Departamento x Coordenação de Curso

As modificações na estrutura acadêmica das universidades brasileiras, iniciadas em 1966, ainda não lograram total implantação, tais os óbices que se antepõem a qualquer processo de mudança de uma organização tradicional.

Dentre as inovações introduzidas pela reforma universitária, distingue-se, por sua importância para o ensino, a criação de um colegiado responsável pela coordenação didática dos cursos de graduação.

Em documento recente, cuja divulgação foi particularmente estimulada pelo Ministério da Educação e Cultura, a Secretaria de Ensino Superior, afirmava "o regime atual de coordenação didática dos cursos é sabidamente deficiente e precisaria sofrer ajustamentos, com o objetivo de caracterizar a administração de um curso como sendo a gerência de um projeto de aprendizagem"¹.

Criadas com diferentes denominações, às coordenações de curso têm sido atribuídos significação e objetivos diversos pelas diferentes universidades.

A propósito, Marcondes Rosa, em bem elaborado trabalho sobre administração escolar, ao referir-se ao colegiado de coordenação didática, escreve "...na maior parte das instituições de Ensino Superior, essa figura tem tido pouca vitalidade, não desempenhando, portanto, o papel que dela se era de esperar. A variedade de denominações, de instituição a instituição da nova figura ("comissão de curso", "câmara curricular", "comissão de integração curricular", "comissão de carreira", "coordenação de curso de graduação" etc) reflete mais que uma indefinição semântica, muito mais as vacilações interpretativas de natureza administrativa e do papel de tal órgão"². Não é de estranhar, portanto, o questionamento das coordenações e as propostas de sua reformulação.

Creio que o problema se colocaria melhor na linha de buscar a razão de ser da inovação, no conjunto da nova organização das universidades a partir da reforma universitária, e não no esforço interpretativo de seu significado.

Nas antigas escolas e faculdades, que se confundiam com os próprios cursos, suas congregações e conselhos técnico-administrativos, bem, ou mal, cuidavam dos assuntos atinentes à coordenação de ensino. Com sua transformação em "unidades mais amplas", coordenando departamentos, criou-se uma estrutura organizacional geradora de novos parâmetros de funcionalidade.

Os departamentos passaram a ministrar disciplinas para cursos diversos e, só por exceção, a um departamento corresponde um curso de graduação. Neste último caso, podem-se confundir departamentos e coordenação, porém nos demais, que por sinal constituem a regra, surge um vazio a ser preenchido.

Daí a necessidade dos colegiados de coordenação didática para ocupar este espaço e exercer a ação normativa e coordenadora do ensino em cada curso de graduação. O que é de estranhar é a perplexidade que tem marcado a sua operacionalização.

Dois motivos, pelo menos, explicariam tal situação: uma reação inconsciente às mudanças da reforma do ensino superior, ou o desconhecimento dos objetivos específicos dos departamentos e das coordenações de cursos. Seria o caso de retornar à discussão sobre definição e competência de ambos.

Valnir Chagas, por exemplo, com sua in­ conteste autoridade, não deixa dúvida na caracterização do departamento ao afirmar que é "um órgão de ensino e pesquisa que se organiza como: a) um conjunto de disciplinas; b) uma congregação de professores que as cultivam; e c) um serviço administrativo. É também um colegiado que delibera em seu próprio âmbito, e uma unidade executiva, designando-se ambas as funções pelo mesmo nome"³.

A coordenação de curso, no entendimento de um grupo de trabalho da Unidade Federal do Ceará, é o "órgão básico da administração escolar, paralelo ao Departamento, configurado sob o critério da afinidade curricular, integrado pela representação das unidades curriculares do curso"⁴. Mas, como advertem Clementina Fraga Filho e Alice Reis Rosa, em recente publicação, existe "uma impossibilidade que se vem tornando cada vez mais nítida e que dificulta a ação das comissões de ensino. É a superposição da organização departamental, necessariamente rígida e permanente, à organização curricular, necessariamente flexível e reajustável"⁵.

Na realidade, não pode haver supremacia; departamentos e coordenações se interligam, como dizíamos em encontro nacional sobre avaliação de reforma universitária: "O departamento administra professores e ministra disciplinas, mas não possui necessariamente vista panorâmica do curso. O departamento é indiferenciador na oferta, a coordenação vê pela ética do curso. A ela compete, como seu próprio nome sugere, tirar o melhor proveito dos recursos departamentais em favor de um campo de ensino, de um

currículo sistematizado e hierarquizado"⁶.

Quem vê o curso é a coordenação e, por isto mesmo, lhe cabe coordenar o ensino.

Walter Moura Cantídio
Ex-Reitor da Universidade Federal do Ceará

• ¹
  SEMINÁRIO GERAL - Uma tentativa de administração solidária. Coleção Documentos Universitários - Fortaleza, Ceará.
• ²
  SOUSA, Marcondes Rosa de. - Administração escolar e seus reflexos no ensino de graduação - Fortaleza, julho, 1980.
• ³
  CHAGAS, Valnir - O Departamento na organização universitária. Universidade Federal da Bahia - Salvador, Bahia, 1977.
• ⁴
  Proposta de reformulação estrutural das coordenações dos Cursos da Universidade Federal do Ceará - Relatório do Grupo de Trabalho, 1982.
• ⁵
  FRAGA FILHO, Clementino e ROSA, Alice Reis - Temas de Educação Médica - Ministério da Educação e Cultura - Secretaria de Ensino Superior - Brasília, 1980.
• ⁶
  Avaliação da reforma universitária numa universidade: a Universidade Federal do Ceará. II Encontro de Reitores das Universidades Públicas e Diretores de E.I.E.S. - Brasília, 1973.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Jan 2022
• Data do Fascículo
  Sep-Dec 1982