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O ensino da Medicina Física e Reabilitação

Ao observarmos os avanços que se operam no campo das ciências médicas, devemos reconhecer como inteiramente justa e necessária a preocupação de adequar o currículo escolar à perfeita formação científica e profissional do médico. Justificam-se, assim, as periódicas reformas do ensino nas Escolas de Medicina, onde novas disciplinas são criadas, reformuladas, ou subdivididas. Julgamos, entretanto, que essas mudanças não se devem relacionar apenas a uma visão nova dos processos patológicos e dos avanços científicos, sobretudo se está em jogo o ensino formal de uma especialidade moderna e atual em cujo âmbito se encontra problema médico-social da maior importância para nosso país. Referimo-nos, especificamente, à Medicina Física e Reabilitação, consagrada no Brasil, sob a denominação de Fisiatria, ao problema dos incapacitados físicos e mentais. Trata-se de especialidade médica reconhecida oficialmente pelo Governo Federal, através do Conselho Federal de Medicina, e cuja atuação se acha direta e intimamente ligada ao tratamento de reabilitação das pessoas deficientes.

A elevada incidência e a impressionante extensão do problema das incapacidades física e mental na população mundial (e no Brasil) têm merecido importante destaque no ano internacional das pessoas deficientes, promovido pela Rehabilitation International e pela Organização das Nações Unidas.

Estudos realizados pelo primeiro organismo internacional, em 1969, revelaram que existem, atualmente, cerca de 500 milhões de pessoas deficientes em todo o mundo, 350 milhões das quais se encontram em países em desenvolvimento. Baseando os cálculos na razão um para dez (um incapacitado em cada dez pessoas), proposta pela Rehabilitation International, podemos concluir que nosso país conta hoje com 12 a 15 milhões de pessoas deficientes.

Um problema de tais proporções não poderia passar despercebido dos organismos médicos e sociais do mundo, especialmente considerando que a filosofia, o modus operandi e os recursos terapêuticos da Medicina Clínica e da Cirurgia não representam elementos adequados para o tratamento das seqüelas, das deficiências e das incapacidades de milhões de pessoas que não têm condições para participar social e laborativamente da vida na nação.

Meditando sobre esta grave questão, há de compreender-se a necessidade de serem propiciadas ao médico, durante sua formação universitária, os conhecimentos que o capacitem a assumir atitude objetiva e consciente perante o cliente incapacitado.

Devendo estar atualizado, não apenas com os progressos da medicina, mas, também, com os problemas sociais da população, o médico deverá compreender perfeitamente o significado da posição da Medicina Física e Reabilitação na “escala dos níveis de ação interponíveis na evolução natural da doença”. Nesta, encontram-se os seguintes destaques: 1) prevenção primária, compreendendo a prevenção da saúde e a proteção específica; 2) prevenção secundária, envolvendo diagnóstico e tratamento pronto; 3) prevenção terciária, interessando a limitação do dano e a reabilitação.

A Medicina Geral tem representado permanente motivo de interesse das autoridades, no que respeita à formação do médico. Mas, esta formação vê-se essencialmente vinculada ao tratamento da afecção, sem envolvimento direto com as seqüelas que as mesmas podem determinar.

De fato, cabe à Medicina Física e Reabilitação, a assistência ao incapacitado. Entretanto, ela não tem sido ensinada formalmente nos cursos de graduação das escolas médicas brasileiras, não obstante a notável carência de especialistas em Fisiatria no país.

De acordo com a Oficina Pan-Americana da Saúde, o Brasil necessita atualmente de cerca de 2000 médicos fisiatras para atender aos setores de Medicina Física dos Hospitais espalhados por centenas de cidades e os serviços, centros e clínicas especializadas funcionando por todo o território nacional. E a vocação médica para esta especialidade somente terá condições de manifestar-se quando a Fisiatria contar com as mesmas oportunidades de ensino das outras disciplinas, durante o programa de graduação.

Mencione-se o notável vulto de desenvolvimento que a reabilitação alcançou nesses últimos 30 anos. A história da especialidade é antiga no Brasil, e remonta aos tempos de Arthur Silva no hospital da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (1879). No momento, entretanto, importa ressaltar o aparecimento de centenas de clínicas, ambulatórios, serviços e centros de reabilitação em todos os Estados brasileiros, muitos dos quais de alto padrão científico e arquitetônico.

O próprio Governo Federal, preocupado com o elevado contingente de segurados incapacitados para o trabalho que têm sua sobrevivência a cargo da Previdência Social, resolveu criar uma rede nacional de Centros de Reabilitação Profissional, que hoje somam 26 unidades instaladas nas principais cidades do país.

Por outro lado, com o apoio da Sociedade Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, surgiram alguns cursos de pós-graduação e residências para a especialização de médicos em Fisiatria. Contudo, estes empreendimentos acham-se infelizmente contidos e limitados por falta de apoio das faculdades de medicina e de seus respectivos hospitais, do que resulta uma demanda inatendível de médicos fisiatras na comunidade.

Mencione-se, também, que por iniciativa de alguns médicos, instituições beneficentes e faculdades de medicina surgiram várias escolas de Fisioterapia, destinadas à formação de técnicos de reabilitação, que já formaram mais de 10.000 profissionais. Mas, uma equipe de reabilitação, inclui necessariamente o médico fisiatra - de consenso geral, o especialista do paciente incapacitado. Por seu preparo mais longo e mais abrangente é ele o líder natural da equipe, e dele depende praticamente seu funcionamento integrado e o sucesso do programa.

Toda a história da Fisiatria ou Medicina Física e Reabilitação acha-se referta de permanente efervescência científica e tecnológica. Ao lado disso, em face do crescimento da vida média dos indivíduos, dos acidentes de trabalho e de tráfego, das cardiopatias, das doenças degenerativas, dos acidentes vasculares cerebrais, dos reumatismos e de tantas outras afecções que afligem a humanidade, é extraordinariamente grande o volume de pessoas deficientes em todos os cantos da terra.

A junção desses fatos científicos e médico­sociais através das duas últimas guerras mundiais e nesta segunda metade do século XX, contribuiu efetivamente para elevar a Medicina Física e Reabilitação a uma posição de alto prestígio no cenário médico mundial e brasileiro.

De frente deste panorama, será justo esperar que nossas universidades evitem adotar uma posição de meras espectadoras do problema médico-social das pessoas deficientes. Isso poderá ser alcançado através de uma atitude realista e pragmática no que tange à preparação de médicos capazes de compreender e até mesmo de orientar o processo de reabilitação do incapacitado.

Conclua-se, portanto, que este é o momento propício para dar início ao ensino oficial da Medicina Física e Reabilitação no Brasil. É isto que os médicos fisiatras, veteranos e jovens, as sociedades médicas e as instituições de reabilitação esperam com uma ponta de ansiedade. Justifica-se esta expectativa por se tratar de um anseio histórico na vida de quantos se dedicam à reabilitação. Sua efetiva concretização representará o coroamento das convicções e dos esforços de um numeroso grupo de fisiatras que há longo tempo vem lutando por este ideal que marcará um novo prisma no ensino médico brasileiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1982
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