - É necessário que os objetivos idealizados para a formação do profissional de saúde sejam viabilizados a nível curricular como forma de adequá-los às reais necessidades da comunidade a ser servida.

2 - Com essa finalidade, é da maior importância a exposição do aluno ao ambiente em que irá desempenhar o seu trabalho, com a utilização dos serviços assistenciais em diferentes níveis, inclusive de áreas rurais, o que também virá desafogar a extrema concentração de estudantes nas poucas instalações universitárias.

3 - Faz-se evidente a necessidade de melhor distribuição hierárquica do pessoal docente, da diversificação dos processos de qualificação docente e do provimento de renovação dos quadros iniciais da carreira de magistério.

  • 1
    Trabalho integrante do Projeto Integração Ensino-Serviço na Área da Saúde, UFBa/Governo do Estado da Bahia/Fundação Kellogg.

QUADRO SINÓTICO I
CARACTERIZAÇÃO DOS ORGÃOS SUPLEMENTARES DA ÁREA DE SAÚDE DA UFBa 1978
QUADRO SINÓTICO II
SERVIÇOS COMPLEMENTARES DOS ORGÃOS SUPLEMENTARES DA ÁREA DE SAÚDE DA UFBa. 1978
TABELA I
ESPAÇO FISICO EM METROS QUADRADOS DAS UNIDADES DE SAÚDE DA UFBa. 1978
TABELA II
RECURSOS HUMANOS DOCENTES NA ÁREA DE SAÚDE DA UFBa. 1978
TABELA III
RECURSOS AUXILIARES DIDÁTICOS DAS UNIDADES DE SAÚDE DA UFBa. 1978
TAB ELA IV
QUALIFICAÇÃO DOS DOCENTES DA ÁREA DE SAÚDE DA UFBa. 1978
TABELA V
CATEGORIA DOS DOCENTES NAS UNIDADES DA ÁREA DE SAÚDE DA UFBa. 1978
TABELA VI
RELAÇÃO ALUNO/PROFESSOR NAS UNIDADES DAS ÁREAS DE SAÚDE DA UFBa. 1978

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1980
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